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A verdade da Sombra 
Com  certeza  já  reparou  que  quando  a  luz  do  sol  incide  sobre  o  corpo  humano, 
este projecta uma sombra, a qual é escura. Quanto mais intensa for a luz do sol, 
mais escura será a sombra projectada. Da mesma maneira, todos nós temos uma 
parte da nossa personalidade que se encontra escondida, na penumbra. Quanto 
mais  luz  possuirmos  mais  escura  será  essa  parte  de  nós.  E  se  não  prestarmos 
atenção a esta parte escura de nós ela irá ficar esfomeada, sedenta, enraivecida. E 
irá aproveitar um momento de distracção para se mostrar. 
Pessoalmente  passei  por  uma  fase  de  tristeza  enorme.  Foi  esta  tristeza  que  me 
despertou.  Ouvia  uma  voz  que  me  dizia  que  se  queria  sentir‐me  melhor  teria 
primeiro que abraçar a minha tristeza. A solução da minha tristeza encontrava‐
se na minha escuridão, na minha sombra. 
A nossa cultura ocidental ensina‐nos a ser bi‐polares. Desde a infância que nos é 
ensinado  a  criar  uma  dupla  personalidade.  Luz  e  sombra,  bom  e  mau,  bonito  e 
feio. 
A  tradição  gnóstica  diz  que  nós  não  inventamos  nada,  simplesmente  nos 
limitamos  a  recordar.  Acredito  que isso  é real  quando falo da  sombra. Vejamos 
como a nossa sombra individual é criada. 
Quando tínhamos um ou dois anos de idade possuíamos aquilo a que poderemos 
chamar  de  uma  personalidade  de  360º.  A  nossa  energia  irradiava  de  todas  as 
partes  do  nosso  corpo  e  da  nossa  mente.  Uma  criança  a  correr  é  uma  bola  de 
energia  viva.  Tínhamos  em  nós  uma  gigantesca  bola  de  energia.  Mas  um  dia 
apercebemo‐nos que os nossos pais não gostavam de certas partes da nossa bola. 
Diziam  coisas  como  “Não  podias  ficar  sossegado?”  ou  “Não  é  bonito  querer 
magoar o teu irmão!” 
Às nossas costas temos um saco invisível e, as partes de nós que os nossos pais 
não  gostavam,  íamos  enfiando  lá  dentro.  Isto  para  conseguirmos  o  amor  deles. 
Quando  chega  a  idade  de  ir  para  a  escola  o  nosso  saco  já  começa  a  pesar 
bastante.  Depois  surgem  os  professores,  a  ensinar  a  guardar  mais  aspectos  de 
quem  somos  dentro  do  saco.  “Os  meninos  bonitos  não  se  zangam!”  ou  “Quem 
grita é feio!”. E assim pegamos na nossa raiva e guardamo‐la no nosso saco. 
Quando  tinha  doze  anos  já  possuía  um  saco  com  mais  de  2  quilómetros  de 
comprimento e algumas toneladas de peso. Depois vamos para o liceu. E aqui já 
não são os adultos a pedir‐nos para guardar aspectos de quem somos dentro do 
saco. Aqui somos nós, uns aos outros. Apontamos o dedo aos que não são como 
nós.  Queremos  ser  iguais  aos  outros.  e  o  saco  vai  crescendo.  Quando  chegamos 
aos  vinte  anos,  de  uma  gigantesca  bola  de  energia  ficamos  com  uma  pequena 
fatia. 
Imagine  agora  um  homem  de,  digamos,  24  anos,  com  uma  pequena  fatia  de 
energia  (o  resto  está  no  saco)  e  vamos  imaginar  que  conhece  uma  mulher. 
Imaginemos que ambos têm 24 anos, e ela possui uma pequena e elegante fatia 
de  energia  também.  Unem‐se  numa  cerimónia,  e  esta  união  de  duas  fatias  de 
energia  é  rotulada  de  casamento.  Mesmo  os  dois  juntos  não  fazem  uma  só 
pessoa, tão pouca é a energia disponível. Um casamento, quando o saco ás costas 
é grande e pesado, significa uma vida de solidão que tem início na lua‐de‐mel. É 

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claro que todos mentimos sobre isso. Perguntam‐nos “Então que tal foi a tua lua‐
de‐mel?” e sem sequer pensar na pergunta respondemos “Maravilhosa!” 
Culturas  distintas  enchem  o  seu  saco  com  qualidades  distintas.  Nas  culturas 
cristãs a primeira coisa a ir para dentro do saco é a sexualidade. Uma estudiosa 
da  sombra,  Marie  Louise  von  Franz,  avisa‐nos  contudo  para  o  facto  de  que  até 
culturas ancestrais, onde impera o shamanismo por exemplo, também possuem 
as  suas  qualidades  a  enfiar  no  saco.  Por  exemplo,  há  culturas  que  colocam  no 
saco a individualidade e a criatividade. Nós rotulamos essas culturas de tribais, 
ou  comunidades  místicas.    Soa  bem  ao  ouvido  mas  pode  significar  que  os 
membros  individuais  sabem  todos  exactamente  as  mesmas  coisas  e  ninguém 
sabe  nada  novo.  É  possível  que  o  saco  de  todos  os  seres  humanos  seja 
exactamente igual em termos de tamanho. 
Passamos  a  nossa  vida,  até  por  volta  dos  20  anos,  a  decidir  que  partes  de  nós 
devemos  enfiar  dentro  do  nosso  saco,  e  depois  passamos  o  resto  das  nossas 
vidas a tentar tirá‐las para fora do saco. Muitas vezes ficamos com a sensação de 
que é impossível abrir o nosso saco. 
O nosso lado simpático vai tornando‐se mais e mais simpático, na nossa cultura 
idealística. O homem ocidental pode ser um bom médico, que pensa sempre no 
bem‐estar dos seus pacientes e possui uma moral maravilhosa. Mas a substância 
dentro  do  saco  possui  uma  personalidade  muito  própria.  E  não  gosta  de  ser 
ignorada.  Esta  substância  ignorada  irá  saltar  do  saco  no  momento  mais 
inoportuno. Ela sentirá a raiva de ser ignorada. 
Quando  guardamos  muito  bem  uma  parte  de  nós  no  saco,  essa  parte  irá 
regressar mais cedo ou mais tarde. E regressa com um aspecto bárbaro. Imagine 
um jovem que fecha o seu saco aos 20 anos e espera mais 15 ou 20 para o abrir 
novamente.  O  que  irá  ele  encontrar  no  seu  saco?  Infelizmente,  a  sexualidade,  o 
instinto  animal,  os  impulsos  incontrolados,  a  raiva  e  a  liberdade  que  lá  meteu 
antes,  mas  com  uma  carga  negativa  assustadora.  Não  são  apenas  aspectos 
primitivos em termos emocionais, são hostis à pessoa que abra o saco. O homem 
que abra o seu saco aos 45 anos de idade, ou a mulher, irá sentir medo. Ela irá 
abrir  o  saco  e  ver  um  monstro.  Qualquer  pessoa  fica  assustada  ao  ver  um 
monstro. 
Podemos afirmar que qualquer homem na nossa cultura coloca no seu saco o seu 
lado feminino, a mulher que há nele. Quando este homem começa a abrir o seu 
saco,  por  volta  dos  35  ou  40  anos,  para  voltar  a  entrar  em  contacto  com  o  seu 
lado  feminino,  este  aspecto  pode  ser  verdadeiramente  hostil  ao  homem.  Ao 
mesmo  tempo,  este  homem,  poderá  experienciar  uma  enorme  hostilidade  por 
parte das mulheres no mundo exterior. A regra é a mesma: o exterior é sempre 
igual ao interior. 
Se uma mulher, que necessita de se sentir aceite pela sua feminilidade, esconde o 
seu  aspecto  masculino  no  saco,  poderá  descobrir,  20  anos  mais  tarde,  que  o 
masculino  se  tornou  hostil  a  ela  mesma.  Mais  ainda,  este  masculino  pode  ser 
desprovido  de  sentimentos  e  brutal  nas  suas  criticas.  Encontrar  um  homem 
hostil  com  quem  viver  irá  dar  a  esta  mulher  alguém  a  quem  culpar,  e  aliviar  a 
pressão  no  seu  saco,  apesar  de  não  resolver  o  problema  dentro  do  saco. 
Entretanto, é provável que ela sinta uma rejeição dupla, do homem dentro dela e 
do homem fora dela. Há muita mágoa nestas situações. 

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Cada  um  dos  aspectos  da  nossa  personalidade  que  não  amamos  irá  tornar‐se 
hostil  a  nós  próprios.  Poderíamos  ainda  acrescentar  que  estes  aspectos  podem 
afastar‐se  para  lugares  distantes  e  começar  a  orquestrar  uma  revolta  secreta 
contra nós. 
A raiva que um homem mete no seu saco aos 8 anos de idade, pode aparecer na 
face  da  sua  esposa  aos  40  anos.  Depois  de  15  ou  20  anos  de  um  casamento 
aparentemente feliz, a face da raiva mostra‐se e o homem comete uma loucura. 
Quantas vezes ouvimos falar do homem que apanha a mulher com um amante na 
cama?  Ou  do  homem  cuja  mulher  se  torna  violenta,  alcoólica  ou  deprimida  e 
frígida? 
A raiva que a mulher esconde no seu saco aos 5 anos de idade pode aparecer na 
face  do  seu  marido  aos  45  anos.  E  o  herói,  bom  pai,  honesto  trabalhador, 
transforma‐se no vilão que saqueou a empresa, ou violou a filha da vizinha. 
Há algum tempo atrás sentia uma enorme revolta por gente que trabalhava em 
televisão.  Não  suportava  essas  pessoas!  Uma  noite  dei  por  mim,  em  frente  ao 
espelho,  a  pensar  nessas  pessoas.  A  pergunta  que  me  ocorreu  foi  “que  tipo  de 
pessoa é capaz de trabalhar em televisão?” e, vendo‐me ao espelho, sem sequer 
pensar,  respondi:  “pessoas  honestas  que  acreditam  que  podem  fazer  uma 
diferença no mundo.”... E foi com assombro que dei por mim a falar de mim, de 
algo  que  sentia  estar  em  mim!  Decidi  continuar  este  o  processo.  Que  tipo  de 
pessoa é arrogante? Eu sempre odiara a arrogância nas pessoas. A pessoa que se 
sente insegura. Esta doeu! Quantas vezes me senti inseguro! Que tipo de pessoa é 
capaz  de  matar  outro  ser  humano?  A  pessoa  completamente  perdida  e  sem 
esperança. Sim, já tive momentos em que me senti completamente perdido e sem 
esperança. Afinal, todos os aspectos que não suportava nos outros estavam já em 
mim! E tinha que os resgatar, caso contrário continuaria a atrair outros para me 
mostrar  esses  aspectos  há  tanto  tempo  escondidos.  Agora  olho  para  alguém 
arrogante e penso “sim, este sou eu!” 
Mas adiante. 
A  projecção  é  algo  maravilhoso.  A  psicóloga  Marie  Louise  von  Franz  afirmou 
“Porque motivo assumimos que a projecção é sempre algo mau? Muitas vezes a 
projecção  pode  ser  útil.”  Esta  afirmação  é  muito  sábia  mesmo.  O  conhecimento 
dos  nossos  aspectos  sombrios  não  pode  deslocar‐se  do  subconsciente  para  a 
mente  consciente  assim  tão  rapidamente.  Se  eu  não  projectasse,  nunca 
conseguiria conectar‐me com o mundo exterior.  
As  mulheres  queixam‐se  que  os  homens  pegam  no  seu  aspecto  feminino  e 
projectam‐no nas mulheres. Mas se o homem não fizesse isto, como poderia ele 
alguma vez sair de casa da mãe? O problema não é a projecção que fazemos, mas 
por quanto tempo mantemos essa projecção. A projecção sem o contacto pessoal, 
sem a nossa consciência, é perigosa. 
Veja‐se um caso emblemático: Marilyn Monroe. Milhões de homens projectaram 
a sua feminilidade nesta mulher. Se milhões de homens fazem isto, e não mudam, 
o  mais  provável  é  que  esta  mulher  morra.  As  projecções  sem  o  nosso  contacto 
pessoal,  sem  a  nossa  consciência  de  que  o  fazemos,  irão  danificar  a  pessoa  que 
projecta.  Podemos  ainda  adiantar  que  a  Marilyn  Monroe  chamou  a  si  estas 
projecções  como  parte  da  sua  sede  de  poder.  E  os  seus  distúrbios  podem  ter 

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ocorrido  como  resultado  da  vitimização  a  que  esteve  sujeita  na  infância.  Mas  o 
processo  de  projecção,  e  consciencialização,  feitos  de  maneira  delicada  nas 
culturas  tribais,  face  a  face,  desaparece  completamente  numa  sociedade 
tecnológica  como  a  nossa.  Numa  civilização  de  consumo  imediato  a  sua  morte 
era inevitável. Nenhum ser humano consegue viver muito tempo a projectar para 
milhões de seres humanos – isto é, para tanta inconsciência – e sobreviver. Daí 
ser importante que cada um de nós recupere as suas projecções. 
Mas  porque  motivo  haveríamos  de  colocar  num  saco  tantos  aspectos  de  nós 
mesmos?  E  porque  motivo  o  haveríamos  de  fazer  em  tão  tenra  idade?  E  se 
enfiámos  no  saco  tanta  da  nossa  raiva,  espontaneidade,  fome  de  afecto, 
entusiasmo, as nossas partes agressivas e nada atractivas, como podemos então 
viver? Alice Miller aborda muito bem este tema no seu livro “The drama of the 
gifted child”. 
O  drama  é  este:  nós  vimos  a  este  mundo  numa  nuvem  de  glória,  plenos  e 
completos,  chegámos  dos  recantos  mais  longínquos  do  universo.  Connosco 
trouxemos  apetites  preservados  pelos  mamíferos  do  planeta,  espontaneidade 
maravilhosamente  preservada  pelos  nossos  150,000  anos  de  vida  humana  no 
planeta, raivas também muito bem preservadas pelos nossos 5,000 anos de vida 
tribal – em suma, com o nosso brilho de 360º. E oferecemos esta glória plena e 
completa aos nossos pais. E eles recusaram‐na. Eles preferiram um bom rapaz ou 
uma  rapariga  bonita.  Este  é  o  primeiro  acto  do  drama.  Não  significa  que  os 
nossos pais foram maus, eles precisavam de nós por algum motivo. A minha mãe, 
como uma mulher que teve que abandonar Angola, precisava de uma família que 
lhe  mostrasse  que  não  tinha  perdido  nada.  Eu  faria  algo  semelhante  a  um  filho 
meu: precisaria que ele me mostrasse que eu sou brilhante. Isto é parte do que 
significa viver neste planeta. Os nossos pais rejeitaram quem nós éramos ainda 
antes  de  podermos  falar,  por  isso  a  dor  da  rejeição  encontra‐se  muito 
provavelmente gravada numa parte que não sabe verbalizar do nosso cérebro. 
Quando li o livro da Alice Miller caí numa depressão durante três semanas. Com 
tantos  aspectos  de  mim  que  desapareceram,  que  poderia  eu  fazer?  Claro  que 
podia  construir  uma  personalidade  que  fosse  mais  do  agrado  dos  meus  pais. 
Alice  concorda  que  nos  traímos  a  nós  mesmos  mas,  afirma  ela,    “Não  te  culpes 
por  isso,  não  podias  ter  feito  diferente.”  Em  tempos  idos  as  crianças  que  se 
opunham  aos  seus  pais  eram  provavelmente  mortas  ou  abandonadas  para 
morrer  de  qualquer  forma.  Como  crianças  fizemos  a  única  coisa  sensata  de 
acordo com as circunstâncias em que nascemos. A atitude mais correcta ao saber 
isto é sentir o luto da perda. 
Vejamos agora os diferentes tipos de sacos. Quando enchemos excessivamente o 
nosso  saco,  ficamos  com  muito  menos  energia  disponível.  Há  pessoas  que,  por 
natureza, possuem mais energia que outras. Mas todos possuímos mais energia 
do  que  seriamos  alguma  vez  capazes  de  consumir.  Então  para  onde  foi  essa 
energia?  Se  colocámos  a  nossa  sexualidade  no  nosso  saco,  quando  crianças,  é 
óbvio  que  perdemos  muita  energia  com  a  perda  desse  aspecto.  Quando  uma 
mulher  coloca  a  sua  masculinidade  no  saco,  ela  perde  essa  energia.  Podemos 
assim  pensar  no  nosso  saco  como  contendo  energia  que  não  se  encontra 
disponível.  Se  não  nos  consideramos  criativos,  é  porque  colocámos  a  nossa 
criatividade no saco. 

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Há  ainda  os  sacos  de  instituições,  empresas,  comunidades  inteiras,  regiões, 
países  e  continentes.  Mas  estes  sacos,  estas  sombras,  só  podem  ser  curadas 
depois de curarmos a nossa sombra pessoal. 
Uma  vez  que  os  nossos  sacos  permanecem  fechados  e  as  suas  imagens 
escondidas  na  escuridão,  só  conseguimos  ver  o  seu  conteúdo  atirando‐o 
inocentemente  para  fora  de  nós,  para  o  mundo  exterior.  Assim,  as  aranhas 
tornam‐se  nojentas,  as  cobras  horrorosas,  os  coelhos  são  tarados  que  fornicam 
incessantemente,  as  raposas  matreiras  e  as  baratas  feias  e  sujas.  Os  homens 
tornam‐se  lineares  e  as  mulheres  fracas.  Os  chineses  só  produzem  artefactos 
defeituosos  e  os  americanos  são  gananciosos.  E  todavia,  só  assim  é  que  temos 
uma  oportunidade  de  aceitar  e  abraçar  todos  os  aspectos  que  rejeitámos,  que 
metemos no nosso saco pessoal. 
Quando nós ‘projectamos’ estamos na verdade a dar a nossa energia, ou poder, 
que é nosso por direito e faz parte do nosso tesouro enquanto seres completos.  
Um  homem  poderá  dar  o  seu  aspecto  sentimental  ou  amoroso  à  sua  esposa, 
projectando nela este aspecto. Assim, perde‐o. E quando surge um problema que 
necessita  de  um  sentimento  amoroso  para  ser  solucionado,  naturalmente  ele 
transfere a acção para a sua esposa. 
Que  outros  aspectos,  ou  qualidades,  é  que  um  homem  projecta  nas  mulheres? 
Pode projectar a sexualidade animal, o que a pode transformar numa fera sexual, 
ou  mesmo  torná‐la  promíscua.  Pode  projectar  a  sua  espiritualidade,  o  que  fará 
com que a sua esposa se sinta puritana e superior aos que a rodeiam. Pode ainda 
projectar  nela  a  sua  fraqueza  ou  a  sua  insanidade.  Muitos  homens  projectam  a 
sua  competência  na  mulher  com  quem  têm  uma  relação.  E  muitos  dão  o  seu 
aspecto de bruxa a uma ou mais mulheres à sua volta. 
Por  outro  lado,  uma  mulher  pode  projectar  o  seu  herói  interior  no  seu  marido. 
Neste  caso  o  marido  irá  sentir‐se  excessivamente  protector  e  nobre  nas  suas 
atitudes. Pode projectar o seu poder de Saturno no marido, por forma a que ela 
mesma  possa  permanecer  divertida  e  solta,  mas  ele  irá  tornar‐se  mais  e  mais 
rígido.  Ela  pode  projectar  nele  o  seu  tirano  interior,  ou  a  sua  espiritualidade.  E 
ele irá tornar‐se excessivamente frio e distante. E muitas mulheres projectam o 
seu gigante protector num ou mais homens... 
Muitas  coisas  podem  acontecer  quando  damos  o nosso  poder  interior  a  outros. 
Como exemplo vamos ver o que acontece quando um homem projecta, ou dá, a 
sua bruxa interior, e quando uma mulher dá o seu gigante tirano interior. 
Quando  o  nosso  talento  interior,  que  nos  faz  sentir  desconfortáveis,  é  exilado, 
tudo o que fica é uma gota insignificante incapaz de ser vista à luz do dia. 
O  menino  começa  a  projectar  a  sua  bruxa  interior  muito  precocemente,  talvez 
aos  dois  ou  três  meses  de  idade.  A  mãe  é  o  melhor  anzol  para  esta  projecção. 
Muitos  acreditam  que  o  bebé,  quando  tem  a  primeira  experiência  da  recusa  da 
mãe em dar‐lhe de mamar, ou qualquer outra recusa, vê na mãe um verdadeiro 
monstro  (literalmente),  com  um  aspecto  visual  medonho.  As  crianças  gostam 
naturalmente de histórias com bruxas porque estas provam‐lhe que não é louca. 
O menino (e também algumas meninas) vive com este segredo: a mãe, que todos 
à sua volta afirmam ser amorosa e cuidadosa, possui por vezes cara de bruxa. E o 
menino sabe que é demasiado pequeno para fazer o que quer que seja. 

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Alguns homens deixam que as suas mães carreguem a projecção de bruxa toda a 
vida, mas a maioria, quando se casa, transferem a sua bruxa interior, ou a maior 
parte dela, para a sua esposa.  
Enquanto os noivos trocam votos numa cerimónia religiosa, há uma outra troca 
importante a ocorrer em simultâneo nos recessos do subconsciente. Numa outra 
cerimónia, a mãe do noivo passa a projecção de bruxa, que tem carregado desde 
os  primeiros  meses  de  vida,  para  a  noiva.  Uma  hora  mais  tarde  a  bruxa  está 
devidamente instalada na noiva, apesar de demorar algum tempo até se mostrar. 
Na  verdade  nem  a  mãe,  nem  o  noivo,  nem  a  noiva  têm  conhecimento  desta 
segunda  cerimónia.    No  final  da  cerimónia  religiosa,  a  mãe  do  noivo  sente‐se 
mais  leve  e  a  noiva  sente  um  cansaço  inexplicável.  Mas  depois  de  algumas 
discussões, algumas obstinações, e lutas por causa de dinheiro, o noivo apercebe‐
se  que  há  qualquer  coisa  de  bruxa  na  sua  esposa  que  nunca  tinha  visto  antes. 
Para  a  esposa  é  como  se  se  estivesse  a  passar  algo  de  bizarro,  apesar  de  não 
saber ao certo o que é.  
Numa  discussão  ela  sente‐se  mais  gananciosa,  ou  má.  Ou  bruxa.  Uma  cliente 
minha  disse‐me  uma  vez:  “Emídio,  antes  de  me  casar  eu  era  uma  mulher 
educada,  simpática.  Estou  casada  há  três  anos  apenas,  e  sabes  uma  coisa,  cada 
dia  que  passa  torno‐me  mais  e  mais  cabra!”  Entretanto  o  marido  desta  cliente 
estava  a  tornar‐se  cada  vez  mais  um  verdadeiro  doce,  o  que  deixava  a  esposa 
cada  vez  mais  furiosa.  Por  sua  vez  isto  trazia  mais  para  a  luz  o  lado  bruxa  da 
esposa.  Ou  seja,  ela  estava  a  ser  a  projecção  da  irritabilidade  impulsiva,  da 
ganância  abrupta,  da  injustiça,  da  hostilidade  inexplicável  e  de  uma  raiva 
incontida que era antes da mãe do marido. E agora também do próprio marido. 
Não  admira  que  o  marido  aparente  a  calma  que  aparenta  e  tenha  pena  do 
comportamento da esposa. 
Mas durante a cerimónia do casamento ocorre uma transferência de projecções 
idêntica  entre  o  noivo  e  o  pai  da  noiva.  Talvez  os  seus  espíritos  se  encontrem 
numa garagem abandonada – uma vez que os corpos físicos estão na igreja. E o 
pai da noiva passa para o futuro marido tanto quanto lhe seja possível do gigante 
tirano que ele tem transportado para a sua filha. No final da cerimónia o pai da 
noiva  sai  sentindo‐se  mais  leve.  O  noivo,  por  outro  lado,  sentir‐se‐á 
inexplicavelmente  cansado.  O  noivo  irá  receber  do  pai  da  noiva  outras 
projecções:  o  guia  espiritual  dela,  o  pirata  interior,  um  aspecto  bruto  da  sua 
feminilidade. Para além da bruxa, a noiva recebe da mãe do noivo a projecção de 
desamparada, desonesta e até a raiva de um guerreiro feroz. 
A esta primeira fase de projecção podemos chamar de um estado de espírito em 
que  o  material  da  sombra,  bem  manobrado  por  treinadores  experientes  (os 
pais),  procura  descanso  fora  da  mente  do  dono.  E  muito  provavelmente  irá 
permanecer  fora  dele  até  ao  fim.  Os  noivos  poderão  permanecer  nesta  fase 
primária durante anos. 
Mais  cedo  ou  mais  tarde  uma  das  projecções  começa  a  fazer  barulho.  Qualquer 
coisa  que  não  encaixa  lá  muito  bem.  A  esta  fase  secundária  poderemos  chamar 
de fase do barulho. A esposa tem atitudes de bruxa umas vezes, e outras não. E 
não importa quantas asneiras o marido cometa e quantas vezes olhe para ela à 
espera  de  ver  a  bruxa,  ela  começa  a  agir  de  maneira  generosa  e  carinhosa.  Isto 
torna‐se  confuso  para  o  homem.  Ele  pode,  inconscientemente,  claro,  começar  a 

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chegar  mais  tarde  a  casa  sem  avisar,  ou  esquecer‐se  de  aniversários.  Na 
esperança  de  que  a  esposa  note  este  comportamento  e  volte  ao  seu  estado, 
projectado, de bruxa. Assim a projecção voltará ao seu devido lugar. 
Torna‐se um ambiente ameaçador, quando a projecção começa a fazer barulho. 
Imagine que uma mulher colocou a máscara, ou projecção, de gigante tirano no 
seu marido e sente‐a como um enorme alivio – pelo menos esse aspecto dela não 
está  nela!  Mas  o  que  acontece  se  um  dia  o  marido  deixa  de  ser  o  patriarca 
opressor?  O  que  pode  ela  fazer?  Sarilhos!  Ela  pode,  inconscientemente,  claro, 
gastar  mais  dinheiro  do  que  ambos  têm,  bater  com  o  carro,  ou  sentir‐se 
vitimizada  de  alguma  forma.  Age  como  se  fosse  uma  menina  pequena.  Isto 
poderá fazer com que o marido volte a ser o gigante tirano.  
Estamos a atravessar uma fase em que muitas pessoas se encontram a projectar 
os  seus  guias  espirituais  em  gurus  e  mestres.  Esta  projecção  pode  durar  algum 
tempo.  Mas  eventualmente  acaba  por  fazer  barulho.  Descobrem  que  o  guru  é 
pedófilo,  ou  extremamente  rico,  ou  tem  um  problema  de  drogas  ou  álcool.  E  aí 
temos  os  discípulos  a  viver  uma  ansiedade  para  tentar  aceitar  estes 
comportamentos dos seus mestres. 
E  como  é  esta  segunda  fase  projectada  nos  filhos?  Por  exemplo,  os  pais  podem 
considerar  demasiada  criatividade  e  uma  inteligência  cinética  como  um 
problema, hiperactividade, exibicionismo. Algo que os próprios pais já há muito 
enfiaram  bem  no  fundo  dos  seus  sacos.  E  chamam  os  filhos  de  distraídos, 
preguiçosos ou endiabrados. Tudo projecções! Parece que aquilo que os adultos 
mais  projectam  nas  crianças  é  o  diabinho  interior,  capaz  das  maiores 
malandrices.  E o que fazem os pais? Zangam‐se com os filhos. E a ira que sai dos 
pais é quase sempre desproporcional ao acto que a provoca. Talvez a criança não 
faça todos os trabalhos de casa, ou parta um copo, e o pai fica louco de raiva ou 
pelo menos o suficiente para punir mais do que o que é necessário. E o que pode 
fazer  a  criança?  Ter  medo.  É  terrível  olhar  para  os  olhos  de  uma  criança  e  ver 
medo.  
Então, quando conseguimos ver nos nossos filhos um ser endiabrado, vemo‐nos 
livres de um aspecto nosso que estava escondido no nosso saco. E nós livramo‐
nos de mais um aspecto que estava no nosso saco. Que alivio voltar a ser forte! 
Mas  depois  ocorre‐me  que  as  crianças  não  são  naturalmente  endiabradas.  E 
então tenho um problema pela frente, porque passei à segunda fase da sombra. E 
este  aspecto  ameaça  regressar  a  mim.  Este  é  um  momento  particularmente 
perigoso. Nós podemos tornar‐nos violentos quando existe uma ameaça de algo 
que pode regressar a nós. 
Descrevi  esta  segunda  fase  como  um  estado  da  mente  em  que  ocorre  algum 
barulho, alguma inconsistência preocupante. A esposa de um homem transporta 
a sua bruxa interior, mas ela não age como uma bruxa o tempo inteiro. O marido 
pode transportar o seu patriarca rígido, mas ele não age como tal o tempo todo. E 
há  dezenas  de  outros  exemplos  que  poderíamos  aplicar  aqui.  A  China  pode 
parecer  defender  os  direitos  humanos  numa  específica  situação,  um  general 
pode  tornar‐se  carinhoso,  um  artista  louco  pode  tornar‐se  organizado.  E  isto  é 
preocupante.  Nesta  fase  começamos  a  ficar  nervosos,  e  tudo  pode  acontecer. 
Qualquer imagem de exuberância, poder, inconsistência ou espontaneidade pode 
tornar‐se perigosa. 

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A terceira fase dá‐se quando a mente da pessoa perturbada pela falta do alvo em 
quem  projecta  activa  a  sua  inteligência  moral  para  poder  reparar  o  barulho  da 
segunda fase. A ideia em si é assustadora, porque nós precisamos da inteligência 
moral,  e,  todavia,  aqui  transforma‐se  numa  ferramenta  para  continuarmos 
inconscientes.  As  pessoas  com  uma  inteligência  moral  activa  tornam‐se  muitas 
vezes perigosas, porque no preciso momento em que a máscara cai elas avançam 
e voltam a colocá‐la no seu devido lugar. No caso do abuso físico e/ou verbal a 
crianças a regra é esta: cada acto de crueldade, consciente ou não, que os nossos 
pais tomam é por nós interpretado como um acto de amor. Assim, a inteligência 
moral redefine acções brutais e abusivas como actos de amor. 
Vejamos  como  projectamos  nas  crianças.  Quando  uma  criança  mostra  um 
pequeno  sinal  do  seu  diabinho  endiabrado  e,  contudo,  nós  reagimos  com  uma 
raiva  exagerada  como  resposta,  o  que  fazemos?  Normalmente  uma  vozinha 
dentro de nós diz qualquer coisa como “Não te preocupes muito, estás aqui para 
tornar  esta  criança  disciplinada  e  obediente.  Se  não  o  fizeres  ela  irá  tornar‐se 
preguiçosa e irresponsável.” 
Da  mesma  maneira,  os  seguidores  de  gurus  e  mestres  que  ficaram  ansiosos 
devido ao comportamento destes, irão em muito pouco tempo justificá‐lo. Todos 
têm acesso à sua inteligência moral. Irão fazer afirmações do género “ele está a 
mostrar a loucura em cada ser humano”, ou “ele está a desafiar o ego ocidental”... 
Vamos  recapitular  as  três  fases  iniciais  da  sombra.  Para  começar,  a  bruxa  do 
homem e o gigante tirano da mulher estão no exterior, e assim as coisas correm 
bem.  São  projectados  muitos  aspectos.  A  Maria  dá  o  seu  herói  ao  Manuel,  e  o 
Manuel  dá  à  Maria  a  sua  infantilidade.  Depois  as  coisas  começam  a  tremer  um 
pouco. E a Maria descobre que o Manuel ás vezes é um herói, e outras vezes não 
é. Então a Maria planeia, com a ajuda da sua inteligência moral, uma crise na qual 
o  Manuel  pode  provar  triunfantemente  ser  um  magnífico  herói.  Não  funciona. 
Então surge o esforço desesperado da terceira fase para tentar colocar a máscara 
de herói novamente no seu devido lugar, procurando na sua memória os perigos 
da  bruxa,  lutando  com  outras  mulheres  contra  os  patriarcas  abusivos  e 
conseguindo assim os seus objectivos. Por algum tempo. 
E  surge  a  quarta  fase.  Imagine  que  um  dia,  cansados,  desistimos  por  um 
momento  do  esforço  que  é  necessário  para  manter  a  máscara  no  seu  devido 
lugar  na  outra  pessoa.  Nessa  altura  deixa  de  haver  contacto  visual.  De  repente 
olhamos  para  nós  mesmos  e  vemos  o  pequenos  que  somos.  Reconhecemos  o 
quão  pequenos  temos  sido  toda  uma  vida.  Esta  quarta  fase  é  a  da  sensação  da 
diminuição  mental.  Se  um  rapaz  deu  o  aspecto  interior  de  bruxa  à  sua  mãe  e, 
mais tarde, a deu à sua esposa, irá chegar aos 40 ou 45 anos de idade e sentir‐se 
frágil e diminuído de alguma maneira, em determinadas situações. Isto porque a 
sua bruxa está fora de si. Poderíamos dizer que a bruxa é um aspecto de nós que 
quer  bloquear  o  nosso  crescimento  e,  ao  mesmo  tempo,  representa  uma  força 
bastante  positiva:  ela  sabe  exactamente  o  que  quer.  Ela  não  nos  pede  para 
consultar o tarot, ou o I‐Ching, e ver qual a melhor altura de começar um novo 
negócio. Ela quer um novo negócio e é agora! 
Ultimamente tenho reparado que há cada vez mais homens a abraçar o seu lado 
feminino.  Isto  é  um  gesto  de  coragem  recomendável.  Mas  a  falha  com  este 
abraçar  é  que  esquecem  a  bruxa  que  existe  dentro  deles.  Se  perguntar  a  um 

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destes  homens  o  que  gostariam  de  fazer,  raramente  sabem.  Na  melhor  das 
hipóteses  respondem  com  uma  pergunta:  “E  tu,  o  que  gostarias  de  fazer?”  ou 
então  “Deixa‐me  ver  o  se  a  minha  companheira/amiga/colega  tem  já  alguma 
coisa em mente...” Quando este tipo de homem termina uma relação amorosa é 
normalmente a mulher quem põe um fim à mesma. Embora por vezes este tipo 
de homem permita que a sua bruxa interior venha à luz e afirme “Basta!” Quando 
a  bruxa  regressa  poderíamos  dizer  que  regressa  ao  homem  uma  certa 
assertividade. Mas é então que estes homens, que anteriormente projectavam a 
sua  bruxa  interior  nas  mulheres  com  quem  se  relacionavam,  se  sentem 
diminuídos.  E  é  importante  que  eles  sintam  a  dor  inerente  tão  profundamente 
quanto  possível.  Agarrarem‐se  à  dor,  sentirem  a  dor.  Assim  poderão  descobrir 
um outro aspecto deles mesmos: a empatia, serem capazes de escutar a dor do 
próximo,  saber  fluir  com  a  vida.  E  podem  conseguir  tudo  isso.  Mas  o  poder  da 
bruxa é querer aquilo que quer e querê‐lo agora. E isto é algo que estes homens 
não conseguem abraçar. 
Todos sabemos o quanto uma mulher que tenha dado o seu herói a um homem 
mais tarde se sentirá diminuída. Mas dar o patriarca tirano não é muito melhor. 
Quando se dá o aspecto negativo dá‐se também o aspecto positivo. As mulheres 
que  deram  o  poder  do  seu  patriarca  a  um  homem  são  exímias  na  arte  do 
consenso  no  seu  dia‐a‐dia.  A  solução  diplomática,  inexistência  de  verdadeira 
autoridade,  e  o  lugar  onde  todos  têm  uma  palavra  a  dizer  e  todos  são  ouvidos. 
Elas acreditam que as sociedades matriarcas funcionavam assim. Esta atitude de 
consenso  pode  ser  muito  boa  no  mundo  exterior  mas  nunca  funcionará  no 
mundo  interior.  Quando  uma  mulher  pratica  a  arte  do  consenso  no  seu  mundo 
interior,  com  cada  um  dos  seus  aspectos,  o  critico  interior  pode  simplesmente 
avançar e despedaçá‐la.  
A  arte  do  consenso  também  não  funciona  muito  bem  no  mundo  interior 
masculino, pela mesma razão. 
Assim,  ao  insistir  que  o  modelo  de  autoridade  patriarcal  é  a  fonte  primária  do 
mal  no  mundo,  e  orgulhando‐se  de  não  fazer  parte  desse  modelo,  uma  mulher 
pode  condenar‐se  à  brutalização  dela  mesma  pelas  forças  que  se  escondem  no 
seu interior, na sua sombra. Da mesma maneira que o homem que abraça a sua 
feminilidade, devido à ausência da sua bruxa, não tem a força para terminar um 
relacionamento  que  o  transformou  em  escravo,  quanto  mais  para  terminar  um 
relacionamento interior com aspectos que envolvem pura escravatura. 
Se nós projectámos 30 partes de nós, 30 aspectos de quem somos, então somos 
diminuídos  de  30  maneiras  diferentes.  Tanto  os  homens  como  as  mulheres 
recuperam o seu guia espiritual através de um mestre ou guru quando se sentem 
suficientemente diminuídos. Isto não quer dizer que estavam errados quando lhe 
entregaram o seu poder inicialmente, mas cada aluno deveria estar consciente da 
sua diminuição antes da procura do seu poder interior. 
Os nossos amigos têm um papel fundamental nesta quarta fase. O sentimento de 
diminuição cria situações estranhas, bizarras mesmo. Se optarmos por contar a 
um amigo sobre este nosso sentimento é importante que o nosso amigo não nos 
tente  animar,  alegrar,  na  altura.  Afirmar  coisas  como  “Não!  Tu  não  perdeste 
nada,  estás  só  cansado!”  Se  um  homem  abraça  a  sua  bruxa  interior,  ou  uma 
mulher  o  patriarca  tirano,  é  muito  provável  que  os  seus  amigos  não  fiquem 

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muito contentes. Os nossos amigos gostam de nós como somos e não como nos 
queremos tornar: completos. 
E  o  que  dizer  das  crianças?  Elas  podem  estar  habituadas  a  ser  diabinhos 
endiabrados  e  congelar‐nos  numa  posição  eticamente  forte.  Quando  nos 
sentimos diminuídos em relação aos nossos filhos é porque projectamos a nossa 
criança  neles.  E  eles,  com  a  sua  criança  matreira  ainda  activa,  conseguem 
dominar‐nos.  
Uma  coisa  importante.  Nesta  quarta  fase  ainda  não  se  encontra  completo.  Na 
verdade  em  nenhuma  das  fases  se  encontrará  completo.  Isto  porque  nos 
encontramos todos simultaneamente nas cinco fases! À medida que projectamos 
e  somos  projectados  nos  vários  aspectos  negados,  poderes  abandonados.  Cada 
um inconsciente num determinado grau ou a abraçar outros aspectos num outro 
grau. 
Torna‐se mais claro que a quinta fase neste longo processo se refere ao estado da 
mente  em  que  recuperamos  o  gigante,  recuperamos  a  criança  endiabrada, 
recuperamos o nacionalista bruto, recuperamos a bruxa. E a todo este processo 
poderíamos chamar de comer a sombra. 
Comer a nossa sombra é um processo moroso. Não acontece de uma só vez, mas 
ao  longo  de  centenas  de  vezes.  Foi  Winston  Churchill  quem  afirmou  “Tive  que 
comer  muitas  das  minhas  palavras  inúmeras  vezes  e  descobri  que  a  dieta  era 
muito nutritiva!” 
Os puritanos, na sua persistência de que as crianças são endiabradas, impedem 
muitos  de  abraçar  a  sua  criança  interior,  a  parte  da  sua  sombra  que  tem  um 
poder endiabrado. A Igreja, ao perseguir as bruxas, que hoje sabe‐se terem sido 
as  mulheres  da  cura,  causou  um  sofrimento  atroz  e  muita  injustiça  e  barrou 
muitos  homens  de  abraçar  a  sua  bruxa  interior.  Um  dos  motivos  porque  ainda 
hoje a Igreja se encontra tão mal alimentada. 
À medida que uma pessoa vai avançando na idade torna‐se mais sábia nesta fase. 
A  mãe  pode  alimentar,  mas  é  a  bruxa  que  tira  o  alimento  e  o  come.  Por  este 
motivo  a  bruxa  tem  que  ser  resgatada  para  que  a  pessoa  possa  abraçar  uma 
parte  significativa  da  sua  sombra.  Quando  uma  pessoa  começa  a  abraçar  a 
autoridade  projectada,  ou  rejeitada,  por  exemplo,  entrará  em  cena  Saturno.  E 
com  Saturno  a  nossa  paixão  aprofunda‐se,  e  a  melancolia,  uma  marca  típica  de 
Saturno e da Sombra resgatada, traz o seu luto e com ele a abertura do espírito. 
Começamos a ter a percepção nítida dos nossos limites, e estes limites começam 
a mostrar‐se como uma parte natural de quem somos: vida completa. 
A  espontaneidade  reaparece  na  nossa  relação  com  os  nossos  filhos  quando 
começamos a viver a mágoa do regresso da sombra. Para melhor compreender 
este  relacionamento,  na  quinta  fase,  deixo‐lhe  uma  história  que  li  num  livro  do 
George Docsi. 
“Quando  era  criança  e  vivia  na  Hungria,  tive  sorte  de  pertencer  a  uma  família 
abastada. A parte do dia que mais me encantava era o jantar. Ao fim do dia descia 
as escadas e entrava na sala de jantar. A mesa estava posta, com pratos e talheres 
que me pareciam gigantescos. Os adultos sentados, a conversar animadamente. O 
meu avô, o patriarca, era respeitado e ouvido por todos os outros. E depois ter as 
empregadas  a  servir‐me  a  sopa.  Este  era  o  momento  especial.  O  sorriso  da 

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empregada enquanto me servia a sopa! Devia ter uns cinco anos de idade. Um dia 
desci  para  me  sentar  à  mesa,  como  de  costume,  e  a  casa  estava  cheia  de 
estranhos,  mal  vestidos,  amedrontados,  que  tremiam.  Pareciam‐me  muitos. 
Fiquei assustado. Fui na mesma para a sala de jantar, com medo a apoderar‐se de 
mim. Soube mais tarde que tinha havido qualquer revolta na Rússia e os judeus 
tinham  fugido  à  pressa.  Nós  vivíamos  numa  cidade  ao  lado  da  fronteira  com  a 
Rússia. O meu avô tinha ido à estação dos comboios e trouxera para casa tantos 
judeus  quantos  lhe  tinha  sido  possível.  Quando  entrei  na  sala  de  jantar  fiquei 
ainda  mais  aterrorizado.  Alguém  se  tinha  sentado  no  meu  lugar!  Na  verdade 
todos os lugares à mesa estavam ocupados e ninguém fazia parte da minha feliz 
família! Fui ao meu lugar, peguei no pedaço de pão que me estava destinado por 
direito e fugi de volta ao meu quarto. Quando ía subir as escadas ouvi o meu avô 
a chamar‐me. Virei‐me e, num ataque de raiva, atirei com o pão ao chão. O meu 
avô, com uma face de amor e carinho, pegou no pão e colocou um beijo tão suave 
naquele  pedaço  de  trigo.  Depois  entregou‐mo  de  volta.  Sem  saber  o  que  tinha 
acontecido,  peguei  no  pão  e  comi‐o.  O  meu  avô  tinha‐me  mostrado  que  era 
normal eu sentir aquela raiva, e reconhecia nela a sua criança endiabrada, a qual 
ele amava do mais profundo do seu coração.” 
A  maioria  dos  pais,  numa  situação  idêntica,  teriam  ficado  furiosos. 
Provavelmente teriam gritado algo como “Apanha já o pão! Há crianças a morrer 
à fome em África!”, ou qualquer outra idiotice. O avô de George passou por cima 
de toda essa projecção, abaixou‐se e apanhou o pão, sem qualquer projecção da 
criança. Depois beijou o pão, um acto tão belo quanto indescritível. Não acusou o 
pão de ser mau, nem a criança de ser endiabrada. Um acto espontâneo, decisivo, 
e no entanto cheio de autoridade e mágoa genuínas. 
Assim,  a  pessoa  que  abraça  a  sua  sombra  na  totalidade  irradia  calma,  e  mostra 
mais  mágoa  do  que  raiva.  Se  os  sábios  da  antiguidade  tinham  razão  e  a  nossa 
sombra contém inteligência, alimento para a alma e informação valiosa, então a 
pessoa  que  abraça  a  sua  sombra  na  totalidades  será  muito  mais  energética  e 
inteligente. 
A questão que temos que nos colocar, então, é, como abraçar a nossa sombra na 
totalidade? 
O  processo  é  simples  e,  em  simultâneo,  perigoso.  Na  verdade  não  é  muito 
aconselhável enveredar por este caminho sem o apoio de alguém que o tenha já 
percorrido antes. Por vezes torna‐se assustador. Para quem abraça a sua sombra 
e também para aqueles que o rodeiam no dia‐a‐dia. 
No seu dia‐a‐dia sugeria‐lhe apurar os seus sentidos físicos: o sabor, o cheiro, o 
tacto,  a  audição  e  a  visão.  Crie  alguns  buracos  nos  seus  hábitos  diários.  Ouça 
música  e  dance  como  se  ninguém  o  estivesse  a  ver.  Faça  estátuas  assustadoras 
em  barro.  Toque  tambores.  Isole‐se  por  um  mês  e  imagine‐se  um  criminoso 
fugido genial. Se for mulher faça de conta que é um patriarca tirano em alturas 
específicas  do  dia,  mas  de  uma  maneira  divertida.  Se  é  homem,  tente  ser  uma 
bruxa  má,  mas  também  de  uma  maneira  que  seja  divertida  para  si.  E  repare 
sempre como se sente nesses papeis. A mulher pode dar uma gargalhada sonora 
e  bater  com  a  mão  na  mesa.  O  homem  pode  dar  as  gargalhadas  típicas  de  uma 
bruxa malvada. 

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Para  o  homem  é  importante  que  ele  descubra  qual  a  mulher,  ou  mulheres,  que 
possuem a sua bruxa. Depois terá que confrontar essa mulher, cumprimentando‐
a  cordialmente  e  afirmando  “Eu  quero  a  minha  bruxa  de  volta.  Dá‐ma.”  O  mais 
provável é que a mulher sorria com curiosidade e poderá devolver‐lhe a bruxa, 
ou não. Se ela recusar, o homem pode simplesmente pedir desculpa, olhar para a 
sua esquerda (para a sombra real da mulher) e abrir a boca como se estivesse a 
comer  essa  sombra.  Uma  mulher  pode  ir  ter  com  a  sua  mãe  e  fazer  o  mesmo 
pedido, porque são as mães as que possuem a bruxa interior de cada mulher. E 
ao recuperar a bruxa interior, recupera todo o poder, toda a energia, que perdeu 
ao dá‐la quando criança. 
A  mulher  pode  ir  ter  com  o  pai  e  dizer‐lhe  “Tu  tens  o  meu  gigante  tirano.  Eu 
quero‐o  de  volta.”  Ou  pode  ir  ter  com  um  professor  antigo  ou  um  ex‐marido  e 
dizer‐lhe “Tu tens o meu patriarca negativo. E eu quero‐o de volta.” Mesmo que a 
pessoa  que  carrega  a  projecção  da  bruxa  ou  do  gigante  tirano  esteja  já  morta, 
pode sempre fazer este processo mentalmente, fazendo o pedido em voz alta. 
Há  muitas  outras  formas  de  abraçar  a  sombra,  ou  ir  buscar  a  projecção,  ou 
diminuir  o  peso  do  saco  que  tem  nas  costas.  O  importante  é  saber  utilizar  as 
palavras  correctas.  Significa  isto  que  têm  que  ser  palavras  precisas  e  com  uma 
base  física.  Utilizar  a  linguagem  mais  consciente  é  uma  das  formas  mais 
poderosas  de  ir  buscar  a  nossa  sombra  que  se  encontra  espalhada  pelo  mundo 
exterior. 
A  energia  que  perdemos  no  processo  inicial  encontra‐se  a  flutuar  à  volta  da 
nossa  mente,  e  uma  forma  de  a  resgatar  é  com  uma  corda  feita  do  vocabulário 
apropriado.  Há  palavras  que  são  como  redes,  e  temos  que  usar  essas  redes 
activamente, atirando‐as à nossa volta e recolhendo os nossos aspectos perdidos. 
Se queremos a nossa bruxa de volta, escrevemos sobre ela. Se queremos o nosso 
guia  espiritual  de  volta  escrevemos  sobre  ele,  em  vez  de  o  experienciar 
passivamente noutra pessoa.  
A  linguagem  contém  a  substância  da  sombra  perdida  ao  longo  de  milhares  de 
anos. Se não é capaz de se expressar por palavras, experimente com a pintura, ou 
escultura. Quando pintar a sua bruxa com uma intenção consciente, irá descobrir 
onde é que ela se esconde no mundo exterior. Será assim mais fácil resgatá‐la.  
Assim,  a  quinta  fase  envolve  a  actividade,  a  imaginação,  a  caça,  o  pedir.  Chore, 
como choraria uma criança, até obter aquilo que é seu por natureza.  
As pessoas que são passivas em relação aos aspectos que projectam contribuem 
para muitas das crises mundiais. Entregam os seus aspectos da sombra a líderes, 
políticos  e  fanáticos.  A  energia  das  suas  sombras  são  absorvidas  por  estas 
pessoas e utilizada sem escrúpulos. Não se permita sentir culpado por ir atrás da 
sua sombra, por reivindicar o seu poder. 
Uma  das  coisas  que  temos  que  fazer  é  trabalhar  bastante  neste  processo  de 
abraçar a nossa sombra. Desta forma certificamo‐nos que a nossa energia não é 
utilizada por outros em situações que são perigosas para a humanidade. É o caso 
do politico que ameaça um país vizinho, ou o líder religioso que viola crianças, ou 
o  administrador  de  uma  grande  empresa  que  deixa  centenas  de  pessoas  sem 
emprego. 

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