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EXIGIDOS
U EL
2009-2010
Personagens
1ª geração: Tempo de silêncio. São pessoas acuadas pela religião, pela opressão do governo e exploradas pelos
donos das terras. A vida é marcada pelo conformismo e não vêem nenhuma perspectiva de mudança. É representada
por Domingos Mau-Tempo
2ª geração: tempo das perguntas. Os homens passam a questionar sua situação e a ver que algo pode mudar e
que a mudança depende deles, da sua coragem para enfrentar os donos das terras , o governo e se revoltar contra a
Igreja. É representada por João Mau-Tempo
3ª geração: Tempo da luta. Os homens passam a fazer greves e a lutar pelas mudanças que desejam. Nesse
período, muitos são presos e outros tantos morrem. Manuel Espada é o revolucionário que marca essa época.
MORANGOS MOFADOS CAIO FERNANDO ABREU
Morangos Mofados, Caio Fernando Abreu (Contos. Editora Brasiliense; São Paulo; 6º edição; 145 páginas, 1985).
Como cenas rápidas de um trailer narrando histórias em busca de um sentido para o mundo. Ao fundo, músicas (rock,
blues, tango, MPB) ajudam na composição do cenário, embalado em ritmo quase cinematográfico. Imagens explodem
em palavras lapidadas, manifestadas em dores, angustias, fracassos, encontros e desencontros, esperanças, enfim,
milhões de sentimentos misturados, costurados em pequenas teias a formar um enorme mosaico de emoções que
marcou uma época. E ainda continua a identificar gerações e gerações que se sucedem após o lançamento apoteótico
da obra.
Dividida em três partes, Morangos Mofados é, sem dúvida, a composição mais conhecida de Caio Fernando
Abreu. A primeira parte, intitulada “O Mofo”, narra a queda de valores, dos amores, a solidão, a fragilidade humana, a
embriagues, o consumo de drogas, o desespero, o desamor, a dor na forma mais fria e crua. Escrita de forma precisa,
quase cirúrgica, Caio vai nos apresentando uma série de personagens anônimos, que ao final se personifica em uma
única pessoa: o autor? Ou, quem sabe, até mesmo qualquer um de nós.
O gosto amargo da derrota, cheirando a mofo, a vômito, a vodca barata, a cigarros. Uma melodia
sentimentalmente melancólica ao fundo. Escuridão e desencontros. O gosto da solidão esculpida em delírios da alma.
Encravada em labirintos tortuosos e escuros de forma magistral. A sensação é idêntica à saída de uma montanha-russa.
“Os Morangos”. Aqui, uma paz tranqüilizadora invade de forma mágica a alma das personagens. Como se a
existência de um final feliz fosse possível e breve, ou como se a vida fosse menos pesada. O doce levemente ácido do
morango fundindo na língua, mostrando um belo dia de sol após uma tempestade. Mas o doce dá espaço para a acidez,
transformando pedaços de magias em mágoas e solidão. Enquanto o dente fere o vermelho brilhoso do morango, na
boca permanece o gosto azedo do preconceito, do medo, dos sonhos perdidos, das utopias transformadas em contas
bancárias. O enjôo natural dos abusos. Dos delírios causados pelo excesso de cocaína
Histórias envolvendo vagabundos (giramundos), hippies sem destinos, loucos, comunistas, yupes desenfreados,
compulsivos, sargentos, preconceitos, estupidez, falta de amor. Dos sonhos de uma geração apodrecendo na latrina
comum. Das vidas apodrecendo em latrinas fétidas comuns. A paz tão perto e tão distante que os rápidos movimentos
de nossos olhos não conseguem captar. Tampouco poderiam.
“Morangos Mofados”. A terceira parte. Com os olhos fechados, ouço “Let me take you down, ’cause I’m going to
Strawberry Fields. Nothing is real and nothing to get hungabout. Strawberry Fields forever.” Como se eu estivesse em
um universo paralelo, um refúgio, um abrigo, uma morada longe, mas dentro, do caos urbano. Uma espécie de
esconderijo para se abrigar da chuva tóxica, ou dos desatinos do coração. Enquanto imagens explodem diante de nossos
olhos cansados, ao fundo, o som dos Beatles vai levemente aumentando, aumentando…
Caio nos deixa com a boca aberta, o livro nas mãos e o pensamento longe, imaginando: E se a vida fosse
diferente? Para ler e reler sempre que a saudade – ou a dor – falar mais alto. Os morangos mofados, como estrangeiro
em sua terra natal, ou girassóis no inverno enfeitando os pastos da Rússia, ou uma Guerra Santa… O cheiro e o gosto do
mofo ultrapassam toda a simbologia poética do morango.
Ponciá Vicêncio Conceição Evaristo
Exemplo de romance afro-brasileiro, falando da identidade negra, Ponciá Vicêncio, de Conceição Evaristo, vai de
encontro à tese segundo a qual a escrita dos descendentes de escravos estaria restrita ao conto e à poesia. Além de
estabelecer um saudável contraponto com o abolicionismo branco do século XIX e com o negrismo modernista de um
Jorge Amado, um José Lins do Rego ou Josué Montello, Ponciá Vicêncio remete ao Isaías Caminha, de Lima Barreto; em
menor escala, ao Brás Cubas, de Machado de Assis; e, com certeza, ao memorialismo de Carolina Maria de Jesus e ao Ai
de vós, de Francisca Souza da Silva, entre outros.
Em todo o romance percebe-se a prosa recheada de linguagem poética. A obra nos narra pequenos
acontecimentos do cotidiano, mas o seu olhar transcende o automatismo viciado com que se observam as coisas do dia-
a-dia para olhar com essência a poesia da vida.
O texto de Ponciá Vicêncio destaca-se também pelo território feminino de onde emana um olhar outro e uma
discursividade específica. É desse lugar marcado pela etnicidade que provém a voz e as vozes-ecos das correntes
arrastadas. Vê-se que no romance fala um sujeito étnico, com as marcas da exclusão inscritas na pele, a percorrer nosso
passado em contraponto com a história dos vencedores e seus mitos de cordialidade e democracia racial. Mas, também,
fala um sujeito gendrado, tocado pela condição de ser mulher e negra num país que faz dela vítima de olhares e ofensas
nascidas do preconceito. Esse ser construído pelas relações de gênero se inscreve de forma indelével no romance de
Conceição Evaristo, que, sem descartar a necessidade histórica do testemunho, supera-o para torná-lo perene na ficção.
A história de Ponciá Vicêncio, contada no romance, descreve os caminhos, as andanças, as marcas, os sonhos e
os desencantos da protagonista. A autora traça a trajetória da personagem da infância à idade adulta, analisando seus
afetos e desafetos e seu envolvimento com a família e os amigos. Discute a questão da identidade de Ponciá, centrada
na herança identitária do avô e estabelece um diálogo entre o passado e o presente, entre a lembrança e a vivência,
entre o real e o imaginado.
Descendente de escravos africanos, Ponciá surge já de início despojada do nome de família, pois o "Vicêncio",
que todos os seus usam como sobrenome, provém do antigo dono da terra e era como lâmina afiada a torturar-lhe o
corpo. Essa marca de subalternidade, que denuncia a ausência entre os remanescentes de escravos dos mínimos
requisitos de cidadania, estende-se pelo penoso circuito de vazios e derrotas, no qual tanto a menina quanto a mulher
vão sendo alijadas dos entes queridos e de tudo o que possa significar enraizamento identitário. E depois de perder
também os sete filhos que gerou, Ponciá cai na letargia que a faz perder-se de si mesma.
Ponciá vai em busca de dias melhores na cidade, mas acaba desterritorializada numa favela, vegetando ao lado
de um marido que não a compreende. Sua descendência escrava vai se confirmando na vida difícil que leva, nos sonhos
apagados pela discriminação e pela marginalização que tanto ela, quanto os outros de sua família sofrem. Sua condição
social e cultural continua, portanto, sendo regida pelo passado africano. Sua trajetória do espaço rural para o urbano
representa sua condição diaspórica. A passagem em que a menina faz a viagem de trem para a cidade confirma isso:
O inspirado coração de Ponciá ditava futuros sucessos para a vida da moça. A crença era o único bem que ela
havia trazido para enfrentar uma viagem que durou três dias e três noites. Apesar do desconforto, da fome, da broa de
fubá que acabara ainda no primeiro dia, do café ralo guardado na garrafinha, dos pedaços de rapadura que apenas
lambia, sem ao menos chupar, para que eles durassem até ao final do trajeto, ela trazia a esperança como bilhete de
passagem. Haveria, sim, de traçar o seu destino.
Também o irmão de Ponciá, Luandi, vai para a cidade em busca de sonhos como achar a irmã que há muito
havia partido e juntar dinheiro. Sua viagem também marca a diáspora daqueles que, desterritorializados, perpetuam as
histórias do navio negreiro. Luandi chega à cidade sem eira nem beira. Tinha perdido pelo caminho o endereço da irmã.
Chegou num dia de chuva e frio. Trazia muita fome também.
Outra personagem que embarca no trem negreiro em busca dos filhos é a mãe de Ponciá e de Luandi: Maria
Vicêncio. Em um dos capítulos do livro, o narrador nos diz que ela sabia que, por mais que relutasse, um dia a cidade
também faria parte de sua travessia. Não sentia desejo algum pela aventura da viagem. Se a sua vida era a da terra, em
que ela vivia, o que faria longe de lá?
E a viagem de Maria Vicêncio ocorre semelhante a dos filhos: Quando o trem, depois de intermináveis dias e
noites, parou na estação, Maria Vicêncio esticou as pernas com dificuldade. Ficara todo tempo da viagem encolhida com
a trouxa no colo, rezando suas orações. Sentiu a bexiga pesada, estava com vontade de urinar, mas o medo não
permitira que ela se levantasse e fosse ao banheirinho do trem ou mesmo dos lugarejos em que máquina parava.