NOTÍCIAS DE ALVERCA
12 CRÓNICA
Uma aventura
em família
E
stava no fim do tempo de um
destacamento em Angola, pre-
cisamente em Ambrizete, o único
com condições óptimas para levar a
família. Tínhamos passado um mês exce-
lente, que gostaríamos que se prolon-
gasse, mas o dia da partida rapidamente
chegou com a nossa substituição por ou-
tros pilotos aviadores da base operacional
do Negage.
Tinha comigo mais dois pilotos, alferes
“maçaricos”, que também regressavam,
cada um no seu Auster; e eu, como tinha
a minha mulher e filhos (uma rapariga de
três anos e o rapaz de dois), ia de Dornier-
27, um “STAL” – avião de curta ater-
ragem e descolagem – que levava até
quatro passageiros e carga. O dia estava
cinzento, com um tecto de nuvens baixo,
e a previsão era de chuva. Mas sabíamos
a falta que fazíamos na base “mãe” e re-
solvemos metermo-nos ao caminho.
Sendo eu o mais velho, com mais horas
de voo e portanto mais experiente, ia à
frente da parelha de Austers. Começámos
a voar a cerca de 1.000 pés – 330 metros
– mas, à medida que nos aproximávamos
da meia rota – Toto, aeródromo base da
Força Aérea –, íamos descendo de alti-
tude para manter o voo visual abaixo das
nuvens, por falta de rádio-ajuda!
Chegámos a cerca de 500 pés e, como já
víamos parte dos morros encobertos,
Rogério Lopes conta-nos a história, com final feliz, de uma aterragem forçada no aeródromo de Toto.
Aconteceu após um destacamento em Ambrizete (Angola) e a sua maior recordação foi a calorosa
recepção que ele e a família tiveram
começámos a voar sobre a picada para o
Toto. Comecei a ficar receoso com a
pouca experiência dos alferes que me
acompanhavam e o perigo daqueles
montes meio encobertos. Mandei-os re-
gressar a Ambrizete com ordens para que
voltassem só quando o tempo melho-
rasse. Ficaram renitentes em me
deixarem sozinho com a família, mas as
considerações que apresentei da minha
experiência do território e do tipo de avião
que levava foram mais que suficientes
para os convencer. Deram meia volta,
abanando as asas como despedida, e lá
rumaram para o bom tempo!
“A água entrava
pelas frinchas
das janelas…”
A chuva começou a cair copiosamente,
como é habitual em África, e a água en-
trava pelas frinchas das janelas, molhando
as crianças amparadas pela mãe; o mais
pequeno ia ao colo e a menina sentada a
seus pés no chão do pequeno aparelho,
junto à janela de vidro do tecto, que a
deixava com a sensação de estar a voar no
espaço totalmente desamparada, apesar
estar agarrada às pernas da sua progeni-
tora!
Baixei o mais que podia e dei por mim a
OUTUBRO 2008
voar em “razo-mote”, procurando uma
clareira para voltar atrás, mas, de repente
e após uma curva da estrada, eis que
aparece a porta de armas do aeródromo
do Toto! Uff!!! Que alívio! Passei sobre a
guarita do sentinela e logo de seguida es-
tava sobre a comprida, alcatroada e dese-
jada pista. Dei uma volta apertada e
aterrei sob uma chuva torrencial, com vi-
sibilidade quase nula.
Passados uns minutos e com o tempo
mais ameno, como é normal naquelas la-
titudes, fomos rodeados por todos os
efectivos da Força Aérea daquele aeró-
dromo, surpresos ao verem “cair” do céu
uma mulher e crianças, caso nunca visto agarraram nos miúdos como se fossem tavam perigos inexistentes para poderem
até ali, e num voo completamente bibelôs e não mais os largaram. Quanto à brincar um pouco mais com os miúdos,
inesperado! minha mulher, vontade não lhes faltava que já os consideravam amigos.
para fazerem o mesmo, mas…não se Foi espantoso o carinho que sentimos
“Agarraram nos atreveram. naqueles colegas de terra, em plena
Fomos directos à messe onde nos foi guerra de Angola’1967. Ainda hoje
miúdos como se oferecido um almoço com o que tinham recordo com saudade e agradecimento
fossem bibelôs” de melhor, não faltando a carne de pacaça aquela recepção de príncipes e o calor hu-
e gazela; com todos aqueles homens em- mano que se gerou naquelas horas de
A minha mulher, no auge dos seus 28 bevecidos à nossa volta, claro que por tempestade.
anos, bem vestida e acima de tudo de raça mim não era de certeza, aliás a maioria já
branca, era para aqueles olhos – longe da me conhecia de voos anteriores… Mas na
civilização, alguns há mais de um ano – a alegria que se gerou eu tive a minha cota Rogério Lopes, Ex-Piloto/Comba-
encarnação pura de uma autêntica Miss parte. A evidência do seu contentamento tente da Guerra Colonial, distin-
Universo; as crianças uns querubins era tal que tive pena de lhes anunciar que guido com uma Cruz de Guerra.
loiros, verdadeiros anjos para os encan- o tempo já estava em condições de con- Piloto-Comandante aposentado
tar! tinuarmos a nossa viagem. da aviação comercial
Depois do momento de estupefacção, Não nos queriam deixar partir e inven-