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Depósito nº : 0102806/09
2
é simples e reconfortante
sentir que a luz do passado
ilumina este meu anoitecer
3
anjos na praia
anjos na praia
do coral submerso
espera sem ponteiros
tédio no verso
asas sem voo
ouço e converso
rasto dos tempos
eco de lamentos
inesperada espera
fogo na noite
na maré cheia
sinais nas algas
sons nos rochedos
afastem os medos
anjos na praia
1998
4
chita
5
Raiz do Tempo
o que procuro
esconde-se
levo já de vida o tempo suficiente
para ter vivido a realidade
e poder agora
procurar o que falta
nesta viagem
pode-se estar no centro da Terra
e continuar a ouvir
um piano preto
nas harmonias sugeridas por um afinador
nas madeiras da estrutura
e no metal das cordas
a busca em liberdade
tem sempre o limite da mente
as grades da idade
a fragilidade dos tecidos
procuro hoje
um sinal de fim
os medos pressentidos
de tudo ou nada encontrar
quando me aproximo
deste sol interior
não há nuvens nem ventos
a paz é total
e sei que cheguei
à Raiz do Tempo
2008
6
as coisas boas da vida
há ainda a felicidade
do bico deste lápis
resistir às minhas fúrias
2008
7
pintura
reinventar o mundo
nas cores que tem
nos contrastes apresentados
mas filtrados pelo nosso ser
condimentado pela filosofia
que fomos construindo
enquanto ele mundo
se transformava
e durante a nossa vida
a isso assistíamos
reinventar o mundo
é a minha pintura
2008
8
A rapariga do pescoço doce
o mundo lá fora
mostra o horror violento
no fundo
os nossos resíduos
felizmente
também eles escondem alguma beleza
a que resta
2008
10
sinais do tempo - sinais do corpo
2001
11
urso na jaula
muitas vezes
no meu canto
― escondido
2008
12
visão de amor
14
quando
perplexo
imploras auxílio
aos sábios de antigamente
mas talvez
apenas te responda
um pc
que fala contigo
mesmo quando estás só.
1998
15
VISITA
em sonhos recebi
a visita de mim próprio
vinha de um passado distante
onde o sofrimento me rodeava
sabia dele
não o conhecia
só agora começou
quando da vida prática
nos desligámos
a paz é total
só agora começou
o nosso ano lectivo
2008
17
Filha de Ryan
18
magia
cuidado
não percas o endereço da magia
por teres mudado para outro espaço
crê
pode escapar-te
a menos
que dela tenhas levado
a semente
que baixinho
nas noites de agonia
te diz
não te abandono
serena
continuo aqui
2008
19
crime
no começo roubamos
enciclopédias
mais à frente
dinheiro
20
escolher o mar
22
oferta de café
na mesa
oferecida
cabelo curto
fuma olha sonda
a clientela
ao lado
no banco do bar
siamesa colega
na oferta e procura
vida fácil vida dura
passa a vida no café
e eu
ao pé
1994
23
Dedicatória
Surges
Na noite renascida
Tornas-te nítida
e hesito.
No fim
A luz
Um foco nu.
Sinto-te
Reconheço-te
És tu.
1984
24
Cabelo ao vento
Cabelo ao vento,
a liberdade.
No pensamento,
uma igualdade.
Corre comigo,
ave-surpresa.
Conduz-me a ti,
mãe-natureza.
A ti cheguei,
mas, crueldade,
tu não és mais
a felicidade.
1971
25
o ciúme
o ciúme é um
cordão rastilho
onde o final é
explosivo
o bem estar
como é hoje
entendido
não é remédio
é só
adesivo
1988
26
T.
só porque há nuvens
não há lua?
só por te vestires
não andas nua?
só por não te ver
te esqueci?
cuidado!
igual amor ao que te tenho
e o desejo em si
também um dia
pode crescer
em ti.
1989
27
zona fabril
fato macaco
com zipes
cara feia de porteiro
com tiques.
ar esverdeado
poluição
homem com pulmão
na mão.
ouve-se calão
homens trabalham perto
morre o número dez
avança o onze, decerto.
28
Tchaikowsky
29
receber
quando me ouvem
me referem a leitura
ao darem-me a palmada
nas costas
já me cheira a café
se sinto o olhar atento
então saboreio a bebida
em chávena aquecida
2008
30
à estrada
31
negro mão de obra
chegada.
o branco é branco
o medo é preto
o pé pisa pisa
o pé é esqueleto
coqueiro está longe
mulher não tem rosto
o mar está no meio
voltar
é o meu gosto
mas há a aventura
existe a procura
mão de obra sou eu
mão de obra gemeu
------------------
eu gosto daqui
(tem branca bem feita)
eu gosto daqui
(comigo não deita)
1972
32
alto da serra
ex pastor
alto da serra
2001
33
grande mentira
34
mãos
35
se me lembro?
estremeceu e parou
sentiu uma luz forte em cima
ouviu perguntar
lembras-te dela?
deviam estar a gozar
queriam o seu embaraço,
por certo.
36
E com a certeza, a dúvida
Pergunto.
Quem me responde?
Amplificação de meu cérebro
Em agonia de fome?
Estás comigo?
Estás comigo?
Escuto.
Ritmos compassos silêncios
Tempo de meditação
Memórias sonoras em vão
Estás comigo?
Estás comigo?
Digo.
Tens de estar.
Já te sinto. No espaço.
Na falta de tuas notícias
A certeza que caminhas
para mim.
E com a certeza, a dúvida:
Estás comigo?
Estás comigo?
1991
37
Carcavelos agora
38
responsabilidade do poeta
escreve sempre só
num acto único
pensa que um dia
alguém o ouve ou vê
só há uma poesia
a que transporta uma verdade
sem a impor
39
mensagem
40
África na memória
o interior da terra
longe do mar longe de tudo
deixa marcas africanas nos dias futuros
na tristeza de um não voltar
41
Pedra
A pedra,
Essa,
Sabe que se vai desintegrar.
Eu,
Que te amo,
Sei que é esse amor
O meu fim
O meu destino
O respirar
O expirar.
1984
42
BEM-ME-QUER
43
locais
percorrer a casa
é trilhar escadas soalhos
pisados pelos presentes
é sentir que os ausentes
a não abandonaram
e nem as ideias deles
44
o céu aberto
começa no céu
desce à outra parte da casa
a rua
agora mais apetecível
o mesmo progresso
que a inundou de
comboios autocarros carros
determinou que as rotas do
necessário
se deslocassem quinhentos metros
e a vila voltou a ser vila
há ainda o armário
da divisão habitada
pelo sentimento
de que o que assim é
poderia ser diferente
mas este sentir sabe
que deve a sua existência
ao que foi acontecendo assim
e é numa das suas muitas
prateleiras que
quero arrumar-me
de vez
2oo8
45
porque
no fundo
considero catástrofe
cada vez que te perco
– sejas tu quem fores
o desvario
em que entro
é a vertigem oposta
das horas em máscara
de segundos
indo a bailes
doutros mundos
1989
46
registo
50
garantia
eu seguia a pé
a olhar as folhas já caídas.
viste mal
não reparaste em mim
desculpo-te
não sou rancoroso.
1987
51
resumo
os clássicos
não conheciam o rei
mas amavam-no
na idade média
ninguém era só padeiro
mas sim o padeiro da aldeia
durante a renascença
a mãe educava os filhos
sem livro de instruções
Napoleão abriu
e fechou a época
das guerras regionais
os novecentistas descobriram
que ligar os povos era bom
para o bem criaram
a máquina a vapor
e o telégrafo
nunca tanta gente junta
foi tão feliz
parecia possível
a felicidade
52
para onde vamos?
então onde estamos?
na época da mentira
da promessa feita e ouvida
sem ninguém acreditar
no tempo da eleição do líder
para o nomear inimigo
e o poder contestar
cada indivíduo
não pertence à sociedade
só a si próprio pertence
e é sem esperança
que escrevo estas linhas
individualmente
2008
53
motim na cadeia do meu corpo
54
eu para escrever
eu para escrever
não devia trabalhar
no que dá trabalho
eu para escrever
devia concentrar
todo o meu ser
em ver
eu para escrever
como deve ser
terei de esperar
até
morrer
1997
55
a ti que amo
deixa escrever
expresso para ti
o que toda a gente vê
e eu sempre
senti.
paixão por ti
que mesmo quando a sinto branda
queima em fusão
interior
e então eu chamo-lhe
amor, em estertor.
1989
56
ponte do Freixo
novinha em folha
mais uma sobre o Douro
perguntaram ao Rio se a queria?
a ele que sonhava que
em cada uma das próximas décadas
lhe retirassem
uma a uma
todas as outras.
as pontes
normalmente são belas
mas o Rio era mais belo
e feliz
sem elas.
1995
57
só
que felicidade
ouço jazz!
1989
58
NA MORTE DE UM POETA REVELADO
- antónio reis -
59
sem título
60
sobre o perfume
de algumas é sina
não morarem em grinalda
botoeira ou bouquet
mas serem colhidas
para o supremo sacrifício
61
TEATRO 90
62
para um dia leres
és a quinta dimensão
numa vida de eixos dois
mas levas contigo o senão
de trazeres à vida
o bafo de fresco quente
que já tinha abandonado
num dia
de outros diferente
ditaste a esperança desesperada
e agora receio
como quem está em terra
e teme naufragar
1990
63
és fácil – és difícil
64
só a ti
porém só a ti garanto
que é o amor que está por trás
do meu pranto,
e que por ele sofro,
e sofri,
ah, mas isto só a ti digo
1990
65
luzes verdes
quem te enviou
vinda de uma Atlântida
já com o destino vector
de teus versos esmeralda
me acertarem?
66
ARQUITECTO
um banco de jardim
um canteiro que promete
paragem de autocarro
para à noite
sob a chuva miudinha
regressar ao meu cartão
de sem-abrigo
arquitectura
é tudo o que acontece
entre um corpo
e outro
2008
67
Hino
meu amor
quando te vou comparar
viras matriz sozinha
és bela se risonha
mais bela quando triste
pois em ti
o que deveras te ilumina
é teres descoberto o amor
e tarde
meu amor
esforço-me por transformar
o negro asfalto de todos os dias
as horas escorridas a custo
em tempo de repouso
longa caminhada
viagem de eternidade
1996
68
ainda
69
aparição
tu és a inesperada
aparição
que tudo altera alivia
revela
medida da grandeza
é a tua entrega
tu pelo Amor
tocada
tudo ultrapassas
70
de vez
aqui há de tudo
uma vala, comum
muito negro
zé ninguém
bandos de mirones
capacetes
aturadas inspecções
pouco muro
muito murete
pavilhão de Portugal
um avião margem sul
meu país bem escuro
meu horizonte
muito azul.
1997
72
crise
a escolha é cíclica
mas abate-se em ti,
apontando o caminho − seguro,
e tu sonhas contigo
e sonhas com teus sonhos
estimulado por um ideal
que não existe,
que sentes real.
mais razoável
recorri então
às minhas mãos
torcidas
cravadas na vara
tentei elevar-me
num salto em altura
tarde de mais
nada a fazer
foi então
que tudo se iluminou
só pude dizer
William,
toma o testemunho
vai tu por mim.
2008
74
PÉS
75
Tomai nota
76
VENENO
veneno
esperas por mim
sob muitas formas
és o trabalho que arrasta
és a bicicleta que não tive
veneno
bem podes esperar
disfarça-te de água ardente
bebo-te e sobrevivo
ébrio amaldiçoo-te
veneno
vejo-te como um touro
que avança em força
mas escondo-me no burladero
de mim mesmo
veneno
quantas vezes tenho de errar
até te convencer
que a dose fatal sou eu próprio
e sem antídoto
veneno
sai de teu covil
enfrenta-me
espera-me de frente
faz de mim um herói
veneno
tentemos tudo de novo
apaga rótulos
risca-te dos letais e parte
comigo à conquista do nada
2008
77
1986
Paciência.
Poesia arrasta a vida,
e leva os anos.
O caminho tem uma ida.
Paciência.
Não voltamos.
Juro solenemente
não escrever o que
não sinto.
Minto descaradamente
ao jurar
que nunca minto.
1986
78
Antilook
quero-te garantir
que vais ser muito feliz
já és feliz
e o que te ajuda
nessa difícil arte
é seres ingénua
não te promoveres
acreditares no Pai Natal
emocionares-te
seres fiel aos bons
princípios
desejo-te do coração
o maior bem estar
bastante paz na Terra
sempre sempre
a ver o mar
2000
79
Ter
se amor é descoberta
descobri-o em ti.
se entrega é dependência
dependo de ti.
o que se chama ter,
só te tenho a ti.
1996
80
tenta fazer hoje
81
TÁBUA:
82
4 anjos na praia
5 chita
6 Raiz do Tempo
7 As coisas boas da vida
8 pintura
9 A rapariga do pescoço doce
10 origem
11 sinais do tempo – sinais do corpo
12 urso na jaula
13 visão de amor
14 D. Coxa
15 quando
16 visita
17 ano lectivo
18 Filha de Rayan
19 magia
20 crime
21 escolher o mar
22 mundo perfeito
23 oferta de café
24 Dedicatória
25 Cabelos ao vento
26 o ciúme
27 T.
28 zona fabril
29 Tchaikowsky
30 receber
31 á entrada
32 negro mão de obra
33 alto da serra
34 grande mentira
35 mãos
36 se me lembro?
37 E com a certeza, a dúvida
38 Carcavelos agora
39 responsabilidade do poeta
40 mensagem
41 África na memória
42 Pedra
43 BEM-ME-QUER
44 locais
46 porquê
47 registo
48 percentagem
83
50 tu e ela (Tuela)
51 garantia
52 resumo
54 motim na cadeia do meu corpo
55 eu para escrever
56 a ti que amo
57 ponto do Freixo
58 só
59 NA MORTE DE UM POETA REVELADO
60 sem título
61 sobre o perfume
62 TEATRO 90
63 para um dia leres
64 és fácil – és difícil
65 só a ti
66 luzes verdes
67 ARQUITECTO
68 Hino
69 ainda
70 aparição
71 de vez
72 PAVILHÃO DE PORTUGAL
73 crise
74 ALTER-EGO contra AVATAR
75 PÉS
76 Tomai nota
77 VENENO
78 1986
79 Antilook
80 Ter
81 tenta fazer hoje
84
Nota da editora
Até sempre.
85