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Assunto: Dá nova redação aos artigos 2º, 3º e 4º da Lei n.º 10.304, de 5 de novembro de
2001, que transfere ao domínio do Estado de Roraima terras pertencentes à União.
Do que trata: A MP n.º. 454, de 2009, modifica a Lei n.º 10.304, de 2001 que transfere ao
domínio do Estado de Roraima, terras pertencentes à União.
As modificações da Lei n.º. 10.304, de 2001, pela MP n.º 454, de 2009 podem ser
visualizadas na tabela abaixo.
Análise:
1. O art. 1 º foi mantido, isto é, a União continua com o propósito de transferir para o
domínio, isto é, para a propriedade do Estado de Roraima terras pertencentes à União
que se localizam dentro nos limites daquele Estado.
2. O artigo 2 º amplia as exclusões já efetuadas na Lei ora modificada. Vejamos: foram
mantidas as seguintes exclusões: a) as terras devolutas indispensáveis à defesa das
fronteiras, etc. (Art. 20 II da CC); b) os lagos, rios que banhem mais de um Estado, etc.
(Art. 20, III da CC); c) as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros
países, etc. (Art. 20, IV da CC); d) os potenciais de energia hidráulica (Art. 20, VIII da
CC); e) os recursos minerais, inclusive os do subsolo (Art. 20, IX da CC); f) as
cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos (Art. 20, X
da CC). Além das exclusões acima mencionadas, a MP n.º 454, de 2009, passa a
também excluir da transferência ao Estado de Roraima: a) os recursos naturais da
plataforma continental e da zona econômica exclusiva (Art. 20,V da CC); b) o mar
territorial (Art. 20,VI da CC); c) os terrenos de marinha e seus acrescidos (Art. 20,VII
da CC); e d) as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios (Art.20, XI da CC).
3. Além disso, a MP n.º 454, de 2009 exclui da transferência ao Estado de Roraima, os
demais itens constantes dos outros incisos do artigo 2º, a saber : II – as terras
destinadas ou em processo de destinação, pela União, a projetos de assentamento; III
– as áreas de unidades de conservação já instituídas pela União e aquelas em
processo de instituição, conforme regulamento; IV – as áreas afetadas, de modo
expresso ou tácito, a uso público comum ou especial; V - as áreas destinadas a uso
especial do Ministério da Defesa; e VI - as áreas objeto de títulos expedidos pela
União que não tenham sido extintos por descumprimento de cláusula resolutória.
4. O propósito original da Lei n.º 10.304 de 2001 era destinar terras da União ao Estado
de Roraima visando solucionar ou minimizar exclusivamente os problemas de
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assentamento e de colonização. Agora, a MP n.º 454, de 2009, embora tendo
mantido a destinação originária, dispõe em seu artigo 3º que as terras transferidas ao
domínio do Estado deverão ser “preferencialmente utilizadas em atividades de
conservação ambiental e desenvolvimento sustentável, de assentamento, colonização
e de regularização fundiária”.
5. Portanto, a MP além de expandir as áreas a serem excluídas da regra geral de
transferência de terras da União ao Estado de Roraima também ampliou o universo de
destinos possíveis paras as terras transferidas.
Contexto:
A MP n.º 454, de 2009 deve ser analisada dentro do contexto da recente decisão do STF
a respeito das áreas ocupadas pelos índios no Estado de Roraima, notadamente a
reserva indígena Raposa/Serra do Sol com 1,7 milhão de hectares de extensão. Essa
área abriga 194 comunidades indígenas dos povos macuxi, taurepang, patamona,
ingaricó e wapichana. Aproximadamente 19 mil índios habitam na região.
Em seu extenso voto, de 108 páginas, o relator, Ministro Ayres Britto defendeu que a área
destinada aos índios é pertinente, tratando-se de um Estado grande como Roraima, que
tem área de 224 mil km2. Ele também argumentou que não se pode dispor das áreas não
ocupadas pelos índios, mas que fazem parte da reserva. "Resta saber se os índios se
isolaram dos não-índios por vontade própria. Os intervalos não significam que as terras
são devolutas, apenas separam uma etnia de outra", afirmou.
O ministro relator classificou como "falso" o argumento de que a presença dos índios
prejudica o desenvolvimento do Estado e lembrou que os indígenas ajudaram a defender
o território brasileiro no passado, contra franceses e ingleses.
Mas o histórico julgamento foi cercado de grande polêmica. Na época, o advogado geral
da União, José Antônio Dias Toffoli afirmou à imprensa que os agentes da Força Nacional
de Segurança e da Polícia Federal permaneceriam em Roraima até que houvesse uma
decisão final do STF sobre a demarcação. Houve tamanha comoção ente índios,
agricultores e Governo do Estado que no dia do julgamento, para acompanhar a sessão,
que durou o dia inteiro, indígenas e representantes dos rizicultores (plantadores de arroz)
ocuparam lados diferentes do plenário. Os índios tiveram permissão para acompanhar o
julgamento sem terno, usando cocares e com os rostos pintados. De rosto pintado diante
do plenário, a advogada wapichana ressaltou a violência contra as comunidades da
reserva, lembrando que "21 líderes já foram assassinados, casas foram queimadas e
ameaças foram feitas." A advogada defendeu que a definição da terra indígena é
responsabilidade do próprio povo indígena. "O que está em jogo são os 500 anos de
colonização", ressaltou. Há também grave temor de ameaça à soberania nacional. Sobre
esse tema, o advogado-geral da União afirmou que a tese de ameaça à soberania na
região da reserva Raposa/Serra do Sol não tem fundamento para anular a homologação
das terras indígenas. "Se houver alguma declaração de independência, o Estado
brasileiro vai lá e age. Um Estado da federação brasileira também pode fazer isso e
querer independência. Não podemos trabalhar sobre o imponderável. Há que se fazer
valer a Constituição e defender a soberania", ressaltou Toffoli. O procurador-geral da
República Antonio Fernando Barros de Souza, destacou a necessidade de se manter a
demarcação de forma contínua e assegurar "todo o espaço físico necessário" para
garantir ao índio seu sustento e "assegurar sua identidade cultural".
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Pelo lado contrário à demarcação contínua, o advogado Antônio Glaucius de Moraes
destacou a ineficiência de se reunir cinco etnias em uma área única. Segundo ele, a
convivência na mesma base territorial abriria espaço para disputas internas. Assim, o
ideal seria ter "reservas específicas para cada tribo de índios. Muitas dessas tribos estão
integradas totalmente ao núcleo urbano, participando inclusive da vida política local, como
vereadores", acrescentou o advogado, que citou em sua fala as falhas do laudo
antropológico usado para a demarcação.
O ex-ministro do STF Francisco Rezek falou pelo Estado de Roraima. "A União vem
tratando Roraima como um quintal seu. Apenas 10% do território é domínio do Estado e
90% integram o patrimônio da União sob o expediente das terras indígenas", afirmou.
Os argumentos e contra argumentos trazidos ao parecer servem para ilustrar a polêmica
decisão que parece dará ganho de causa aos indígenas para que seja contínua a
demarcação de reserva Raposa/Terra do Sol. Mas serve também para ilustrar como se
ressentem os agricultores e o representante do governo estadual considerando que o
Estado detém apenas 10% e a União detém 90% das terras contidas dentro das fronteiras
do Estado de Roraima.
Assim, diante do cenário desse julgamento duas vezes interrompido em 2008 e que deve
ser concluído em 2009, cabe refletir sobre o teor da MP n.º 454, de 2009 cujo escopo, à
primeira vista, é apenas retirar da transferência já autorizada pela Lei n.º 10.304, de 2001,
entre outras, áreas de riqueza potencial como os recursos naturais da plataforma
continental e da zona econômica exclusiva, o mar territorial, os terrenos de marinha e
seus acrescidos e as terras tradicionalmente ocupadas por índios.
Avaliação crítica:
O Chefe do Poder Executivo pretende com a MP, ao que tudo indica, salvaguardar as
riquezas potencialmente existentes na região de qualquer disputa, no caso de haver
ameaça à soberania nacional. Nesse sentido ampliou, consideravelmente, as áreas que
não serão transferidas da União para o Estado de Roraima.
Por outro lado, parece que as terras transferidas ao Estado com o intuito original exclusivo
de regularizar a titulação de áreas ocupadas por assentados e colonos, passarão
doravante a concorrer com:
Sobre o assunto transcreve-se para ilustrar uma matéria da Agência Brasil que
confirma esse ponto de vista.
“29 / 01 / 2009 Lula transfere seis milhões de hectares de terras da União
para o estado de Roraima
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou na quarta-feira (28) um decreto
transferindo seis milhões de hectares de terras da União para o estado de
Roraima. O total corresponde acerca de 25% do território do estado, de
acordo com o governador José de Anchieta Júnior.
Para tornar oficial a transferência dessas terras da União para Roraima, amanhã
(29) será publicada no Diário Oficial da União uma medida provisória, que
permitirá ao governo transferir terras da União para o estado, o que não é
permitido atualmente pela legislação, a não ser para fins de reforma agrária.
Em seguida, o Incra fará um geo-referenciamento, ou seja, um estudo e
mapeamento da área para definir que área pode ser ocupada por agricultura,
qual por pecuária etc. Só então será feito um decreto com essas definições.
Lula disse ainda que espera que, em breve o STF tome uma decisão final sobre a
terra indígena. “Espero que dentro em breve tenha uma decisão final”. No próximo
mês deverá ser retomado o julgamento da constitucionalidade da demarcação da
Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, iniciado e interrompido duas
vezes em 2008.
Assim, na hipótese de a referida MP n.º 454, de 2009 não vir a ser rejeitada em
face do vício de inconstitucionalidade, preparamos duas emendas para aperfeiçoar o
respectivo texto: uma visando subtrair a nova redação que a MP passa a dar ao art. 3º da
Lei n.º 10.304, de 2001; e outra mantendo a alteração da nova redação do mencionado
art. 3º, com restrições.
É o parecer.