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LESÃO CORPORAL

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6.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO


CRIME

O art. 129 do Código Penal define assim o crime de lesão corporal: “ofender a
integridade corporal ou a saúde de outrem”.

Incrimina, portanto, um comportamento humano, positivo ou negativo, que seja a


causa de uma lesão à integridade do corpo, ou à saúde de um ser humano. E aqui surge a
primeira pergunta: a norma alcança apenas a integridade corporal e a saúde do ser
humano que já nasceu, ou também a do ser humano em formação, o que vive ainda no
útero materno, desde a nidificação?

O preceito constitucional fundamental protege a vida humana, ainda quando em


desenvolvimento no útero materno. É certo que também quer conferir proteção à
integridade corporal e à saúde do ser em formação.

Se a morte deste é tipificada como crime de aborto, evidente que não há razão para
não considerar crime também a ofensa a sua integridade corporal ou a sua saúde. Evidente,
pois, que também o ser em formação possui uma integridade corporal que sustenta sua
vida. Se esta é protegida, aquela também o é. E assim deve ser porque importa, para a
sociedade, a proteção dos seres humanos em formação não somente contra ações que o
destruam, mas também aquelas que o lesionam em sua integridade corporal ou que
danificam sua saúde.

Seria contra-senso imaginar que a lesão ao feto ou ao embrião, a amputação de um


de seus membros ou a ofensa a sua saúde, a um de seus órgãos componentes, fosse um
indiferente penal. Também absurdo é considerar o ser humano em formação apenas uma
parte do corpo da gestante e incriminar a conduta apenas por ter ela atingido também a
2 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

gestante. Ainda porque é perfeitamente possível uma lesão atingir tão-somente o feto,
deixando íntegro o corpo ou a saúde da gestante.

Ser em formação, no útero materno, é um ser distinto da mãe que o carrega. É bem
jurídico outro, merecedor de proteção própria. É protegido enquanto ser, não por estar
dentro de outro ser e deste dependente. É protegido porque é o ser humano vivo em seu
primeiro estágio de desenvolvimento. Não fosse assim, o auto-aborto seria impunível,
porque nosso Direito, em regra, não pune a autolesão.

Se é certo que ao ferir o feto o agente poderá estar igualmente ferindo a gestante,
não menos correto é ver, aí, duas ofensas distintas, ainda que causadas por uma única
ação, a dois bens jurídicos diversos, ainda que unidos, umbilicalmente, no sentido lato e no
sentido estrito, caso em que, induvidosamente, dois crimes terão ocorrido, ainda que em
concurso formal, perfeito ou imperfeito, conforme tenha sido o dolo do agente.

A expressão outrem empregada no art. 129 tem amplitude maior que a expressão
alguém do art. 121, para abranger não somente o ser humano já nascido, mas também
aquele em formação. Significa outro ser humano em seu sentido mais amplo, o em
formação e o já formado.

Por isso, o crime de lesão corporal é a ofensa, física ou moral, direta ou indireta,
comissiva ou omissiva, à integridade do corpo ou à saúde de outro ser humano vivo,
nascido ou em formação.

A ofensa contra o corpo morto de um ser humano pode constituir outro crime, o do
art. 211 do Código Penal, não o de lesão corporal.

O crime é lesão corporal de outrem, não o é, portanto, a autolesão.

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo desse crime.

Sujeito passivo é o ser humano vivo, quando a ofensa atinge o nascido. Nas formas
qualificadas pelo resultado, descritas nos incisos IV do § 1º e V do § 2º do Código Penal, o
sujeito passivo será, necessariamente, a mulher gestante. Quando a ofensa recair sobre o
ser humano em formação, sujeito passivo é a coletividade, a sociedade, o Estado, o
interesse estatal na preservação da integridade corporal ou da saúde do ser humano em
formação.

6.2 ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO


Lesão Corporal - 3

A lesão corporal é a ofensa à integridade corporal ou à saúde de outrem. É um


ataque concreto a um desses interesses jurídicos, que sofre uma alteração em sua
constituição original, íntegra, mais ou menos grave, conforme seja a intensidade e a forma
de atuação da força externa.

O agente, através de uma ação ou de omissão, realiza um movimento corporal ou a


abstenção de um movimento, do qual resulta uma alteração do organismo humano. Essa
alteração incide sobre a estrutura física, fisiológica ou psíquica do corpo humano ou ainda
sobre o equilíbrio funcional do organismo.

Agressões físicas com a utilização do próprio corpo do agente, como o golpe de mão
desferido contra o rosto do outro, ou com o uso de objeto cortante, perfurante ou
contundente, desfechado contra o corpo da vítima, enfim, a força física empregada contra o
corpo, são ações que atingem a integridade e o equilíbrio mental do ser humano,
produzindo alterações em sua estrutura normal.

Não é indispensável que a conduta produza dano anatômico, nem tampouco que
cause dor.

A ofensa pode-se dirigir ao funcionamento de qualquer dos sistemas funcionais do


organismo humano, respiratório, digestivo, reprodutor, circulatório etc., modificando sua
atividade normal.

A introdução de substância lesiva, transmitindo moléstia ou interferindo no


funcionamento normal dos órgãos do corpo humano, constitui lesão corporal.

A quantidade de danos causados à integridade do corpo ou à saúde não significa


pluralidade de crimes, desde que produzidos por uma única conduta, ainda que de maior
duração temporal. O crime será único a não ser quando, concluído um procedimento
típico, seja iniciado um novo processo executório, caso em que um segundo crime de lesão
corporal terá ocorrido, podendo verificar-se um concurso material ou a continuidade
delitiva.

Geralmente realizada por meio de conduta positiva, é possível que a ofensa se dê


por omissão apenas nos casos em que o sujeito ativo é um garante, aquele que, na forma do
art. 13, § 2º, do Código Penal, tem o dever de agir para impedir o resultado.

As lesões devem, necessariamente, ter significância penal. O direito penal não se


ocupa de bagatelas. Simples arranhões, dores de pequena intensidade, leves desconfortos
físicos ou mentais não constituem crime, pela incidência do princípio da insignificância,
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segundo o qual o direito penal só intervém quando necessário para a proteção do bem
jurídico, não se ocupando de lesões de ínfima importância.

Não há fato típico de lesões corporais em situações como no corte de cabelos ou


unhas, na perfuração da orelha, para a fixação do brinco, na luta de boxe e em outros
esportes permitidos, na intervenção cirúrgica, no regular corretivo corporal infligido ao
filho pelos pais, porque tais fatos são socialmente aceitos e adequados.

A tipicidade desses fatos é, apenas, aparente, porque substancialmente não é


vontade da norma incriminadora alcançá-los. Incide aí o princípio da adequação social.

6.3 RESULTADO E NEXO CAUSAL

Crime material só se consuma quando ocorre a modificação do mundo externo,


causada pela conduta, consistindo o resultado num dano anatômico no corpo da vítima, ou
na alteração funcional de seu organismo.

Entre a conduta e o resultado deve haver nexo de causa e efeito, sem o qual não se
poderá atribuí-lo ao agente. Valem, a propósito, os comentários feitos a respeito dos crimes
contra a vida.

Decorrendo o resultado de uma causa absolutamente independente ou de causa


relativamente independente superveniente, responderá o agente por seus atos. Se agir com
dolo de ferir, responderá pela tentativa de lesão corporal. Se agir culposamente, sua
conduta será um indiferente penal, a não ser que, por si só, seja tipificada como infração
penal de mera conduta.

6.4 LESÃO CORPORAL DOLOSA

O animus laedendi ou animus nocendi é o elemento subjetivo integrante do tipo


legal do crime de lesão corporal. É a consciência do fato de que sua conduta poderá
produzir a lesão à integridade ou o dano à saúde do outro ser humano, e a vontade livre de
realizá-la com o fim de produzir esse resultado. Dolo direto.

O agente conhece o instrumento ou o meio que empregará na realização da


conduta, sabe de seu potencial lesivo, prevê que sua utilização contra o corpo de outrem é
capaz de danificá-lo e, mesmo assim, age com a vontade exata de ofender a integridade
corporal ou a saúde da vítima.
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Plenamente possível o dolo eventual, quando o agente, prevendo o resultado lesivo,


não o deseja, mas com ele concorda, se ele acontecer.

6.4.1 Formas típicas

Estabelecem o caput e os §§ 1º e 2º do art. 129 as várias figuras típicas das lesões


corporais dolosas: a lesão corporal de natureza leve, as lesões corporais de natureza grave,
e as chamadas pela doutrina de lesões gravíssimas.

Em todas elas, a conduta é sempre dolosa, é a vontade livre e consciente de causar o


resultado. Este, entretanto, pode ser mais ou menos grave e produzido pela vontade,
abrangido pelo dolo, ou tão-somente por negligência do agente. Em qualquer caso, exigível
o nexo causal.

A lesão corporal simples é sempre dolosa. As lesões corporais graves ou gravíssimas


podem ser dolosas ou preterdolosas.

6.4.1.1 Lesão corporal leve

No caput do art. 129 está tipificada a lesão corporal leve. É a ofensa pura e simples
à integridade corporal ou à saúde de outro ser humano vivo. Nascido ou não nascido. A
pena cominada é detenção, de três meses a um ano. Crime de menor potencial ofensivo, é
permitida a transação e a suspensão condicional do processo penal, nos termos do que
dispõe a Lei nº 9.099/95.

O que distingue a lesão de natureza leve das demais lesões corporais é a quantidade
e a qualidade do resultado.

Os resultados graves e gravíssimos estão definidos precisamente. São


circunstâncias objetivas que qualificam o tipo simples.

Se uma conduta ofensiva da integridade corporal ou da saúde de outrem não tiver


causado um resultado dentre os especificados nos ditos parágrafos, será, por isso,
considerada leve. A distinção, portanto, está no resultado, não na conduta, que é,
objetivamente, idêntica em todas as figuras típicas. Assim, a verificação da tipicidade da
lesão de natureza leve só pode ser feita por meio de um raciocínio por exclusão. Se não
houver resultado grave ou gravíssimo, o tipo será de lesão corporal de natureza leve.
6 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

O Código Penal não fez a distinção entre lesão grave e lesão gravíssima, uma vez
que reuniu, sob a única rubrica “lesão corporal de natureza grave”, os §§ 1º e 2º do art.
129, os quais contêm resultados diversos.

Os do § 2º são, à evidência, como se verá adiante, mais graves ainda que os


descritos no § 1º. Além disso, cominou pena mais severa para aqueles, o que levou a
doutrina a classificar as lesões, conforme sua gravidade e a pena cominada, em graves e
gravíssimas.

6.4.1.2 Lesão corporal grave

É no § 1º do art. 129 que estão descritos os resultados considerados graves. Diz a


doutrina que são lesões corporais graves no sentido estrito.

Não se trata de responsabilidade objetiva porque o resultado grave, para ser


imputado ao agente da conduta, deve ter sido produzido com dolo ou, pelo menos,
culposamente. Na primeira hipótese, tem-se um crime qualificado pelo resultado doloso
em toda a sua plenitude, e na segunda situação um crime preterdoloso, isto é, cometido
com dolo no antecedente e culpa no resultado. Em qualquer caso, indispensável o nexo
causal entre conduta e resultado.

Haverá lesão corporal grave quando a conduta ofensiva do agente produzir um dos
seguintes resultados, os quais constituem circunstâncias objetivas qualificadoras do tipo
fundamental:

a) incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias;

b) perigo de vida;

c) debilidade permanente de membro, sentido ou função;

d) aceleração de parto.

A pena cominada é reclusão, de um a cinco anos. Não é possível a transação, mas


pode ser suspenso o processo – sursis processual –, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099.

6.4.1.2.1 Incapacidade para as ocupações habituais por mais de


30 dias
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Essa qualificadora apresenta uma conseqüência mais grave. A vítima, em virtude


das lesões sofridas ou do dano causado a sua saúde, fica impossibilitada de exercer suas
ocupações habituais por tempo superior a 30 dias da data do fato, incluído este dia.

Ocupações habituais não se confundem com trabalho ou profissão. São as


atividades normais do dia-a-dia da pessoa, incluindo seu trabalho diário e também sua
atividade profissional. Até uma criança pode ficar incapacitada para exercer suas
atividades habituais. Se a vítima é um bebê e não pode brincar ou se já freqüenta a creche
ou a escola e, em razão da ofensa a seu corpo ou à sua saúde, fica impedida de realizar
essas atividades normais, a qualificadora incidirá.

Não é necessário que a vítima fique impossibilitada de realizar todas as suas


atividades normais, mas apenas uma parte delas. Claro, ainda, que se trata de ocupações
lícitas, não incidindo esse resultado qualificador quando o delinqüente, em virtude das
lesões sofridas, fica impossibilitado de praticar novos crimes.

A lesão ao corpo ou o dano à saúde deve, por isso, importar na supressão da


capacidade da vítima de realizar aquilo que, sem a ofensa, realizaria normalmente. Mas
essa impossibilidade deve ser causada pela lesão produzida e não por uma atitude interna
da vítima que, por comodidade ou conforto pessoal, decide não realizar suas atividades
normais por vergonha, preguiça ou qualquer outro sentimento pessoal não determinado
pelo resultado lesivo.

A lei não faz qualquer consideração sobre a cura do ferimento, pois pode ocorrer,
não obstante a cura, encontrar-se a vítima ainda inabilitada para suas funções normais ou
não estar curada plenamente e poder exercê-las normalmente.

A comprovação do tempo exigido na lei é condição para o reconhecimento dessa


qualificadora, devendo ser feito exame complementar de lesões corporais após o trigésimo
dia do fato. É de todo conveniente que esse exame seja feito imediatamente após o
trigésimo dia, conforme determina o § 2º do art. 168 do Código de Processo Penal.

Tal resultado qualificador pode decorrer de dolo do agente, se tiver causado as


lesões com a intenção de que a vítima ficasse incapacitada para as ocupações habituais por
mais de 30 dias, ou pode ter sido produzido por mera negligência, imprudência ou
imperícia, isto é, um crime preterdoloso. Dolo na conduta, de ferir, e culpa no resultado
mais grave.

O Código Penal não faz diferença, na cominação das penas, entre crimes
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qualificados pelo resultado integralmente dolosos e crimes qualificados pelo resultado


preterdolosos, cabendo ao juiz, no momento da aplicação da pena, considerar essas
circunstâncias, sendo certo que se tiver sido preterdoloso merecerá menor reprimenda.

6.4.1.2.2 Perigo de vida

A conduta típica em comento produz um resultado lesivo ao corpo ou um dano à


saúde da vítima. Esse resultado, em algumas situações concretas, desencadeia um processo
causal de efeitos os mais diversos e mais graves, podendo progredir para o
comprometimento do funcionamento de outros órgãos, inclusive os mais importantes do
corpo humano. Esse processo, em determinadas circunstâncias, desenvolve-se no rumo da
produção do resultado morte. Diz-se, então, que há perigo de vida. Esse perigo deve ser
objetivo e não uma mera representação do espírito, não uma pura indução subjetiva.

Perigo é um trecho da realidade. Não é só uma representação psíquica. É a situação


imediatamente anterior à lesão. Perigo de vida é a presença das condições
incompletamente determinadas da produção da morte. Pode evoluir para a morte ou ser
afastado, por qualquer razão, natural ou provocada pela ação humana, isto é, pela própria
reação do organismo lesionado ou pela intervenção médica. Em qualquer caso, terá,
porém, havido o perigo de vida.

Para a caracterização da qualificadora é indispensável o exame pericial, o qual deve


concluir pela certeza de que houve perigo de vida, fazendo os peritos um diagnóstico
esclarecedor de sua convicção e não meras presunções, a fim de que o juiz possa decidir
com tranqüilidade. Sem a prova técnica, que deverá ser completa, minuciosa, detalhada,
clara e conclusiva, impossível o reconhecimento da qualificadora.

Se a vítima é submetida a intervenções cirúrgicas que implicam a abertura da


cavidade abdominal, como as laparotomias de urgência, as que exigem a extirpação ou
excisão parcial de órgãos importantes, o perigo de vida é, muito provavelmente, real.
Lesões penetrantes do abdômen e do tórax, segundo especialistas em medicina legal, são
sempre perigosas para a vida da vítima. Não será, todavia, impossível que uma lesão dessas
não tenha, concretamente, acarretado perigo de vida, o que, evidentemente, deve ser
comprovado pela perícia médico-legal.

A medicina legal afirma que são inúmeras as situações que configuram casos de
perigo de vida:
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• “lesões penetrantes ou transfixantes de vísceras torácicas ou abdominais, levando a


hemorragias ou infecção graves (peritonite bacteriana);

• ruptura de grandes vasos sangüíneos com hemorragia grave e estado de choque


hipovolêmico;

• estados de choque não hipovolêmicos (anafilático, neurogênico, cardiogênico,


séptico);

• colapso pulmonar com insuficiência respiratória grave;

• septicemias ou infecções graves (tétano);

• traumatismos crânio-encefálicos graves;

• estado de coma grave;

• traumatismos raquimedulares com alterações cardiorrespiratórias;

• arritmias ou insuficiência cardíaca aguda graves;

• grandes queimados; etc.”

Essa figura típica é exclusivamente preterdolosa. O agente provoca as lesões


corporais dolosamente, mas o perigo de vida decorre de mera culpa. Porque se o dolo
abranger o perigo de vida, isto é, se ele, ao ofender a integridade corporal ou a saúde da
vítima, realizar a previsão do perigo de vida, desejando-o ou pelo menos nele consentindo,
haverá tentativa de homicídio.

Não podia ser diferente. Se o ofensor considerar que sua conduta poderá causar um
perigo de vida e mesmo assim atuar, estará comportando-se com indiferença em relação ao
resultado morte, porque a simples situação de perigo concreto para a vida é o antecedente
da morte e ninguém irá admitir que alguém possa agir com um dolo assim tão preciso e
limitado, de apenas causar o perigo de vida e não a morte.

Ainda que, em sua psique, o agente possa ter almejado apenas o perigo de vida, é
inegável que, em relação ao evento morte, terá agido com dolo eventual, pois quem deseja
um perigo de vida está, necessariamente, aceitando a morte, se ela eventualmente
acontecer.

GOMES, Hélio. Op. cit. p. 462.


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6.4.1.2.3 Debilidade permanente de membro, sentido ou função

É também de natureza grave a lesão corporal que acarreta a debilidade permanente


de um membro, sentido ou função.

São membros do corpo humano: o braço, o antebraço, a mão, a coxa, a perna e o pé,
os quais exercem funções motoras. Os três primeiros, superiores, servem para a o exercício
das funções de tateio e de pressão, os demais, inferiores, para a deambulação – andar,
correr – e a sustentação do corpo.

Os sentidos são a visão, o olfato, o paladar, a audição e o tato, responsáveis pelas


funções sensoriais, perceptivas do mundo externo.

O organismo humano é um sistema complexo de atividades realizadas por seus


vários órgãos, cada qual com sua determinada capacidade funcional, as quais são
indispensáveis para a manutenção da vida. Função é, assim, a atividade de um órgão ou de
um aparelho. Assim, no corpo humano são várias as funções fundamentais: respiratória,
circulatória, digestiva, locomotora, reprodutora, sensitiva, secretora, cardíaca etc.

A qualificadora incidirá quando a lesão produzida pelo agente ocasionar uma


debilidade permanente, isto é, a redução da capacidade funcional do membro, do sentido,
ou da função, de modo duradouro. Não se exige que a debilidade atinja todo o membro,
mas apenas um segmento dele, como os dedos da mão.

A debilidade pode ser funcional ou anatômica. Funcional quando


predominantemente fisiológica a redução, e anatômica quando preponderantemente
morfológica.

Permanente, como lembra DAMÁSIO DE JESUS, não quer dizer perpétuo. Em


outras palavras, o membro, sentido ou função deve, em conseqüência da conduta, ficar
privado por um tempo considerável, não por todo o tempo, de sua plena capacidade
funcional, reduzindo-se a possibilidade de sua atuação normal. A vítima perde a plenitude
de uma de suas capacidades funcionais, por largo tempo.

No organismo humano, há órgãos ou membros duplos para a realização de muitas


de suas várias funções: rins, pulmões, braços, pernas, mãos, olhos, ouvidos etc. A perda de
um deles significará, é claro, a debilidade da função para o qual existe. A perda de ambos
atingirá a função a que servem como um todo, caso em que a qualificadora será a do § 2º,
inciso III, adiante analisada.

A perda de um único dente por quem tem dentição completa não significará
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debilidade da função mastigatória, porém, para a vítima que dispõe de não mais que meia
dúzia de dentes, a lesão será grave, pois restará comprometida essa capacidade funcional.

É necessário, em qualquer caso, que a diminuição da capacidade funcional tenha


significância, importância, constituindo, efetivamente, um prejuízo ou um dano para a
vítima. O Direito Penal, nunca é demais lembrar, não se ocupa de bagatelas, de
insignificâncias. Comprometimentos ínfimos de membro, sentido ou função não autorizam
o reconhecimento da qualificadora.

Igualmente indispensável a prova pericial diagnosticando a debilidade permanente,


não bastando suposições nesse sentido.

Cirurgias reparadoras, curativas ou a utilização de próteses ou disfarces, ou


qualquer outro mecanismo, não descaracterizam a qualificadora, pois o que importa é o
resultado causado pela conduta do agente.

Nessa modalidade, pode o agente agir com dolo ou apenas com culpa quanto ao
resultado mais grave, devendo o juiz, se reconhecer um crime integralmente doloso, no
momento da aplicação da pena, considerar mais reprovável a conduta, diferentemente de
quando se tratar de crime preterdoloso.

6.4.1.2.4 Aceleração de parto

Essa qualificadora só diz respeito a lesões corporais praticadas contra mulher


grávida, estando vivo o ser humano em formação.

A lesão causada pelo agente deve atuar no sentido de provocar o início do parto, que
não ocorreria naturalmente, nem por ação médica, como é o caso do parto cirúrgico.
Traumatismos sobre o abdômen podem constituir a causa eficiente para o
desencadeamento do parto.

Se a lesão produzir a morte do ser humano em formação, aborto, incidirá a norma


do § 2º, V, do art. 129 – lesão corporal gravíssima. Logo, à antecipação do parto deve
sobrevir o nascimento do feto com vida.

A doutrina considera indispensável, para a configuração da qualificadora, que o


agente tenha consciência do estado gravídico da vítima ou, pelo menos, que lhe seja
possível alcançar essa consciência, não atingida por negligência sua.

Se não sabia da gravidez, nem podia saber, não responderá pelo resultado mais
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grave, porque este deve estar abrangido por dolo ou, pelo menos, por culpa, conforme
determina o art. 19 do Código Penal.

Não tenho dúvidas quanto a esta conclusão. Não lhe sendo possível alcançar ou
atingir a consciência da gravidez, terá agido por erro de tipo inevitável, que exclui o dolo e
a culpa, e ninguém pode responder por resultado mais grave por mero nexo causal. Se o
erro de tipo for evitável, responderá pelo resultado mais grave, porque, nas condições em
que atuou poderia, com cuidado, conhecer a gravidez. E aí, poderia ter evitado o resultado
mais grave.

Na maioria dos casos, esse crime qualificado pelo resultado é preterdoloso. O


agente dá causa ao resultado mais grave por negligência, imprudência ou imperícia. Quer
ferir e acaba, culposamente, dando causa à antecipação do parto.

Entretanto, quando o agente tem consciência da gravidez e mesmo assim realiza a


conduta ofensiva à integridade corporal ou à saúde da gestante, parece-me mais adequado
– sendo-lhe, portanto, absolutamente previsível o resultado mais grave, que poderá ser
apenas a antecipação do parto, mas também o aborto e a morte do recém-nascido –
atentar para os vários desdobramentos possíveis, em face da atitude interna do agente – a
vontade que impulsiona a conduta que realiza – e dos resultados possíveis – aborto, simples
antecipação do parto ou morte do recém-nascido –, e dar, para as diversas hipóteses, tratamento
diferenciado.

Sabendo da gravidez, sendo previsível quaisquer desses resultados mais graves e,


mesmo assim, realizando a conduta e lesionando a gestante, deve-se distinguir, assim:

a) se o ser em formação morre antes do nascimento, haverá lesão corporal gravíssima (art.
129, § 2º, V), quando o agente não tiver agido dolosamente em relação à morte do ser em
formação. Se tiver agido dolosamente em relação a sua morte, será caso de aborto sem o
consentimento da gestante;

b) se resultar apenas antecipação do parto, nascendo vivo e permanecendo vivo o recém-


nascido, responderá o agente por lesão corporal grave, quando tiver agido sem vontade de
antecipar o parto ou sem aceitá-la. Se, porém, ao prever a antecipação do parto, desejar
que, ocorrendo esta, o ser em formação venha a morrer, terá cometido dois crimes: lesão
corporal e tentativa de aborto, em concurso formal;

c) se nasce vivo e morre em conseqüência da antecipação do parto, haverá, a meu ver, em


concurso formal perfeito, lesão corporal grave contra a mãe, pela aceleração do parto, e
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lesão corporal seguida de morte contra o recém-nascido (art. 129, § 3º, do Código Penal). É
que não se pode negar que sua conduta, inaugurando um processo causal lesivo ao corpo
ou à saúde da gestante, atingiu, igualmente, a integridade corporal e a saúde do ser em
formação, o qual, apesar de ter nascido com vida, não resiste às lesões sofridas ou aos
danos à sua saúde, causados com o início precoce e conclusão do parto. Com uma só ação,
terá cometido dois crimes;

d) se, porém, quando o ser nasce vivo e morre por causa da aceleração do parto, o agente
tiver agido com o fim de acelerá-lo com vistas na produção da morte do ser em formação,
ou apenas aceitando-a, se ela ocorrer, será caso de concurso formal imperfeito entre a lesão
corporal grave, contra a gestante, e um homicídio doloso, contra o nascente ou neonato.

Claro que, em qualquer caso, é indispensável o nexo causal entre a antecipação do


parto e a morte do recém-nascido, valendo, a propósito, todas as observações já
expendidas acerca das várias hipóteses de exclusão da imputação do resultado, já
comentadas a propósito do homicídio.

6.4.1.3 Lesão corporal gravíssima

Sancionadas com reclusão de dois a oito anos, as doutrinariamente denominadas


lesões corporais gravíssimas estão definidas no § 2º do art. 129. Do ponto de vista legal,
essas lesões corporais incluem-se dentre as chamadas lesões corporais de natureza grave.
Assim, o art. 127 do Código Penal, ao definir os crimes de aborto qualificados por lesão
corporal de natureza grave, está incluindo tanto as lesões descritas no § 1º quanto as do §
2º, ora comentadas.

6.4.1.3.1 Incapacidade permanente para o trabalho

No inciso I do § 2º do art. 129, o resultado mais grave é a incapacidade permanente


para o trabalho. São duas as diferenças entre a qualificadora do inciso I do § 1º do art. 129
e esta do inciso I do § 2º. Naquela a incapacidade diz respeito às ocupações habituais da
vítima, aqui se refere ao trabalho. A segunda diferença relaciona-se com a duração da
incapacidade. Na lesão grave, 30 dias. Na gravíssima, a incapacidade deve ser permanente,
duradoura, não, porém, perpétua.

Ou seja, a lesão produzida na vítima deve causar-lhe a impossibilidade de, por um


14 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

largo tempo, não ter a possibilidade de trabalhar. Deve perder, por tempo longo, a
capacidade, física ou psíquica, de exercer atividade laboral lucrativa. Essa incapacidade
deve decorrer, necessariamente, da lesão corporal ou do dano à saúde causado pela
conduta do agente.

Jurisprudência e doutrina são unânimes no entendimento de que só incidirá a


qualificadora quando a vítima não puder exercer qualquer atividade laboral, não
necessariamente aquela que exercia quando sofreu a lesão corporal. MIRABETE, a
propósito, faz lúcido comentário: “Tal interpretação, porém, faz com que o dispositivo
dificilmente seja aplicado, porque sempre restará à vítima possibilidade de vender
bilhetes de loteria...”1

Penso que outra deve ser a interpretação, para considerar gravíssima a debilitação
permanente da função tátil do dedo do pianista profissional ou da mão do escultor
renomado. A interpretação da norma penal deve ser gramatical e, também e
principalmente, teleológica. Se a lei tivesse como fim tratar apenas da incapacidade para
exercer qualquer atividade laborativa, teria utilizado a locução “incapacidade permanente
para trabalhar”. Usou “incapacidade permanente para o trabalho”, empregando o artigo
definido. Quisesse ampliar, não definiria. Restringiu, portanto, o alcance da palavra
empregada. Não quer alcançar qualquer atividade laborativa, mas “o” trabalho. Qualquer
trabalho? Não, a lei quis dizer “o” trabalho da vítima, sua atividade laborativa. Por quê?

A utilização do método teleológico de interpretação responde a indagação, com


prevalência do elemento sistemático.

No inciso I do § 1º do art. 129, a lei qualificou de resultado grave a incapacidade


para as ocupações habituais por mais de 30 dias. Alcançou as ocupações do dia-a-dia da
vítima, inclusive as de uma criança ou de um bebê. Não exigiu que a vítima ficasse
imobilizada, incapacitada de quaisquer outras atividades. Só as da vítima concreta. Ao
qualificar as ocupações de habituais a lei procurou conferir maior proteção ao direito que
as pessoas têm de continuar, em sua vida normal, a fazer aquilo que sempre fazem com
continuidade e costumeiramente, o que lhes dá prazer, o que as realiza. Isto é, referiu-se às
ocupações habituais da vítima, não às ocupações habituais de qualquer pessoa. Diz
NELSON HUNGRIA: “A lei tem em vista a atividade habitual do indivíduo in concreto,

1 Op. cit. p. 112.


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pouco importando que seja economicamente improdutiva.”2

O preceito não alcança ocupações não habituais. Não haverá qualificação se as


lesões sofridas impedem a vítima paraplégica de, por 30 dias, jogar futebol, porque essa
não é uma ocupação habitual. Aliás, é uma ocupação impossível. Nem de subir escadas,
sem auxílio externo. O fim, portanto, foi alcançar apenas as atividades próprias da vítima.

Ora, na mesma linha de raciocínio, com o mesmo espírito, no preceito do inciso I


do § 2º, a lei procurou, igualmente, alcançar apenas as atividades laborais da vítima in
concreto. Alargou o período de tempo em que a incapacidade se faz presente, exigindo sua
permanência, em vez de limitar no tempo certo de, no mínimo, 30 dias. Contudo, não
tratou das ocupações habituais da vítima, mas das ocupações habituais laborativas,
economicamente produtivas. A restrição foi, tão-somente, quanto à natureza produtiva,
não quanto a sua habitualidade. E a lei, assim querendo, por concisão gramatical,
empregou, antes do substantivo, o artigo definido, porque assim excluiu de seu alcance as
atividades produtivas genericamente consideradas.

Assim, diferentemente do que pensam doutrina e jurisprudência dominantes,


entendo que a norma cuida exclusivamente do trabalho da vítima concreta, não de
qualquer trabalho. De conseqüência, a incapacidade permanente deve ser considerada em
relação ao trabalho que a vítima exercia habitualmente, não a qualquer trabalho. Ainda
que ela possa vir vender bilhetes de loteria, a lesão corporal que a impediu, por bom
tempo, de continuar exercendo o trabalho que exercia será considerada gravíssima.

6.4.1.3.2 Enfermidade incurável

Enfermidade é um processo patológico instalado no corpo do ser humano. É o


estado mórbido em curso, evolução ou andamento. É a doença, a moléstia. Deve decorrer
da lesão produzida pelo agente, afetando a saúde da vítima.

A norma alcança apenas as enfermidades incuráveis, assim consideradas as que,


com base nos critérios atuais da ciência médica, sejam tidas como de pequena
probabilidade de cura plena e total. Há enfermidades que são absolutamente incuráveis,
outras, entretanto, podem ser tratadas por métodos cirúrgicos arriscados ou terapias
dolorosas. Se a vítima não se submete, neste último caso, ao tratamento, por não estar

2 Op. cit. p. 319.


16 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

obrigada a tanto, ainda assim incidirá a qualificadora.

É crime preterdoloso. O agente, com dolo de causar lesão corporal simples, dá, por
culpa, causa a esse resultado mais grave.

E se o agente tem a vontade de transmitir a moléstia, como, por exemplo, o vírus da


Aids, doença sabidamente incurável, atualmente?

Inegável que a Aids é uma doença incurável. Até pouco tempo atrás, capaz de levar
à morte em pouco tempo, inexoravelmente. Os avanços científicos têm alterado esse
quadro. A Aids é, hoje, apesar de incurável, uma doença perfeitamente controlável. Não
pode, mais, ser considerada o meio mais adequado e eficaz para causar a morte de alguém.
Desse modo, não se pode ver, necessariamente, na conduta dolosa de quem a transmite a
vontade de matar.

Todavia, é possível ver aí pelo menos o dolo eventual, pois, conhecendo a gravidade
e incurabilidade da doença, o agente, mesmo sabendo não ser a morte inevitável e
imediata, mas apenas possível, pode, ao agir, ter consentido na morte, se ela,
eventualmente vier a acontecer.

Assim, se transmitir a doença e a vítima morrer, haverá, inequivocamente,


homicídio doloso, ainda que com dolo eventual. A morte, porém, deve ocorrer em tempo
relativamente próximo da realização da conduta, e como desdobramento normal do
processo causal inaugurado pela transmissão da moléstia, de modo a se poder imputá-la ao
agente. É que, com o transcorrer do tempo, o organismo da pessoa estará submetido a
interação de outras concausas, de modo a afastar, paulatinamente, a eficiência causal da
lesão primária.

Se, entretanto, a enfermidade não causar a morte da vítima, que sobrevive por
muito tempo, haverá tentativa de homicídio ou lesão corporal gravíssima?

A conclusão pela tentativa de homicídio depende de prova robustíssima capaz de


autorizar a convicção da presença do dolo direto de matar, a ser obtida de análise profunda
das circunstâncias que envolvem o fato. Havendo um mínimo de dúvidas sobre a intenção
de causar a morte, ou de sua aceitação, correto é tipificar o fato como lesão corporal
gravíssima.

6.4.1.3.3 Perda ou inutilização de membro, sentido ou função


Lesão Corporal - 17

No inciso III do § 1º a lei considerou a hipótese de debilidade permanente de


membro, sentido ou função. Aqui, no § 2º, fala em perda ou inutilização de membro,
sentido ou função. A diferença é, portanto, na maior intensidade e extensão da lesão
provocada. Ali a vítima sofria, por um bom tempo, a diminuição de sua capacidade, aqui
ela perde totalmente a capacidade de realizar certas funções, pela perda ou inutilização do
membro, sentido ou função.

Perda é a ablação de um membro ou de um órgão. Inutilização é a inaptidão do


membro ou do órgão a sua função específica3. Na perda, o membro ou órgão é
simplesmente extirpado do corpo; na inutilização, pode o membro ou órgão permanecer
integrado ao corpo, porém sem aptidão para realizar suas funções.

Havendo perda de um dos membros, incidirá a qualificadora. A perda de um


segmento do membro, por exemplo, o dedo da mão, importará apenas em sua debilidade
permanente. Perdendo um órgão, pode resultar a inutilização de um sentido ou função.
Relativamente aos órgãos duplos, como os olhos, haverá inutilização da visão se houver
perda de ambos. Perdendo um apenas, haverá debilidade permanente.

Lesões, ainda que não totais, de determinados órgãos podem acarretar a


inutilização de uma das funções. Assim, se a mulher tem seus ovários ou trompas
danificados, terá inutilizada a função reprodutora. Se a lesão atingir apenas um desses
órgãos, que são duplos, haverá debilidade permanente.

Essa figura típica pode ser cometida tanto na forma dolosa quanto
preterdolosamente. O agente pode, desde o início, ter desejado a perda de um membro ou
simplesmente causá-la por negligência, imprudência ou imperícia.

6.4.1.3.4 Deformidade permanente

Deformidade é o dano ou prejuízo estético visível e relevante do corpo ou de uma


parte dele. Deve ser permanente, irreparável e vexatória, segundo entendem doutrina e
jurisprudência. Deve, pois, atingir a pessoa de modo a causar-lhe um desconforto em sua
vida diária, expondo-a ao ridículo ou a situações de grande constrangimento.

É estético o dano que prejudica a beleza do corpo, afetando, pois, a saúde física e

3 DAMÁSIO, de Jesus. Op. cit. p. 142.


18 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

mental da vítima, interferindo em sua auto-estima e em seu relacionamento social. Para


tanto, deve ser considerável, importante, de monta tal que possa constituir uma
modificação perceptível e desarmoniosa do aspecto físico da pessoa.

A sua visibilidade deve ser compreendida, nos tempos de hoje, de forma mais
ampla, seja porque a vida contemporânea permite que as pessoas cada vez mais exponham
seu corpo de modo mais livre, não só em praias, clubes, mas no próprio dia-a-dia, seja
ainda porque nas mais íntimas relações interpessoais a exterioridade da beleza ou da
normalidade do corpo é importante elemento contributivo para a convivência social.

A permanência diz respeito à irreparabilidade da deformidade. Não basta sua


existência, é preciso que ela não seja daquelas temporárias, que se desfazem naturalmente
pela própria reação do organismo capaz de restaurar a integridade corporal primitiva.
Simples equimoses ou hematomas, que desaparecem com o tempo, não são consideradas
para o efeito da aplicação da norma comentada.

Há entendimento doutrinário no sentido de que, se a vítima submeter-se à cirurgia


reparadora, a qualificadora não incidirá, ao passo que se utilizar artifícios para ocultá-la,
como o uso de próteses, deverá ser considerada.

Penso que, nas duas situações, o tratamento penal deve ser o mesmo. Não será
porque a vítima, por iniciativa própria e arcando com os custos e o sofrimento de qualquer
intervenção cirúrgica, tiver reparado o dano causado pelo agente, que este deverá ser
beneficiado.

Se o fim da norma é punir mais severamente o agente pelo resultado mais grave
efetivamente causado, pouco importa que este tenha sido, depois, reparado ou tenha sido
ocultado. A reparação do dano não tem o poder de elidir a aplicação da norma penal
proibitiva. Mormente quando efetuada pela própria vítima. Não poderá, jamais, afetar a
tipicidade, beneficiando o infrator da norma.

O fim da norma não é o de proteger apenas a aparência estética do corpo


danificado, que restaria recomposto com a cirurgia reparadora, mas não com a ocultação
provisória. Entender assim, como faz a doutrina tradicional, é conferir tratamento desigual
ao mesmo bem jurídico, levando em conta atitudes posteriores de seu titular. A vítima que,
podendo, submete-se a cirurgia reparadora terá sua integridade corporal desvalorizada
pelo Direito em relação àquela que somente pôde adquirir um disfarce da deformidade.

O fim do preceito é o de considerar grave a lesão, por sua natureza, quantidade e


Lesão Corporal - 19

qualidade, e pelos efeitos que ela causou, efetivamente, na vítima. Ao se aperfeiçoar o


resultado mais grave, já haverá razão para a punição mais severa. O mais é conseqüência
do crime, que se, em algumas hipóteses, poderá atenuar a pena, jamais poderá
desqualificá-lo.

Há quem entenda necessário, tratando-se de cicatriz no rosto, examinar-se, além


das características do próprio dano, as condições pessoais da vítima, tais como sexo, cor,
idade, profissão e até situação social. Uma cicatriz no rosto de uma bela mulher branca
deveria ser tratada diferentemente da causada na face rude de um homem negro e pobre. A
meu ver, esse entendimento não se harmoniza com a vontade da norma que, nem de longe,
dá margem a qualquer interpretação subjetiva. É elitista, se não preconceituosa ou racista,
a idéia de que pessoas de cor negra, idosas ou pobres tenham menor auto-estima. Se
convivem com mais facilidade com as adversidades da vida tal se dá muito mais pela
opressão social a que são submetidas e pela menor capacidade que têm, em face da
dominação social, de reagir ou resistir às imposições das classes abastadas que as oprimem.

Essa figura qualificada admite a forma dolosa e preterdolosa.

6.4.1.3.5 Aborto

É gravíssima a lesão corporal da qual resulta aborto. Essa é modalidade típica que
exige seja a vítima mulher grávida. Aborto é a interrupção da gravidez com morte do ser
humano em formação. Dele já se falou (Capítulo 4).

A qualificadora só é possível na forma preterdolosa, quando o agente quer causar lesão


corporal, mas, culposamente, dá causa ao aborto. Se agir com dolo quanto ao aborto,
haverá dois crimes, lesão corporal e aborto.

É necessário que ele tenha pelo menos a possibilidade de conhecer o estado gravídico
da mulher. Se não sabia nem lhe era possível saber da gravidez, não poderá ser
responsabilizado pelo resultado que, nessas circunstâncias, é imprevisível e, portanto,
inevitável. Haverá, nesse caso, erro de tipo inevitável, que exclui o dolo e a culpa, ainda que
haja nexo causal entre conduta e resultado mais grave.

Conhecendo o agente a gravidez, ou, pelo menos, podendo conhecê-la, sendo-lhe,


portanto, perfeitamente previsível o aborto, e mesmo assim empreendendo a conduta
ofensiva contra a gestante, terá o agente cometido:

a) lesão corporal gravíssima, quando, mesmo tendo previsto o aborto, não o tiver desejado,
20 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

nem consentido, pois nesse caso o resultado mais grave terá sido produzido culposamente,
com culpa consciente. Se não o tiver previsto, haverá culpa inconsciente na produção do
aborto;

b) em concurso formal – imperfeito se imbuído de desígnios autônomos – lesão corporal e


aborto sem o consentimento da gestante, se tiver desejado ou pelo menos aceitado, se
eventualmente acontecerem a interrupção da gravidez e a morte do ser humano em
formação.

Em qualquer caso, é indispensável o nexo causal entre a lesão causada na gestante e o


resultado morte.

Não se pode confundir o aborto qualificado por lesão corporal grave com a lesão
corporal qualificada pelo aborto. Ambos são crimes preterdolosos, em ambos há resultado
duplo, aborto e lesão corporal grave, mas são diferentes. No primeiro, o dolo é de provocar
aborto, e no segundo o aborto é provocado culposamente. Naquele, o aborto é doloso,
nesse é culposo. No primeiro, a conduta visa ao aborto; no segundo, busca a lesão corporal.

6.4.1.4 Formas típicas especiais

6.4.1.4.1 Lesão corporal nos crimes de engenharia genética

A Lei n° 11.105, de 24 de março de 2005, revogou, expressamente, a Lei n° 8.974, de 5


de janeiro de 1995, que continha, dentre outros, os tipos penais de “intervenção em
material genético humano in vivo” (art. 13, II) e de “liberação ou descarte no meio
ambiente de OGM” (art. 13, V), e as respectivas formas qualificadas pelo resultado, lesão
grave ou gravíssima e morte.

Com a revogação, deu-se a abolitio criminis em relação ao tipo do art. 13, II, mas, no
art. 27 da nova lei está a seguinte descrição:

“Liberar ou descartar OGM no meio ambiente, em desacordo com as normas


estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4(quatro) anos, e multa.

..........................

§ 2° Agrava-se a pena:

.......
Lesão Corporal - 21

III – da metade até 2/3, se resultar lesão corporal de natureza grave em outrem;”

OGM é organismo geneticamente modificado, aquele cujo material genético


(ADN/ARN) tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética, isto é,
através da manipulação de moléculas de ADN ou ARN recombinante – aquelas
manipuladas fora das células vivas, mediante a modificação de segmentos de ADN/ARN
natural ou sintético que possam multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda, as moléculas
de ADN/ARN resultantes dessa multiplicação. Consideram-se, ainda, os segmentos de
ADN/ARN sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural.

A liberação ou o descarte desse material no meio ambiente sem a observância das


normas estabelecidas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança e pelos demais
órgãos constitui crime.

As lesões graves e gravíssimas que resultarem do fato, serão punidas com pena de 1 a
4 anos, aumentada de metade até 2/3.

6.4.1.4.2 Lesão corporal nos crimes de remoção de órgãos, tecidos e


partes do corpo humano

O art. 14 da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, contém o seguinte tipo legal de


crime: “remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo
com as disposições desta Lei”, com pena de reclusão de dois a seis anos, e multa de 100 a
360 dias-multa.

O § 2º do mesmo artigo, referindo-se à conduta realizada em pessoa viva, repete os


resultados qualificadores do § 1º do art. 129 do Código Penal – lesões corporais graves –
cominando-lhes, porém, pena de reclusão de três a dez anos, e multa de 100 a 200 dias
multa.

O § 3º define as mesmas lesões gravíssimas do § 2º do art. 129 do Código Penal


como resultados qualificadores, cominando pena de reclusão de quatro a doze anos, e
multa de 150 a 360 dias-multa.

São essas as mesmas formas qualificadas pelo resultado, porém com pena maior
que as cominadas no art. 129. A maior sanção decorre do maior desvalor da conduta, que
deve ser a de remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa, em desacordo com a
Lei nº 9.434/97.
22 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

As regras impostas para a remoção estão contidas no art. 9º da mesma lei, e são as
seguintes:

“Art. 9º É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos,


órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes
em cônjuge ou parentes consangüíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do §
4º deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial,
dispensada esta em relação à medula óssea. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de
23.3.2001)

§ 1º (VETADO)

§ 2º (VETADO)

§ 3º Só é permitida a doação referida neste artigo quando se tratar de órgãos


duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o
organismo do doador de continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não
represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não
cause mutilação ou deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade
terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora.

§ 4º O doador deverá autorizar, preferencialmente por escrito e diante de


testemunhas, especificamente o tecido, órgão ou parte do corpo objeto da retirada.

§ 5º A doação poderá ser revogada pelo doador ou pelos responsáveis legais a


qualquer momento antes de sua concretização.

§ 6º O indivíduo juridicamente incapaz, com compatibilidade imunológica


comprovada, poderá fazer doação nos casos de transplante de medula óssea, desde
que haja consentimento de ambos os pais ou seus responsáveis legais e autorização
judicial e o ato não oferecer risco para a sua saúde.

§ 7º É vedado à gestante dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo,


exceto quando se tratar de doação de tecido para ser utilizado em transplante de
medula óssea e o ato não oferecer risco à sua saúde ou ao feto.

§ 8º O auto-transplante depende apenas do consentimento do próprio indivíduo,


registrado em seu prontuário médico ou, se ele for juridicamente incapaz, de um de
seus pais ou responsáveis legais.”

Se o agente remover o tecido, órgão ou parte do corpo humano com observância


Lesão Corporal - 23

integral das normas da Lei nº 9.434/97 e, ainda assim, ocorrer um dos resultados mais
graves, o fato se ajustará a um dos tipos do art. 129, pois no tipo fundamental da lei
especial há um elemento normativo que é a inobservância das normas do seu art. 9º.

6.4.1.5 Consumação e tentativa

O crime de lesões corporais é material, de resultado. Consuma-se com a efetiva


lesão à integridade do corpo ou com a materialização do dano à saúde da vítima.

Haverá tentativa de lesão corporal quando, apesar da conduta do agente, iniciando


ou até concluindo o processo executório, não ocorre o resultado lesivo à integridade
corporal ou danoso à saúde da vítima.

Impossível, entretanto, a tentativa de lesão corporal grave ou gravíssima na


modalidade preterdolosa, porque, nela, o resultado mais grave não estava abrangido pelo
dolo do agente. Se o agente não queria o resultado mais grave, não se pode dizer que ele
tentou produzi-lo. Assim, não é possível reconhecer tentativa de lesão corporal qualificada
pelo perigo de vida, nem tentativa de lesão corporal qualificada pelo aborto.

6.4.1.6 Concurso de pessoas

Qualquer das modalidades do crime de lesões corporais dolosas admite o concurso


de pessoas, tanto na forma de autoria ou de participação. A participação poderá ser de
maior ou de menor importância, conforme seja a eficiência causal da contribuição para a
realização do tipo.

Quando o sujeito quer concorrer para um crime menos grave e o outro realiza crime
mais grave, aquele responderá pelo delito que desejou, mas se o resultado mais grave lhe
tiver sido previsível, ainda quando não o preveja, a pena será aumentada até metade (§ 2º
do art. 29 do Código Penal). Provando-se que um dos sujeitos desejou realizar lesão leve e
o outro acabou por exceder-se produzindo lesão grave ou gravíssima, aquele responderá
pelo crime que pretendeu realizar, aumentando-se a pena, até metade, se o resultado mais
grave lhe era previsível.

6.4.1.7 Concurso de crimes


24 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

O crime de lesões corporais, em qualquer de suas formas típicas, admite o concurso


material e formal e a continuidade delitiva.

Provocando várias lesões na mesma vítima, num mesmo contexto, haverá crime
único. A não ser quando, encerrado e concluído um procedimento típico, após um tempo
razoável, voltar a agredi-la, então cometerá um segundo crime. Haverá concurso material
ou crime continuado, se preenchidos os requisitos deste.

Se, porém, realiza uma única conduta atingindo várias vítimas, haverá concurso
formal.

Possível o concurso material ou formal com crimes de outra espécie, cometido


contra vítimas diferentes, como o homicídio.

6.4.1.8 Conflito aparente de normas

O crime de lesões corporais será absorvido pelos delitos de roubo, homicídio,


tortura, lesão corporal seguida de morte, aborto, estupro, extorsão mediante seqüestro
seguida de lesão corporal, e por todos os crimes qualificados pelo resultado lesão corporal
de natureza grave, porque sua realização é parte, etapa, conteúdo, fase ou resultado
qualificador do outro fato típico.

Os tipos de lesão corporal qualificados pelo resultado, dolosos ou preterdolosos,


afastam a incidência da norma do tipo fundamental, de lesão leve, pelo princípio da
especialidade.

6.5 LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE

6.5.1 Forma típica genérica

No § 3º do art. 129 está definido o crime de lesão corporal seguida de morte: se


resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem
assumiu o risco de produzi-lo. A pena é reclusão de quatro a doze anos.

Este é o chamado homicídio preterdoloso ou preterintencional. Não é homicídio,


porque não é crime contra a vida. Só há homicídios dolosos ou culposos. É crime contra a
integridade corporal ou a saúde, do qual resulta a morte da vítima. Nele, o agente age com
dolo de produzir lesão corporal, mas acaba por causar a morte por negligência,
Lesão Corporal - 25

imprudência ou imperícia. É misto de dolo e culpa. Dolo na conduta e culpa no resultado.

A conduta do agente é dolosa, mas o fim é a produção tão-somente de lesão


corporal. Nem eventualmente o agente pode aceitar a morte, pois aí haverá homicídio. Sua
consciência e vontade alcançam apenas a ofensa ao corpo ou à saúde da vítima. Contudo,
por descuido, o resultado vai além do pretendido pelo agente.

É indispensável que a morte seja previsível e, por isso, evitável. E o agente deve,
necessariamente, ter atuado com inobservância do dever de cuidado objetivo. Se queria
apenas ferir, deveria ter adotado as cautelas para que sua conduta não produzisse mais. Se
a morte for imprevisível, não poderia ser evitada e por ela o agente não pode responder.

Se é certo que entre a conduta dolosa do agente, alcançando apenas a lesão


corporal, e a morte da vítima, não desejada e nem aceita, deve existir nexo de causalidade,
este, contudo, não é suficiente para a tipicidade do fato, pois a morte só pode ser atribuída
ao agente se ele tiver agido culposamente.

Caso concreto interessante foi o ocorrido em Brasília, tempos atrás, quando jovens,
numa madrugada, atearam fogo a um índio que dormia numa parada de ônibus,
resultando a sua morte, em conseqüência das queimaduras provocadas. Denunciados pela
prática de homicídio com dolo eventual, acabaram assim condenados, mas dúvidas ainda
persistem quanto à possibilidade de ter havido, efetivamente, lesão corporal seguida de
morte.

A solução está na determinação do dolo do agente. Se há dolo de matar, será


homicídio. Se a intenção é ferir, lesionar, queimar, aponta-se para a lesão corporal seguida
de morte quando, havendo nexo causal, o resultado, previsível, tiver sido causado por
negligência, imprudência ou imperícia. Vozes não faltam afirmando que aquele que ateia
fogo em outro está, necessariamente, querendo matar, porque sabe que o fogo destrói os
tecidos humanos, alastra-se por todo o corpo e, necessariamente, afetará os órgãos vitais,
produzindo, por fim, a morte. Logo, quem derrama álcool sobre alguém que dorme, e
depois risca um fósforo sobre o líquido inflamável e sai correndo, só pode estar agindo com
dolo de matar. No mínimo, aceita a morte, se ela ocorrer. Se a vítima morre há homicídio,
se é salva, tentativa de homicídio.

Não penso que seja assim tão simples a resposta. O dolo é puramente psicológico. É
previsão e vontade. Não é só pelo fato de alguém poder prever um resultado, que o terá
feito. Nem sempre o resultado previsível é previsto. Se era previsível que as queimaduras
provocadas pela conduta pudessem levar à morte, e é certo que era previsível, nem por isso
26 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

se pode afirmar que os agentes a previram realmente. Assim como aquela conduta pode
produzir queimaduras que levam à morte, pode, também, produzir queimaduras que
apenas lesionam partes ou órgãos do corpo. A previsibilidade da lesão corporal é mais
presente que a da morte. Possível, portanto, plenamente, que o agente realize apenas a
primeira previsão.

Previsibilidade é possibilidade de antever o resultado. Previsão é outra coisa. É a


antevisão do resultado previsível. Nem sempre que há previsibilidade, há previsão. Se os
agentes não previram a morte, afasta-se, de plano, a hipótese de homicídio doloso. Podem
ter previsto apenas as lesões. Daí que não se pode responder a questões de alta indagação
como esta, com tanta simplicidade, pois que, situando-se na mente do agente, é de difícil
determinação.

Lamenta-se que fatos de grande repercussão nos meios de comunicação sejam


decididos segundo a lógica da opinião pública manipulada e não conforme os critérios de
interpretação das normas jurídicas e os princípios de Direito.

Impossível a tentativa de lesão corporal seguida de morte, porque só é admissível a


tentativa de crime doloso.

A pena, como se pode observar, é mais grave do que a cominada ao homicídio


culposo, e mais branda do que a do homicídio doloso.

6.5.2 Formas típicas especiais

A Lei n° 11.105, de 24 de março de 2005, que revogou a Lei n° 8.974/95, e


regulamenta o uso das técnicas de engenharia genética e a liberação no meio ambiente de
organismos geneticamente modificados, e a Lei n° 9.434/97 – que dispõe sobre a remoção
de tecidos, órgãos e partes do corpo humano – criaram tipos de crime dos quais resultam
lesões corporais graves e gravíssimas, como já comentado linhas atrás.

Também previram a ocorrência de resultado morte, porém não tiveram o cuidado de


utilizar expressão equivalente à do § 3º do art. 129 do Código Penal. Transcrevam-se os
dispositivos das referidas leis.

A Lei n° 11.105/2005:
Lesão Corporal - 27

“Art. 27. Liberar ou descartar OGM no meio ambiente, em desacordo com as


normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e
fiscalização: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4(quatro) anos, e multa.

§ 2° Agrava-se a pena:

V – de 2/3 (dois terços) até o dobro, se resultar a morte de outrem”.

A Lei nº 9.434/97:

“Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em


desacordo com as disposições desta Lei:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa de 100 (cem) a 360 (trezentos e
sessenta) dias-multa.

§ 4º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta morte:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e multa, de 200 (duzentos) a 360


(trezentos e sessenta) dias-multa.”

Diante dessas normas, seria de se perguntar: trata-se de lesões corporais seguidas de


morte, crime preterdoloso, ou de homicídio doloso? A dúvida teria pertinência por duas
razões. A primeira é a omissão do legislador, que não utilizou a fórmula do § 3° do art. 129:
se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem
assumiu o risco de produzi-lo. A segunda razão está na quantidade elevada da pena
reclusiva cominada, de 8 a 20 anos, na Lei n° 9.434/97, e que era, no regime da Lei
8.974/95, de 6 a 20 anos, agora, felizmente, reduzida pela Lei n° 11.105/2005. A correção
foi providência que atende ao princípio da proporcionalidade.

Apesar da omissão do legislador e do exagero das penas cominadas, é evidente que


se trata de crimes preterdolosos. Tivesse sido a vontade dessas leis criar novos tipos de
homicídios dolosos, teriam alterado a redação do art. 121 do Código Penal, inserindo nele
novos parágrafos, descrevendo as circunstâncias especiais que o tornariam mais
gravemente apenados. Sua vontade foi, portanto, a de criar novos crimes qualificados pelo
resultado morte, derivados de crimes de lesões corporais especiais, com pena mais elevada,
dada a gravidade das condutas incriminadas. Essas figuras típicas são espécies mais graves
do crime de lesão corporal seguida de morte.

As penas cominadas são excessivas e não se harmonizam com o sistema penal,


28 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

quebrando o princípio da proporcionalidade. Nenhum crime preterdoloso pode ter pena


igual ou superior ao crime doloso cujo resultado é o mesmo. O crime material é sempre um
todo – conduta e resultado. Conduta dolosa importa sempre em pena mais grave.
Resultado mais grave é suficiente apenas para agravar a pena. Esta nunca poderia, para um
resultado causado culposamente, ser mais elevada que a cominada ao crime cujo resultado
tenha sido causado dolosamente.

Ao cominar pena igual para homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte,
ainda quando a conduta desta seja mais reprovável, a lei acabou por reprovar, igualmente,
condutas dolosas e condutas culposas. Um absurdo. Pior ainda quando, no § 4º do art. 14
da Lei nº 9.434/97, cominou pena mínima de oito anos para uma lesão corporal seguida
de morte, superior à pena mínima do homicídio simples. É verdade que tal pena mínima é,
ainda, inferior à pena mínima do homicídio qualificado, todavia, tendo cominado a pena
máxima em 20 anos, igual à do homicídio simples, não atendeu ao princípio da
proporcionalidade, criando, assim, uma cominação monstruosa.

É que, na lesão corporal seguida de morte, o dolo não é o de matar, mas de lesionar
a integridade do corpo ou danificar a saúde da vítima. Ainda que mais grave essa conduta,
por constituir remoção de órgão, tecido ou parte do corpo humano vivo, para fins de
transplante, jamais poderia ser equiparada à conduta do que deseja a morte de alguém.

Aos juízes, diante da flagrante inconstitucionalidade do § 4° do art. 14 da Lei n°


9.434/97 – que agride o princípio da proporcionalidade -, cabe desconsiderar o grau
mínimo ali cominado para considerá-lo, quando muito, equivalente ao do homicídio
simples, seis anos. Em face do princípio da legalidade, não pode aplicar uma pena
intermediária, maior do que a do § 3° do art. 129 e menor do que a do art. 121, caput, do
Código Penal – que deveria ter sido estabelecida na lei – por isso melhor interpretação é a
de considerar essa cominação inconstitucional e aplicar a pena do § 3° do art. 129 do
Código Penal. Quanto à Lei n° 8.974/95, felizmente foi banida do mundo jurídico pela Lei
n° 11.105/2005, que cominou pena que se harmoniza com o princípio da
proporcionalidade.

6.6 LESÃO CORPORAL PRIVILEGIADA

O § 4º do art. 129 contém norma idêntica à do § 1º do art. 121, que trata do


homicídio privilegiado, mandando o juiz reduzir a pena de um sexto a um terço.
Lesão Corporal - 29

Assim, lesões corporais leves, graves, gravíssimas e seguidas de morte podem ter
sido cometidas sob o domínio de violenta emoção logo em seguida à injusta provocação da
vítima, ou por motivo de relevante valor moral ou social.

Valem, portanto, no que couber, aqui, as mesmas observações feitas a respeito do


homicídio privilegiado (item 1.2.2).

Cuidando-se de lesões corporais de natureza leve (art. 129, caput), e somente delas,
se incidir uma das circunstâncias privilegiadoras do § 4º, isto é, tratando-se de lesão
corporal leve privilegiada, o juiz, além de diminuir a pena, de um sexto a um terço, poderá,
a seu critério, substituir a pena de detenção pela pena de multa (art. 129, § 5º, I).

Também poderá o juiz substituir a pena de detenção pela pena de multa, se se


tratar de lesões corporais leves recíprocas, aquelas realizadas em seguida a outras
provocadas pela vítima (art. 129, § 5º, II). Nesse caso, não é indispensável que ambos
tenham sido condenados, podendo ser substituída a pena até mesmo quando um deles
tenha sido absolvido por ter agido em legítima defesa, porque a causa de substituição
da pena tem um único requisito: a reciprocidade das lesões.

A substituição da pena privativa de liberdade pela de multa é faculdade do juiz,


que levará em conta a necessidade de reprovação e prevenção do crime, com base na
análise das circunstâncias do fato, não lhe sendo defeso substituir a pena de apenas um
dos contendores, quando verificar que um deles não a merecer ou se considerar
necessária a reprimenda mais severa. Deve, é óbvio, motivar sua decisão.

6.7 AUMENTO DE PENA

Na lesão corporal leve, grave, gravíssima e seguida de morte, a pena será


aumentada de um terço se a vítima é menor de 14 anos, por força do que dispõe o § 7º do
art. 129, que manda seja aplicada essa causa especial de aumento de pena já abordada no
item 1.2.5.

6.8 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Lei n° 10.886, de 17 de junho de 2004 introduziu, no art. 129, sob o nomen iuris
“violência doméstica”, o § 9°, o qual foi modificado pela Lei n° 11.340/2006, ficando assim
a sua redação:
30 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

“Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou


companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se
o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3(três) anos.”

O § 10, introduzido, determinou que, tratando-se de lesões corporais graves,


gravíssimas e seguidas de morte, definidas nos §§ 1°, 2° e 3° do art. 129, a pena será
aumentada de 1/3, se incidir qualquer das circunstâncias previstas no § 9°. Também será
aumentada a pena em 1/3, se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência
(§ 11 do art. 129, acrescentado pela Lei 11.340/2006).

O tipo de violência doméstica descreve, na verdade, uma lesão corporal leve


qualificada, cuja circunstância qualificadora reside na qualidade do sujeito passivo, ou seja,
é aquela lesão leve praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou
companheiro, ou contra pessoa que conviva ou tenha convivido com o agente. Também
será violência doméstica a lesão corporal simples quando o agente se prevalece das
relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.

Assim, praticada uma lesão corporal leve, presente qualquer dessas circunstâncias, a
pena será detenção de seis meses a um ano.

As mesmas circunstâncias do § 9° constituem causas de aumento de pena, de um


terço, nos casos de lesões corporais graves (art. 129, § 1°), gravíssimas (art. 129, § 2°) e
seguidas de morte (art. 129, § 3°).

De conseqüência, pode-se afirmar que, com essas mudanças legislativas, temos:


violência doméstica leve, grave, gravíssima e seguida de morte, que são as formas
qualificada do crime de lesões corporais leves e agravadas, respectivamente, dos crimes de
lesões corporais graves, gravíssimas e seguidas de morte.

6.9 LESÃO CORPORAL CULPOSA

6.9.1 Forma típica genérica

Se o agente tiver causado lesão corporal por negligência, imprudência ou imperícia,


a pena será de detenção, de dois meses a um ano.

À semelhança do homicídio culposo, a lesão corporal culposa ocorrerá quando o


Lesão Corporal - 31

agente realizar uma conduta voluntária, com inobservância do dever de cuidado objetivo,
causando um resultado não desejado nem aceito, previsível e, por isso, evitável.

Nesse tipo pune-se a conduta negligente, pouco importando se o resultado tenha


sido leve, grave ou gravíssimo. A pena é a mesma, qualquer que seja a extensão das lesões,
porém, o juiz, no momento da fixação da pena-base, deverá levar em consideração, como
conseqüência do crime, o resultado mais grave. É que, não integrando o tipo, os resultados
que, na lesão dolosa, são qualificadores situam-se fora da descrição típica da lesão culposa.

A lesão corporal culposa difere do homicídio culposo apenas no resultado. Naquele


é a morte do ser humano nascente ou nascido, nesta é a integridade corporal ou a saúde do
ser humano, inclusive o em formação. Aplica-se, portanto, à lesão corporal culposa o que
se disse acerca do homicídio culposo (item 1.3), para onde se remete o leitor.

6.9.2 Lesão corporal culposa na direção de veículo automotor

O Código de Trânsito, Lei nº 9.503/97, criou, no art. 303, o tipo de lesão corporal
culposa na direção de veículo automotor, com pena de detenção de seis meses a dois anos,
o dobro da lesão corporal simples, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a
habilitação para dirigir veículo automotor.

A respeito dessa forma especial de lesão corporal culposa, reitera-se aqui o que se
disse no item 1.3.3, acerca do homicídio culposo na direção de veículo automotor, criado
pelo mesmo Código de Trânsito, inclusive quanto às causas especiais de aumento de pena.

6.9.3 Aumento de pena e perdão judicial

De relembrar que, na lesão corporal culposa, incidem as mesmas causas de


aumento de pena do homicídio culposo – se o crime resulta de inobservância de regra
técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à
vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato ou foge para evitar prisão em
flagrante –, bem assim o perdão judicial.

São as regras dos §§ 7º e 8º do art. 129. Esse tema foi abordado com detalhes nos
itens 1.3.2 e 1.3.6.
32 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

6.10 ILICITUDE

Nos crimes de lesões corporais, a verificação da ilicitude se faz, tanto quanto nos
crimes de homicídio, pelo mesmo raciocínio por exclusão. Presente uma excludente de
ilicitude, o fato, apesar de típico, será lícito.

Aplicam-se, portanto, para as lesões corporais, dolosas e preterdolosas, ou culposas,


no que couber, as observações feitas no item 1.2.13, acerca dos homicídios dolosos lícitos, e
no item 1.3.4, sobre os homicídios culposos justificados.

Acrescente-se que será possível lesão corporal, dolosa, preterdolosa ou culposa, no


exercício regular de direito, e, portanto, lícita, quando, na defesa da posse, permitida pelo §
1º do art. 1.210 do Código Civil, os atos de desforço necessários para a proteção possessória
acarretarem lesões corporais nos turbadores ou esbulhadores. Claro que, na hipótese, tais
atos não podem “ir além do indispensável à manutenção ou restituição da posse”.

As lesões corporais ou danos à saúde do corpo causados por médico, durante a


realização de cirurgias, que, no passado, eram considerados pela doutrina e jurisprudência,
lícitos, por estar o agente no exercício regular de um direito, não são, na verdade, fatos
típicos, excluída a tipicidade pelo princípio da adequação social.

Assim igualmente o furo na orelha da filha, para pendurar o brinco, não é lesão
corporal lícita, mas fato atípico por força do mesmo princípio, que também exclui a
tipicidade das lesões cometidas nos esportes violentos, como o boxe e até o futebol, desde
que razoáveis e adequadas aos limites permitidos pelas regras desses esportes.

Impensável lesão corporal lícita por encontrar-se o agente no estrito cumprimento


do dever legal, uma vez que, tanto quanto não há dever legal de matar, também não há, no
ordenamento jurídico brasileiro, dever legal de produzir ferimentos ou danificar a saúde de
alguém.

Também serão lícitas as lesões provocadas pelo agente a fim de impedir o suicídio
da vítima (art. 146, § 1º e § 3º, II), porque nesse caso o constrangimento não é ilegal, ainda
quando empregada violência, dentro, é óbvio, dos limites da necessidade dos meios.

A cirurgia plástica realizada com o consentimento do imputável, extirpando seu


órgão genital e construindo, em seu lugar, uma vagina artificial, é fato típico, porém lícito
por contar com o consentimento do ofendido, que, neste caso, atua como excludente da
ilicitude, uma vez que a integridade do corpo é um bem disponível.
Lesão Corporal - 33

O Direito brasileiro, já se disse, não pune a autolesão, nem, de conseqüência, o


consentimento para a lesão, a não ser na hipótese de estelionato.

6.11 CULPABILIDADE

Possível a exclusão da culpabilidade nos crimes de lesões corporais, desde que o


agente tenha agido sem consciência da ilicitude ou quando não se lhe puder exigir conduta
diversa.

A propósito, sugere-se a leitura dos itens 1.2.14 e 1.3.5, que tratam dos homicídios
dolosos e culposos inculpáveis, os quais, naquilo que couber, também devem incidir nas
várias hipóteses de lesões corporais. Aqui também é possível a exclusão da culpabilidade
por atuar o agente no exercício regular de direito putativo.

6.12 AÇÃO PENAL

A ação penal é de iniciativa pública incondicionada, salvo para os casos de lesões


corporais leves ou culposas, em que é necessária a representação da vítima, conforme
dispõe o art. 88 da Lei nº 9.099/95.

A competência, nas hipóteses do art. 129, caput, §§ 4º, 5º e § 6º, é do juizado


especial criminal. A suspensão condicional do processo penal poderá ser concedida na
lesão leve (art. 129, caput), na lesão corporal dolosa circunstanciada (art. 129, § 7º), lesão
corporal culposa, inclusive com o aumento de pena determinado pelo § 7º, lesão corporal
grave (art. 129, § 1º).

6.13 ANTEPROJETO DE CÓDIGO PENAL

No anteprojeto de Código penal, algumas mudanças importantes foram propostas.

Dentre os resultados qualificadores graves, no lugar do atual perigo de vida é


previsto o agravamento de doença ou anomalia física ou mental. Substitui-se a expressão
enfermidade por doença, por mais técnica. A inovação mais importante é a diferenciação
entre lesões graves e gravíssimas cometidas dolosa e preterdolosamente. Para estas
cominar-se-ia pena menos severa, tornando mais justa a individualização da pena.
34 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

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