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ESCOLA SECUNDÁRIA de MARCO DE CANAVESES

Memorial do Convento, Saramago

L O Palácio Nacional de Mafra é um palácio


e mosteiro monumental de estilo barroco
localizado em Mafra (Portugal) a cerca de
25 quilómetros de Lisboa. Foi iniciado em
1717 no reinado de D. João V, em
consequência de uma promessa que o
jovem rei fizera se a rainha D. Maria Ana de
Áustria lhe desse descendência.
Classificado como Monumento Nacional em
1910, foi considerado uma das Sete
Maravilhas de Portugal a 7 de Julho de
2007.

AULA: a construção do convento – obra faraónica

► No dia 17 de Novembro de 1717, o rei (D. João V) vai a Mafra presidir à cerimónia
do lançamento da primeira pedra, acompanhada de procissão e bênção.

• Procissão / Bênção da primeira pedra pp.134-135

«Chegou el-rei pelas oito horas e meia, já tomado o chocolate matinal… e


então se formou a procissão, à frente sessenta e quatro religiosos arrábidos,
depois o clero da terra, a cruz patriarcal, seis homens de opas roxas, os
músicos, capelães de sobrepelizes, grande cópia de clérigos vários, um
espaço livre a preparar o que aí vinha, e eram os cónegos de pluviais de tela
branca e outros bordadas, adiante de cada um deles os seus criados nobres,
empós, sustentando-lhes as caudas, os caudatórios, e atrás o patriarca com
preciosos paramentos e mitra do maior custo, adornada de pedras do Brasil,
depois el-rei com a sua corte, juiz e vereadores da terra, corregedor da
comarca, e grande número de gente, passante três mil, se não se enganou
quem a contou, e tudo isto por causa de uma simples pedra, (…).
Foi a pedra principal benzida, a seguir a pedra segunda e a urna de jaspe, que
todas três iriam ser enterradas nos alicerces, e depois foi tudo levado em
procissão, de andor, dentro da urna os dinheiros do tempo, ouro, prata e cobre,
umas medalhas, ouro, (…)».

NOTA: dias antes uma tempestade muito forte fizera-se sentir sobre Mafra e
destruiu completamente a igreja de madeira, construída especialmente para a
cerimónia de inauguração dos alicerces. No entanto, dois dias depois estava
reconstruído. Foi um milagre, como tal D. João V distribuiu moedas de ouro. -
página 137 – 138
A propósito da igreja diz o narrador: isto sim, é um luxo, nem parece barraca
para deitar abaixo depois de amanhã página 139

► A origem da sua construção está ligada ao cumprimento de um voto que o Rei teria
feito, desconhecendo-se se para obter sucessão ou se para curar grave enfermidade.
Muita tinta tem corrido para explicar os motivos que levaram D. João V a construir o
Palácio de Mafra:

● A hipótese de se ter tratado de um voto para obter sucessão régia - D. Maria Ana
Josefa casara-se há três anos com o Rei e não conseguira engravidar - perdurou e
ainda hoje é uma explicação por muitos avançada. Mas, ao que tudo indica, a Rainha
já estaria grávida quando D. João V decidiu erguer o Palácio.
1
● Deitada por terra esta teoria, outras surgiram, sendo a mais sustentável a que dá
conta de um voto do Rei por motivos de saúde. D. João V estaria doente desde 1708,
tendo-se agravado o seu estado de saúde em 1711. De acordo com alguns
historiadores, o móbil do voto fora "uma grande aflição" na altura diagnosticada como
flatos hipocondríacos, hoje identificada como sífilis).

• Proposta do Frade e promessa do Rei pág. 14.

«Perguntou el-rei, É verdade o que acaba de dizer-me sua eminência, que se


eu prometer levantar um convento em Mafra terei filhos, e o frade respondeu,
Verdade é, senhor, porém só se o convento for franciscano, e tornou el-rei,
Como sabes, e frei António disse, Sei, não sei como vim a saber, eu sou
apenas a boca de que a verdade se serve para falar, a fé não tem mais que
responder, construa vossa majestade o convento e terá brevemente sucessão,
não o construa e Deus decidirá. (…) Prometo, pela minha palavra real, que
farei construir um convento dos franciscanos na vila de Mafra se a rainha me
der um filho no prazo de um ano a contar deste dia em que estamos, e todos
disseram, Deus ouça vossa majestade, e ninguém ali sabia quem iria ser posto
à prova, se o mesmo Deus, se a virtude de frei António, se a potência do rei,
ou, finalmente, a fertilidade dificultosa da rainha».

► Em 1711, decreta El-Rei D. João V que por justus motivos se erga na Vila de Mafra
um convento a Nossa Senhora e St. António, a ser entregue à Ordem dos Frades
Arrábidos. Escolhe D. João V o local (Alto da Vela), compram-se os terrenos e iniciam-
se as obras.

• Rei escolhe local onde será erguido o convento pág. 86.

«El-rei foi a Mafra escolher o sítio onde há-de ser levantado o convento. Ficará
neste alto a que chamam Vela, daqui se vê o mar, correm águas abundantes e
dulcíssimas para o futuro pomar e horta, que não hão-de os franciscanos de cá
ser de menos que os cistercienses de Alcobaça em primores de cultivo, a S.
Francisco de Assis lhe bastaria um ermo, mas esse era santo e está morto.
Oremos».

► O rei dá ordens para que se construa o mais depressa possível o convento,


sem olhar a despesas – gasta-se o que for preciso. O trabalho começou a 17 de
Novembro de 1717 com um modesto projecto para abrigar 13 frades franciscanos,
mas o ouro do Brasil começou a entrar nos cofres portugueses; D. João e o seu
arquitecto, Johann Friedrich Ludwig (conhecido como Ludovice que estudara na Itália),
iniciaram planos mais ambiciosos. Não se pouparam a despesas. A construção
empregou 52 mil trabalhadores e o projecto final acabou por abrigar 330 frades.

• Rei decide aumentar o convento pp.281-282.

«Enfim o rei bate na testa, resplandece-lhe a fronte, rodeia-a o nimbo da


inspiração. E se aumentássemos para duzentos frades o convento de Mafra,
quem diz duzentos, diz quinhentos, diz mil, estou que seria uma acção de não
menor grandeza que a basílica que não pode haver. O arquitecto ponderou, Mil
frades, quinhentos frades, é muito frade, majestade, acabávamos por ter de
fazer uma igreja tão grande como a de Roma, para lá poderem caber todos,
Então quantos, Digamos trezentos, e mesmo assim já vai ser pequena para
eles a basílica que desenhei e está a ser construída, com muitos vagares, se
me é permitido o reparo. Sejam trezentos, não se discute mais, é esta a minha
vontade. Assim se fará, dando vossa majestade as necessárias ordens».

► Durante os 13 anos que duraram as obras, operários, mestres, médicos, frades,


boticários e animais vieram de todo o país, alojando-se na "Ilha da Madeira". Vivendo

2
em condições deploráveis, infra-humanas. Daí advém a promiscuidade e a prostituição
– pp. 283 -284.

Para além de albergar as várias oficinas de vidreiros, ferreiros, latoeiros, carpinteiros e


pintores - tantos eram os fornos de cal que se estendiam até Cascais - e inúmeras
casas de pasto, incluía ainda as barracas de campanha para os soldados, uma ermida
de madeira, oito enfermarias, boticas e cozinhas, que mal deveriam chegar para os
45.000 operários, 7.000 guardas e 1270 bois que ali estiveram enquanto se construía
o Monumento.

● Ilha da Madeira pág. 213.

«Como é que te chamas, Baltasar Mateus, de alcunha o Sete-Sóis. Podes vir


trabalhar na segunda-feira, começas a semana, vais para os carros de mão.
(…) Sabia já Baltasar que o sítio onde se encontrava era conhecido pelo nome
de Ilha da Madeira, e bem posto lhe fora, porque, tirando umas poucas casas
de pedra e cal, todo o mais era tabuado, mas construído para durar».

► D. João V mandou os seus homens irem buscar outros homens a todas as partes
do país; estes eram recrutados contra a sua vontade, como escravos, indo assim
trabalhar para as obras do convento, para este estar pronto a tempo. Alguns destes
homens chegaram até a morrer com fome e perdidos ao tentar voltar para casa.

● Por ordem real, todos os homens são convocados para as obras do


convento pág. 302

«Ordeno que todos os corregedores do reino se mande que reúnam e enviem


para Mafra quantos operários se encontrarem nas suas jurisdições, sejam eles
carpinteiros, pedreiros ou braçais, retirando-os, ainda que por violência, dos
seus mesteres, e que sob nenhum pretexto os deixem ficar, não lhes valendo
considerações de família, dependência ou anterior obrigação, porque nada
está acima da vontade real, salvo a vontade divina (…)»
«Foram as ordens, vieram os homens. De sua própria vontade alguns,
aliciados pela promessa de bom salário, por gosto de aventura outros, por
desprendimento de afectos também, à força quase todos».

● Recrutamento de operários pág. 303

«(…) os homens, atados como reses, folgados apenas quanto bastasse para
não se atropelarem, viam as mulheres e os filhos implorando o corregedor,
procurando subornar os quadrilheiros com alguns ovos, uma galinha, míseros
expedientes que de nada serviam (…)»

● Selecção dos homens pág. 307

«Juntam-se os homens que entraram hoje, dormem onde calhar, amanhã


serão escolhidos. Como tijolos».

► Toda a obra é elevada através da exploração do povo. Primeiramente, os


trabalhadores são recrutados à força. Passados alguns anos, dá-se o transporte de
uma pedra enorme destinada a uma varanda sobre o pórtico da igreja – Sala
Benedictione de onde o patriarca lança a bênção ao povo.

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● Descrição da pedra de Pêro Pinheiro para Mafra pp. 253-254

«É a pedra destinada à varanda que ficará sobre o pórtico da igreja. É a mãe


da pedra (…), talvez porque viesse das profundas, ainda maculada pelo barro
da matriz, mãe gigantesca” ( …) [de comprimento] sete metros , [de largura]
três metros, e [ de espessura] sessenta e quatro centímetros (…) e o peso da
pedra da varanda a que se chamará Benedictione é de (…) trinta e uma
toneladas (…)»

► Construíram um carro para carregar a pedra, como se fosse uma nau da Índia com
calhas. Foram para lá 400 bois e mais de vinte carros. Ao amanhecer os homens
partiram para cumprir 3 léguas até onde estava a pedra. Diziam que nunca tinham
visto uma coisa como aquela. Escavaram junto à pedra de forma a levá-la inteira para
Mafra. No primeiro dia, não andaram mais de 500 passos. No segundo dia, foi pior
porque o caminho era a descer e foi preciso meter calços nos carros. Um homem
chamado Francisco Marques morreu atropelado por um carro, a roda passou-lhe sobre
o ventre. É recordado na missa e no sermão de domingo (sermão profundamente
demagógico, sendo de realçar a hipocrisia do frade) – pág. 272 – 273.
Quando chegou ao fundo do vale, o carro que transportava a pedra desandou
atingindo dois animais, a seguir tiveram que os matar – foi preciso acabar com eles à
machadada. Depois de esfolados e desmanchados, a carne foi distribuída. – pág. 269.

● Transporte da pedra, trabalho hercúleo pág. 259

«(…) quem fez as contas aos quatrocentos bois e aos seiscentos homens, se
as errou, não foi na falta, não que estejam em sobra” (…) “Neste primeiro dia,
que foi só a tarde, não avançaram mais que quinhentos passos».

► Gastaram oito dias entre Pêro Pinheiro e Mafra, quando chegaram parecia que
tinham vindo da guerra, vinham sujos e esfarrapados. Todos se admiraram com o
tamanho da pedra.

● Chegada da pedra a Mafra pp.273-274

«Entre Pêro Pinheiro e Mafra gastaram oito dias completos. Quando entraram
no terreiro, foi como se estivessem chegando duma guerra perdida, sujos,
esfarrapados, sem riquezas. Toda a gente se admirava com o tamanho
desmedido da pedra, tão grande. Mas Baltasar murmurou, olhando a basílica,
Tão pequena».

► O verdadeiro protagonista de Memorial do Convento é o povo trabalhador.


Espoliado, rude, violento, o povo atravessa toda a narrativa, numa construção de
figuras que, embora corporizadas por Baltasar e Blimunda, tipificam a massa colectiva
e anónima que construiu, de facto, o convento. A crítica e o olhar mordaz do narrador
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enfatizam a escravidão a que foram sujeitos quarenta mil portugueses, para alimentar
o sonho de um rei megalómano ao qual se atribui a edificação do Convento de Mafra.

● Razão do livro: homenagem colectiva aos trabalhadores pág. 250


“ (…) só para isso escrevemos, torná-los imortais( …)”

● Significado de MAFRA pág. 306

« (…) e a vila, lá em baixo na cova, é Mafra, que dizem os eruditos ser isso
mesmo o que quer dizer, mas um dia se hão-de rectificar os sentidos e naquele
nome será lido, letra por letra, mortos, assados, fundidos, roubados,
arrastados (…)»

► Segundo alguns críticos, o povo trabalhador constitui o verdadeiro herói de


Memorial do Convento. O herói deficiente, feio, rude e, às vezes, violento: não
tardaria que se começasse a dizer que isto é uma terra de defeituosos, um marreco,
um maneta, um zarolho…, porém, verdades são verdades.

Ao escrever o seu Memorial, o ficcionista propõem-se resgatar o papel dos


oprimidos, dos 40 mil operários que humildemente sofrem e se esforçam por
sobreviver durante a construção do monumento: Deve-se a construção do
convento de Mafra ao rei D. João V, por um voto que fez se lhe nascesse um filho, vão
aqui seiscentos homens que não fizeram filho nenhum à rainha e eles é que pagam o
voto, que se lixam.

Não se pense, contudo, que estamos simplesmente perante uma massa colectiva e
anónima. Para além de Baltasar e Blimunda, o autor cria uma pequena galeria de
homens-trabalhadores: Francisco Marques, Pêro Pinheiro, José Pequeno, João
Anes e outros. São ainda individualmente caracterizados os familiares de Baltasar,
residentes em Mafra, e João Elvas, companheiro das primeiras aventuras.

Todos aqueles que não podem ser caracterizados são, ao menos, nomeados,
numa derradeira homenagem: Alcino, Brás, Cristóvão…uma letra de cada um para
ficarem todos representados.

Esta passagem textual pode ser interpretada como síntese da relação História –
Verdade.

(na realidade contemporânea, quantos nomes de trabalhadores anónimos serão


lembrados nas cerimónias de inauguração???)

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AULA: A sagração do Convento (22 de Outubro de 1730)

► D. João V queria construir uma basílica igual à de S. Pedro de Roma, mas


Ludovice, aconselhou-o a não construir a basílica, porque demorava muito tempo a
construir e D. João V poderia já não estar vivo quando acontecesse a inauguração
desta.

• Rei expressa vontade de construir uma igreja igual à de S. Pedro de


Roma pág. 279

No dia seguinte, D. João V mandou chamar o arquitecto de Mafra, um tal João


Frederico Ludovice, que é alemão escrito à portuguesa, e disse-lhe sem outros
rodeios, É minha vontade que seja construída na corte uma igreja como a de
S. Pedro de Roma, e, tendo assim dito, olhou severamente o artista. (…)
Porém, há limites, este rei não sabe o que pede, é tolo, é néscio, se julga que a
simples vontade, mesmo real, faz nascer um Bramante, um Rafael, um
Sangallo, um Peruzzi, (…)

(…) as vidas são breves, majestade, e S. Pedro, entre a bênção da primeira


pedra e a consagração, consumiu cento e vinte anos de trabalhos e riquezas…
talvez nem daqui a duzentos e quarenta anos o conseguíssemos, estaria vossa
majestade morta..

► A 22 de Outubro de 1730, embora as obras ainda estivessem atrasadas, decidiu El-


Rei que se celebrasse a cerimónia de Sagração da Basílica, presidida pelo Cardeal
Patriarca D. Tomás de Almeida, participando toda a Família Real, Corte e
representantes de todas as Ordens. Calcula-se que tenham assistido mais de 20 mil
pessoas, sem contar com os quarenta e cinco mil operários, numa festa que durou oito
dias e onde se ouviu pela primeira vez o som dos Carrilhões. Aqui se encontra a
melhor colecção de estátuas italianas existentes em Portugal no segundo quartel do
século XVIII. O átrio da basílica é decorado por belas esculturas da Escola de Mafra,
criada por D. José I. Possui um conjunto sonoro de seis órgãos, únicos no mundo,
para os quais existem partituras que só aqui podem ser executadas. Os Carrilhões,
encomendados por D. João V, são considerados como os melhores do mundo. Tocam
valsas e contradanças. Têm em conjunto 92 sinos e pesam cerca de 217 toneladas.

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● Marcação da data para a sagração da basílica pp. 300 - 301

Começaram as obras, mas depois o rei decidiu que a inauguração do novo


convento seria no dia dos seus anos, que calhava num domingo, daí a dois
anos; após essa data, o seu próximo dia de anos, que calhasse num domingo
só seria daí dez anos e poderia ser muito tarde).
«(…) a sagração das basílicas se deve fazer aos domingos (…) segundo o
Ritual, e então el-rei mandou apurar quando cairia o dia do seu aniversário,
vinte e dois de Outubro, a um domingo, tendo os secretários respondido, após
cuidadosa verificação do calendário, que tal coincidência se daria daí a dois
anos, em mil setecentos e trinta, Então é nesse dia que se fará a sagração da
basílica de Mafra, assim o quero, ordeno e determino, e quando isto ouviram,
foram os camaristas beijar a mão do seu senhor, vós me direis qual é mais
excelente, se ser do mundo rei, se desta gente». – Os Lusíadas

«(…) o estado da obra não consentia tão feliz previsão, tanto no que tocava ao
convento, cujo segundo corpo se ia levantando lentamente das paredes, como
à igreja, por sua natureza de delicada construção( …) D. João V, … preferiu
chamar outra vez os secretários e perguntar-lhes em que data voltaria a cair a
um domingo o seu aniversário (…) Trabalharam eles afanosamente as suas
aritméticas e com alguma dúvida responderam que o acontecimento tornaria a
dar-se dez anos depois, em mil setecentos e quarenta».
«Em mil setecentos e quarenta terei cinquenta e um anos, e acrescentou
lugubremente, Se ainda for vivo. E por alguns terríveis minutos tornou a subir
este rei ao Monte das Oliveiras, ali se agoniou com o medo da morte e o pavor
do roubo que lhe seria feito, agora acrescentando um sentimento de inveja,
imaginar seu filho já rei, com a rainha nova que está para vir de Espanha,
gozando ambos as delícias da inauguração e ver sagrar Mafra, enquanto ele
estaria apodrecendo (…)»
«E então D. João V disse, A sagração da basílica de Mafra será feita no dia
vinte e dois de Outubro de mil setecentos e trinta, tanto faz que o tempo sobre
como falte, venha sol ou venha chuva, caia a neve ou sopre o vento, nem que
se alague o mundo ou lhe dê o tranglomango».

► Mafra simboliza o espaço da servidão desumana a que D. João V sujeitou todos os


seus súbditos para alimentar a sua vaidade.

• Rei consciente que a vida é curta: receios / vaidade pp. 288 - 289

D. João V está numa sala do torreão, virada ao rio. Mandou sair os camaristas,
os secretários, os frades, uma cantarina da comédia, não quer ver ninguém.
Tem desenhado na cara o medo de morrer, vergonha suprema em monarca
tão poderoso. Mas esse medo de morrer não é o de se lhe abater de vez o
corpo e ir-se embora a alma, é sim o de que não estejam abertos e luzentes os
seus próprios olhos quando, sagradas, se alçarem as torres e a cúpula de
Mafra, é o de que não sejam já sensíveis e sonoros os seus próprios ouvidos
quando soarem gloriosamente os carrilhões e as solfas, é (…). Vaidade das
vaidades, disse Salomão, e D. João V repete, Tudo é vaidade, vaidade é
desejar, ter é vaidade.

7
AULA: caracterização D. João V e D. Maria Ana Josefa; relação amorosa

D. João V

Rei de Portugal entre 1706 e 1750, período de grande riqueza, Medita D. João V no
que fará a tão grandes somas de dinheiro, a tão extrema riqueza devido
essencialmente ao ouro, diamantes e demais produtos vindos do Brasil que permitem
a realização de grandes obras a que este rei ficou associado como a construção:

● do Convento de Mafra (1717 – 1735)


● do Aqueduto das Águas Livres (1731)
● do Palácio de Queluz (1747)

Não podemos ser levados a crer que todo o país vivia no fausto e na grandeza. Como
se lê no Memorial: e se desta pobre terra de analfabetos, de rústicos, de toscos
artífices não se podem esperar supremas artes e ofícios, encomendem-se à Europa.

Apesar de possuir vários filhos bastardos, D. João V preocupava-se com a falta de


descendentes. Por isso, e influenciado pelo poder da Igreja, promete levantar um
convento de franciscanos na vila de Mafra se tiver filhos da rainha.
A sua pretensão é atendida e o nascimento da princesa Maria Bárbara dá origem ao
cumprimento do voto régio.
A sua relação com D. Maria Ana é retratada como simples cumprimento de um dever,
sem qualquer laço afectivo.

Nota: O acontecimento que originou a construção do convento, o milagre do


nascimento da princesa, é apresentado como uma fraude em que o rei é o principal
enganado, porque todos (os frades e a rainha) sabiam que, à data da promessa, a
rainha já estava grávida.

A figura do rei como responsável pela construção do convento é ridicularizada ao


longo da narrativa. De facto, a única obra que ele edifica, nos seus momentos de
lazer, sem qualquer esforço ou risco, numa simples exibição das suas habilidades, é
uma miniatura da basílica de S. Pedro de Roma: El-rei tem na sua tribuna uma cópia
da basílica de S. Pedro de Roma que ontem armou na minha presença…Dizem-me
que el-rei é grande edificador, será por causa disso este seu gosto de levantar com as
suas próprias mãos a cabeça arquitectural da Santa Igreja, ainda que em escala
reduzida. Muito diferente é a dimensão da basílica que está a ser construída na vila de
Mafra, gigantesca fábrica que será o assombro dos séculos.

D. João V é retratado de forma múltipla e contraditória:

→ Por um lado, é um devoto fanático que sacrifica o povo na edificação do


convento, que assiste aos autos-de-fé e que desvia as riquezas pátrias para manter as
pompas do clero;

→ Por outro é o monarca vaidoso, que se compara ao próprio Deus, e luxurioso


que desrespeita a Igreja ao encontrar-se com as esposas do Senhor: bem sabeis
como as monjas são esposas do Senhor, é uma verdade santa, pois a mim como a
Senhor me recebem nas suas camas, e é por ser eu o Senhor que gozam e suspiram
segurando na mão o rosário, carne mística, misturada, confundida…

É também o soberano curioso que protege as pesquisas do padre Bartolomeu de


Gusmão e contrata artistas como Domenico Scarlatti

D. Maria Ana Josefa


Nascida na Áustria, o casamento com o rei português proporciona-lhe o contacto com
um país novo, com um clima e uma cultura diferentes.
8
A relação fria e cerimoniosa com o marido leva-a a transgredir as regras do
comportamento a nível do onírico, pelos sonhos e devaneios com o infante D.
Francisco, seu cunhado: D. Maria Ana peca duplamente ao sonhar e ao esconder os
sonhos do seu confessor…Sonhos que o próprio infante destrói quando se insinua à
rainha aproveitando-se da doença do irmão para ascender ao trono.

Relação rei / rainha - O amor contratual

● unico objectivo – dar um herdeiro à coroa;


● não envolvimento afectivo;
● cerimonial;
● ausência de amor;
● ambiente anti-erótico;
● excesso de roupas;
● presença de camareiras/camaristas;
● artificialismo;

► infidelidade do rei (bastardos) – Madre Paula de Odivelas;


Rainha – sonhos (cunhado, D. Francisco)
Sente-se atormentada; consciência de estar em pecado (orações, peregrinações
pelas igrejas).

Páginas 17/18

►D. Francisco vai destruir os sonhos da rainha ao confessar-lhe as suas verdadeiras


intenções.

Página 118

9
AULA: O amor Baltasar / Blimunda; caracterização de ambos

A história do casal está presente em todos os capítulos (excepto nos 3 primeiros).

Baltasar / Blimunda

● relação à margem das normas sociais;


● Casal ilegítimo por sua própria vontade, não sacramentado na Igreja - pág 77
● amor puro;
● permanecem calados por muito tempo (o silêncio – canal que permite uma comu-
nicação em profundidade);
● deixar a porta aberta;
● acender o lume;
● servir a sopa;
● esperar pela colher usada de Baltasar

► não procriam – entregam-se às carícias e aos jogos eróticos sem olharem a limites,
lugares ou datas. Vivem um amor sem regras e sem limites, instintivo e natural.

Página 109

► integração mútua, perfeita. Naturalmente se integram no meio-ambiente, no


espaço, dando-se um ao outro sem preocupações, problemas ou complexos.

Páginas 280 a 281

► Não há discurso amoroso, as palavras tornam-se desnecessárias quando o silêncio


é rico de significação, quando entre os dois há apenas amor, paixão, gozo,
cumplicidade, entendimento perfeito.

Páginas 100 e 175

► A união de Blimunda/Baltasar não se ressente da ausência de um herdeiro, eles


descobriram a plenitude no seu amor, o tempo passa, eles envelhecem, mas o casal
continua eternamente enamorado e até escandaliza a vila de Mafra.

► Blimunda - (alcunha Sete-Luas, dada pelo padre).


Página 94

O simbolismo das alcunhas reside no número 7 que representa a totalidade do


universo em movimento (cada fase da lua dura cerca de 7 dias; as células humanas
renovam-se de 7 em 7 anos…).
O número 7 associado a Sóis e a Luas confere um carácter universal e mágico a estas
personagens. Nelas, o número 7 simboliza a perfeição na medida em que cada uma
põe ao serviço da outra o melhor de si própria, na humildade da partilha e da
reciprocidade mútuas.

10
caracterização Baltasar / Blimunda

Baltasar Sete - Sóis

● Tem 26 anos

● Foi baleado na Guerra da Susseção Espanhola (1704 – 1712) – em que se haveria


de decidir quem viria a sentar-se no trono de Espanha, se um Carlos austríaco ou um
Filipe francês, português é que nenhum - pág 36

● Cortaram-lhe a mão esquerda pelo nó do pulso. Cura a mão em dois meses (homem
saudável) com ervas cicatrizantes e para colmatar esta deficiência, encomenda em
Évora um gancho e um espigão – pág 35 – 36

● Inicialmente vive uma vida aventureira e errante

● pede esmola

● mata um homem no caminho para Lisboa (em Pegões), mas apenas age em
legitima defesa (servindo-se do espigão)

● serve-se de expedientes para sobreviver (Ex: quando se apercebeu que lhe davam
melhores esmolas sem o gancho, guardou-o)

● em Lisboa procura trabalho (açougue)

● pede uma tença ao rei por intermédio de um clérigo amigo para o compensar do
facto de ser um estropiado de guerra, mas Da tença que pediu, ainda não há sinal e
do açougue o mandarão embora não tarda

● assiste a um auto-de-fé(1) levado a cabo pela inquisição(2) (Sebastiana Maria de


Jesus – 8 anos de degredo em Angola e açoitada em público).

(1) Auto-de-fé – cerimónia solene em que se promulgavam as sentenças do tribunal da Inquisição. Tinha
o significado de sanção pública por crimes de heresia ou erros equivalentes. Concluídos os processos,
organizava-se uma assembleia, sob a presidência de autoridades eclesiásticas, civis e, por vezes, dos
próprios reis, na presença do povo.

(2) Inquisição – tribunal eclesiástico cujo objectivo era perseguir os hereges. Os tribunais da Inquisição
foram patrocinados pela igreja católica. A pena de morte foi introduzida pelo papa Gregório IX em 1231, e
estipulou-se que devia ser executada na fogueira.

Páginas 54 a 57
11
● É a partir do seu encontro com Blimunda e o Padre que o herói por mérito próprio,
supera a sua limitação física (soldado maneta) e se transforma.

Em Síntese:

Baltasar Mateus, de alcunha Sete-Sóis é, juntamente com Blimunda, um dos


protagonistas do romance. A sua participação na Guerra da Sucessão salda-se pela
perda da mão esquerda. É uma figura que encarna a crítica à inutilidade da guerra
já que se sacrificam homens em nome de interesses que lhes são alheios: A
tropa andava descalça e rota…assaltando para comer…por artes de uma guerra em
que se haveria de decidir quem viria a sentar-se no trono de Espanha, se um Carlos
austríaco ou um Filipe francês, português nenhum.

Mandado embora do exército, por já não ter serventia nele, vagueia, como pedinte,
pelo reino até chegar a Lisboa onde conhece Blimunda, com quem partilhará a vida.

Participa entusiasticamente no sonho do padre Bartolomeu de Gusmão, a


construção da passarola voadora. É Bartolomeu quem concebe o engenho mas é
pelas mãos de Baltasar que ele nasce. O padre explica-lhe os fundamentos para que
o objecto que criarão juntos lhe seja conhecido, nasça também com ele e de dentro
dele, e não lhe seja imposto por um saber alheio. É essa a diferença profunda entre o
trabalho de construção da passarola e de construção do convento.

Baltasar representa o operário consciente dos objectivos do seu trabalho e que, por
isso mesmo, se envolve no projecto do padre Bartolomeu de Gusmão de construir a
passarola voadora. Baltasar é humanizado e dignificado pelo trabalho que realiza
de forma entusiasmada e voluntária, opondo-se assim aos operários que
trabalham na construção do convento que aparecem como escravos, como
animais de carga porque realizam um trabalho forçado em que não se sentem
envolvidos.

Dois ciclos se abrem, então, caracterizando essa marcha produtiva:

○ aquele em que a acção é irmã do sonho (passarola)


○ e outro em que a acção se aliena do sonho (convento)

É o que acontece com os milhares de trabalhadores que ajudam a edificar um
monumento religioso que não lhes diz nada, pois nasce de uma glória pessoal,
para o qual são arrastados involuntariamente e no qual se alienam ou perdem a
vida. Ora presos pela cintura uns aos outros…ora ligados pelos tornozelos, como…
escravos.

Bastasar diviniza-se pela construção da passarola. O padre Bartolomeu ajuda-o a


ultrapassar a sua deficiência física quando o compara a Deus: Com essa mão e esse
gancho podes fazer tudo quanto quiseres…só eu digo que Deus não tem a mão
esquerda, porque é à sua direita…que se sentam os eleitos, não se fala nunca da mão
esquerda de Deus.

Blimunda Sete - Luas


Filha de Sebastiana Maria de Jesus, que é condenada pela Inquisição ao degredo, em
Angola, acusada de ser visionária e cristã-nova, conhece Baltasar Sete-Sois
precisamente no dia da execução da sentença materna e com ele constitui o par
amoroso que o discurso romanesco opõe ao casal real representante do poder, da
ordem, da repressão imposta e interiorizada.

12
Blimunda é dotada de ecovisão, isto é, da capacidade de ver os outros por dentro
(excepto em tempo de lua nova); este dom é por ela aproveitado para recolher as
vontades que farão levantar a passarola e para libertar a vontade de Baltasar, no
momento em que o seu corpo vai ser queimado pela Inquisição.

Quando está em jejum possui capacidades de vidente, no sentido de clarividente, ou


seja, o que vê é deste mundo: eu só vejo o que está no mundo, não vejo o que é fora
dele, céu ou inferno.

Como descobre Marta Maria, Blimunda é uma mulher que é visionária da pior
maneira, porque vê o que existe.

É esse afastamento da materialidade que a aproxima da espiritualidade da arte de


Scarlatti e do sonho de voar do padre Bartolomeu. O único ser que ela se recusa a
olhar por dentro é Baltasar, facto que terá a ver com a dificuldade em se “ver” quem se
ama.

Revela uma sabedoria e uma postura muito próprias que a separam do seu mundo.
Como reconhece o padre Bartolomeu: voar é uma simples coisa comparando com
Blimunda.

Blimunda ajuda na construção da passarola e partilha com Baltasar as alegrias,


preocupações e tristezas da vida.

Ambos vivem um amor não-cristianizado mas nem por isso menos sagrado, e
miticamente exemplar. Aliás, o seu encontro num auto-de-fé é, desde logo, abençoado
pela mãe acusada de feitiçaria que “viu” que aqueles dois tinham nascido para se
completar e, mais tarde, pelo padre Bartolomeu numa cerimónia íntima e inusitada:
Aceitas para a tua boca a colher de que se serviu a boca deste homem, fazendo seu o
que era teu…esperou que Blimunda acabasse de comer da panela as sopas que
sobejavam.

A união com Baltasar confere-lhe um novo nome: tu serás Sete-Luas porque vês às
escuras, e, assim, Blimunda…ficou sendo Sete- Luas.

Quando Baltasar parte, sozinho, para Monte Junto, para verificar os efeitos do tempo
sobre a passarola e não mais regressa, Blimunda procura-o por todo o lado, numa
busca dramática que dura nove anos e com um amor a que nem as chamas da
fogueira inquisitorial consegue pôr fim.

Estamos perante uma história de amor que perdura já que a “vontade” de


Baltasar “voa” ao encontro da amada: Naquele extremo arde um homem a quem
falta a mão esquerda…Então Blimunda disse, Vem. Desprendeu-se a vontade de
Baltasar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia e a Blimunda.
Corajosamente, Blimunda quebrou a sua promessa e olhou-o por dentro (já não comia
há quase 24 horas) e Baltasar fica assim a pertencer-lhe de forma definitiva.

Afinal, conclui o narrador, aquando da despedida dos dois amantes, o amor existe
sobre todas as coisas.

Nota: Baltasar e Blimunda representam a capacidade de libertação de todo um


povo oprimido. Sete-Sóis e Sete-Luas simbolizam uma totalidade: por serem Sol e
Lua, astros que complementam a unidade do tempo, feito de dia (de sol) e de noite (de
lua) e também porque o número 7 simboliza a totalidade humana. Eles representam a
capacidade ontológica de lutar de criar um espaço de anti-poder que é aqui
simbolizado pela passarola. É essa capacidade libertadora, assente na vontade dos
homens, que a narrativa pretende exaltar.

13
14
SÍNTESE

Amor Contratual Amor Verdadeiro


(Rei/Rainha) (Baltasar/Blimunda)

● unidos por contrato estabelecido entre ● Uniram-se de livre vontade


casas régias

● casaram-se sem se amar ● amaram-se sem se casar

● casados pela igreja ● juntos sem a bênção da igreja

● casados há mais de dois anos ● Blimunda era virgem

● vida opulenta e luxuosa ● partilha de uma vivência humilde

● vestidos nos encontros amorosos com ● despidos nos actos amorosos


o «trajo da função e do estilo»

● dormindo em quartos separados, ● Dormiam sempre juntos e


juntavam-se apenas para o acto sexual aconchegados

● relação com o fim único de dar um ● espontâneas manifestações de um


herdeiro à coroa amor espiritual e carnal

● sexualidade encarada como uma ● jogos eróticos sem fins procriativos


obrigação régia com o fim de procriar

● encontros amorosos no quarto da ● Encontros amorosos em espaços


rainha múltiplos e variados

● excesso de formalidades e cerimónias ● vivência activa e espontânea do amor e


da sexualidade

Frustração Pessoal Plena Realização Pessoal

Elementos simbólicos: cobertor / colher

Cobertor – liga-se à frieza do amor, à ausência do prazer, escondendo desejos


insatisfeitos. O cobertor torna-se símbolo da separação que marca o
casamento de conveniência daquele casal régio.

Colher – exprime o amor autêntico, uma relação de paixão e, inclusivamente, a


atracção erótica dum casal que se complementa sem precisar de reprimir o seu
prazer.

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AULA: o sonho do Padre Bartolomeu Lourenço – a construção da
passarola; caracterização da personagem

Cf.● Sebastião da Gama, Pelo sonho é que vamos


● Pessoa, Sem a loucura que é o homem…
● António Gedeão, Pedra Filosofal

► O padre Bartolomeu Lourenço está com Blimunda entre a assistência que vê


passar a procissão dos condenados. Acompanha-a quando ela regressa a casa e
assiste ao primeiro encontro entre Baltasar e Blimunda, “casando-os” (bênção) logo de
seguida. O padre é cúmplice numa situação ilegal aos olhos da igreja. Mas este padre
é especial e vai surpreender Baltasar quando lhe pergunta se o quer ajudar, dizendo-
lhe que «maneta é Deus e fez o universo».

Página 69

► A sua amizade com Baltasar e Blimunda revela que tem ideias muito liberais, ainda
mais numa época em que se vivia o medo e a repressão, numa época em que a
mentalidade do povo era “dirigida” pelo poder da igreja.

► O padre levou Baltasar a S. Sebastião da Pedreira para ver o projecto da sua


máquina voadora. Entretanto, vai à Holanda, onde os estudos estão mais adiantados,
para trazer o «segredo alquímico do éter». Haviam decorrido três anos e depois de ir
ver a abegoaria abandonada (Quinta do duque de Aveiro), vai à procura dos amigos
para lhes dar as informações que trouxera da Holanda, nomeadamente a informação
de que o éter de que necessitam se alcança através das vontades dos vivos. A
vontade é a essência do homem, uma força primordial.

Página 130

► O medo que tem de ser apanhado pela Inquisição é cada vez maior.

Página 199

► Estabelece relações com as duas classes que se opõem: a corte e o povo.


É funcionário da corte, tem o apoio e a amizade do rei que o incentiva nas suas
experiências, cedendo-lhe a quinta de S. Sebastião da Pedreira.

► Enquanto a corte o olha com incredulidade, menosprezando-o; o povo (Baltasar e


Blimunda) acolhe-o, confia e participa do seu projecto.

► Após terem fugido na passarola, e do seu regresso a terra, o padre tenta incendiar
o engenho. Após este incidente, o padre embrenhou-se pela serra e desapareceu.
Baltasar procurou-o mas em vão. Sabe-se, mais tarde, que o padre morreu em
Espanha. É Scarlatti quem dá a notícia a Blimunda.

Página 231

Caracterização do Padre Bartolomeu

Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão

O século XVIII europeu é geralmente designado por “Século das Luzes” e a


Península Ibérica, embora ensombrada pelo braço persecutório da Inquisição, não
ficou de todo alheia aos contactos com a cultura europeia.

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Assim, a intolerância inquisitorial provocou a fuga de muitos intelectuais e
letrados para o estrangeiro, colhendo aí as “novas ideias” e “iluminando” as trevas
do nosso atraso.

Em Portugal, aqueles que estavam em contacto directo com os novos conhecimentos


que se faziam pela Europa eram apelidados de “estrangeirados”. É o caso do padre
Bartolomeu Lourenço de Gusmão que, como se pode ler no romance, parte para a
Holanda: e lá aprende a arte de fazer descer o éter do espaço, de modo a introduzi-lo
nas esferas, porque sem ele nunca a máquina voará.

O Padre foi um visionário que acreditava na ciência e nas capacidades do Homem.

Bartolomeu Lourenço também era conhecido por Voador.

Aliás é o próprio padre que conta a Baltasar o percurso das suas aventuras: Pois eu
faz dois anos que voei, primeiro fiz um balão que ardeu, depois construí outro que
subiu ao tecto de uma sala do paço…Voaram balões, foi o mesmo que ter voado eu.

O seu projecto foi bem acolhido pelo rei português: por lhe querer bem el-rei, que
ainda não perdeu de todo a esperanças, …por isso pergunta…Verei voar a máquina
um dia, ao que o padre Bartolomeu Lourenço,…não pode responder mais do que isto,
Saiba vossa majestade que a máquina um dia voará,…vossa majestade…não só verá
voar a máquina, como nela voará…el-rei…vai assistir à lição de música de sua filha, a
infanta D. Maria Bárbara,…faz um sinal ao padre para que se junte ao séquito, nem
todos se podem gabar destes favores.

A custo conseguirá evitar a Inquisição tendo-lhe certamente valido a intercessão


de D. João V.

Com a ajuda de Baltasar e Blimunda, Bartolomeu consegue construir a sua máquina.


Estamos perante um trabalho de equipa (tríade).

A união, a harmonia que reina entre eles está patente na simbologia do número três
(ordem intelectual e espiritual; Deus).

Nota: o padre Bartolomeu é o mais fraco do trio, já que acaba por fugir, renegar
a sua obra ao tentar destruí-la e ao enlouquecer.

Blimunda e Baltasar, pelo contrário, irão lutar até ao fim. São eles os verdadeiros
heróis que enfrentam preconceitos, dogmas e até mesmo o Santo Ofício.

Para além de inventor, Bartolomeu Gusmão foi um grande orador sacro cuja fama
o aproximava, na época, do padre António Vieira. A construção da passarola não o
impede de preparar os seus sermões. Várias vezes o vemos a exercitar as suas
qualidades junto do casal, apesar de não entender a sua retórica tipicamente
setecentista, não deixa de o ouvir e perceber que o padre Bartolomeu é um homem
interiormente inquieto em matéria de fé: Deus é uno em essência e em pessoa,
gritou Bartolomeu Lourenço subitamente. Vieram Blimunda e Baltasar à porta saber
que grito era aquele, não que estranhassem as declamações do padre, porém assim,
fora, a clamar violento contra o céu, nunca acontecera.

Essa inquietação interior, essa postura nada dogmática que contrasta com o clero da
época espelha-se nas leituras diversificadas que faz como se procurasse, deste
modo, alcançar a totalidade do Saber: Abandonara a leitura consabida dos doutores
da Igreja, dos canonistas…como se a alma já estivesse extenuada de palavras…
examina miudamente e estuda o padre Bartolomeu Lourenço o Testamento velho,
sobretudo os cinco primeiros livros, o Pentateuco, pelos judeus chamados Tora, e o
Alcorão.

De facto, o padre Bartolomeu é um ser fragmentário e atormentado, revelando


grande complexidade e excentricidade: Três se não quatro vidas diferentes tem o

17
padre Bartolomeu…o padre…o académico…o inventor da máquina de voar…esse
outro homem conjunto, mordido de sustos e dúvidas.

Podemos concluir que esta personagem constitui o ponto de intersecção da narrativa


visto que estabelece relações com os dois mundos distintos retratados: a corte e o
povo.

Enquanto a corte olha com desconfiança o sonho e as ideias do padre: Tenho sido a
risada da corte; o povo, encarnado nas figuras de Baltasar e Blimunda, acolhe e
participa naturalmente no seu projecto: A Baltasar convencia-o o desenho, não
precisava de explicações

Intrigas e difamações da corte obrigam-no a partir para Espanha onde morre. A


notícia do seu fim é comunicada aos seus colaboradores por Scarlatti: Vim-te dizer e a
Baltasar, que o padre Bartolomeu de Gusmão morreu em Toledo, que é em Espanha,
para onde tinha fugido.

Nota: Memorial do Convento, enquanto reflexão sobre a condição humana, é uma


homenagem ao poder humano construído na base da vontade:

● é a conjugação de “vontades” que faz subir a passarola;

● é o desejo de permanecerem juntos que faz com que Blimunda, no final, liberte a
“vontade” de Baltasar.

18
AULA: a conjugação de saberes; Scarlatti, o 4º elemento; outras
personagens; o casamento Maria Bárbara / D. Fernando VI

Domenico Scarlatti
À relação ternária constituída por Baltasar, Blimunda e o padre Bartolomeu, vem
juntar-se um quarto elemento, Domenico Scarlatti.
Página 177

À ciência do padre, ao esforço físico de Baltasar, à magia de Blimunda em


recolher vontades, vem unir-se a arte: tocarei para eles e para a passarola, talvez a
minha música possa conciliar-se dentro das esferas com esse misterioso elemento.

Nota: o número quatro é o número da terra, dos pontos cardeais, das fases da lua,
das estações, das etapas da vida humana simbolizando, portanto, a plenitude, a
totalidade.

→ estas 4 personagens remetem para a ideia de deificação do homem uma vez que
são capazes de se libertar da materialidade.

Será a música de Scarlatti, com a sua acção retemperadora, que curará


Blimunda para que esta possa prosseguir a sua tarefa: muitas vezes veio Domenico
Scarlatti…visitar Blimunda…Durante uma semana…o músico foi tocar duas, três
horas, até que Blimunda teve forças para levantar-se.

Scarlatti assiste à partida da ave, não podendo partilhar o sonho até ao fim, e como a
passarola acabará escondida num canto da serra de Monte Junto também o cravo
permanece escondido no fundo do poço: levou Scarlatti o cravo até ao bocal do
poço…e levantando-o em peso…o precipita a fundo, bate a caixa duas vezes na
parede interior, todas as cordas gritam, e enfim cai na água.

Outras Personagens

João Francisco Mateus – pai de Baltasar

● Recebe o filho de braços abertos e pede a Blimunda que jure que não é judia. Dá-
lhe, como teste, um pedaço de toucinho a comer (medo da Inquisição).

● Com a morte da esposa, alheia-se do mundo e da vida.

● Acredita na máquina e no facto do filho ter voado

● Morre ao dar a bênção ao filho.

Marta Maria – mãe de Baltasar

● Recebe Baltasar com grande alegria

● Acolhe Blimunda como uma filha

● Tem «uma nascida na barriga» que lhe causará grande sofrimento e a levará à
morte

Inês Antónia / Álvaro Diogo – dois filhos (o mais valho chama-se Gabriel e o
mais novo morre com bexigas, o que causa grande sofrimento à mãe que quase
chega a querer mal ao outro filho)

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● Casal mais conservador – Inês Antónia não aprecia a forma como o irmão e a
cunhada materializam o amor que nutrem um pelo outro, pois nunca quis experimentar
com o marido a novidade, já que Inês e Álvaro são «espíritos quietos e carnes
desambiciosas».

● Álvaro Diogo – pedreiro, bom profissional. Deseja participar na construção do


convento, mas lucidamente reconhece que vêm para aí os frades fornicar as mulheres
como é costume deles.

● Caiu de uma parede do convento (quase 30 metros) e morreu (com a sua morte,
Inês Antónia torna-se amarga e triste) – pág. 341

O casamento Maria Bárbara / D.Fernando VI

● União das famílias reais de Espanha e Portugal;

● O casamento estava marcado desde 1725;

● Cortejo real sai de Lisboa (muitos convidados e muitos serviçais)- página 312
►Alentejo (miséria, pobreza, os pobres comem os restos) ►Elvas;

● A viagem foi difícil devido: chuva; mau estado das estradas do reino;

● conselhos da mãe à filha – diálogo inverosímil - página 319 – 320;

● a caminho de Évora, a princesa vê homens atados e pergunta a um oficial quem


são, para onde vão e este responde-lhe que vão para Mafra trabalhar no convento,
cuja edificação se deve a ela e ela nunca foi a Mafra - página 325;

● a princesa fica angustiada - página 326

● cerimónia do casamento: casa construída sobre a ponte de pedra que atravessa o


rio Caia - página 330

20
AULA: a Inquisição; um Auto-de-Fé

Memorial do Convento denuncia o medo que se vivia na época devido às


perseguições levadas a cabo pelo Santo Ofício.
As descrições das procissões dos penitentes e supliciados e também as procissões
religiosas, como a do Corpo de Deus, são textos de enorme visualismo, pelo rigor de
pormenor e objectividade.

Blimunda conhece Baltasar no auto-de-fé de 26 de Julho de 1711 e o último encontro


decorre no auto-de-fé de 18 de Outubro de 1739, 28 anos depois de se terem
conhecido.

Páginas 50 a 52

T.P.C.
Ler o excerto das páginas 28/30 e responder:

1. Explique o comportamento do povo na procissão e o que ele traduz sobre a


religiosidade que se vivia na época.

2. Refira a intenção crítica do autor.

3. Analise o excerto quanto à linguagem, mencionando recursos que contribuem


para uma descrição tão visualista e pormenorizada.

► As vivências religiosas do Portugal de setecentos aparecem retratadas em vários


momentos da narrativa:

● na perseguição inquisitorial;

● nos autos-de-fé;

● na vida conventual;

● nas festas religiosas.

A Igreja aparece representada não apenas pelo alto clero (D. Nuno da Cunha) como
pelo baixo clero (o frade que assedia sexualmente Blimunda).

Exceptuando a figura excêntrica do padre Bartolomeu de Lourenço, esta classe é


descrita de forma satírica, num rol de acusações.

Critica-se a vaidade e a riqueza ostentadas, como acontece na investidura


cardinalícia de D. Nuno da Cunha, em vez da humildade e da pobreza: o cardeal D.
Nuno da Cunha que vai receber o chapéu das mãos de el-rei, acompanha-o o enviado
do papa numa liteira toda forrada de veludo de carmesim, com passamanes de ouro,
dourados também os painéis…e vêm dois coches castelhanos a deitar por fora
capelães e pagens, e à frente da liteira doze lacaios, que somando a isto tudo os
cocheiros e o liteiros é uma multidão.

Ridiculariza-se o vocabulário da Igreja que o povo não entende: amito, pluvial e


formálio, que saberá o povo destes nomes e os rituais sem sentido como a
crueldade e a tirania dos sacrifícios dos noviços: ..até ficarem os pobres com as
costas em carne viva…e tinham agora de caminhar descalços seis léguas, por montes
e vales, sobre pedras e lama.

Estes rituais levam o narrador a observar num outro momento da narrativa: parece
mais obra de bruxedo, eu te talho e retalho, do que ritual canónico.

21
Criticam-se ainda as distinções que a Igreja faz entre santos, numa alusão à
desigualdade de tratamento entre homens e mulheres: entre S. Vicente e S. Sebastião
estão as três santas, Isabel, Clara, Teresa, parecem minorcas ao pé deles, mas as
mulheres não se medem aos palmos.

A vida conventual é caracterizada pela ociosidade, hipocrisia e libertinagem, o


que não admira porque a maior parte das mulheres consagravam-se à vida religiosa
pelas mais variadas razões:

● para escaparem a casamentos impostos;

● para salvarem a honra ultrajada, por serem viúvas;

● para aliviar partições de heranças, favorecendo o morgadio e outros irmões


varões

● por vocação (menos vezes)

Daí que vivessem em desacordo com os ideais que este tipo de vida impõe. Memorial
do Convento apresenta-nos 2 episódios ilustrativos da degradação reinante:

1. – é o caso das freiras de Santa Mónica que discordam da ordem do rei de se


limitarem as visitas ao convento a fim de se evitar os escândalos;

2. – é o momento em que, procurando Baltasar desaparecido, Blimunda se cruza


com um frade que, com falsa caridade cristã, lhe indica um abrigo com o
propósito de, mais tarde, ir saciar a carne.

As festas religiosas, como o início da Quaresma ou a procissão do Corpo de Deus,


constituem um outro aspecto da sátira anticlerical.

Em vez de elevação espiritual, estamos perante o desregramento, a profanação do


sagrado não apenas da parte do povo mas também do próprio clero. Essa profanação
assume diversas formas:

• Desde os pensamentos obscenos do patriarca que dão conta do vazio


espiritual reinante;
• Até à vazão dos desejos sexuais reprimidos

Nota: a falta de rectidão moral dos frades e das freiras indicia o logro da vida
religiosa retirando qualquer autoridade à Igreja para promover valores
espirituais. O que se põe em causa neste livro são as atitudes da Igreja e não os
valores espirituais. Sendo assim:

• o trabalho dos operários na construção do convento aparece como exploração


física dos trabalhadores;

• a fé da população como resultado da ignorância;

• as perseguições da Inquisição como crimes.

22
Aula: O Espaço e o Tempo

A acção situa-se em Portugal, no século XVIII, marcado pelo Iluminismo trazido


pelos estrangeirados, pelo obscurantismo da população e o medo do poder da
Inquisição.
Espaço

Neste contexto, simultaneamente ligado à luz do Iluminismo e às sombras da


Inquisição, aparecem Lisboa e Mafra como espaços físicos privilegiados pela
narrativa e pelas personagens centrais, sobretudo Blimunda e Baltasar que fazem
constantes viagens entre as duas localidades. Dentro destes dois espaços destacam-
se, em Lisboa, o Terreiro do Paço e o Rossio, lugares onde se manifesta o
obscurantismo do povo e a opressão do poder e S. Sebastião da Pedreira, local da
construção da passarola, da subversão do poder. Especificando:

Terreiro do Paço: local onde primeiramente trabalha Baltasar na sua chegada a


Lisboa, descrição pormenorizada e sugestiva da procissão do Corpo de Deus, em
Junho. É um espaço fulgurante de vida, com grande importância no contexto da
sociedade lisboeta da época.

Rossio: surge no início da obra, relacionado com o auto-de-fé que aí se realiza. A


reconstituição do auto-de-fé é fidedigna, a cerimónia tinha por base as sentenças
proferidas pelo Tribunal do Santo Ofício e nela figuravam não só reconciliados, mas
também relaxados, aqueles que eram entregues à justiça secular para a execução da
pena de morte. O dia da publicação do auto era festivo. A procissão propriamente dita
saía na manhã de domingo da sede do Santo Ofício e percorria a cidade de Lisboa
antes de chegar ao local da leitura das sentenças, numa das praças centrais. À frente
seguiam os frades de S. Domingos com o pendão da Inquisição. Atrás destes os
penitentes por ordem de gravidade das culpas, cada um ladeado por dois guardas.
Depois, os condenados à morte, acompanhados por frades, seguidos das estátuas
dos que iam ser queimados. Finalmente os altos menbros da Inquisição, precedendo o
Inquisidor-Geral. A sorte dos réus vinha estampada nos sambenitos (hábito em forma
de saco, de baeta amarela e vermelha que se vestia aos penitentes dos autos-de-fé)
para que a compacta multidão que se aglomerava soubesse o destino dos
condenados.

S. Sebastião da Pedreira: local mágico ao qual só acedem o padre Bartolomeu


Lourenço, o Voador, Baltasar e Blimunda. É lá que se encontra a máquina voadora
que está a ser construída em simultâneo com o Convento de Mafra.

MAFRA – espaço da repressão, da violência física e moral;

S. SEBASTIÃO DA PEDREIRA (abegoaria) – espaço do trabalho voluntário; espaço


do sonho partilhado, utopia tornada realidade.

A insatisfação humana é o motor do progresso – Ser descontente é ser homem


(Mensagem)

A passarola insere-se na narrativa como um mito, do qual o homem depende para


viver, mito proibido mas que se evidenciará e se deixará ver pelo voo espectacular que
se realizará, mostrando que ao homem nada é impossível e que a vida é uma grande
aventura. S. Sebastião da Pedreira era, àquele tempo, um espaço rural, onde não
faltavam fontes, terras de olival, burros, noras, e onde se situava a quinta abandonada.
Ali irão as personagens variadíssimas vezes e pelas razões mais diversas.

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Em Mafra, sobressai a Vela, sítio escolhido para edificar o convento e, nas imediações
da construção, a “Ilha da Madeira”, onde se alojam os inicialmente 10 000, depois 20
000, 30 000 e finalmente 40 000 operários da obra.

A narrativa também realça o Alentejo, lugar de famintos, mendigos e salteadores, que


é atravessado por Baltasar, quando vem da guerra da Sucessão de Espanha e depois,
cruzado em sentido inverso, pelo cortejo real, na altura do casamento de D. José e D.
Maria Bárbara com os príncipes espanhóis.

Além destes espaços há outros, nas imediações de Lisboa, como Odivelas,


Xabregas, Azeitão ou próximos de Mafra, como Pêro Pinheiro, serra do Barregudo,
Monte Junto, Torres Vedras que são referidos como meros cenários de eventos
narrados.

Ao contrário destes espaços que são espaços físicos, estáticos, Lisboa, Mafra e o
Alentejo configuram-se como espaços sociais que ilustram o ambiente da época.

Tempo

Verifica-se no romance o aparente desprezo pelo tempo cronológico. As


referências temporais são escassas ou apresentam-se por dedução. O discurso flui,
recuperando vários fragmentos temporais ou antecipando outros, daí as sucessivas
analepses e prolepses que encontramos no texto.

As localizações temporais não são precisas:

• Auto-de-fé (1711 ou 12; e 1709 ou 10);

• Baltasar (26 anos / Blimunda 19);

• A batalha de Jerez de los Caballeros – em Outubro do ano passado;

• A chegada da nau de Macau – há vinte meses;

• A família de Baltasar conhece Blimunda – minha mãe foi degredada para


Angola por oito anos, só passaram dois;

• O nascimento e baptizado de D. Maria Bárbara e de D. Pedro que morrerá com


dois anos;

• Cerimónia da bênção da primeira pedra do convento - há mais de seis anos


que fiz o voto…

O tempo da história - dura 28 anos, entre 1711 e 1739;

O tempo do discurso - abre brechas nesse período cronológico para o integrar num
tempo uno, em que passado, presente e futuro se misturam.

Nota: podemos relacionar o desprezo pelas datas com a intemporalidade do tema e


também podemos ver, na preocupação em sugerir a passagem do tempo, um sinal da
esperança que a obra veicula.

24
O Estatuto do Narrador
O estatuto do narrador em Memorial do Convento reveste-se de grande complexidade.
Ao longo da narrativa, sentimos a sua presença contínua e controladora.

São inúmeros os momentos em que a instância narrativa desliza da 3ª pessoa do


singular para a 1ª do plural verificando-se, deste modo, uma cumplicidade e
proximidade com o narratário e a implicação deste no relato ou uma colagem às
personagens.

Nos comentários metatextuais, o narrador reflecte sobre o próprio processo de


escrita, desmistificando, assim, o seu papel: O mar está longe e parece perto, brilha, é
uma espada caída do sol, que o sol há-de embainhar devagarinho quando descer no
horizonte e enfim se sumir. São comparações inventadas por quem escreve para
quem andou na guerra, não inventou Baltasar.

O controlo da narrativa por parte do narrador é facilmente verificável não apenas nos
comentários valorativos ou depreciativos, juízos de valor e no tom moralístico
que perpassa pelos inúmeros aforismos, provérbios ou profecias mas também nas
advertências ao leitor ou nas “instruções de leitura” que vai tecendo: podemos apostar
que a eles os não cingem os rins tão ciliciosamente, isto se devendo ler com muita
atenção para que não escape ao entendimento.

O narrador opta por uma postura irreverente no modo como relata os


acontecimentos evocados. O tom frequentemente irónico ou sarcástico serve a
intenção de parodiar o passado histórico. Exemplo elucidativo da postura irónica do
narrador é a descrição do auto- de-fé onde revela a sua discordância em relação ao
narrado.

O discurso do narrador é também anti-épico pois dá voz aos que não são
considerados heróis, ou seja, um soldado maneta, uma vidente e um padre que
duvida, assumindo, deste modo, uma postura de contra-poder. O discurso do
narrador rebaixa heróis que a História glorifica e nos apresenta como heróis gente
anónima em que se incluem personagens com defeitos físicos ou operários que
foram obrigados a trabalhar na construção do Convento de Mafra.

Essa postura do contra revela-se no discurso dessacralizador não apenas do


poder régio e do poder religioso mas também do literário através das inúmeras
referências parodísticas a outros escritores, nomeadamente Camões, Padre António
Vieira e Pessoa. Os textos destes autores consagrados são reconstruídos adquirindo
outras significações no novo contexto

O narrador tem uma visão interna, isto é, situa-se dentro do universo do romance. Ao
contrário do que seria de esperar, já que quem está dentro tem um ponto de vista
restrito, essa visão interna não é limitativa, porque dentro do universo fictício, o
narrador move-se, no espaço, sem limitações e movimenta-se em todos os
tempos, tendo assim acesso ao que se passa em espaços interiores e exteriores
e obtendo informação total do passado, do presente e do futuro.

Como sabe tudo, é um narrador omnisciente.

A focalização omnisciente* implica uma vertente subjectiva e permite ao narrador


seleccionar o que deve narrar. Esta focalização do narrador provém da sua
intemporalidade.

* por focalização omnisciente entende-se toda a representação narrativa em que o


narrador faz uso de uma capacidade de conhecimento praticamente ilimitada,
podendo, por isso, facultar as informações que entender pertinentes para o
conhecimento da história.

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Linguagem e Estilo

O processo narrativo de Memorial do Convento desenvolve aspectos estilísticos que o


aproximam da coloquialidade, estabelecendo uma cumplicidade entre o narrador e o
narratário / leitor como se este estivesse lá. Para tal recorre a:

● Hipotipose – figura engenhosa que põe sob os olhos com viveza as coisas
representadas e que consiste na utilização de processos capazes de impor o objecto
descrito à visão do leitor, de lhe dar a impressão de visualizar o que lê.

● Descrição pormenorizada;

● Uso frequente da forma verbal do futuro, que é sinal do saber omnisciente do


narrador e que nos dá a conhecer antecipadamente o destino das personagens e o
rumo dos acontecimentos;

● do presente (raramente se emprega o pretérito perfeito ou imperfeito, os tempos


específicos da narrativa);

● Uso frequente do discurso indirecto livre – discurso híbrido onde a voz da


personagem penetra a estrutura formal do discurso do narrador, como se ambos
falassem em uníssono fazendo emergir uma voz “dual”. (oscilações entre a voz do
narrador e a voz da personagem);

● Uso singular da pontuação – que transgride deliberadamente alguns dos princípios


da gramática normativa tradicional, nomeadamente o uso da vírgula, do ponto e do
travessão;

● estrutura sintáctica – que infringe intencionalmente a norma, alternando o discurso


escrito com um discurso marcadamente oral;

● Aforismos; Provérbios, Ditados…

● Recurso frequente de: anástrofe, hipérbato, metáforas, comparações,


personificação, enumeração, ironia;

● jogo de palavras e conceitos;

● construção explicativa – primeiro porque a esterilidade não é mal dos homens…e


segundo…porque abundam no reino bastardos…; por duas razões. A primeira razão
é…a segunda razão…;

● construção paralelística do discurso – se vivo fizera caridade, defunto obrara


maravilhas;

● Traços latinizantes e superlativos sintécticos – suavíssimo; abundantíssimo;

● Aproximação brusca dos registos: erudito e corriqueiro;

● período longo...

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