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INTRODUÇÃO
atualidade, quando o assunto é o Cerrado. Assiste-se à implantação de programas por parte dos
setores públicos e privados, que almejam, ao mesmo tempo, promover ações e iniciativas que
projeções da balança comercial, exportação, do PIB, do IDH, e tantos outros índices que levem
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Este artigo foi publicado na revista mirante (http://www.revistamirante.net/4ed08.htm).
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Mestranda em Geografia pelo Instituto de Estudos Sócio-Ambientais da Universidade Federal de Goiás e
Presidente da ONG Cultura, Cidade e Arte. E-mail: marciarhmt3@terra.com.br.
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Doutor em Geografia Humana pela USP e professor adjunto do IESA/UFG. E-mail: eguimar@hotmail.com
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Mas o Cerrado, que é hoje alvo de todo estes cuidados e interesses - segundo dados
estáticos da Seplan (2005) - é a segunda maior riqueza em diversidade biológica do país, abriga
vários cursos d'água formadores de grandes bacias hidrográficas sul americanas, além dos
fornecimento de água para América do Sul. Até meados do século XX, era considerado um
bioma de terras pobres e improdutivas, vegetações deformadas e feias e do lugar dos tempos
lentos4 que deveria ceder á modernidade, conforme afirma Silva (2005 p.24):
Como um bioma que era considerado pobre e improdutivo e caracterizava-se por uma
O nosso propósito neste estudo é analisar os fatores que levaram a esta alteração de
conceito e importância sobre o Cerrado Goiano, bem como a relação destes fatores com as
apropriação do mesmo.
Para isso, entende-se que qualquer estudo e/ou pesquisa hoje em dia que aborde o tema
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Segundo Santos (2001) [...] tempo rápido é o tempo das firmas, dos indivíduos e das instituições hegemônica e
tempo lento é o tempo das instituições, das firmas e dos homens hegemonizados. A economia pobre trabalha nas
áreas onde as velocidades são lentas. Quem necessita de velocidades rápidas é a economia hegemônica, são as
firmas hegemônicas.
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Segundo Estevam (2004, p. 16) “Agricultura e pecuária em Goiás não podem ser vistas, no contexto do século
XIX, como atividades estanques ou separadas. A agricultura explorada no território era a agricultura” camponesa
“caracterizada pela fraca utilização de insumos e pela predominância do trabalho familiar”.
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além das fronteiras impostas pela fragmentação entre o físico e o humano e/ou a natureza e a
sociedade. É esse olhar espacial que permitirá deparar-se com o local e o global, com as
contradições entre norma e vida, enfim, possibilitará uma análise integrada em que teoria e
Construir um olhar integrado que consiga perceber que os impactos gerados no processo
que se propõe. Pois, entende-se que o Cerrado não é composto apenas de biodiversidade, mas
também da sociodiversidade6 e que, por seguinte, não foram apenas as suas riquezas naturais e
biológicas que sofreram impactos e alterações, mas a cultura e a memória dos povos que ali
habitavam. O que era rural se transformou em agrícola, alterando, assim, as estruturas materiais
Essas mudanças não alteraram apenas o modo de produção e de trabalho, mas, também,
estas, além de migrarem do campo para as cidades, tiveram o seu antigo lugar de moradia, o
campo, apropriado, em grande parte, por migrantes de outros estados. Assiste-se, assim, a uma
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Este termo é usado por Santos (2000) no livro Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência
universal.
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imateriais. É o tempo lento se misturando com o tempo rápido, onde tanto os migrantes do
campo como os de outros estados - além de implementar e implantar outra estrutura produtiva e
de trabalho - carregam com eles, independente do lugar a ser ocupado, as suas práticas culturais,
Dentro deste prisma pode-se dizer que não existe um processo desterritorializador
completo (HAESBAERT, 2004), pois os seres humanos não zeram a sua história, a sua
memória, a sua cultura. Eles as carregam consigo e ao ocupar outros territórios, se adaptam, se
reterritorializam. Para tanto, propõe-se verificar a relação entre as dimensões política e cultural
Nesse sentido, considera-se que o Cerrado enquanto território é mais que um palco onde
por diversos grupos sociais que misturam suas territorialidades na estrutura deste espaço,
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Esse conceito de território disputado pode ser entendido a partir de Haesbaert (2002, p. 121), quando ele afirma
que [...] o território é o produto de uma relação desigual de forças, envolvendo o domínio ou controle político-
econômico do espaço e sua apropriação simbólica, ora conjugados e mutuamente reforçados, ora desconectados
e contraditoriamente articulados. Sendo assim, o território seria o resultado do entrecruzamento de múltiplas
relações de poder, sejam aquelas mais diretamente ligadas a fatores econômico-políticos, isto é, de ordem mais
material, sejam aquelas relacionadas às questões de caráter mais cultural, com ênfase no poder simbólico. Essa
perspectiva, de acordo com Haesbaert (2004), somente é possível a partir da compreensão do espaço como um
“[...] híbrido entre natureza e sociedade, entre política, economia e cultura, e entre materialidade e idealidade,
numa complexa interação tempo-espaço” (p. 79) e, portanto, um espaço múltiplo e nunca indiferenciado. Desse
modo, essa abordagem relacional do território conforma-se enquanto tal não apenas pela definição deste dentro
de um conjunto de relações histórico-sociais, mas também por abarcar uma complexa relação entre processos
sociais e espaço material.
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variadas formas de relações humanas. Esses elementos são abarcados pela política territorial da
Existe um outro modo de vida, de diferentes maneiras, buscando perceber que através da
tudo, seletiva quanto ao nosso afeto e identidade cultural. Ou seja, não é a paisagem do lugar
que nos atrai ou retrai, é o nosso modo de olhar o espaço, muitas vezes egocêntrico e seletivo,
espaço. Com isso, ela é movimento. Então, entender a paisagem não é apenas descrever e
identificar as questões físicas que a compõem. É, também, saber decifrar suas cores, seus
cheiros, suas vozes, seus olhares, enfim, a vida que pulsa e que, muitas vezes, está encoberta
pela fumaça refinada da contemporaneidade. Fumaça que, se não formos observadores atentos,
pode levar à cegueira e impossibilitar a visão de um espaço abrigando vários territórios e, por
Esses pressupostos, que podem nos oferecer elementos para uma análise integrada e
mais próxima das realidades existentes no cotidiano desses espaços, instiga à reflexão sobre as
Pois o território goiano que era, até então, caracterizado por uma ocupação rural e atividade
modernização capitalista.
ocupação do Cerrado Goiano como uma prioridade nacional, inserida num projeto que, no
regiões sul e sudoeste e, no âmbito nacional, buscava adequar o país a um novo ritmo de
neste período, dá-se de maneira planejada e com interesses e funções políticas e econômicas
bastante definidas. Era o Brasil integrando o sertão ao litoral, através da Marcha para o Oeste.
o “coração do Brasil”.
Para que esse projeto se viabilizasse, inúmeros foram os recursos usados. Desde acordos
necessidade de modernização. O novo era o caminho. Para isso, nada melhor que um projeto
nos tempos modernos. O Goiás das “Tropas e Boiadas”, de Hugo de Carvalho Ramos, deveria
Essas transformações que tiveram como objetivo principal tornar o Cerrado produtivo e
A terra, que até então era considerada “de baixa produtividade”, com os incrementos
a partir da segunda metade do séc. XX, através de linhas de créditos especificas, incentivos
à mais brusca transformação socioespacial do cerrado goiano. A antiga paisagem do cerrado foi
curto gerou impactos econômicos, sociais, culturais e espaciais que hoje podem ser claramente
percebidos. Pode-se dizer que o Cerrado Goiano, hoje, presencia vários tempos em um mesmo
espaço (SANTOS,2002).
outro lado da modernização. A ema, figura principal do Parque Nacional das Emas, agora vive
cidades como Mineiros e Jataí uma enorme disparidade socioeconômica que antigamente era
verticalizadas, como o caso de Chapadão do Céu e das empresas transnacionais com tecnologia
e mecanização de ponta, algumas já robotizadas, que concentram a maior parte de sua produção
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para o mercado externo, além da escassez de geração de empregos em grande escala, como
contemporâneo, lento e rápido. Enfim, as contradições do capital estão nítidas em sua paisagem.
transformações na cultura e na memória dos chamados povos tradicionais? Por que o Cerrado é
um território em disputa?
urbanização da contemporaneidade, dentre outros fatores; fizeram e/ou fazem que o Cerrado
(população e paisagem – objetos e ações) seja um território em disputa, onde a aparência pode
As comunidades rurais, em grande parte, migraram para as cidades levando com elas
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo possibilitou o entendimento de que as leituras sobre o Cerrado não podem
ser feitas de maneira fragmentada ou parcial. Um olhar integrado que possa se deparar com o
material e o imaterial é imprescindível para que se entenda a dinâmica socioespacial, pois ele
nos oferece elementos para uma análise mais próxima das realidades existentes no cotidiano.
A ocupação e apropriação do Cerrado Goiano são frutos das relações humanas, que, por
Goiano é objeto de exploração, ora ele é objeto de preservação, ora é tradicional, ora é
dominação.
apropriação é se deparar com o tradicional e o moderno, com o local e o global, com o valor de
uso e o valor de troca enfim; é perceber que existem divergentes e diversas forças em
seguinte, não nascem do esmo. E, ao surgirem, se disseminam por toda a sociedade como uma
E por isso ficam algumas indagações. Mas, afinal, será que há como inserir o Cerrado
seu povo? Será que este modelo de modo de produção almejado é compatível com os
programas de sustentabilidade? Até que ponto as “preocupações”, tanto dos setores públicos
REFERÊNCIAS
CHAVEIRO, Egmar Felício. Goiânia, Uma Metrópole em Travessia. 2001. 321 f. Tese.
(Doutorado em Geografia Humana) – Departamento de Geografia, USP, São Paulo, 2001.
__________.Símbolos das paisagens do cerrado goiano. In: ALMEIDA, Maria Geralda (Org.),
Tantos Cerrados. Goiânia: Ed. Vieria, 2005. P. 47-62.
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DUARTE, Laura Maria Goulart; SANTANA, Maria Lúcia (Orgs). Tristes Cerrados: sociedade
e biodiversidade.Brasília: Paralelo 15, 1998.
OLIVEIRA, Adão Francisco. A Reprodução do Espaço Urbano de Goiânia: uma cidade para o
capital. Disponível em <http://www.observatoriogeogoias.com.br> Acessado em: 24, nov
de 2006.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec,
1996.
_______.Pensando o espaço do homem. 5. ed. São Paulo: Edusp, 2004.
SILVA, Clarinda Aparecida. Antigos e novos olhares viajantes pelas paisagens do Cerrado. In:
ALMEIDA, Maria Geralda (Org.), Tantos Cerrados. Goiânia: Ed. Vieria, 2005. P. 21-43.