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José Ponte
(Fevereiro de 2009)
A questão da qualidade
Não existem de facto estudos comparativos nem existe acordo sobre o que é
“qualidade” nos médicos recém-formados em Portugal. A melhor aproximação
de que dispomos para ajuizar da qualidade, consiste nos pareceres emitidos
pela Comissão Internacional, nomeada pelo MCTES em 1998, sobre os
cursos de medicina em Portugal, a qual também se pronunciou sobre o
projecto da UAlg a 21 de Julho de 2007. E o parecer é inequívoco:
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realidade, exceptuando o teste de admissão às especialidades não haverá na
carreira dos futuros especialistas mais nenhum teste objectivo à sua
competência como profissional, uniformemente aplicado e fiável que possa
servir de termo de comparação entre os formados na UAlg e os formados nas
outras universidades. Mesmo o exame para o título de especialista ao terminar
o período de formação especializada pós-graduada, dificilmente pode servir
de ferramenta de comparação porque a taxa de aprovação nesses exames é
quase 100%.
A questão da inovação
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tecnologia dos últimos 50 anos. Com (1) a forma como os doentes se
apresentam com as suas queixas dada a informação disponível (p. ex. na
internet), (2) as técnicas de diagnóstico em consequência dos avanços da
imagiologia e da bioquímica clínica e (3) as técnicas de intervenção em
consequência dos avanços da farmacologia e das cirurgias minimamente
invasivas, a boa prática da medicina foi radicalmente alterada entre 1959 e
2009. Será que a formação médica básica terá acompanhado esta evolução
da medicina?
Faz portanto sentido fazer algumas perguntas: (1) será que o perfil desejável
no médico formado hoje é o mesmo que se desejava há 50 ou 100 anos? (2)
Será necessária alguma inovação na metodologia pedagógica para preparar
os novos médicos? (3) Será necessário um curso de 6 anos para atingir o
objectivo desejado? (4) Será necessária uma organização departamental das
escolas médicas, com “cadeiras” e “regências” em todos os ramos tradicionais
do conhecimento médico? (4) Será necessário separar a aprendizagem de
ciências “básicas” da aprendizagem clínica? (5) Além dos conhecimentos
teóricos, será necessário testar objectivamente os futuros médicos nas
capacidades e competências profissionais acima referidas? (6) Será desejável
alterar o sistema de admissões às escolas médicas em Portugal? (7) Será
desejável que todos os docentes e tutores das escolas médicas recebam
treino formal de como ensinar? (8) Será importante que todos os novos
médicos tenham tido experiência de trabalho em sistemas de saúde diversos?
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Ao embarcar neste projecto não houve desejo de “reinventar a roda”. O
General Medical Council1 do Reino Unido (GMC) publicou um documento que
define de forma completa e precisa o perfil desejável no médico, o
“Tomorrow’s Doctors” (“Os Médicos do Futuro”) , o qual se tornou numa
referência quase global. O GMC é a instituição responsável pela regulação da
profissão no Reino Unido que define os padrões da educação médica.
Produziu aquele documento em 1993, dirigido a todas as escolas médicas do
Reino Unido, contendo a importante recomendação que devia ser iniciada
uma reestruturação profunda do ensino da medicina. O aspecto fulcral desta
reforma consistia em modificar a estratégia pedagógica reduzindo
drasticamente o conteúdo factual, sobretudo nas ciências básicas, em favor
de uma aprendizagem mais prática, centrada no doente e não na doença. O
“Tomorrow’s Doctors” foi actualizado e ampliado em 2003, constituindo hoje o
documento base que inspira os currículos de todas as escolas médicas
Britânicas e não só.
1. As atitudes
2. Os conhecimentos e os conceitos
3. A capacidade de execução de manobras práticas
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Partimos do princípio que o sucesso de qualquer curso de medicina depende
criticamente das pessoas escolhidas para estudar e dos docentes escolhidos
para ensinar. Por “sucesso” entende-se o atingir dos objectivos de qualidade
dos futuros formados tal como definidos pelo GMC, não só em conhecimentos
teóricos mas também em todas as outras capacidades e competências que
acima mencionei.
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Todos os docentes e tutores que irão participar no curso de medicina da UAlg
serão sujeitos a um programa de treino centrado nos objectivos a atingir. A
gestão do currículo não será descentralizada e entregue em parcelas a
“regentes de cadeiras”, ficará sempre sob o controlo de uma pequena
Comissão Pedagógica, constituída por docentes experientes e totalmente
dedicados à gestão do curso, que elaborará um programa detalhado sobre
como atingir os objectivos educacionais em cada aspecto do currículo. Assim,
cada estudante e cada tutor possuirão à partida um plano de acção bem
definido o qual deverá ser acordado no início de cada bloco de estudo a fim
de não haver surpresas entre as duas partes.
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A aprendizagem das ciências básicas vai ocorrer como parte dos casos
clínicos em PBL, sendo integrada por sistemas funcionais e acompanhada por
seminários integrativos. Muita da aprendizagem das ciências básicas vai ser
facilitada por especialistas clínicos. Por exemplo, a aprendizagem da
anatomia, fisiologia e farmacologia do sistema digestivo será em grande parte
orientada por gastrenterologistas. A anatomia será ensinada primeiro através
de modelos, depois pela imagiologia, pela endoscopia, pela anatomia
patológica e finalmente através da presença dos alunos nas cirurgias e nas
autópsias.
Nos dois últimos anos do curso haverá uma transição duma proporção grande
da aprendizagem da medicina clínica dos centros de saúde para o contexto
hospitalar. Ambos os hospitais existentes na Região do Algarve, o Hospital
Central de Faro e o Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio participarão
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nesta fase da formação. Dentro destes dois hospitais já existem alguns
serviços com volume e qualidade adequados para a aprendizagem da
medicina clínica básica, tal como existem serviços acreditados para a
formação pós-graduada nas especialidades. A UAlg está a desenvolver um
esforço conjunto com as direcções dos hospitais e a ARS (Administração
Regional de Saúde), já com algum sucesso, para recrutar um número
significativo de clínicos com formação académica (doutorados) que além de
participar no ensino dos nossos estudantes também contribuirão
significativamente para os serviços clínicos. Este processo é naturalmente
mais lento do que o recrutamento de docentes das ciências básicas, mas
dispomos de dois anos adicionais até os estudantes que começarão em
Setembro de 2009 chegarem ao 3º ano. Entretanto, foi feito um acordo de
cooperação entre a UAlg e a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade
Nova de Lisboa, que visa cooperação no domínio científico e pedagógico mas
também temporariamente preencher possíveis lacunas que possam persistir
na execução do currículo clínico no curso da UAlg. Também foi feito um
acordo com a Associação para a Protecção dos Diabéticos de Portugal. Esta
instituição de prestígio internacional irá receber em Lisboa os estudantes da
UAlg no 3º e 4º anos para aprendizagem clínica neste ramo importante da
medicina, complementar àquela já recebida nos hospitais algarvios.
Cada estudante terá também um tutor individual, como mentor, que o seguirá
durante todo o curso e será o primeiro a intervir em caso de crise pessoal.
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Antecipamos que, dada a maturidade dos estudantes à entrada no curso,
dada a escolha cuidadosa de entre os candidatos e dado o acompanhamento
eficaz ao longo do curso, os “chumbos” sejam uma ocorrência rara.
Referências:
1. http://www.gmc-uk.org/education/undergraduate/undergraduate_qa.asp
http://www.gmc-uk.org/education/documents/Tomorrows_Doctors_1993.pdf
2. Kevin W Eva, Jack Rosenfeld, Harold I Reiter & Geoffrey R Norman. An admissions OSCE: the
multiple mini-interview. MEDICAL EDUCATION 2004; 38: 314–326
3. Harold I Reiter,1 Kevin W Eva,2 Jack Rosenfeld3 & Geoffrey R Norman. Multiple mini-interviews
predict clerkship and licensing examination performance. MEDICAL EDUCATION 2007; 41:
378–384
4. http://www.euract.org/
5. Lawson KA, Chew M, Weyden MB. The New Australian medical schools: daring to be different.
Medical Journal of Australia 2004; 181(11/12): 662-666