Sunteți pe pagina 1din 31

Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIN-E

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríarñ)
APRESErsrTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
4

ERGUNTE
e

esponderemos

AGOSTO 1957
ÍNDICE

I. QUESTOES FILOSÓFICO-RELIGIOSAS

Páginas

1) "Dcsejava uní esclarccimento sobre a doutrina do


transformismo. Até que ponto pode ser admitida?" 3

2) "Como encarar, do ponfo de vista religioso e moral,


a prá'.ica moderna da inseminaqao artificial ?" 6

II. QUESTOES DOGMÁTICAS

3) "Confesso os ineus pecados diretamente a Deus. Nao


preciso de intermediario para ser absolvido !" 10

4) "A Igreja Católica nao lera alterado os mandamentos


da Lci de Dcus consit/nados cm ñxodo 20, 1-1.7? Pare
ce ter omitido o segundo e dividido o décimo" 15
■**■*" ••
5) "Como se justificam as imagens ñas ¡grejas, apesar da
protbicao enunciada em £xodo 20, 4-5f" ■ ■ ■ ■ 18

6) "Sabia o demonio, antes da Paixao e Morte de Jesús


Cristo, que Ele era Deus? Em caso negativo, atualmente
sabe que Jesús é Deus?" ..'. 22

III. QUESTAO JURÍDICA

7) "Porque é que os padres nao se casam?" 24

COM APROVAgAO ECLESIÁSTICA

_ 2 —
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
HA - figóslo de 1957

I. QUESTÓES FILOSÓFICO- RELIGIOSAS

DRUMOND (Petrópolis, R. J.):

1) "Désejava um esciarecimento sobre a doutrina do trans-,


foimismo. Até que ponto pode ser admitida?"

O transformismo, sistema que explica a origemdas espe


cies e, em particular, do homem por efeito de evoluc.áo da ma
teria, comesou a ser propagado com grande voga no século pas-
sado. Enccntrou entáo seria resistencia por parte dos círculos
católicos, resistencia devida a duas razóes principáis:
a) parecía contradizer á Sagrada Escritura. Em virtude de
interprttacáo muito literal do texto de Génesis 1-3, julgava-se
que ensinava a cria<jáo do mundo em seis dias de 24 horas,
aparecendo desde o inicio cada, criatura no seu tipo definitivo;
b) os fautores do evolucionismo, juntamente com suas dou-
trinas biológicas, ensinavam ou sugeriam urna filosofía materia
lista, negando ou silenciando indevidamente a Causa Primeira,
Deus. Essa tendencia materialista invadiu de modo geral todos
os setores do saber no século 19: sociología (marxismo), psicolo
gía (freudismo), historia da civilizado (o homem "pré-lógico"
de Lévy-Bruhl), a etnología (pretensos povos sem religiáo),
etc. Em conseqüéncia, pareciam indissclüvelmente unidos, de
um lado, o evolucionismo (darvinismo) e o espirito anti-reli-
gioso; do outro lado, o fixismo e a crenqa em Deüs.
Contudo no inicio do século 20 foram^se desfazendo as apre-
ensóes dos católicos:
a) novas descobertas de paleontología e arqueología no
Oriente (Palestina, Mesopotámia) e no Egito pcssibilitaram um
conhecimento mais adequado da mentalidade e dos modos de
expressáo dos povos antigos; os exegetas perceberam entáo o
sentido figurado de muitos dizeres da Biblia que haviam sido
até entáo entendidos ao pé da letra. Verificaram, com mais cla
reza do que antes, que a Escritura nada quer ensinar no terreno
das ciencias naturais, mas apenas se serve da linguagem dos anti-

_ 3 —
gos semitas (o Espirito Santo nao cxtinguia o cabedal de cultura
humana dos hagiógrafos) para exprimir o significado religioso
que o mundo e o homem tém. Estava assim removida a idéia de
que a Sagrada Escritura incule o fixismo biológico e, por isto, se
opóe ao evolucionismo;

b) urna reflexáo serena evidenciou outrossim que o trans


formismo é perfeitamente separável do materialismo e conciliá-
vel com a crenca em Deus Criador do mundo e Providente.

Diante disto, a Igreja (mormente na encíclica "Humani ge-


neris" de 1950) definiu a posicáo católica frente ao problema
da origem do homem nos seguintes termos:

Distinga-se entre corpo e alma.

a) O corpo do primeiro homem pode muito bem tsr pro-


vindo da materia animada (antropoide, macaco). Cabe á cien
cia decidir a questáo de acordó com o resultado das suas inves-
tigacóes paleontológicas, biológicas, etc. Váo seria em nome da
reiigiáo afirmar que o hom:m fci certamente criado do barro,
pois o barre de q;:? fala Gen 2,7, é condicionado pela imagem
do oleiro que a Biblia emprega para designar a Deus, consoante
um preceder literario muito usual na antigüidade: o oleiro. artí
fice que costuma dominar com admirável habilidade a materia,
era feralmente tido entre os orientáis como símbolo da Divinda-
de sabia e poderosa, da qu?.l o homem depende. A fé, neste cam
po de estudos, apenas ensina que Deus é o Autor da materia,
tendo-a tirado do nada; pode, porém, té-la produzido em esta
do caótico, dando-lhe as leis de sua evolucáo e regendo éste
desenvolvimento até que tenha atingido o grau de complexida-
de característico do organismo humano.
b) Quanto á alma racional, principio espiritual de vida,
é impossível que provenha da materia em evolucáo, pois o es
pirito transcende a potencialidade da materia; nao pode estar
virtualmente contido nesta, pois é capaz de conceber noyóes abs
traías, imateriais (por exemplo, o que é que faz que Pedro, Pau
lo e Maria, embora impressionem diversamente 03 sentidos do
observador, se.iam igualmente seres humanos); o espirito chega
a apreender o Infinito, ao passo que o corpo, por seus sentidos, £Ó
atinge o finito e dimensional (veja "Pergunte e Responderemos"
n.° 3/1957, qu. ]). — Por conseguinte, supesto o processo evo
lutivo da materia, dir-se-á que, quando o corpo do antropoide
atinjjiu as condicóes de complexidade necessárias para ser sede
da vida intelectiva ou humana, Deus criou e lhe infundiu urna
alma espiritual. Note-se, porém, que a infusáo da alma humana
nao é fenómeno que deixe vestigios nos estrados geológicos; as

— 4 —
cisncias empíricas, portanto, nunca poderáo nem ccrrprovar
nem refutar esta doutrina da sá filosofía e da Revelagáo crista.
. c) Quanto á primeira mulher, nao é, segundo a fé, neces-«
sário que tenha tido origem diferente da do varáo; pode-se mui-
to bem admitir para os corpos do primeiro hcmem e da primeira
mulher o mesmo prccesso evolutivo. A formagáo de Eva a partir
de urna costela de Adác, descrita em Gen 2,21s, pode ser inter
pretada em sentido meramente metafórico. O autor sagrado teria
usado de tal figura para inculcar que a mulher possui a mesma
natureza e dignidade que seu marido; "ser carne da carne e ossó
des ossos de alguém" (cf. Gen 2,23) significava á guisa de pro
verbio, entre os orientáis, "ser íntimo amigo ou párente" (cf.
Gen 29,14; 37,27; Jz 9,2s; 2 Sam 5,1; 1 Crón 11,1). Ora justamente
Adáo aplicou esta expressáo a Eva depois de ter verificado que
nenhum animal bruto era condigno déle; para preparar e corro
borar a afirmacáo de Adáo, o autor sagrado pode ter descrito a
formagáo de Eva a partir da carne e dos ossos do varáo, sem en-«
tender atribuir sentido literal ao episodio. Em tal caso, concluir-
-se-ia do texto bíblico apenas que a mulher nao é instrumento
servil do homem, mas reflete também ela a imagem e semelhan-
c,a do Criador.
d) O género humano de que nos fala a historia, é proce
dente de um só casal — Adáo e Eva. A fé prefessa assim o mo-
nogenismo, rejeitando a hipótese poligenista (muitos casáis a dar
origem á atual estirpe humana). Esta posic.áo é decorrente da
doutrina do pecado original: todo hcmem nasce cem a nature
za tendente para o mal, porque herda as conseqüéncias de urna
culpa cometida pelo primeiro pai; já que a congénita desordem
moral é comum a todos 03 homens, todos sao igualmente íilhos
de Adáo. O dogma da Redengao corrobora esta doutrina: Sao
Peulo (Rom 5,18s; 1 Cor 15, 21s.45) fala de dois homens responsá-
veis pela historia universal, Adáo e Cristo, sendo o primeiro o in-
trodutor da morte no mundo, o segundo o Principio da ressurrei-
cao; ora, assim como Cristo foi um individuo, Adao, que lhe
faz frente, deve ter sido também um individuo, nao urna co-
letividade.
A ciencia nao contradiz ao monogenismo. Ela ensina que
toda "especie, seja animal, seja vegetal, possui um "bérgo" donde
se espalha pela térra inteira, em vez de se originar simultánea
mente em diversas partes do globo. A fé acrescenta a esta cen^
clusáo que no "bérgo" comum da humanidade só um ca?al foi
elevado ao estado sobrenatural, paradisíaco, e viveu o drama do
pecado de Adáo e Eva; pode ter havido outros casáis de autén
ticos homens ao lado déste; contudo nao entraram na catástrofe

.. 5 .
do paraíso terrestre; extinguiram-se (caso tenham existido) sem
se mesclar com o género humano hoje existente.
A Biblia, de resto, nao indica quando viveu Adáo; nao se lhe
atribua urna cronología de 4000 ou 6000 anos, pois as cifras
apresentadas em Gen 1-11 tém o significado meramente conven
cional e simbólico que elas tinham na historiografía dos Pa
triarcas de qualquer dos povos antigos (cf. "P.R." 17/1959, qu. 5).
A existencia das ragas humanas nao é argumento contra
rio ao monogenismo. Basta observar o seguinte: se o cao, ó lobo
e a raposa, que nao sao susceptíveis de cópula entre si, provém
de um só tipo vívente, ponto de partida comum, como ensinam os
zoólogos, porque nao poderiam cinco ou mais ra§as humanas per-
feitamente fecundas entre si provir de um casal originario? As
diferencas raciais se explicam pela ac.áo de fatores diversos, que
lentamente agiram sobre o tipo humano: adaptac.áo ao ambiente
de vida, mutacionismo (ou seja, mudancas bruscas e imprevisí-
veis no genotipo, que acarretam modificagóes estáveis na confi-
guracáo somática e psíquica dos descendentes), regressáo ou de
generescencia etc.; em particular, observe-se que as mutagóes se
efetuam geralmente em "individuos raros", ou seja, em um ou
poucos casáis da mesma geracáo (cf. "P.R." 7/1957, qu. 2).
Em conclusño: a fé católica nada tem a opor a qualquer das
teorías evolucionistas que salvaguarde os dois seguintes pontos:
a) a materia primitiva foi produzida do nada e por D^us dota
da das suas leis de evolucáo; b) o espirito ou a alma do homem
nao se origina por evolucáo, mas é diretamente criado pelo
Soberano Senhor.
Veja E. Bettenccurt, Ciencia e Fé na historia dos primor
dios, 3.a edicáo 1957, Editora AGIR, Rio de Janeiro. — P. Leo-
nardi, Origem dos seres vivos, em "Heresias do nosso tempo",
por um grupo de filósofos e cientistas italianos.

HAROLDO (Rio de Janeiro):

2) "Como encarar, do ponto de vista religioso e moral, a prá-


tica moderna da imeminacao artificial?"
f

Antes do mais, coloquemos o problema dentro do seu quadro


histórico.
Em 1780 o Professor da Universidade de Pavia, Pe. Spal-
lanzani, retirou de um cao algo do respectivo esperma e o inje-
tou na vagina de urna cadela; esta, sessenta e dois dias mais tar
de, dava á luz tres caezinhos de todo normáis. Estava assim rea-

_ 6 —
lizada a primeira inseminacáo artificial, com grande surprésa
para uns, com notável escándalo para outros. Entusiasmado pela
experiencia, o naturalista de Genebra, Carlos Bonnet, sem de
mora escreveu a Spallanzani para lhe dizer que a descoberta po-
-deria um dia ter «plicagóes importantes na propagacáo da espe
cie humana. Com efeito, em 1799 (ano da morte do pientista ita
liano), o cirurgiáo inglés Hunter, tratando pelo mesmo método
üma de suas clientes, tornou-a fecunda.
Quase ceñí anos se deveriam seguir durante os quais se
guardou silencio sobre a prática da inseminacáo artificial. Em
1887, porém, o veterinario Repiquet lembrou-se de a utilizar para
obter melhores ragas de animáis domésticos; seus trabalhos en-
contráram continuadores, que tornaram muito comum e explora
da a fecundacáo artificial de animáis; na Rússia, por exemplo,
sob o impulso dos estudos de Cl. Ivanov, obtiveram-se por tal
via 150 milhóes de cabecas de gado selecionado. Os sucessos
alcanzados com os irracionais chamaram a atencáo dos médicos,
desejosos de promover a eugenia e combater es inconvenientes
da esterilidáde na familia humana, principalmente nos Estados
Unidos da América. Em 1941 os médicos americanos Kerner e
Seymour, pioneiros da nova prática, comunicaram ao mundo os
resultados das experiencias que haviam feito em 9580 casos hu
manos: haviam obtido 9489 partos felizes; os seus métodos, po
rém, muito famosos e aceitos na América, sómente com reserva
foram acolhidos na Europa.

A inseminacáo artificial, difundindo-se, nao podia deixar


de suscitar numerosos casos de consciéncia, de perplexidade mo
ral. Foi o que induziu o Santo Padre Pió XII a pronunciar-se so
bre o assunto numa alocugáo dirigida em 29 de Setembro de
1940 ao IV Congresso Internacional des Médicos Católicos. A
palavra do Sumo Pontífice representa a mente da Igreja a res-
peito do problema:
"Nao podemos deixar passar esta ocasiáo de indicar breve
mente em suas grandes linhas o juízo moral que se impóe nesta
materia.

1) A prática da fecundacáo artificial, urna vez que se trate


do homem, nao pode ser considerada nem exclusivamente, nem
. mesmo principalmente, do pente de vista biológico e médico,
deixando-se de lado o da Moral e do Direito.

2) A fecundagáo artificial fora do matrimonio é condenada


pura e simplesmente como imoral. De fato, segundo a lei natu
ral e a lei divina positiva, a procriacáo de nova vida nao pode ser
fruto ¿enáo do matrimonio. Só o casamento salvaguarda a digni-

_ 7 _
dade dos espesos (principalmente da mulher no caso presente),
dignidade que constituí um dir.eito pessoal. De si, só o matrimo
nio prové so bem e á educagáo da crianga. Por conseguinte, di
vergencia alguma de opiniáo é possível entre católicos sobre a
condenacá^ de urna fecundacáo artificial fora da uniáo conjugal.
O filho concebido nessas condigóes será, pelo fato mesmo, ile
gítimo.

3) A fecundagáo artificial dentro do matrimonio, mas pro-


duzida pelo elemento ativo de um terceiro, é igualmente imoral
e, como tal. deve ser reprovada sem apelo. Só os esposos possucm
direito recíproco sobre os corpos em vista da precriacáo de urna
vida nova, direito exclusivo, incedível, inalienável. É isso deve
ser assjm, também em consideragáo da crianga. A quem quer que
dé a vida a um ser, impóe a natureza, exatamente em virtude
désse l&co. o encargo da sua conservac,áo e educagáo. Ora entre
o esposo legítimo e a crianca, fruto do elemento ativo de urn ter-
ceiro (aínda que com o consentimento do esposo), nao existe
la<;o algum de origem, lago algum moral e jurídico de procriacáo
conjugal.

4) Quanto á liceidade da fecundacáo artificial no casamen


to, basta-nos por ora lembrar os seguintes principios de Direito
natural: o limpies fato de ser atingido por essa vía o resultado
que se visa, nao justifica o emprégo do meio em si mesmo; nem
o desejo, per si muito legítimo, dos pais de ter filhos é suficiente
para provar a legitimidade do recurso á fecundagáo artificial,
que realizaría ésse desejo. .^ ..,

Seria falso pensar que a possibilidade de recorrer a ésse


meio tornaría válido o matrimonio entve pessoas ineptas a con-
traí-lo em virtude do impedimento de impotencia (para gerar).
Por outra parte, é supérfluo observar que o elemento etivo
jamáis pode ser conseguido licitamente por atos contrarios á na
tureza. v

Aínda que nao se possam excluir de antemáo novos méto


dos (ensinados pela ciencia moderna) só pelo fato de serem no
vos, contudo, no que teca á fecundagáo artificial, nao só se deve
usar de extrema reserva, mas é necessário absolutamente repro-
vá-la. Assim falando, nao se rejeita necessáriamente o emprégo
de meios artificiáis destinados únicamente a facilitar o ato na
tural cu a fazer que o ato natural normalmente realizado atinja
a sua finalidade.
Que ninguém o esquega: só a procrJagáo de urna vida nova
segundo a vontade e o plano do Criador traz consigo, num grau
espléndido de perfeigáo, a consecugao dos fins a realizar. Essa

— 8 —
vontade é, ao mesmo tempo, conforme a natureza corporal e
espiritual, á dignidade dos esposos, ao desenvolvimento normal
e feliz da crianga" (Acta Apostolicae Sedis XXXXI [1949]
559s).

E' muito claro o pensamento do Santo Padre. As seguintes


consideragóes poderáo ajudar a focalizá-lo devidamente.

A fungáo generativa do homem difere intrínsecamente da


do irracional. Éste, animado como é por um principio vital ma
terial, nao transcende a materia nem as leis físico-químicas e
biológicas que a regem (cf. "Pergunte e Responderemos" n.°
3/1957, qu. 1). Por conseguinte, no tocante á multiplieagáo da
especie, pode ser tratado exclusivamente á luz des criterios dé
seíegáo ou aperfeicoamento das ragas, rendimento económico,
cerrecáo da esterilidade, etc. A fecundagáo artificial dos irracio-
nais vem a ser urna das atuecóes do dominio que Deus confiou
ao homem sobre as criaturas inferiores; pode considerar-se urna
das auténticas conquistas da ciencia moderna. Diverso, porém,
é o caso do homem: éste, dotado de alma espiritual, está situa
do num plano superior; o funcionamento do seu organismo par-^
ticipa da dignidade do espirito que o anima. Ora todo espirito é
dotado de inteligencia e amor, que lhe dáo a sua personalidade.
Donde se segué que o próprio processo biológico da geracáo, no
hemem, obedece as exigencias da inteligencia e do amor. Nao
será lícito, portanto, tratar o esperma do homem á semelhanca
de um produto de laboratorio, transponível de um tubo de ensaio
para outro a fim de producir melhor rendimento. O amor huma
no tende a se entregar a um consorte determinado e único, e
sómente na uniáo com éste é que, por lei d?. natureza, se loma
permitido ao individuo procurar o complemento da sua persona
lidade; a intervencáo de um terceiro na geracáo da prole vem
a ser derrogagáo acs direitos da afetividade característica do
homem; equivale so menosprézo cu ao cancelamento da perso
nalidade, o que em última análise significa oposigáo ao Autor
da natureza cu a Deus.
Além disto, a fungáo de gerar é, no homem, inseparável da
de educar, formar até o fim a personalidade gerada. Ora esta
outra tarefa é totalmente burlada no caso em que um terceiro
sirva apenas de doador de esperma, desaparecendo. depois de
preencher o papel de "fornecedor". Os mentores da insemina-
gáo artificial tém feito o possível para acentuar" o papel mera
mente biológico, impessoal do doador: querem que ignore a iden-
tidade do casal ao qual fornece o "material"; nos Estados Uni
dos tem-se exigido que assine urna fórmula de consentimento, a
fim de que nao se possa quéixar de abusos no tratamento de sé-,
}
— 9 —
men. Ademáis acontece que cada extracto de esperma pode, ser
vir a numerosas inseminacóes, sendo que um só doador tem for-
necido a materia para vinte mil fecundadles por ano...! Torna-
-¡áe assim obvio o perigo de se multiplicarem, principalmente na»
Eociedades padronizadas, os filhos de pai desconhecido, expostos
a contrair uns com os outros matrimonios ilícitos e desastrosos
(matrimonios entre irmáos, filhos ao menos do mesmo genitor).
Está claro que a prole que nasga de fecundagáo artificial
é, em consciéncia e acs olhos de Deus, ilegítima, embora parante
a sociedade se aprésente como pai o esposo da genitora; nao é
o consentimento dado por éste á intervengáo de um terceiro que
o torna pai legítimo.
Per último, deve-se frisar que a condenagáo da inseminacáo
artificial nao recaí sobre os métodos que visam apenas favore
cer e reforcar o processo natural de fecundacáo, sem o desviar
nem mutilar.

Bibliografía:
Cahiers Laennec, II 1946: L'insémination artificien».
Biot, Offensives contre la personne. Ed. Spes.
Caries, La fécondation. Presses universitaires de France.
Heresias do nosso tempo, por um grupo de filósofos e cien-
tistas italianos. Porto 1956, 229-32.

II. QUESTOES DOGMÁTICAS

A. C. (Rio de Janeiro):

3) "Confesso os meus pecados diretamente a Deiu. 'Nao


picciso de intermediario para ser absolvido!"

Esta proposigáo é aparentemente ditada pelo bom senso.


Mas... refutamos um pouco.
Nenhum cristao negará que o pecado é desobediencia do
hemem a Deus, derrogacáo aos direitos do Soberano Senhor.
Dcus poderia nao perdoar, pois a criatura nao tem títulos pró-
prios que ela possa fazer valer diante do Criador. Se, nao obstan
te, o Senhoi quer indulgenciar, Ele pode muit'o bém ter-se reser
vado o direito de indicar ao homem a via pela qual se há de re--
conciliar. i
Foi o que de fato se deu. Jesús no Evangelho ensinou-nos,
de um lado, que nao há pecado irremissível, mas, de outro lado,
que o ministerio da remissáo foi confiado aos sacerdotes.
Com efeito, o Senhor, antes da Paixáo, prometeu a Pedro
(Mt 16,19) e a todos os Apostólos (Mt 18,18) o poder de ligar

— 10 —
e desligar válidamente na térra e no céu. Mais tarde, no dia mes-
mo da ressurreigáo, entregou-lhes esta faculdade, quando, apa-
recendo aos onze discípulos, lhes disse:

"Assim com o Pai me enviou, eu também vos envió".

A seguir, soprando sobre éles, continuou:

"Eecebei o Espirito Santo. Aqueles a quem perdoardes os


pecados, seráo perdoados; aqueles a quem os detiverdes (nao
perdoardes), seráo detidos" (Jo 20,22s).

As expressóes "ligar" e "desligar" eram assaz comuns na


linguagem dos rabinos: "ligar" significava "usar de rigor"; "des
ligar" equivalía a "usar de brandura". Na casuística judaica, di-
zia-se comumente: "Neste ponto, Rabí Chamai liga. Rabi Hillel
desliga"; o que significava: "Chamai proibe, Hillel permite".
Nos termos ácima, portante, Jesús fez dos seus Apóstelos os
arbitros das consciéncias, habiltando-os a proferir sentenyas de
absolvic,áo ou censura que seriam confirmadas no céu.
Ora quem constituí um arbitro nao pode deixar de Ihe ou-
torgar os meios necessários para que exerga equitativamente a
arbitragem. Entre ésses meios, está o conhecimento exato do as-
sunto a julgar, da culpabilidade, das disposigóes do réu. Já que
estes elementos pertencem ao foro da consciéncia e nao se mani-
festam senáo por confissáo, segue-se que Jesús, com o poder das
chaves, entregou aos seus ministros a incumbencia de ouvir a
oonfissáo sacramental dos pecadores; gómente depois desta
acham-se habilitados a absolver ou repreender em nome de
Deus.

A prática dos cristáos desde o inicio da Igreja confirma esta


dedugáo: a confissáo aos bispcs e sacerdotes é largamente atesta
da pelos documentos da ahtiga literatura crista.
Pergunta-se, porém: porque será que Jesús quis que a re-
missáo dos pecados se fizesse mediante os ministros da Igreja?
— Lembremo-nos de que o pecado nao é um ato que atinja
Deus e o pecador apenas; tem profundas conseqüéncias espiri-
tuais (as vézes também temporais e concretas) para os demais
homens, pcis Deus nos fez solidarios entre nos tanto nos méri
tos como nos deméritos; principalmente os cristáos se acham
unidos entre si na chamada "comunháo dos santos". Se, pois, o
pecado redunda em detrimento para a comunidade dos irmáos

— 11 —
na fé, que constituem a Igreja, compreetide-se que a remissáo
outorgada por Deus passe pelo ministerio ou pelos ministros
da Igreja; sao estes que representam a comunháo dos santos
e o próprio Deus. E', por conseguinte, a éles que o pecador
arrependido deve procurar, a fim de professar o mal cometido
e esperar a remissáo que Deus se dignará fazer passar por
éles. Eis o motivo por que ñas circunstancias normáis (nao
falamos dos casos em que é impossível procurar o sacerdote)
nao há perdáo de pecado em caráter meramente particular,
mediante oracáo do pecador emitida diretamente ao Senhor.
Pretender isto seria desconhecer o plano de Deus, que determi-
nou santificar-nos e consumar-nos em solidariedade mutua,
numa comunháo fraterna, num grande Corpo Místico, que é
a Igreja.

Do que foi dito se segué que o cristáo nao coníessa oá seus


pecados ao sacerdote porque julgue que éste é isento de faltas
(tem-nas, como todo individuo humano); nem é da santidade do
ministro que ele espera receber absolvicáo. Nao; o sacerdote, ao
absolver, nada confere de seu; procede qual mero instrumento a
quem o Senhor gratuitamente conferiu o Espirito Santo para
descernir o estado de alma do penitente e proferir em nomede
discernir o estado de alma do penitente e proferir em nome de
mente habilitado pela Igreja, tenha a intengáo de fazer o que
Cristo faria, é realmente Cristo quem por ele absolve, indepien-
dentemente das virtudes ou dos defeitos do respectivo ministro. .

Estas nocóes também concorrem para evidenciar que a con-


fissáo sacramental nao se pode confundir com psicoterapia reli-i
giosa; verdade é que entre os seus efeitos pode estar o alivio de
ánimo do penitente, alivio proporcionado pelo "desabafo" da
consciéncia, pelos conselhos dados por um confessor com-
preensivo, douto, virtuoso, etc. Contudo, mesmo que falte ao
sacerdote um tino psicológico esmerado (qualidade certamente
preciosa), o seu ministerio é válido e a confissáo do pecador
frutuosa, em virtude da absolvicáo sacramental, porque o en
contró do penitente com o sacerdote se verifica num plano so
brenatural, em que Deus age ultrapassando as capacidades me
ramente humanas do seu ministro. — Por éste motivo, enten-
de-se que confissáo e direcáo espiritual possam ser separadas

— 12 —
urna da outra. A direcáo, que consiste em orientar os fiéis no
andamento geral de sua vida interior, nao pertence própria-
mente ao rito do sacramento; por isto a sua eficiencia nao é
garantida pelo poder transcendente das chaves, mas depende,
em grande parte; das aptidóes naturais, do cabedal de cultura
e principalmente do grau de uniáo com Deus que o diretor
possua. Donde se vé que, embora todo sacerdote aprovado pela
-Igreja possa ser confessor, nao qualquer um é apto diretor de
consciéncia; tal há de ser escolhido de acordó com o estado
de alma de cada um dos fiéis.

As verdades ácima nos fazem ver também que a atítwie de


quem se chega ao sacramento da confissáo, está longe de ser
urna atitude de auto-defesa, de reconhecimento "mercadeado"
das próprias faltas. Muito ao contrario, para usufrir em grau
máximo do perdáo que lhe é oferecido, o penitente procura
identificar-se, tanto quanto possível, com a Justina de Deus;
procura desfazer-se do seu egoísmo e transpor-se para o lado
do Senhor Santo, a fim de ver e apontar os seus defeitos como
Deus os vé e aponta. E', pois, em espirito de sinceridade que nao
sabe encobrir o mal, mas o denuncia para déle se separar,
que o cristáo se acusa no confessionário.

A confissáo de faltas a um representante de Deus, outro-


ra rejeitada por Lutero, tem sido mais e mais valorizada pelos
protestantes dos últimos decenios. Haja vista o VII Congresso
Evangélico Alemáo realizado em Francoforte de 8 a 12 de
Agosto de 1956: um dos relatores apresentou eloqüente disser-
tacáo sobre o valor da confissáo, da qual se pode destacar o
seguinte trecho:

"Pertence á esséncia do homem ser responsável. Nos, po-


rém, tendemos a nos desfazer da responsabilidade por expedien
tes cómodos. Se confessamos as nossas faltas a um irmáo, en-
táo, e sómente entáo, tcmamo-las a serio, trazemo-las á luz; elas
nos custam rubor e vergonha, somos obrigados a reconhecé-
-las e a reconhecer a nossa responsabilidade. Em tal caso, po-<
íém, o pecado deixa de ser agradável, como agradável é a.
culpa acariciada e oculta; torna-se amargo. Separamo-nos déle.

— 13 — '
O pecado, urna vez trazido á luz, perde muito do seu poder
gedutor. ' (
Nao diga alguém "Pequei" apenas. Nao te queiras entrin-.
cheirar atrás de táo generalizadas confissóes como: "Todos nos
somos pecadores". Tais sao muito frecuentemente meros subter
fugios mediante os quais o homem quer escapar a urna inter-
vengáo punitiva e santificante de Deus. Fala daquilo que come-i
teste pessoalmente. Faze, para isto, urna confissáo individual.
Esta ajuda o pecador a comegar de novo; a confissáo nao deve
concorrer para que o pecado continué a viver no individuo"
(Herder-Korrespondenz, Oktober 1956, XI I).

Como se vé, sao apenas razoes psicológicas ou psicoterá-


picas que c orador cita em favor da confissáo; nao considera
o seu aspecto sacramental, ou seja, a comunicacáo da graca
que se faz independentemente do que o confessor e o penitente
possam "sentir ou experimentar". Contudo já esta atitude re
presenta grande novidade, se se considera que é tomada pelo
representante de urna ideología que a principio rejeitou pe
rentoriamente a confissáo individual dos pecados.
Por ocasiáo do mesmo Congresso de Francoforte, foram
praticadas a confissáo auricular e a abertura de consciéncia"
em trinta lugares diferentes da cidade, as vézes até altas ho
ras da noite. Depois do Congresso, o pastor H. Schieber de
Stuttgart declarou aos seus fiéis que, a partir do dia 23 ds^Se-*.
tembro seguinte, na "Paul-Gerhardt Kirche", teriam diaria
mente a oportunidade de se confessar entre 7,30 e 8,30 horas,
antes do Oficio religioso.
Tais fatos, inspirados pela sinceridade de pessoas que real
mente procuram a Deus, indiretamente atestam que a confis
sáo auricular nao é instituigáo de homens prepotentes, mas é
praxe espontánea á natureza humana, praxe que, além de con
ferir beneficios de ordem psicológica, foi elevada por Jesús
Cristo á dignidade de sacramento ou canal pelo qual Deus nos
vem ao encontró.

M. A. F. (Caxias):

4) "A Igreja Católica nao terá alterado os mandamentos


!
— 14 —
da Lei de Deus consignados em Éxodo 20, 1-17? Parece ter omi
tido o segundo e dividido o décimo".
Em vista de toda a clareza possível, coloquemo-nos ante
os olhos o mencionado texto de Éx 20,1-17:
20, 1 "Entáo falou Deus todas estas palavras, dizendo: ■
2 Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da térra do
Fpito, da casa da servidáo.
3 Nao terás outros deuses diante de mim.
4 Nao farás para ti imagem de escultura, nem alguma se-
melhan§a do que há em cima nos céus, nem em baixo na tér
ra, nem ñas aguas debaixo da térra.
5 Nao te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o
Senhor teu Deus, sou Deus zelcso, que visito a maldade dos
país nos filhos até a terceira e quarta geragáo daqueles que
me aborrecem.
6 E fago misericordia em milhares, aos que me amam e
¿uardam os meus mandamentos.
7 Nao tomarás o nome do Senhor teu Deus em váo; por
que o Senhor nao terá por inocente o que tomar o seu nome em
váo.
8 Lembra-te do dia do sábado, para o santificar.
9 Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra.
10 Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus;
nao farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua fi-
iha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem :■.
o estrangeiro que está dentro das tuas portas;
11 Porque em seis dias fez o Senhor os céus e a térra,
o mar e tudo que neles há, e no sétimo dia descansou; por
tante aben§oou o Senhor o dia do sábado e o santificou.
12 Honra o teu pai e a tua máe, para que se prolonguem os
teus dias na térra que o Senhor teu Déus te dá. ;
13-Nao matarás. , , .'
14 Nao adulterarás. . "l\¿
15 Nao furtarás. ''i
16 Nao dirás falso testemunho do teu próximo. ■ •'■
17 Nao cobigarás a casa do teu próximo. Nao cobijarás á ^
mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem f^
o seu boi .nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu pró
ximo".
Que dez sejam os mandamentos ácima enunciados, é um
íato de que nem judeus nem cristáos jamáis duvidaram, pois a
S. Escritura mesma ensina que dez foram os preceitos dados
por Deus ao homem; cf. Éx 34,28; Dt 4,13; 10,4.
Todavia, como se depreende do texto, a S. Escritura nao
numera os mandamentos ao enunciá-los. Por isto, desde os-an-
tigos tempos judeus e cristáos propuseram diversos modos
de os distinguir e numerar.

1) A primeira tentativa escrita de distinguir os dez man*


damentos deve-se a Pilón (t ca. 40 d.C), judeu de Alexandria,
i; Flávio José, historiador judaico contemporáneo seu. Conforme
estes autoras, o primeiro mandamento inculca o culto de um só
Deus, o monoteísmo, abrangendo os versos 20,2-3; o segundo
preceito proibe a idolatría (20,4-6); o terceiro manda honrar
o nome de Senhor (20,7); o quarto preceitua a observancia
do dia do Senhor (20,8-11); os seis restantes tém por objeto
as relacóes do homem com seu próximo, de tal modo que o
nono proibe a mentira (20,16) e o décimo, a cobica da casa,
da esposa, dos servos. animáis e demais bens do próximo (20,17).

Esta divisáo foi aceita por escritores cristáos antigos, como


Orígenes, Tertuliano, S. Gregorio Nazianzeno, Cassiano. Tam-
bém os luteranos, calvinistas e anglicanos a adotaram. ""*'*" -
2) Tal divisáo, porérn, nao prevaleceu entre os judeus. Os
escritos chamados "Targumim", que referem a exegese dos ra
binos, mais autoritativa que a de Filón e fruto de antiqüssimo
ensinamento, propóem como primeiro preceito o texto de Éx
20,2: seria o mandamento de prestar culto ao verdadeiro Deus;
o segundo preceito proibiria o culto de falsos deuses e de
ídolos (20,3-6); o terceiro mandaría honrar o nome de Deus
(20,7) e o décimo proibiria a cobica de qualquer bem alheio
(20,17). E' esta a divisáo geralmente aceita pelos judeus até hoje.
3) A terceira divisáo deve-se a Santo Agostinho (t 430),
um dos maiores doutores do Cristianismo. Agostinho (Quaest.
LXXI in Exod. ed. Migne 34,620s) julgava que os preceitos de
prestar culto ao verdadeiro Deus e de nao adorar deuses fal-
sos e ídolo'; nao sao, em verdade, senáo um só mandamento for*
mulado positiva e negativamente; por isto estendia o primeiro
mandamento do verso 2 ao verso 6 (de fato, prestar culto ao
verdadeiro Deus exclui o culto de outros deuses). No verso
17. porém, Agostinho via dois preceitos distintos: o nono e o
décimo. Já isto lhe parecia insinuado pela repeti§áo da mesma
fórmula no v. 17: "Nao cobigarás...". Ora a fórmula enunciada"
duas vézes coibe duas paixóes do homem: a paixáo sexual, que
cobiga a mulher do próximo, e a paixáo de pcssuir, que cobica oa
outros bens do próximo; por isso Santo Agostinho via nessas
duas fórmulas dois mandamentos distintos (o fato de estarem
hoje estes dois mandamentos dentro de um só verso nada sig
nifica, pois sabemos que a atual divisáo da Biblia em capítulos
e versos, longe de ser original, só foi introduzida no século 13
por Estéváo Langton, arcebispo de Cantuária). — A divisáo as-»
sim ensinada por S. Agostinho já fóra proposta no séc. 2.° por
Teófilo de Antioquia e, provávelmente, Clemente de Alexan-
dria. Tornou-se comum entre os escritores cristáos da Idade
Media.

Ora a Igreja adotou no seu Catecismo, editado no século 16,


a divisáo sancionada pela autoridade de S. Agcstinho e dos
grandes doutores medievais. Adotou-a, porque dentre as tres-
divisóes que, como vimos, os exegetas haviam proposto, ne-
nhuma er.i de autoridade divina (ensinada pela própria S. Es^
critura); todas as tres se baseavam sobre razóes suficientes,
nao, porero, decisivas; a divisáo de S. Agostinho era a que se
apresentava mais lógica, mais plausível. — Fazsndo isto, teria
a Igreja alterado a Escritura Sagrada? Deveremos responder
que a Igreja a "alterou" tanto quanto os protestantes a "alte-
ram" quando inculcam a sua divisáo. A divisáo dos Protestan
tes nao tem mais autoridade do que a de S. Agostinho e do
Catecismo Católico, pois também ela nao é ensinada tal qual
pela S. Escritura, nem é a dos rabinos antigos nem a dos jm
deus atuais (doutro lado, quá0 grande autoridade Lutero e os
antigos protestantes atribuiam a S. Agostinho!).

Em conclusáo: quer se distingam os preceitcs como Filón


de Alexandria, quer como os Rabinos, quer como S. Agosti

— 17 —
nho, o que deve importar a todos, católicos e protestantes, é
que se ponha em prática tudo que o texto sagrado de Éx 20.1-17
pteceitua. Sabemos com certeza que Deus quer que o homem
adore o seu Criador e sómente a Éste, nao ccbice nem a mulher
do próximo nem os bens alheios. Que ele o faca porque tal é
o mandamento primeiro, segundo, nono ou décimo, isto impor
ta pouco aos olhos do Senhor; faga-o porque é mandamento di
vino; o Pai do céu já se contenta com isto. — E principalmente
que ninguém condene o próximo sem conhecimento de causa!
E' esta a lei da caridade, o primeiro e máximo preceito do
Cristianismo.

5) "Como se justificam as imagens ñas igrejas, apesar da


proibicao enunciada em Éxodo 20, 4-5?"

O Senhor vedou aos israelitas a confeccáo de imagens,


tátuas, etc., visto que na antigüidade pré-cristá fácilmente se
atribuía a ésses artefatos um caráter religioso; eram conside
rados pelos pagaos como símbolos em que a Divindade estava
presente, ou como a Divindade mesma. Dada essa ideologia
dos povos vizinhos de Israel, o uso de imagens acarretava pe
rigo para a fé monoteísta dos hebreus, que as poderiam ter
na mesma conta em que as tinham os idólatras (coisa que de
fato se dava quando os israelitas transgrediam o preceito do
Éxodo; cf. 4 Rs 18,4; Ez 8,3-18). Justamente para evitar a cpjw
feccáo de imagens, o Senhor nao tomava forma nem figura
quando falava a Israel; apenas fazia notar a sua presen§a por
meio de raios, trovóes, ventos, etc. Destarte subtraia ao seu
povo qualquer ponto de apóio para fabricar alguma represen-
tacáo de Deus; o próprio Javé se dignou revelar o motivo da
proibicáo no texto de Dt 4,15s, paralelo a Éx 20,4s:

"Estai atentos; já que nao vistes forma nenhuma no dia


em que Javé no Horebe vos falou. em meio ao fogo, nao
prevariquéis • e nao facais imagem esculpida a representar o
que quer que seja".

Em resumo, a proibicáo no Antigo Testamento era con


dicionada: 1) pelo perigo de idolatria que continuamente amea-
gava Israel; 2) pelo fato, correlativo ao anterior, de que o Se-

— 18 —
nhor Deus nunca se manifestava com alguma forma ou figura '■•'■:*
que pudesse ser reproduzida. ' j
"5"

Nao obstante, em certos casos, tomadas as cautelas contra - |


o perigo de idolatría, o Senhor nao sómente permitiu, mas ¡j
até mandou, se confeccionassem imagens sagradas, a fim de- . .<
eievar a piedade de Israel. Foi, por exemplo, o que se deu na . -|
fabricagáo da Arca da Alianga: por ordem explícita de Javé, •'■',;■*
Moisés colocou dois querubins de ouro sobre o Propiciatorio da .Wjj
Arca, tendo as asas voltadas para o alto e as faces dirigidas para >-|
a placa sagrada de metal; era pelo Propiciatorio assim configura- y"|
do que Javé falava ao sea povo (cf. Éx 25,17-22); em vista a^
disto, a Biblia costuma dizer que "Javé está assentado sobre %s
os querubins" (cf. 1 Sam 4,4; 2 Sam 6,2; 4 Rs 19,15; SI 79,2; 98,1). ■'.->!
No Templo construido por Salomáo, diz ainda o texto sagra- <g|
do que foram confeccionados querubins de madeira preciosa-.4|
para ficar junto á Arca da Alianga (cf. 3 Rs 6,23-28); e mais:" l^
as paredes do Templo foram todas revestidas de imagens dé;>?f
querubins (cf. 3 Rs 6,29s). Tais obras se fizeram, sem dúvida, ^1
com a ordem ou a aprovacáo do próprio Deus (cf. 1 Crón ^||
22,8-13), que, já no deserto, "comunicara a Beseleel o seu e3-,':;¿|
pírito — espirito de sabedoria, inteligencia e ciencia — pafa-1^
realizar toda especie de obras, para conceber e executar pro-'¿¿3$
jetos de obras em ouro, prata e bronze... assim como para ta- ;¿?j§
Ihar a madeira" (cf. Éx 31,1-5). Vé-se assim com que apreco>;^|í
Deus considerava as esculturas de seu Templo, já mesmo no re-r .4ÜÍ
gime do Antigo Testamento.

Passaram-se, porém, os séculos... O mesmo Senhor que


mántivera invisível, quis tomar corpo humano e viver na térra;-í|
quis assim dirigir-se aos homens mediante urna figura (a do|f
Cristo Jesús) que, sem dúvida, devia ser bem impressionanté.^|
Em conséqüéncia, as geragóes cristas compreenderam que,
gundo o método da pedagogía divina, mais do que nunca atuaíj|f¡
lizado na Encarnagáo, deveriam procurar subir ao Invisí
passando pelo visível que Cristo nos apresentou; a meditagao i
fases da vida de Jesús e a representagáo artística das mesmas.iS
se tornaram recursos com que o povo fiel procurou aproximar^
-se do Filho de Deus; a reprodugáo em tela ou escultura

— 19 —
episodios da historia sagrada ficou sendo o "catecismo dos ile
trados", como diziam escritores antigos. E a bom direito; por
que nao aproveitar da aprendizagem pelos olhos depois que
o próprio Deus se dignou, pela Encarnagáo, oferecer tantas ce
nas á nossa contemplacáo? Nem há que temer o perigo da
idolatría ou do politeísmo: o mundo cristáo nao costuma ser
tentado por éste erro, como tentado era o povo de Israel.

Na base, pci?, destas considerares, os cristáos perceberam


que o preceito de nao fazer imagens no Antigo Testamento tinha
o papej de pedagogo (condutor de crianca, destinado a cessar
um dia a sua funcáo) que a Lei de Moisés tinha em geral junto
ao povo de Israel. Foi o que se afirmou solenemente no século
8.°, quando surgiu explícitamente a dúvidá sobre a liceidade
de expor imagens nos templos; a tendencia iconoclasta nao
prevaleceu. !

Como se entende, as autoridades eclesiásticas tém exercido


controle sobre os tipos de imagens utilizadas no culto cristáo;
nunca poderáo ser inspiradas únicamente pelo esteticismo ou
pela devecáo popular exuberante, fantasista. Assim é que o
Papa Urbano VIII em 1629 condencu a representado da San-
tíssima Trindade sob a forma de um tronco humano com tres
cabecas (monstruosidade!); em 1745 Bento XIV rejeitou a cena
de tres pessoas humanas sentadas urna ao lado da outra para
significar ? Trindade Divina. Urna das principáis razóes déS«
sas reprovacóes é que o Espirito Santo nunca apareceu sob forma
humana; a Igreja quer que a arte crista, para representar as
Pessoas Divinas, só reproduza elementos mediante os quais
estas aparecem na historia sagrada ou na Biblia: assim ao Fi-
lho será de todo oportuno atribuir figura humana; ao Espirito
Santo so convém os símbolos da pomba (tenha-se em vista o
batismo do Jesús, em Mt 3,16) ou das línguas de fogo (cf. a
narrativa de Pentecostés, em At 2,3); quanto ao Pai Eterno, é
representado por um Dedo ou u'a Mao, sinais de agáo e po
der (ncte-se a expressáo de Jesús em Le 11,20: "Se é pelo Dedo
de Deus que expulso os demonios...") ou pelo tipo de um An-
ciáo, conscante a profecía de Dan 7,9, que vé o Filho do ho-
mem adiantando-se em diregáo de venerável e antigo Varáo
de cabeleira branca, sentado sobre um trono.

— 20 —
Claro está que as imagens nao sao objeto de adoragáo por
parte dos católicos. Esta forma de culto (que consiste em reco-
nhecer a soberania absoluta do ser cuitado) convérn a Deus
só: nunca poderá ser compartilhada nem com a Virgem Máe
de Deus, nem com algum santo, muito menos ainda com figuras
inanimadas. Estas sao apenas sinais que, impressionando a nos-»
sa sensibilidade, devem estimular o espirito para aderir mais
plenamente ao Bem Invisível que é Deus, ou para se dirigir
a um amigo de Deus já existente na gloria, um Santo.

E para que (pergunta-se com particular insistencia) ha-


vemos de elevar o nosso pensamento aos Santos?
Certamente nao para os adorar, mas primeiramente para
loiivar e glorificar o Todc-Poderoso por motivo da obra gran
diosa que Ele realizou em seus Santos (os Santos sao maní*
festacóes do Senhor, que só nos querem encaminhar para o
Senhor); em segundo lugar, para pedir a ésses Santos que,
na qualidade de eleitos de Deus, queiram interceder por nos,
que ainda corremos perigo; o Santo nada pode conceder por
si mesmo; pode, porém, por suas preces ajudar-nos a obter
do único Doador as gracas de que necessitamos.
Ainda vém a propósito neste assunto as Atas do VIII
Congresso Evangélico de Arte Sacra realizado em Karlsruhe
(Alemanhs) no ano de 1956. Duas teses bem distintas se de-
frontaram nos debates:

a) os Reformados (Calvinistas) defendiam a opiniáo, tra


dicional entre os Protestantes, de que as imagens sao contra
rias á Escritura Sagrada e acarretam o perigo de idolatría;
b) os Luteranos, porém, replicaram que o preceito de
Cristo mandando aos discípulos pregar o Evangelho em todas
as línguas, incluí também 0 uso da linguagem figurada do ar
tista (pintor ou escultor). Lembravam que a Biblia se serviu de
imagens, palavras de sentido metafórico, para exprimir ver
dades divinas; Cristo mesmo falou em metáforas variadas, de
sorte que o pintor protestante Rembrandt nao hesitou em
pintar cenas dos Santos Evangelhos. Acrescentavam os Lutera
nos que quem, com Lutero, reconhece na música o veículo apto
da fé e do amor dos cristáos, nao pode deixar de reconhecer

— 21 —
também ñas representagóes óticas aptíssimo instrumento para
exprimir a verdade revelada. Porque admitir, de um lado,
as impressóes auditivas na catequese e no culto e, de outro lado,
rejeitar as impressóes visuais? Estas parecem ainda mais efi
cientes do que aquelas (documentagáo colhida no semana
rio "Der christliche Sonntag", Herder, 14 Oktober 1956, 327).

Assim é que a antiga cláusula de Éx 20, 4s dada ao povo


de Deus ainda muito rude, vai sendo, entre os próprios Protes
tantes, mais e mais interpretada á luz do conjunto da Revela-
qáo, que é toda irradiada pela Encarnacáo do Filho de Deus.

JOLIDE (Petrópolis, R. J.):

6) "Sabia o demonio, antes da PaixSo e da Morte de Jesús


Cristo, que Ele era Deus? No caso negativo, atualmente sabe que
Jesús é Deus?"

Antes da Paixáo, logo no limiar da vida pública de Jesús,


o demonio O quis tentar por tres vézes, como referem os Evan
gelistas (Mt 4,1-11; Le 4,1-13; Me 1,13). Tal fato é claro indicio
di; que o Maligno ignorava ser contendente o próprio Deus.
Essa ignorancia manteve-se até o fim da vida pública de Cristo,
pois S. Paulo insinúa que, se os demonios tivessem conhecido o
plano misterioso de Deus, "nunca teriam crucificado o •Séhhor
da gloria" (1 Cor 2,8).

Satanaz, porém, suspeitava que Jesús fósse um varáo extra


ordinario, escolhido por Deus para ser Profeta ou talvez mesmo
o Messias aguardado — o Messias que, conforme a opiniáo mais
cerrente em Israel, nao seria Deus em sentido próprio, mas
poderia chamar-se "Filho de Deus" por sercriatura muito unida
á Divindade. Foi, portanto, para certificar-se da missáo mes-
siánica (nao própriamente para certificar-se da Divindade) de
Jesús e pó-la á prova que o demonio lhe fez as sugestóes ten
tadoras, usando da fórmula: "Se és o Filho de Deus..." (ver
Mt 4,36); note-se que a terceira sugestáo, a qual prometia a
Jesús a posse de todos os reinos déste mundo (cf. Mt 4,8s),
correspondía claramente ao conceito de Messias mais propa-

— 22 —
lado entre os judeus: Messias político, que libertaria Israel do '
jugo dos romanos e instauraría a hegemonía internacional
de sua nacáo.

Conforme Me 1,24, o demonio confessava que Jesús era o


"Santo de Deus". Éste título, segundo a sua etimología, signi-
ficava "o homem pósto á parte e consagrado ao servico de
Deus"; embora nao fpsse designacáo habitual do Messias, bem
podía significar o Salvador (cf. a confissao de Pedro em Jo 6,69:
"o Santo de Deus"). O demonio teria entao reconhecido em
Jesús o Messias como o concebiam os judeus: criatura emi- 5
nente, nao o próprio Deus Encarnado. Sao Lucas confirma
esta conclusáo, quando narra: "Os demonios saíam de muitos /
(possessos), clamando e dizendo: "Tu és o Filho de Deus!"; Ele,
porém, preceituando-lhes com poder, nao os deixava falar, "
porque sabiam que era o Cristo (=palavra grega correspon- r
dente ao hebraico "Messias")" (Le 4,41; cf. Me 1,34).
O fato de Jeius nao permitir, no inicio da sua vida pública, .:
que os maus espíritos O proclamassem "Messias" Se explica em
vista da concepcáo errónea que os fariseus nutriam a respeito
do Messias; esperando um rei que sacudisse o dominio estran-
geiro, poderiam ter feito de Jesús um chefe de revolucao na* ;
cionalista, fechando-se assim por completo ao genuino sentido ,
do Evangelho. Só aos poucos foi Cristo revelando o significado '
da sua missáo; o pensamento do Senhor ficou bem claro, pois
foi precisamente por se ter declarado Messias num sentido
transcendente que Ele sofreu a morte (cf. Me 14,61-64; Mt '
24,63-65; Le 22,67-71). ,.y
Quanto aos tempos atuais, ensinam es teólogos que o demó- ;
nio nao sabe que Jesús é Deus no sentido estrito; nao conhece o I1
misterio do Verbo Encarnado. Contudo percebe e analisa, ainda
com mais acuidade do que os homens, os indicios de que a obra '
de Cristo e a historia da Igreja sao algo de Divino. Coagido pela ;
evidencia, ele reconhece algo do plano de Deus no mundo; éstd
reconhecimento, perém, nada tem de sobrenatural: "os demonios
créem, e estremecem", diz Sao Tiago (2,19). ■;

Satanaz tem consciéncia, entre outras coisas, de que a morte


e a glorificacio de Cristo lhe váo progressivamente arreba-r ~
tando as almas; seu dominio vai sendo debelado ñas regióes .

— 23 — . '-
e nos povos em que ele cutrora, pela idolatría e os falsos cultos,, /
teinava incontestado. Suspeita que seu poder terá fim; por isto,"
estremece (como diz o Apostólo) e se atira sobre as almas com'.
furor cada vez mais requintado, sabendo que é preciso áprcw'V
veitar toda e qualquer oportunidade (cf. Apc 12,17). Vas, po-.'
rém, ficam as suas invectivas contra aqueles que se firmahvno;.
Rochedo que é o Cristo (cf. 1 Cor 10,4); o demonio é como'pv
cao acorrentado que ladra, mas só pode morder a quem, por1, '
ñrciativa própria, déle se aproxime (S. Agostinho)! . . '

III. QUESTAO JURÍDICA

PEDRO II (Rio de Janeiro):

7) "Porque é que os padres nao se casam?"

Será oportuno, antes do mais, reconstituir brevemente a


histórico da questao.

Na era apostólica, Sao Paulo recomendava que o bispc fós- "


se "marido de urna só esposa" (1 Tim 3,3; Tit 1,6). Com isto;
certamente nao quería afirmar que todo bispo tinhá a obrir
gacáo de ser casado, pois nesta hipótese contradiria á palavra
do Senhor, que reconhece e preza "aqueles que se castraram
(se conservaram virgens) por causa do reino dos céús" (^lt
19,12); contradiria também a si mesmo, visto que Paulo deslava
aos fiéis "fóssem todos como ele mesmo era" (1 Cor 7,7), isto é, '
celibatários, a fim de se entregarem sem divisáo ao servico do
Senhor (cf. 1 Cor 7,32-34). Na verdade, o Apostólo quería in
culcar que. no século 1.° da nossa era, quando as comunidades
cristas constavam de muitos adultos e casados recém-conver-
tidos, nao se escólhesse para c episcopado algum varáo casado
em segundas nupcias (bigamo em sentido lato); estas, com efei-
to, eram geralmente desaconselhadas (nao, porém, condenadas)
pela antiga Igreja, por parecerem urna expressáo de inconti
nencia. ,-,<

Houve, pois, nos tempos iniciáis do Cristianismo, bispos, sa


cerdotes e diáconos legítimamente casados; nenhuma lei lhés
proibia o uso do matrimonio. ,.

' • . ' '-'-5.


— 24— ••,."■•• .k
Mais freqüentes, porém, desde os primordios eram os clé
rigos que espontáneamente abragavam o celibato. A razáo disto'
era o conselho do Senhor que exortava á continencia ("quem
.o,pode.entendertentenda"; Mt 19,12); eram também es dizerés
dé S. Pauxo, que, sem derrogar á santidade do matrimonio,
afirmava ser a virgindade um estado superior, estado no qual se
pode servir ao Senhor sem solicitude supérflua (cf. 1 Cor
7,32-34).

No século 4.° esta praxe espontánea comegou a ser sanciona


da por leis de concilios regionais que visavam assegurar aos
eclesiásticos os beneficios do celibato. Diversas, porém, foram as
prescricóeá promulgadas no Oriente e no Ocidente.

Nc Oriente a legislagáo chegou ao seu termo definitivo em


692 (Concilio Trulano II ou Quinissexto); foi entáo proibido aos
sacerdotes, diáconos e sübdiáeonos contrair matrimonio após re-
ceberem a respectiva ordem sacra; caso, porém um leigo ca-<
sado desejasse ordenar-se, as nupcias anteriormente contraí
das nao lhc seriam empecilho, nem se exigiría que, áeppis de
ordenado, deixásse de viver maritalmente com a esposa; apenas
sé lhe pedia que se abstivesse do consorcio conjugal quan-
do estivesse para celebrar as fungóes do altar (que nao eram
cotidianas); ao sacerdote viúvo ficaria vedado casar-se em
segundas nupcias. Quanto aos bispos, o Concilio lhes prescrevia
continencia absoluta, de sorte que, sé um futuro bispo esti-*
vesse casado, a esposa, depois de sua sagragáo, deveria recolher-
-se a.um mosteiro distante, ficando o marido obrigado apenas
a prover as despesas de sua subsistencia. Sao estas as deter-
minagóes ainda hoje vigentes entre os cristáos orientáis, quer
cismáticos (com poucas excegóes), quer unidos a Roma; o Di-?
reito Canónico nao lhes impóe o celibato, que nunca foi obriga-
tório na tradigáo oriental. Em vista da cláusula um pouco-mais
rigorosa imposta aos bispos, estes no Oriente sao de preferencia
ñomeados dentre os monges, que por profissáo abragam a
castidade perfeita.

No Ocidente, o primeiro decreto restritivo se deve ao Con


cilio de Elvira (Espanha) reunido por volta do ano,de 300: proi^,
bia aos bispos, sacerdotes e diáconos, sob pena de degradagao, ól

,_-25 —
'".., uso do matrimonio e o desejo de ter prole (can.
'/términagáo, qué a principio só visava a Espanha, em menos :d
, f um século estava em vigor (as vézes sob forma de con:
!' rías) em todo o Ocidente. A fórmula definitiva de tal
. ' foi promulgada pelo 1.° Concilio ecuménico do Latrao em 1123:
■'." todos os clérigos, a partir do sudiaconato, foi prescrito, deVjn¡
neira perentoria o celibato; em conseqüéncia, o matrimonió coi
.; traído por um eclesiástico depois da respectiva ordenagáperí
declarado inválido. O Concilio de Trento promulgou de noyí ^, ^
tal lei no século 16, época em que os Imperadores Ferdiñando;I ^.'^
(1556-64)- é Maximiliano II (1564-76) da Alemanha exerciani^¿|
''... pressáo sobre o Papa Pió IV (1559-65) a fim de obterem ó .fca-ív-^
samento dos sacerdotes de seu reinó, ameagados pela rebord
r:'-: iuterana. Sucessivas determinagóes da autoridade da Igreja 1
í". corroborado freqüentemente até nossos dias a obrigágap do
libato clerical. No inicio do século 20, violenta campanha sé
sencadeou contra essa praxe; na Tcheco-Slováquia,
' pío, varios sacerdotes, reivindicando o direito de sé c¡
• ram á lednota, associagáo de tendencias cismáticas, á qual b
^ Bento XV resistiu enérgicamente,^ declarando numa á
•'.•'consistorial de 16 de dezembro de 1920: "Veneráveis -.,_
•■■; -'o que, varias vézes já afirmamos ocasionalmente, Nos agora ó ;£
; atestamos solene e categóricamente: nunca esta Sé Apostólica >-
v' atenuará cu mitigará essa lei profundamente santa e salutar- v-
do celibato eclesiástico; muito menos ainda a abolirá"-^Acla. ~-
Apostolicae Sedis XII [1920] 585). Na Franga, Paul-Louis Sf
Couchoud, que se dizia historiador das religióes, chegoüa pu-- .-j
r. blicar um pseudo-decreto de Leáo XIII que abolía a'discipliv ^
na do celibato para o clero da América Latina; o documento,- 7 '*¡
foi formalmente comprovado falso. Maniendo táo rij amenté >,^,
• a tradigáo, a Igreja visa proporcionar sos seus ministros absoluta w-
Hberdade para se dedicarem ao próximo e desenvolverem fru-- ^i
tUOSO apostolado. ' .;;■.'■■.-;",--;.í;>s.;"¿$4
'■%?...' ' Eis, porém, que muito chamou a atengáó¡pública urna-dis^|?|
^ pensa recém-concedida neste setor por S. .'$antidade or{Papá^!^
. Pió XII. Tratava-se do pastor protestante Rodolf Goether dés^ jS^i
cendente do poeta Wolfgang Goethe, que, casado é sem.filhos^VipI
?■':-..- se converteu ao catolicismo na idade de 69 anos. Por coneessáó .;jj£

26 - -
■;.; do Santo Padre, o bispo de Mogúncia, aos 22 de Dezembrq_ d¿~§
1951, o ordenou sacerdote, ficando o mesmo autorizado a viver»
em matrimonio ccm sua esposa; o néo-sacerdote nao será t
tinado ao ministerio paroquial, mas ao servigo de chancelaria^
~~"<io bispado"e~á~eura espiritual de outros convertidos. No mesmo?í
'día 22 de Dezembro de 1951, o semanario católico inglés Tablet^
(pág. 470) lembrava que anteriormente já se haviam verificado^
duas outra? ordenagóes de pastores protestantes casados <
convertidos, dos quais um, com a idade de 40 anos, éra'pai d«
alguns filhos_Uo.,Seminário-4&'Mogúncia, quando. o
Goethe era ordenado, preparava-sé para o presbiterado ou
ex-pastor casado. '

Estes fatos representam, sem dúvida, grande novidads \


práxe da Igreja latina, novidade talvez sem precedentes. HaX|<
quem, a propósito, aponte o episodio seguinte: numa carta ao reí :^í|
FiHpe ÍI da Espanha (1556-98), datada de 20 de Abril de 1565,' '
o Cardeal Pacheco, Embaixador da Espanha em Roma, refería,
que seu colega D'Arco, Embaixador de Maximiliano II da Ale4r£|||
j mañha, lhe afirmara que os legados do Papa Paulo III na Ale-<3>t?|J
L manha, sob o Imperador Carlos V (1519-56), tinham dispen-v ^
' sado do celibato dezoito sacerdotes. Como se vé, a noticia é com-< !^S
plicada e passou por diversos intermediarios; julga-se bem pro- :; '£fc
vável que o Embaixador D'Arco tenha aludido simplesmente aos ";?¿$
poderes concedidos pelo Papa Paulo III aos seus legados em ¡'^B
1548 para ieconciliarem sacerdotes casados, com a cláusula de se ':'■'$<i
absterem do ministerio sacerdotal. . ;:|?

Está, sem dúvida, no poder da Igreja desligar do celibato* v;,|


os clérigos ocidentais, para que vivam á semelhanga dos orien-» ^ ~f
tais; trata-se de qúestáo meramente disciplinar, nao de lei (J5
divina nem de dogma. A razáo por que o "Santo Padre assim . :|
procedeu no caso do pastor Goethe era exposta nos seguintes . j|
termos pelo Superior do Seminario de Mogúncia, Monsenhor . íí
Reuss: . ,,t§

"Nao ha dúvida, antigos pastores protestantes, á custa de 'Csí


penosos sacrificios convertidos ao catolicismo com sua' familia; ;_|í
sao particularmente aptos a servir pela oragao e pelo trabalho a^.%

-27- . '■:íM
psimagna causa da reuniáo de todos os cristaos na única Igreja dé
|i§Jesus. Cristo. Ordenados sacerdotes, éles se tornam colabórado-
H|res valiosíssimos na conquista déste grande objetivo da Igreja
slüniversal" (texto publicado na revista "Etudes" 227, 6 pág. 255).
O motivo da dispensa era, pois, o apostolado. Cóm efeito,
•:§' tém-se delineado na Alemanha protestante de ápós-guerra.uma:;
|pvvolta notável de atencáo para Roma. O fenómeno se explica por.
|£? diversos fatores: a perseguigáo movida pelo nazismo aós cristaos
|Jv em geral, 0 deslocamento de popúlacóes que passam a viver ém
)¿|. "diáspora", as díficuldades que os luteranos encontrara para se
C*-constituir jurídicamente. Em tal situacáo entende-se que a Igreja
Católica lance máo de recursos ndvos para corresponder ásex-í
pectátivas dos irmáos separados. Enquanto éste ou outro motivo
líí?V grave o postular, o celibato eclesiástico pederá, ser esporádicas
|f<v mente dispensado. E' inégável, porém, o grande interésse que
É|;í; ■ tem a cristandade inteira em se conservar a legislagáo vjgentej,
%£$; os beneficios que elá de fato acarreta, sao muito mais ponderosos
|f§C do que as razóes que se -possam apresentar em contrario. O
^| sacerdote tém que viver como homem de Deus, totalmente de-
M%-votado aos interésses das almas. . . :

D. Estéváo Bettencourt — O. S. B.

■ —4'■■ ■
r*4;

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
f'Hv JJ^'"-'"'')'
ÁDMINÍSTRAgAO
Caixa Postal 2666 R. ReatGrandéza, 108—Botáfógo"
í Rio de Janeiro TeL: -86-1822 — Rio de Janeiro
fe
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

REDADO ADMINISTRADO
Caixa Postal 2666 R- Real Grandeza, 108-Botefogo
Rio de Janeiro Tel. 26-1822 - Rio de Janeiro

S-ar putea să vă placă și