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SETOR LITORAL
Matinhos, 2008
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR LITORAL
Matinhos, 2008
A meus pais, que foram verdadeiros
pilares na educação da família e a
José Honorato da Silva (In memoriam).
Agradecimentos
Não somos uma ilha e, portanto, não construímos sozinhos nossos conceitos e
princípios. Muitos foram os que ao longo do caminho contribuíram para a realização desta
pesquisa. À minha família e meus professores a quem se deve o que hoje sou. Ao meu
companheiro, amigo e amado Deyves de Souza Guedes. À querida Professora Mestra
Mariana Pfeifer que acreditou e assumiu a orientação do meu projeto e foi fundamental para
que este criasse corpo. Ao corpo docente e administrativo do Colégio Estadual Professora
Tereza da Silva Ramos, que contribuíram diretamente para a concretização da pesquisa em
particular ao Professor Daniel Lara pela participação especial. Às Pedagogas Anisther
Fabretti Bossoni Saikali, Aracy Moreira Ramos Guimarães, Geni Longhi Rossi, Ione
Aparecida Fernandes, Isabel Cristina Silveira, Lílian Denise Schmitt de Jesus, Rosa Maria
de Oliveira, Silvana Macalossi Podbvesek e a todos os que me desafiaram e me obrigaram
a crescer. E acima de tudo a Deus pelo dom da vida e presença por meio do Espírito Santo
e a Jesus o Mestre dos mestres.
“Sei que quase nada sei,
Mas desconfio de muitas coisas”
Guimarães Rosa
Grande Sertão Veredas
Resumo
GUEDES, Francisca Araujo Costa. The school and the contemporary social challenges.
56 f. Monograph (Specialization in Social Work: social issues from an interdisciplinary
perspective). Universidade Federal do Paraná - Setor Litoral. Matinhos, September 2009.
This research proposed a subject for education and contemporary social challenges,
focusing on the expressions of the social work in schools in order to reflect on the
accountability of the school for its solution. To develop this study was initially performed a
literature review on the motivations of educational reforms, social issues and new family
configuration and its reverberations for school. In the field research were sought evidence of
the assumptions done in the earlier of the work. This research was conducted in a public
school in Middle School and High School (EJA) in the town of Matinhos-Pr. We interviewed
10 teachers of regular education, including school teachers, managers and coordinators. The
work provided a reflection on the social role of school before the expressions of the social
issue and a research of new questions that require further study.
RESUMO ................................................................................................................................. 07
ABSTRACT ............................................................................................................................ 08
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 11
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 55
11
INTRODUÇÃO
o país. Desta maneira, educador e educando tinham se convertido em capital humano que
poderia ser moldado com investimentos em educação.
Segundo a teoria do capital humano, de acordo com Motta (2009), a educação
potencializa o trabalho conferindo-lhe qualidade e, portanto, constitui-se numa estrutura de
redução da desigualdade econômica e social, na medida em que propicia o aumento da
produtividade da força de trabalho, resultando na melhoria de vida para o indivíduo, a família
e ao bem-estar social. No entanto, a conformação imposta pelo grande capital leva a
mecanismos de despolitização e à educação para a sobrevivência e conformação. A escola
deixa de ser integradora e passa a ser um mecanismo de educação para a acomodação e
reduz a questão da desigualdade social para uma questão de não-qualificação, recaindo
toda a responsabilidade para o trabalhador e o desempenho da escola.
Em meados da década de 1970, começa a crescer o movimento de reivindicação de
mudanças no setor da educação por meio de novos partidos de oposição que reunia
associações científicas e sindicais da área. Exigia-se a constituição de um sistema nacional
de educação orgânico e educação pública e gratuita como direito público subjetivo e dever
do Estado entre um amplo espectro de exigências. Entre eles, a melhoria da qualidade na
educação, valorização e qualificação dos profissionais, democratização da gestão,
exclusividade de verbas públicas para a escola pública e ampliação da obrigação do Estado
na oferta educacional para o período de 0 a 17 anos.
Em decorrência desses movimentos, houve um avanço do consenso produzido entre
os educadores sobre o que deveria ser um projeto nacional de educação e que culminou
com o movimento da Constituinte, que embora tenha sido desfigurado por um Congresso
Constituinte, no lugar do que deveria ser uma Assembléia Nacional Constituinte autônoma,
acabou por acolher muitas das contribuições da comunidade educacional na formalização
da Constituição de 1988.
Ao mesmo tempo em que ocorria o movimento constituinte (1987), iniciou-se também
a discussão em torno do projeto para a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. De acordo com Shiroma, Moraes e Evangelista (2000), o primeiro projeto foi
delineado por Demerval Saviani e representado à Câmara pelo Deputado Octávio Elísio em
1988. Deste texto, as reivindicações foram incorporadas ao texto constitucional.
A nova legislação aprovada em dezembro de 1996, no entanto, não satisfazia aos
anseios sustentados em quase duas décadas. Durante o processo de tramitação, o projeto
foi se desvirtuando e prevalece, então, a carta sobreposta em maio de 1992 pelo Governo
Collor. No Senado, atropelando as negociações inconclusas na Câmara dos Deputados, o
senador Darcy Ribeiro apresentou texto próprio e, em 1993, o projeto da Câmara, sob a
relatoria do deputado Cid Sabóia (PMDB-CE), foi enviado ao Senado. Já em negociações
com o novo Governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995, Darcy Ribeiro apresentou novo
18
Dos três objetivos, apenas o primeiro foi alcançado. A qualidade do ensino por sua
vez diminuiu e ainda aumentou a desigualdade em função da pouca qualidade existente.
Souza (2003) lembra ainda que a distribuição dos financiamentos é feita com base
no número de alunos matriculados, a partir de cotas estabelecidas. Havendo uma ampliação
da oferta de matrículas, porém com a diminuição dos valores nacionais investidos em
educação, representando menos recursos por aluno, fez com que as escolas tivessem que
buscar outras fontes de captação, movimentando as comunidades a colaborar
financeiramente com as escolas.
Em relação a esse aumento de oferta de matrículas, pode-se ainda observar que a
diminuição dos investimentos nacionais com a educação não possibilitou o aumento dos
espaços físicos para atendimento da nova demanda, assim como houve menos
investimento nos recursos humanos para atendê-la. O resultado são salas de aula
superlotadas – chega-se ao número de 50 (cinquenta) alunos em determinadas turmas na
região litorânea do estado do Paraná e não deve ser diferente em outras regiões do país – e
sobrecarga dos profissionais da educação, que em decorrência estão adoecendo, com o
índice de depressão na categoria sendo elevado; pois não possuem condições adequadas
para o trabalho e seus ganhos são depreciados, obrigando-os a dupla e/ou tripla jornada
semanal. Segundo os gestores e coordenadores das escolas estaduais, no litoral
paranaense, a média de ausências diárias do corpo docente em cada escola é de três por
período, subindo para cinco no segundo semestre letivo, todas justificadas por atestados
médicos. Chega a faltar até sete professores em um único dia numa escola com dezesseis
turmas no período matutino, perfazendo um total de 43,75%.
A idéia de reforma, segundo Souza (2003, p.25), baseado nos estudos de Thomas S.
Popkewitz na obra intitulada “Reforma Educacional: uma política sociológica – poder e
conhecimento em educação” se associa à idéia de mudança. Porém, em seus
levantamentos encontrou-se uma profusão de conceitos que a associam,
contraditoriamente, à estabilidade. Popkewitz (Apud SOUZA, p.26) entende as reformas
educacionais como “objeto das relações sociais”. Neste sentido, para Gimeno Sacristán
(Apud SOUZA, 2003, p.26), as reformas educacionais são
referentes chamativos para analisar os projetos políticos, econômicos, sociais e
culturais daqueles que a propõem e do momento histórico em que surgem. [Estudar
as reformas pode levar à compreensão]... sobre como uma sociedade, e os grupos
dentro dela, percebem e valoram os temas educativos, podendo-se comprovar que
papel desempenha a educação na trama social.
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Porém, a escola atual sequer forma para o mundo do trabalho. Já não se tem clara a
idéia de para quê se forma. E se não se sabe aonde se quer chegar, chega-se a qualquer
lugar ou a lugar nenhum. Encontrar os rumos da educação brasileira é fundamental para a
construção de um projeto político-social e cultural verdadeiramente democrático.
Souza (2003) busca conceituar descentralização e desconcentração, situando a
educação brasileira no contexto latino-americano. Compara a conceituação de vários
autores, considerando as definições do economista português Amaro (1996) “as que melhor
expressam a relação entre descentralização e desconcentração, na constituição de novos
centros de poder, de um lado, e no atrelamento à centralização, de outro” (SOUZA, 2003, p.
36). Alerta para o fato da problemática da “pequena ou inexistente participação dos sujeitos
que operam a educação na sua ponta mais extrema, na escola, nos processos de definições
dos eixos norteadores das reformas” (SOUZA, 2003, p. 39).
Sem se considerar as pessoas que estão na escola, seus interesses, sua cultura, ou
melhor, deixando de lado a opinião das pessoas que irão operar com as diretrizes
emanadas da reforma de descentralização, não é possível o total êxito dos objetivos
por ela impostos. Está ligado a isto, portanto, o conceito de autonomia da instituição
escolar (coletiva) e de cada uma das pessoas que fazem parte da escola
(individual). Sem se levar em conta a instituição e, principalmente, as pessoas que lá
estão, é um tanto mais difícil se implementar as determinações reformistas, pois
mesmo que o “estabelecimento disponha de autonomia não significa que a gestão
deste espaço será efetivada necessariamente pelos docentes e menos pelos alunos
e pais” (GIMENO SACRISTÁN Apud SOUZA, 2003, p.39-40).
Pode-se concordar com sua afirmação, pois, o que se vê são algumas ações
isoladas, dentro do contexto das reformas, as quais se destacam por iniciativas de gestores
nas escolas, que constroem junto à comunidade escolar um Projeto Político Pedagógico que
evidencia e atende às necessidades locais.
21
Souza continua,
Com base nessas observações, então, parece bastante evidente que os programas
autodenominados de descentralizadores são, em sua grande maioria,
desconcentradores. Ocorre que a transferência de tarefas para a escola posta no
seio das reformas educacionais, importa consigo um conjunto de responsabilidades
que a acompanham. Até aí, não há diferença entre desconcentração e
descentralização. Mas a diferença crucial entre uma forma e outra está centrada na
autonomia da instituição em lidar com as novas responsabilidades, desde a sua
constituição até a sua execução (SOUZA, 2003, p. 40).
Faz-se necessário então, analisar o conceito de autonomia, que além das questões
financeiras e administrativas, são talvez o argumento mais enfático em favor da
descentralização, “uma vez que, com a transferência das responsabilidades e com a
conseqüente constituição de novas competências na escola, seja amplificada” (SOUZA,
2003, p.41).
Esse é um ponto bastante questionado nos grupos de estudos e reuniões de
professores, segundo os quais, são transferidas as responsabilidades, sem a devida
autonomia na busca de solução dos problemas que afetam a escola. Um exemplo é o caso
da inclusão de alunos com necessidades especiais no ensino regular. Numa sala de 6ª série
com 50 alunos, entre eles uma aluna surda, o trabalho fica completamente prejudicado. No
entanto, a escola não pode recusar matrícula a alunos com necessidades especiais, nem
quando as salas de aula têm número de alunos excedentes. Recentemente, um fato
ocorrido em uma escola estadual de Curitiba, quando um professor da disciplina de inglês
recusou uma aluna surda em sua turma, despertou uma grande polêmica na mídia estadual.
Inicialmente, com críticas acirradas ao docente, cujo nome não foi divulgado. A família,
usando de seus direitos, levantou o litígio que foi então defendido por alguns e execrado por
outros. Embora seja reconhecido o direito de inclusão e permanência de alunos com
necessidades especiais no ensino regular, o fato denota a falta de preparo do profissional
para atuar com casos específicos como o citado. Se já é difícil para o aluno surdo apreender
a língua portuguesa, o que se dirá de uma língua estrangeira. E o professor, que já tem suas
próprias barreiras para ensiná-la a alunos considerados normais, é obrigado a aceitar mais
este encargo. Sem entrar no mérito da questão, a recusa do professor em foco demonstra
grande coragem diante do sistema que lhe é imposto.
Segundo Souza (2003), a autonomia sempre ocorre em relação, nunca de maneira
isolada. Não significa, portanto, fazer o que se quer. Citando outros autores, mostra que
A autonomia somente existe na proporção em que ela acontece nas relações sociais
e por este caminho ela é construída. Tanto no plano individual, como no plano
coletivo ou institucional. (...) A autonomia da escola, a autonomia construída, é uma
autonomia relativa, pois sempre acontece em relação, na medida em que a escola
autônoma não é aquela com “possibilidade de agir independente daqueles que estão
à [sua] volta (...), significa agir levando-os em consideração”. (RIOS Apud SOUZA,
2003, p.43-44).
E ainda,
22
Quanto à descentralização,
Se de fato incentiva a autonomia, o faz (ou deveria fazer) num plano prioritariamente
político, pois permite (ou permitiria) aos sujeitos da escola as possibilidades de
definirem em conjunto (nas suas relações) os rumos da própria instituição. (...) No
sentido contrário, a desconcentração – que apenas transfere responsabilidades e
constitui novas funções para a escola, mas mantém o poder de decisão centrado no
sistema – não estende suas ações no campo político de tomada de decisões pela
escola. Isto é, mais incentiva o contraponto da autonomia, incentiva a heteronomia,
que no plano coletivo pode ser entendido por alienação social (SOUZA, 2003, p.44-
45).
Para Taís Moura Tavares (2003, p. 242), “a educação não diz respeito apenas a
cada indivíduo. A capacidade de ser humano – a humanidade – é questão social e, por ser
social, é questão pública. E como questão pública deve ser coletivamente organizada”.
Analisando o processo de municipalização do Ensino Fundamental e Educação
Infantil, Tavares (2003) aponta a descentralização do ensino como estratégia de
desresponsabilização
a descentralização é a expressão de que os detentores do poder não estão
seriamente empenhados no compromisso democrático educacional. Se estivessem,
teriam, coerentemente, proposto – como fizeram nas áreas que lhes interessavam –
uma mudança radical, uma lei basicamente centralizadora (ARELARO Apud
TAVARES, 2003, p.246).
desemprego, a chamada exclusão social podem ser entendidos como questão social? Afinal
o que é questão social? Qual é o papel da escola diante da questão social? São diversas as
interrogações que envolvem a temática das relações sociais, em um mundo capitalista que
gera pobreza, miséria, exclusão e inúmeros problemas no convívio social, elucubradas no
âmbito escolar. O que se pretende aqui é levantar algumas reflexões acerca da questão
social e pontuar as limitações da escola diante do enfrentamento de suas expressões.
Conceituar Questão Social demanda uma profunda análise dos estudos realizados
por diversos autores, estudiosos da área social. Segundo Stein (Apud IAMAMOTO 2001) a
expressão questão social foi cunhada por volta de 1830, significando os embates entre a
classe dos proletariados e a burguesia emergente do processo de industrialização. Se, por
um lado, tinha-se a produção de riquezas, por outro havia o acúmulo dessa riqueza nas
mãos de uma pequena parcela da população que detinha o capital e comprava a força de
trabalho dos indivíduos que não dispunham do mesmo e não lhe restava outra opção para
garantir sua subsistência.
A relação entre capital e trabalho é o cerne da discussão sobre a questão social.
Ainda segundo Iamamoto, “a questão social é indissociável do processo de acumulação e
dos efeitos que produz sobre o conjunto das classes trabalhadoras, o que se encontra na
base da exigência de políticas sociais públicas” (2001, p.11). Desta forma, a contribuição
marxista para o entendimento do sistema capitalista na formação das classes burguesa e
proletária, reforça o entendimento sobre a questão social.
No Manifesto Comunista de Marx e Engels, a luta de classes é posta como uma
constante na história da formação de todas as sociedades em todos os tempos. A oposição
entre opressores e oprimidos aparece como a causa de “transformações revolucionárias ou
a ruína das classes em disputa” (2008, p.10). Nos primórdios da história, a complexidade
das sociedades era formada por diversas classes com diferentes graduações de condições
sociais. Enquanto que a sociedade burguesa moderna, apesar de não suprimir as
incompatibilidades das classes, simplificou-as formando basicamente duas classes sociais:
os burgueses e os proletariados (MARX; ENGELS, 2008).
Segundo Netto (2001), a expressão “questão social” é permeada de diferentes
compreensões e atribuições diversas e se deve enaltecer todos os esforços em busca de
uma definição precisa do termo. Para o autor, o uso do termo “questão social” data dos anos
30 do século XIX e surge para nomear o fenômeno do “pauperismo”, fruto do processo de
industrialização ocorrido na Europa Ocidental em fins do século XVIII. O fenômeno do
pauperismo se destacava e ganhava campo de discussões por se tratar de uma dinâmica
totalmente nova das relações sociais, pois “a pobreza crescia na razão direta em que
aumentava a capacidade social de produzir riquezas” (NETTO, 2001, p.42). Netto também
26
afirma que não há como se suprimir a questão social sem que haja a supressão do
capitalismo.
Yasbek (2001) analisa a questão social a partir das expressões de pobreza e
exclusão social e aponta os índices do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
segundo o qual, cerca de 60 milhões da população brasileira vive em pobreza extrema,
sobrevivendo com até 80 reais por mês. Destes, cerca de 24 milhões estão abaixo da linha
de indigência, pois vivem com até 40 reais por mês. Segundo a autora, estas expressões
são impostas pela expansão do capitalismo que gera um contingente de trabalhadores não
empregáveis, tidos como desqualificados e que não encontram espaço no convívio social.
Em decorrência, carecem de condições mínimas de sobrevivência e não tem acesso à
saúde, à moradia, a uma alimentação adequada, são totalmente desprovidos de direitos e
sem garantias de proteção social. A eles são relegados a filantropia, demonstrando uma
clara naturalização da pobreza.
Os liberais entendem necessária a filantropia revisitada, a ação humanitária, o dever
moral de assistir aos pobres, desde que este não se transforme em direito ou em
políticas públicas dirigidas à justiça e à igualdade. É importante lembrar que o
renascimento de ideais liberais vai se confrontar com práticas igualitárias, referendar
as práticas diferenciadas do mercado, transformando direitos em ajuda, em favor
(YASBEK, 2001, p. 36).
Inclui-se nesse contexto o espaço escolar, lugar de formação do indivíduo que vai
compor a sociedade e palco de atuação dos atores que dominam o poder sócio-político-
econômico e usa-a como instrumento para defesa de interesses próprios.
Pereira (2001) afirma que é indispensável que haja um embate político entre
explorados e exploradores – em que os primeiros se colocam na posição de “atores sociais”,
com consciência de sua condição e com poder para lutar contra a condição de oprimidos –
para que se caracterize a Questão Social. Ou seja, não há Questão Social se não houver a
consciência de classe e a luta em defesa de direitos. Pereira (2001) deixa claro que não se
pode falar em Questão Social analisando apenas superficialmente o fenômeno da pobreza e
desigualdades sociais. Pois, corre-se o risco de tratá-la apenas do ponto de vista
assistencial. A autora formula quatro indagações que considera importantes para se
delimitar histórica e teoricamente a questão social: 1) a necessidade de diferenciar Questão
Social e suas precondições; 2) fazer uma relação entre a Questão Social ocorrida no século
27
XIX (Revolução Industrial) e a chamada “nova” Questão Social, identificada a partir do final
da década de 1970 do século XX (terceira revolução ou revolução informacional); 3) não
concentrar os esforços cognitivos e ativos do Serviço Social apenas nas precondições que
formam a Questão Social; e, 4) não confundir a questão social com questões sociológicas
(PEREIRA, 2001).
Quando alguns autores falam em uma “Nova Questão Social”, Pereira (2001)
defende a inexistência de uma nova Questão Social, novas são suas expressões. Trata-se
do antigo fenômeno da relação entre trabalho e capital, onde os ricos ficam cada vez mais
ricos, à custa de pobres cada vez mais pobres, ou seja, a pobreza cresce na medida em que
cresce também a produção da riqueza. Apesar de existirem problemas cujos impactos
negativos sobre a humanidade são evidentes, tais como o desemprego estrutural, a ameaça
bélica, a deterioração do meio ambiente, o aprofundamento da desigualdade social, a
globalização da pobreza, o acirramento do racismo e das lutas étnicas e o desmonte dos
direitos sociais, dentre os mais conhecidos, eles ainda não foram decisivamente
problematizados e transformados em questões explícitas.
Pereira (2001) então atribui ao Serviço Social a responsabilidade de entender esse
fenômeno e buscar respostas nos campos decisórios. O que consiste em contribuir para a
sua problematização, transformando as necessidades sociais em questões, para que estas
sejam foco de políticas púbicas transformadoras da realidade social. Não basta amenizar as
condições de miséria e pobreza. É necessário agir para a sua erradicação. Isto incorre na
superação do capitalismo, uma questão muito mais ampla e desafiadora.
Citando Ianni (1992; 2004) e Guimarães (1979), Iamamoto (2008) afirma que a
Questão Social sofre um “processo de criminalização” que abrange as classes menores.
Retoma-se o conceito de periculosidade ao se tratar das expressões de violência
decorrentes das condições de miséria e se evoca o poder de polícia e segurança no seu
enfrentamento, deixando-se de lado as raízes do problema.
Iamamoto (2008) chama a atenção para o risco de se analisar a questão social
desvinculando suas múltiplas expressões de sua origem histórica, fundada na relação
capital e trabalho. Ao se considerar a questão social do ponto de vista dos problemas
sociais, pode-se atribuir ao indivíduo a responsabilidade por sua condição. Neste sentido, o
seu enfrentamento acaba por atingir apenas ações assistenciais, tais como programas de
combate à fome e à miséria. O que incorre na isenção da sociedade de classes da
responsabilização pela criação das condições de desigualdades sociais.
Por uma artimanha ideológica, elimina-se, no nível da análise, a dimensão coletiva
da questão social – a exploração da classe trabalhadora – reduzindo-a a uma
dificuldade do indivíduo. A pulverização da Questão Social, típica da ótica neoliberal,
resulta na autonomização de suas múltiplas expressões – as várias ‘questões
sociais’ – em detrimento da perspectiva de unidade. Impede-se, assim, o resgate do
complexo de causalidades que determina as origens da Questão Social, imanente à
28
Analisando a atual crise econômica, Branco (2008) faz uma relação dos seus efeitos
com as expressões da Questão Social. Para ele, há uma relação direta entre a crise e o
aumento do desemprego dos trabalhadores. Já houve um aumento considerável nos
pedidos de auxílio-desemprego nos Estados Unidos da América, epicentro da atual crise. O
que se justifica pela falência de diversas empresas. A situação não é diferente na Europa e
no resto do mundo. Conforme estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a
presente crise financeira levará ao fechamento de 20 milhões de postos de trabalho no
período entre janeiro de 2008 a dezembro de 2009. Com isto, o número de desempregados
mundiais subirá de 190 milhões para 210 milhões.
Branco (2008) aponta também outros fatores decorrentes da atual crise econômica.
Entre eles o aumento do pauperismo e o aprofundamento da desigualdade de distribuição
de riquezas. Há ainda a inflação sobre os produtos alimentícios (52% entre os anos de 2007
e 2008), decorrentes do aumento dos combustíveis e dos insumos agrícolas o que levará,
29
trabalho”. Já o artigo 32, que trata dos objetivos do Ensino Fundamental, propõe em seu
inciso III “o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de
conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores”; e, no inciso IV “o
fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância
recíproca em que se assenta a vida social”.
O Ensino médio, de acordo com o artigo 35 da Lei n° 9394/96, tem como finalidades
“a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar
aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de
ocupação ou aperfeiçoamento posteriores” (inciso II); “o aprimoramento do educando como
pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e
do pensamento crítico” (inciso III); e “a compreensão dos fundamentos científico-
tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de
cada disciplina” (inciso IV).
Pode-se inferir daí o interesse em fazer da escola espaço de “adaptação” dos
indivíduos ao sistema social de classes, incluindo-o no convívio social como cidadão de
direitos e deveres sociais, entre eles, o direito ao trabalho e à condição de assalariado.
Quando se fala em transformação da sociedade através da educação, denota a
superação da condição de “excluídos”, principalmente do mundo do trabalho. Pois, há uma
conformação em relação ao sistema capitalista e os próprios princípios constitucionais estão
baseados na formação do indivíduo para o mercado de trabalho. Ou seja, a educação
brasileira encontra-se alicerçada na formação de mão-de-obra para o mundo capitalista e o
ajuste social do indivíduo.
Voltando-se às indagações iniciais, os problemas sociais distinguem-se claramente
da Questão Social. Podem ser dela decorrentes, porém, é mister entendê-las cada qual em
seu contexto social e histórico. A relação dos indivíduos enquanto seres sociais estão
diretamente ligados à relação entre capital e trabalho. Já o papel da escola diante das
expressões da Questão Social é algo que requer maiores estudos e pesquisas por parte de
especialistas uma vez que ainda é escassa a documentação sobre o tema (se é que
existe!).
Uma vez que uma das funções sociais da escola é a preparação do indivíduo para o
mercado de trabalho, encontram-se inúmeras produções acerca da “exclusão social” e o
papel da escola diante da responsabilidade pela inclusão social e resgate da cidadania.
Neste sentido, fica aqui o desafio de se aprofundar a relação entre a Questão Social
e a educação, pois bem ou mal, é no espaço escolar que o indivíduo desenvolve sua
consciência enquanto ser social. A educação continua sendo espaço de transformação da
realidade social. No entanto, está sujeita aos interesses da classe dominante e dos que
detém os meios de comunicação em massa.
31
Sabe-se que, é no interior da escola, no cotidiano dos alunos e de suas famílias, que
se configuram as diferentes expressões da Questão Social, como desemprego,
subemprego, trabalho infanto-juvenil, baixa renda, fome, desnutrição, problemas de
saúde, habitações inadequadas, drogas, pais negligentes, famílias problemáticas,
violência doméstica, pobreza, desigualdade social, exclusão social, etc. As
demandas emergentes e resultantes da Questão Social é que justificam a inserção
do profissional do Serviço Social, que se insere neste espaço com o objetivo de
1
receber e encaminhar estas demandas (SANTOS, 2008, online ).
1
Disponível em <http://www.partes.com.br/educacao/escolaeservicosocial.asp> Acesso em 02 mai. 2009.
2
Disponível em <http://www.cfess.org.br/arquivos/tramitacao_PLC_060__22.04_.pdf>. Acesso em 02 mai. 2009.
32
garantia dos direitos sociais e direitos humanos devem nortear a base de uma Educação
democrática e promotora de uma sociedade equitativa, lugar de pessoas livres e senhores
de sua historia.
Netto (2001) fala da supressão do capitalismo. Marx e Engels (2008) apontam o
socialismo e/ou comunismo como alternativas ao sistema capitalista. A história recente da
queda de sistemas socialista/comunistas e sua inclusão no mundo capitalista põem em crise
as interpretações da teoria marxista. Não cabe à escola encontrar um novo sistema que
possa suprimir o capitalismo. Porém, enquanto lugar de produção de conhecimentos deve
levar o educando a conhecer sua condição de explorado e dar a ele a opção de usar esse
conhecimento a seu favor.
Juntos, Escola e Serviço Social podem construir uma visão crítica sobre a Questão
Social, tanto dos educadores quanto dos educandos. E ainda, gradativamente, garantir um
enfrentamento efetivo de suas expressões. Vale ressaltar que não cabe somente ao Serviço
Social este papel tampouco à escola. Depende de um longo processo de construção de uma
nova sociabilidade, novos valores, nova cultura, novas relações, o que implica na atuação
mais ampla da sociedade civil e de sua organização política. No entanto, a união do Serviço
Social à Educação pode favorecer o início desse processo, visto que a escola é espaço de
socialização de cada indivíduo e de disseminação cultural, sendo-lhe ainda atribuída a tarefa
de cultivar novos valores, responsabilidade antes arrogada às famílias e a ela relegada. A
idéia é a de busca de superação das causas das dificuldades encontradas no processo
educacional como reflexo das expressões da questão social.
3
Disponível em <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,evasao-escolar-cresce-entre-beneficiados-do-
bolsa-familia,136993,0.htm>. Acesso em 10 ago. 2009..
35
Figura 1 – Charge
4
Autor: Chaunu
4
Disponível em <http://resumodachuva.blogspot.com/2009/07/alguma-menira-nesta-charge.html>. Acesso em 07
ago. 2009.
36
2. METODOLOGIA DA PESQUISA
escolas estaduais do mesmo local. As questões postas foram formuladas inspiradas nos
debates realizados em grupos de estudo, semanas pedagógicas organizadas pela
Secretaria de Estado de Educação do Paraná (SEED), jornadas pedagógicas realizadas
pelo Núcleo Regional de Educação (NRE) de Paranaguá/PR e Grupos de Estudos em Rede
(GTR) coordenados por professores inseridos nos cursos do Programa de Desenvolvimento
Educacional (PDE) Formação Continuada em Rede – integrantes do programa de formação
continuada da SEED.
Entende-se ser esta uma amostra que, embora pequena, representa uma realidade
muito maior, uma vez que retrata fatos discutidos em âmbito nacional e apontados por
diversos autores em diferentes regiões do Brasil e até mesmo da América Latina. As
expressões da Questão Social presentes nas escolas públicas do litoral do Estado do
Paraná não diferem das demais escolas brasileiras, cada qual com suas especificidades. No
caso estudado, trata-se de uma região onde o principal meio de sustentação econômica
refere-se à exploração do turismo local e está sujeito quase que exclusivamente ao período
da estação de verão, ficando as outras estações esvaziadas de oportunidades de renda
para a maioria da população local, o que gera uma grande migração de pessoas que vivem
apenas temporariamente no Município.
Considerando o fato de que nem todos se dispõem a responder à pesquisa, seja por
rejeição ou falta de tempo, preferiu-se distribuir o máximo de questionários possíveis com o
intuito de se atingir um mínimo aceitável. Portanto, o questionário foi distribuído a 30
educadores entre professores, gestores e pedagogos da escola pesquisada e mais duas
escolas estaduais situadas no mesmo município, no mês de agosto de 2009. Foram 24
questionários distribuídos no colégio em estudo e outros 6 em dois colégios que ofertam a
Educação Básica nos níveis de Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Dos 30
questionários distribuídos, conseguiu-se a contribuição de apenas dez educadores, entre
professores, gestores e pedagogos abordados. Desta maneira incluíram-se as transcrições
de diálogos sobre as questões do questionário com alguns educadores que não tiveram
ocasião de responder de próprio punho, mas que fizeram relatos pertinentes ao tema
proposto.
A análise das questões foi dividida em dois eixos que nortearam as dez questões
elaboradas. O primeiro eixo (questões de 1 a 4) refere-se à identificação da clientela
atendida e percepção da transferência de responsabilidade por parte do Estado e da
Sociedade para a Escola. O segundo eixo direciona a reflexão sobre a relação família e
escola, acrescido da problemática da inclusão de educandos com necessidades
educacionais especiais, por entender que esta não funciona sem o comprometimento da
família.
39
Universidade tem trazido novos moradores durante o período letivo e seus projetos de
pesquisas são voltados para o desenvolvimento sustentável do local. O que gera boas
perspectivas para o Município tanto no campo educacional quanto econômico.
Desta forma as crianças, adolescentes, jovens e adultos matriculados nas escolas
locais, seguem o ritmo deste vai e vem de pessoas, caracterizando-se por uma rotatividade
grande em sua população. O Quadro 1 a seguir mostra o número de alunos das turmas de
5ª a 8ª séries do Colégio Estadual Professora Tereza da Silva Ramos, no Município de
Matinhos/PR, entre o período de 2006 a 2009.
Pelo quadro pode-se observar a superlotação nas salas de aulas do referido Colégio,
fato que se mantém nos quatro anos letivos pesquisados. Em 2006, a média era de 42,72
alunos por sala. Considerando um professor que atua em disciplinas com carga horária de 2
horas/aulas semanais (Artes, Inglês) e possui um padrão de 40 horas, sendo 32 horas em
sala de aula e 8 horas/atividade, o mesmo teria que reger pelo menos 16 turmas e teria uma
média de 683,52 alunos. Como cada hora/aula configura o equivalente a 50 minutos, o
professor tem em média 2,34 minutos para cada aluno, na maioria das vezes, divididos em
duas horas/aula semanais, pois geralmente as aulas são separadas. Isso sem contar o
tempo de deslocamento de uma sala para outra, a organização da turma, a chamada e
registros de classe, a indisciplina, entre outros. O tempo efetivo de aula não chega a 45
minutos quando muito bem aproveitado, o que diminui ainda mais o tempo disponível para
cada aluno. E ainda, o tempo de planejamento, estudos, correção de trabalhos,
preenchimento dos registros obrigatórios no livro Registro de Classe, entre outros, é de
42
2006
SÉRIE APROV. AP/CC REP/MÉD REP/FREQ EVASÃO TRANSF TOTAL
5ª 80 74 43 19 22 26 264
6ª 66 52 41 10 29 23 221
7ª 51 45 41 14 15 15 181
8ª 33 39 14 03 12 20 121
TOTAL 230 210 139 46 78 84 787
2007
SÉRIE APROV. AP/CC REP/MÉD REP/FREQ EVASÃO TRANSF TOTAL
5ª 111 74 26 14 36 29 290
6ª 65 59 31 12 12 19 198
7ª 70 50 14 11 09 21 175
8ª 72 28 03 02 05 23 133
TOTAL 318 211 74 39 62 92 796
2008
SÉRIE APROV. AP/CC REP/MÉD REP/FREQ EVASÃO TRANSF TOTAL
5ª 152 26 17 22 20 22 259
6ª 126 40 22 16 10 22 236
7ª 90 32 11 11 13 16 173
8ª 84 17 05 07 05 10 128
TOTAL 452 115 55 56 48 70 796
Fonte: Dados da Secretaria do C. E. P. Tereza da Silva Ramos – EFM. Quadro elaborado pelo autora.
Nos dados acima se verifica que, em 2006, do total de 787 alunos matriculados no
início do ano, apenas 55,9% foram promovidos para a série seguinte. Destes, 47,7% foram
aprovados em conselho de classe. Ou seja, quase metade dos alunos aprovados, não teve
rendimento suficiente para a aprovação direta. Em 2007, de 796 alunos matriculados,
66,45% foram promovidos, sendo que destes quase 40% precisaram da aprovação em
conselho de classe. Em 2008, foram promovidos um total de 71,23%, dos quais 20,28%
foram aprovados em conselho de classe. A redução se deu devido à constatação, em 2006,
43
Quadro 3 - IDEBs observados em 2005 e 2007 e as Metas para Escola Tereza da S. Ramos C.E.P. EFM
5
Disponível em <http://ideb.inep.gov.br/Site/>. Acesso em 25 jul. 2009.
44
A análise segue dividida nos dois eixos, quais sejam: 1) identificação da clientela
atendida e percepção da transferência de responsabilidade por parte do Estado e da
Sociedade para a Escola, e; 2) a relação família e escola e a inclusão de educandos com
necessidades educacionais especiais. Para a análise, não houve a preocupação de
identificar o educador como professor regente, gestor de ensino ou coordenador
pedagógico, a menos que se faça necessário.
6
No início de 2009, os gestores de todas as escolas estaduais do município foram convocados a uma reunião com o Oficial
Comandante da Polícia Militar do Paraná no Município e receberam um laudo de segurança com orientações técnicas aos
gestores. O laudo entregue era datado de 16/05/2008, porém a reunião só aconteceu no início de 2009. O Diretor entregou
uma cópia do mesmo para que fosse incluída na pesquisa. Entre as recomendações, havia determinações de aumentar a
altura de toda área de contenção da escola (muros) num padrão de 2,30 metros e aplicação de ofendículos, tais como óleo
queimado, pregos, cacos de vidros, arame farpados, ou outros, com o objetivo de dificultar sua transposição por ambos os
lados (interno e externo); solicitação junto ao setor competente da Prefeitura Municipal quanto a instalação das sinalizações de
trânsito (horizontal e vertical), de equipamentos de controle de tráfego condizente com a localidade da escola e/ou redutores de
velocidade, assim como solicitar a manutenção das vias de trânsito do entorno da escola; providências no sentido de fazer com
que o corpo docente sensibilize e conscientize os alunos quanto as consequências dos problemas relacionados às formações
de gangues, dano ao patrimônio público e brigas, reforçando a fala da Patrulha Escolar Comunitária, bem como estando ciente
da sua atuação frente aos problemas de segurança da escola, até mesmo para poder colaborar quando se fizer necessário a
atuação da Polícia Militar nos casos de crimes e atos infracionais (e quem cuida da segurança do corpo docente e
administrativo da escola?); melhorias nas condições de iluminação do pátio da escola e no estacionamento; melhorias na
conservação interna da instalação física da escola; reaplicação do momento cívico, entre outras. Às orientações segue
declaração de recebimento e ciência de que as providências no sentido de segui-las cabem exclusivamente à direção na
pessoa do Diretor do Estabelecimento, seguindo normas da SEED. Em sua perplexidade a direção se questiona sobre as
condições de cumprimento das determinações quando a escola sequer possui merenda escolar suficiente para suprir as
necessidades mínimas de nutrientes aos educandos.
46
escolas para lidar com situação de risco à saúde. Os recursos insuficientes para o
suprimento das necessidades básicas do Colégio tiveram que ser desviados para a compra
de álcool gel e sabonetes líquidos, saboneteiras, porta-papel e papel toalha e álcool para a
limpeza do ambiente escolar. Para adquirir os frascos para que cada professor levasse
álcool gel para a sala de aula, a diretora–auxiliar precisou tirar dinheiro do próprio bolso,
pois não havia suprimento em caixa. O cuidador da gripe que teoricamente estaria
disponível e preparado para a pronta identificação e atendimento de casos suspeitos ficou a
critério dos gestores a sua nomeação com pouquíssimas orientações e sem os devidos
esclarecimentos para atendimento de situações pontuais, como a ausência de professores
com suspeita da gripe ou do fator de risco. O colégio tem três professoras e uma funcionária
dos serviços gerais grávidas e impossibilitadas de trabalhar pelo fator de risco. Nenhuma foi
substituída. A própria funcionária escolhida como cuidadora da gripe acabou por se
contaminar pelo vírus e entrar em observação para identificação do tipo afetado. A
preocupação agora é com a reposição de aulas e conteúdos para garantir o mínimo exigido
pela legislação e com a chegada da temporada de verão que normalmente afasta muitos
alunos da escola. No entanto, a escola não recebeu autonomia para fazer o seu projeto de
reposição atendendo as necessidades locais e aguarda orientações da SEED.
Uma professora de Arte, a primeira com formação na área suprida no colégio, relatou
sua indignação com a falta de conceitos básicos por parte dos alunos e lembra a
contradição imposta pela legislação que criou as licenciaturas específicas para cada
linguagem artística e excluiu os cursos polivalentes de Educação Artística. Ela possui
licenciatura exclusiva para artes visuais e é obrigada a cumprir com um currículo que inclui
em seus conteúdos estruturantes além da sua especialidade, a música, a dança e o teatro,
em atendimento à Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional nº 9394/96. Segundo ela
“a mesma lei que desobriga é a mesma lei que exige”. Ou seja, a nova LDBN desobrigou as
universidades a ofertar os quatro eixos estruturantes da antiga Educação Artística, no
entanto exige do profissional licenciado em apenas um dos eixos a ensinar os demais. Para
essa professora, o Estado, em nome da autonomia de gestão e descentralização transferiu
para a escola muito de suas obrigações referentes à saúde coletiva, segurança, inclusão
social e a inclusão de pessoas com necessidades especiais, atribuindo aos educadores uma
tarefa para a qual não foram capacitados a lidar e isentando-se assim
da culpa pela incompetência administrativa evidente da escola pública brasileira e da
falta de investimento em infra-estrutura necessária à mão-de-obra qualificada
(professores e funcionários), descentralizando estas obrigações à escola e a
comunidade e mantendo-se no poder das decisões daquilo que pensa ser
necessário para manipular a educação de sua população, gerando sempre o entrave
necessário para o desenvolvimento de uma educação de qualidade; ou seja,
mantendo um salário baixíssimo aos professores, fazendo-os trabalhar mais tempo
do que deveriam e não lhes oferecendo condições de qualificação. Assim,
professores e alunos estão cada vez menos qualificados, o que facilita a
manipulação da sociedade. Isso é facilmente detectado quando se analisa as
48
A estrutura familiar patriarcal rural, segundo uma Pedagoga, passou em poucos anos
(cerca de três gerações) para uma desestruturação urbana, gerando falta de preparo para o
trabalho e pessoas muito aquém do conhecimento científico. Segundo ela “o futuro, em
médio prazo, não nos possibilita visualizar a escola que queremos, a persistirem as políticas
públicas aí impostas” (citação de uma Pedagoga).
Em relação à influência da mídia, a mesma Pedagoga lembra que esta reproduz os
discursos que a população despreparada intelectualmente quer ouvir. E ainda, que a
liberdade de expressão pós-ditadura militar não veio seguida de investimento em educação
e “os valores essenciais se perderam na medida em as denúncias caem no vazio e
subjetivamente reafirmam todos os dias que o levar vantagem em tudo se sobrepõe ao bem
coletivo”. Outra Professora coloca a mídia e as novas tecnologias como fator de isolamento
49
familiar das pessoas em suas próprias casas. Ao invés de contribuir para o enriquecimento
pessoal e social “acaba afastando os seres humanos de uma convivência sadia e
fundamental para se criar laços de fraternidade, solidariedade e amor” (Citação de uma
Professora). E mais uma Pedagoga afirma que nenhuma outra instituição pode substituir a
família na tarefa de formar pessoas, podem ser parceiras e auxiliá-la, porém não suprir o
seu papel, pensamento este partilhado pelos demais entrevistados.
Uma terceira Professora entende que os benefícios dos programas governamentais
transferidos para a família são erroneamente aplicados deixando de ser usado para a
melhoria da qualidade de vida dos filhos beneficiados. Melhor seria se esses recursos
fossem investidos em escola integral onde a criança e o adolescente recebesse uma
educação também integral (ensino, cultura, esporte, lazer, entre outros). O Diretor do
Colégio relata também que a escola que se quer é a que o aluno venha por prazer e não
apenas por imposição familiar ou do Conselho Tutelar, o que leva o aluno a ver a escola
como uma obrigação.
Relatos de uma Pedagoga demonstram a falta de compromisso familiar e falta de
controle efetivo dos programas de assistência social e educacional do Governo Federal. Um
aluno antes beneficiário do programa Bolsa Família passou a receber o benefício Pró-Jovem
por ter completado 15 anos de idade. Esse aluno continua na 5ª série do Ensino
Fundamental por evadir-se da escola consecutivamente. A Equipe Pedagógica e
administrativa do colégio perde tempo em mandar as faltas dos alunos que fazem parte de
programas sociais e estes continuam recebendo os recursos mesmo sem cumprir com as
condicionalidades. Isso sem contar que a responsabilidade de resgatar o aluno evadido
pesa também sobre a escola que não possui condições mínimas de acompanhamento das
famílias beneficiárias. Mal consegue administrar os problemas de disciplina e aprendizagem
apresentados por alunos assíduos. Neste sentido, é relevante e necessário o papel de uma
equipe de atendimento psicossocial na escola.
Em relação à inclusão de alunos com necessidades especiais os professores vêem
como um problema muito mais do que solução. O fato de simplesmente ofertar a matrícula
não significa necessariamente incluir. Em salas superlotadas, indisciplinadas e defasadas
em que o docente não consegue administrar as dificuldades habituais de sua turma, lidar
com necessidades especiais é mais um encargo para o qual a escola não está preparada.
Para os professores as turmas, devido suas características e situação de precariedade, já
são por si só especiais. E mais uma vez a ausência da família no acompanhamento de
crianças ou adolescentes com necessidades especiais torna o processo ainda mais difícil. O
Diretor defende que apesar de não se ter escola e profissionais preparados para a inclusão,
o simples fato da convivência destes em ambientes com diversidade de alunos já é um
avanço para eles e aprendizado para os demais. Porém, a inclusão só pode acontecer de
50
fato com a presença de pelo menos uma escola em cada município equipada com espaço
físico adaptado e profissional habilitado para o atendimento específico de cada necessidade
especial.
A maioria dos entrevistados vê a integração família – Estado – escola como forma de
superação das dificuldades encontradas, porém esse é outro desafio que não se conhece
meios de suplantar. O que existem são experiências pontuais que deram certo em uma ou
outra comunidade, pela própria cultura local, constituindo-se em exceção e não em regra.
Seria necessário educar a população para o valor da educação. O que se vê é um círculo
vicioso, um povo carente de educação que não entende o valor de educar seus filhos. Ou
seja, trata-se de um problema estrutural que recai na Questão Social. Algumas medidas
poderiam ser adotadas como a construção de escolas menores em maiores quantidades
para que se possa conhecer melhor o entorno e suas famílias. Também a redução do
número de alunos por sala possibilitando ao professor um melhor atendimento, espaços e
ambientes físicos adequados e profissionais melhores qualificados e atendimento em
período integral aos alunos. Também a contratação de professores com dedicação exclusiva
a uma única escola e com maior número de horas atividades incluindo hora para pesquisa,
são exemplos citados para a melhoria na qualidade de ensino.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
saiba que a escola pública é financiada pelos impostos e taxas recolhidos de cada cidadão
e, portanto, a gratuidade é relativa. Os pais de alunos matriculados em escolas públicas
deveriam agir como os que sustentam seus filhos na rede privada e sabe o quanto custa
mantê-los e, por conseguinte, exigem qualidade. Quando o aluno e a família entenderem a
educação como um direito e não apenas como uma obrigação, como se ele fizesse um favor
ao Governo de freqüentar a escola, os ventos da mudança soprarão.
Da parte do Governo, é preciso que se faça um controle efetivo dos programas de
renda mínima e suas condicionalidades. Não apenas a freqüência, mas também o
rendimento escolar do aluno, tomado os devidos cuidados na avaliação, deve ser
considerado como condição para continuar recebendo os benefícios. E ainda, ao aluno que
abandona os estudos deve ser dada autonomia à escola para recusar matrícula no ano
subseqüente e os pais devem ser responsabilizados e não continuar recebendo benefícios
que faltam a outros necessitados. Além dos benefícios é necessário um acompanhamento
das famílias com orientações sobre cuidados com saúde, alimentação com aproveitamento
integral de mantimentos por meio de oficinas de nutrição, palestras, apresentação de
vídeos, organização de hortas comunitárias ou familiares e ainda, criar condições para que a
família possa se tornar auto-sustentável e os benefícios se tornariam, assim, efetivamente
provisório.
A escola precisa superar a alienação imposta pelas reformas educacionais. O
educador nem sempre tem consciência de seu poder de atuação social. E o próprio sistema
contribui para que esta não se desperte. O Serviço Social, que tem na Questão Social o
cerne de sua atuação, tem na escola um vasto campo de construção de um projeto social. E
não apenas a Educação e o Serviço Social, são necessários o desempenho mais amplo de
toda a sociedade civil e de sua organização política. Enquanto não se constrói um projeto
nacional de enfrentamento das expressões da questão social e erradicação da pobreza
estrutural pode-se desenvolver projetos voltados para a conscientização e organização da
comunidade escolar no sentido de garantir os seus direitos. Não cabe à educação resolver
os problemas da sociedade, porém preparar pessoas para enfrentar os seus próprios
desafios individuais e coletivamente. Esta pesquisa não se encerra aqui. É muito mais uma
introdução a diversos desafios educacionais parte de um todo, que precisam ser
problematizados e pesquisados. Conclui-se a reflexão com mais uma citação de Saviani
(1991, p.55):
É preciso compreender a realidade como um processo em movimento, enquanto um
processo contraditório e dialético em que o todo não se explica fora de suas partes e
as partes não se compreendem fora do todo; portanto é preciso agir sobre o todo
agindo simultaneamente sobre as diferentes partes.
55
REFERÊNCIAS
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Trabalho, Educação, Cultura e Participação. NOVAES, Regina e VANUUCHI, Paulo (Org.).
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Serrano, Deputada Federal. A Constituição da Educação Brasileira. Brasília: 1997.
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NETTO, J. P. Cinco Notas a Propósito da Questão Social. Temporalis. ABEPSS, ano III,
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______. Análise Crítica da Organização Escolar Brasileira Através das Leis 5.540/68 e
5.692/71. In: Educação Brasileira Contemporânea: Organização e Funcionamento. GARCIA,
Walter E. (org.). Editora McGraw-Hill do Brasil, Ltda./Ministério da Educação e Cultura. São
Paulo: 1978.