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Economista-chefe, CM Capital Markets. (tony.volpon@cmcapitalmarkets.com.br)
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Primeiro, temos o efeito-renda que a alta de demanda pelas nossas exportações
viabilizou nos setores a ela ligados. Esses setores têm custos por unidade
produzida relativamente fixos, gerando forte elasticidade da renda quando a
demanda aumenta.
Esse efeito, porém, gera um multiplicador que opera por dois canais. Primeiro,
obviamente, os setores exportadores aumentam seu consumo e investimento,
comprando mais de outros setores da economia. Mas, igualmente importante é o
efeito positivo que ocorre na arrecadação do setor publico. Boa parte da
capacidade do governo Lula de bancar o expressivo aumento de gastos
correntes e transferências de renda via Bolsa-Família e a política de aumento do
salário mínimo vem desse canal.
Outro efeito, agora sistêmico, seria a queda no risco pais, o qual diminui a
percepção de risco da economia como um todo. Com forte acúmulo de reservas
e, no caso brasileiro, uma estratégia de trocar endividamento externo por
interno, o Estado Brasileiro eventualmente tornou-se credor em moeda forte,
Essa queda de risco afeta toda a economia, já que qualquer cálculo de risco
para o setor privado começa, via composição de taxas, com o nível do risco
pais.
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Esses cinco canais de propagação e ampliação do choque externo positivo que
aconteceu concomitante ao inicio do governo Lula explicam o motivo da boa
performance da economia brasileira nesses ultimo anos. De fato, observando os
dados, podemos ver como cada mecanismo teve seu momento de maior
impacto. No inicio do governo (2003-2005), o efeito-renda e o multiplicador
tiveram maior impacto, sendo o período marcado por crescentes saldos
comercias positivos e, algo incomum para o Brasil, saldo positivo na conta
corrente. Depois disso, com o crescente acúmulo de reservas, vimos fortes
quedas no risco-país, expansão do mercado de crédito e do acelerador
financeiro, com a forte valorização da bolsa brasileira. Nesse momento, as
importações começam a crescer mais do que a exportação, devido ao
crescimento da absorção doméstica (soma de tudo o que é consumido e
investido); nosso saldo em conta corrente volta a ser deficitário, e, por meio do
acelerador financeiro, os investimentos, e não as exportações, se tornam o
componente mais dinâmico do PIB.
Qual foi o papel do Banco Central (BC), tanto antes como durante a crise? Para
OBS, “se a resposta da política econômica, principalmente da política monetária,
tivesse sido outra, a desaceleração do crescimento da economia brasileira seria
bem menor do que a estamos observando atualmente” (página 3).
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ainda existiam no horizonte chances de uma aceleração da inflação
devido ao repasse do câmbio para os preços !!!
Ex post, parece fácil criticar a atuação do Banco Central nesse período, mas se
lembrarmos o contexto daquele momento, não era nada óbvio definir o que teria
mais força ao longo do tempo: o efeito recessivo do “sudden stop” de outubro ou
o potencial efeito inflacionário da desvalorização da nossa moeda. Se fosse
adotado pelo BC como modus operandi a decisão de agir sempre de forma
rápida, mas possivelmente precipitada, tal política poderia levar o BC a ter que
mudar o rumo da Selic pouco tempo depois, gerando forte volatilidade em toda a
curva de juros, além de grandes perdas para os detentores da divida pública e,
assim, elevando o prêmio de risco na estrutura a termo como um todo.
Devemos lembrar que no período entre outubro e dezembro não era o BC que
estava demonstrando claros sinais de ter uma avaliação Panglossiana (ver
página 10) da crise, mas sim o Ministério da Fazenda e o IPEA – locais onde
hoje predominam economistas alinhados a escola pós-keynesiana. Nesses
meses, o ministro Mantega e seus assessores insistiram na projeção, que só
depois virou “meta” de crescimento de 4% ao ano para 2009. Então, parece um
pouco incoerente criticar o BC quando este, durante o mesmo período, tomou
uma atitude meramente agnóstica sobre os efeitos da crise sobre economia
brasileira. No mínimo OBS deveriam reservar parte de suas criticas a seus
colegas keynesianos hoje loteados no governo. Otimismo exagerado não era
monopólio “ortodoxo” durante o final de 2008...
O ponto principal é que qualquer banco central que adote uma postura
operacional de trabalhar com forward looking variables vai cometer erros que, ex
post, podem parecer grosseiros. Isso seria também verdade no novo regime
sugerido por OBS, a partir da página 16. Eu, por exemplo, considerei na época
que o BC foi excessivamente leniente e dovish durante o período de 2007 ao
inicio de 2008, baixando juros quando já havia sinais claros de aquecimento
insustentável da economia brasileira, como os crescentes déficits da conta
corrente e a alta dos núcleos de inflação. Mas tal erro é totalmente normal e,
infelizmente, fruto de limites intransponíveis do nosso conhecimento. Culpar o
BC por falta de onisciência não me parece uma critica justa.
Mas isso talvez não seja o maior problema da critica de OBS ao BC. Lembramos
que OBS culpam os “erros” do BC pela queda presente, dos últimos meses, da
atividade econômica. Isso parece ignorar um dos stylized facts mais conhecidos
da política monetária, a de que qualquer mudança na postura monetária
somente afeta a atividade econômica com uma certa demora, algo entre seis a
vinte e quatro meses (o tão conhecido “long and variable lags”). Porém, mesmo
se aceitarmos a tese que o BC errou, ex ante ou ex post, o fato é que esse erro
somente vai afetar a atividade econômica, e de forma tímida, a partir de agora.
Não há nada que o BC poderia ter feito, no tocante a sua política de juros, para
frear a catastrófica queda na atividade durante os últimos meses. Eu defenderia
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que quem poderia ter ajudado mais, nesse caso, seriam os colegas keynesianos
de OBS no Ministério da Fazenda, que poderiam ter abandonado a obsessão
(eleitoreira?) pelo PAC e lançado mão de cortes mais pesados de impostos e
contribuições, como foi feito no caso do setor automobilístico, com bom impacto.
Mas, independentemente disso, a desconsideração por OBS de um dos fatos
mais estabelecidos da teoria monetária permanece um mistério.
Um ponto final seria sobre o que pode e não pode a política monetária. A
vontade de “culpar” o BC por todos os males é em parte fruto de uma visão que
atribui poder em excesso à política monetária na determinação do nível de
atividade. Como argumentamos na primeira seção, a razão da dinâmica do
crescimento econômico no Brasil no período pré-crise foi devido a uma
combinação de fatores complexos envolvendo os mercados de crédito, de
capitais e de trabalho; a exportação; uma política fiscal altamente pró-cíclica,
etc., com a política monetária condenada a ser o único “contraponto” a uma
série de choques positivos. A crise atual deve ser vista como simplesmente a
“inversão de sinal” desses mesmos fatores e mecanismos. Nesse caso, a
política de juros também deve ser levada, de forma consistente, a ser também
um contraponto, mas agora um contraponto positivo. Porém, devemos (e nisso
OBS caminham de forma mais consistente) lançar mão de muitas outras
iniciativas para domar os efeitos da crise sobre a economia brasileira, e para
isso realmente deveríamos abandonar o fetiche de atacar e culpar o BC por
(quase) tudo.
OBS, dentro das medidas que defendem para enfrentar a crise, acusam o BC de
“conservadorismo excessivo” (página 16) e veem o sistema atual de metas de
inflação como razão principal, embora proponham uma mudança de regime.
Para tal, eles sugerem várias mudanças, como a adoção de algum tipo de
núcleo de inflação como alvo; um prazo de convergência mais longo; a adoção
de uma “cláusula de escape” e, algo não muito bem explicitado, a adoção de
metas de crescimento (página 17).
Seria isso uma boa idéia? Uma maneira de pensar essa proposta é que as
mudanças sugeridas parecem todas apontar para um regime onde, em
comparação ao regime atual, a taxa Selic seria sempre menor em todos, ou
quase todos, os estados da natureza. Tal mudança de regime somente teria
efeito benéfico sobre o crescimento econômico se houvesse, tanto no curto
como no longo prazo, uma “curva Philips” estável, com um trade-off utilizável
entre o nível de juros/inflação e o crescimento. Ora, tal tese é altamente
questionável, como demonstrado amplamente na extensa literatura sobre esse
assunto, acumulada durantes décadas. Mas parece óbvio que uma mudança de
regime que implica sempre fixar a Selic em um nível menor que o regime atual
só seria melhor se tal relação existisse (tese também implícita na discussão
sobre a “clausula de escape” nas páginas 16 e 17).
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Seria muito fácil prever que tal mudança de regime simplesmente geraria um
aumento no prêmio de inflação ao longo da curva de juros e. efetivamente, um
aumento na taxa de juros real ex ante, anulando qualquer suposto efeito
benéfico de sempre haver uma taxa Selic menor.
Isso não quer dizer que não devemos mudar o regime, mas implica que qualquer
mudança deve ser executada de forma paulatina, quando ha um “clima” calmo
para tal, e depois de franco e amplo debate.
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disciplinar o processo e dar a ele uma característica realmente anti-ciclica, como
também para coordenar as políticas monetárias e fiscais. A falta de coordenação
entre essas políticas durante esses últimos anos tem sido certamente uma das
razões pela qual a política monetária foi sobrecarregada na tarefa de gerenciar a
dinâmica da demanda agregada, algo que explica muito mais o nível realmente
alto das taxa Selic do que qualquer maldosa conspiração ortodoxa.
Apesar disso, a proposta como apresentada deveria ser mais bem pensada do
ponto de vista do processo político. Para OBS, quando o BC “fizer a coisa certa”
e baixar a Selic, a poupança gerada na conta juros pode ser aproveitada para
aumentar os níveis de investimentos. Mas essa ligação, ou dependência, da
política de investimento sobre a política monetária é altamente perigosa.
Podemos realmente confiar que os níveis de investimento vão cair quando for
necessária uma normalização, isto é, aumento na taxa de juros? Durante o
“boom” dos anos 2007/2008, era comum escutar, especialmente do Ministério da
Fazenda, do IPEA e do BNDES, que o nível de investimento e de gastos
públicos teria que aumentar para “acompanhar” o crescimento da economia.
Não é difícil imaginar tais argumentos sendo usados mais uma vez e, assim, o
aumento nos investimentos, a priori temporário e anticíclico, tornar-se-ia
permanente, elevando o nível dos gastos do governo, a carga tributária e o
endividamento do Estado. Isso é particularmente perigoso em uma cultura
política onde quase todo o tipo de gasto é visto como “investimento”.
Temos aqui, então, uma boa proposta, que precisa ser mais bem elaborada do
ponto de vista institucional e político.Mas certamente um regime fiscal, perto
daquilo que já existe do lado monetário, seria um grande e importante avanço
institucional.