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9 segunda-feira, 4 de Fevereiro de 2002

Um ano depois do primeiro Jornal das Boas Notícias e depois de uma interrupção prolongada, aparece o n.º 9, já em Feverei-
ro de 2002.
É importante recordar o artigo originário que inspirou a ideia: “Boas Notícias”, de João César das Neves, em Janeiro de 2001.
O Jornal das Boas Notícias
Não se trata de dar apenas uma visão optimista da realidade, mas de olhar para o que acontece reconhecendo o bem. Citando
o director do Boas Notícias: "É evidente que temos uma visão ideológica do mundo. Tão parcial como a de todos. Perante um facto, um aconte-
cimento, uma realidade, o ser humano observa-o selectivamente, raciocina criteriosamente e decide o que pensar sobre ele. Tudo isto é feito a partir
dos princípios de análise, dos preconceitos de avaliação que cada um de nós tem. A única publicação realmente neutra que conheço é a lista telefónica.
Só aí não existe uma opinião para observar o mundo e decidir o que dizer e como.
Por todo o lado há pessoas a trabalhar para aumentar a felicidade. Nós, com humildade, queremos relatar isso. Só o bem existe. O mal é ausência.
O bem é verdade. O mal é mentira."
A minha experiência do último ano mostra-me que nem sempre isto é fácil. Em muitos casos, é importante mostrar a verdade
mesmo que não seja boa notícia. Contudo, a verdade é sempre melhor notícia do que a mentira, a mistificação ou a ocultação.
Conto com os leitores para me ajudarem, comentando, enviando notícias ou artigos que achem que podem ser interessantes
para todos.
Aproximamo-nos de um período decisivo para a vida do nosso país e adivinha-se uma campanha em que desejamos se deba-
tam as questões decisivas para definir o modelo de sociedade que queremos para nós e para os nossos filhos. Portanto, é
importante estarmos atentos e não nos deixarmos iludir pelas notícias que são apenas notícia...
Pedro Aguiar Pinto

- Tudo o que temos que decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado
Gandalf, J. R. R. Tolkien, O Senhor dos Anéis (I)

Boas notícias................................................................................... 1 "Estendemos a mão, não apontamos o dedo"....................10


A Esperança serve a Paz.............................................................. 2 Missa em Cabul ..........................................................................11
O Anel do Gigante....................................................................... 2 National Sanctity of Human Life Day 2002.....................11
O Euro e a paz .............................................................................. 4 Quanto custa um aluno?...........................................................11
Campanha "Ousar Desmascarar os Comerciantes da Os homens e o aborto...............................................................12
Morte"........................................................................................ 4 O elogio da desgraça..................................................................12
Médio Oriente: Construção de Mesquita suspensa ............ 4 Crises de Santos..........................................................................13
Droga nas prisões (parte II)....................................................... 5 As Minhas Causas para a Educação ......................................13
Droga nas prisões (parte III)..................................................... 6 Simpósio sobre a família em Helsínquia..............................14
O MELHOR É POSSÍVEL.................................................... 8 Putos..............................................................................................14
Peritos.............................................................................................. 9 Trabalho de casa.........................................................................15
Papa baptizou 20 bebés na Capela Sistina ............................ 9
Palavra final..................................................................................10 _____________________________________________
dimensão e louvava o trabalho dos bombeiros e hospitais
Boas notícias da zona. Notava a sorte de o prédio ter caído a meio da
manhã, quando estava bastante vazio, e para as traseiras
In: DN, 2001.01.01
desertas, em vez de derrocar na avenida, em hora de pon-
João César das Neves
ta. E relatava o feito de um rapazinho, que saltara do
A primeira grande novidade do milénio foi o aparecimen-
segundo andar com a irmã bebé ao colo, acto que ficara
to do GoodNews. O diário apresentou-se com o propósi-
esquecido nos outros jornais. A sua circulação aumentou
to de "dar apenas e sempre boas notícias", declarando
em flecha.
olhar a actualidade do ponto de vista positivo e construti-
O sucesso fez crescer as críticas. Alguns afirmaram que o
vo, sublinhando o virtuoso, o amável, o heróico, o bom.
GoodNews era uma nova versão dos tradicionais "jornais
"No panorama mediático actual", dizia o seu primeiro
da situação". De facto, o Governo louvou-o por "final-
editorial (publicado noutro jornal, por tratar de más notí-
mente alguém dar atenção ao muito de bom que há no
cias), "domina o chocante, o trágico, o dramático, o mau.
país", enquanto a oposição o acusava de "simplismo,
Quando algo corre bem deixa, por isso mesmo, de ser
seguidismo e ingenuidade". Mas a pouco e pouco come-
notícia. Só os desastres e guerras são referidos. A bondade
çou a notar-se que a actividade política estava quase au-
e a paz apenas aparecem quando falham. Todos os jor-
sente do periódico. Considerava a maior parte desse deba-
nais, mesmo os mais clássicos, são dominados por esta
te irrelevante e inconsequente, e muitas das alegadas "bo-
visão perversa. Em vez do provérbio no news is good
as notícias" do Governo mostravam-se promessas irrealis-
news (se não há notícias é boa notícia), a prática passou a
tas e desinteressantes. As que chegavam a ser publicadas,
ser good news is no news."
nunca o eram da forma que o Executivo pretendia. O
A nova linha editorial foi muito contestada pelos intelec-
GoodNews mostrava, pelo contrário, uma evidente prefe-
tuais como "romântica, idealista, delicodoce". Mas o jor-
rência por relatar a vida da sociedade, a forma humilde e
nal recusava ficções ou distorções imaginativas. Publicava
imaginativa como as pessoas vão resolvendo as suas difi-
a verdade e apenas a verdade. Só que a publicava com
culdades, mesmo as mais dramáticas. Em vez da busca
atenção ao positivo e não ao negativo. O facto ficou pro-
desenfreada dos "podres" e do culto do "anti-herói",
vado quando se deu a derrocada do arranha-céus na cida-
descreviam-se serenamente os bons exemplos. Recusava a
de. As agências, jornais e televisões enchiam-se com san-
pose pomposa de justiceiro mediático em busca de escân-
gue, lágrimas e acusações. O GoodNews referia o surpre-
dalos, que só aumenta a injustiça. Preferia relatar a condu-
endente número de sobreviventes num desastre daquela

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ta virtuosa perante os obstáculos. Na economia, acompa-
nhava o desenvolvimento estrutural e iniciativas de méri-
A Esperança serve a Paz
João Caniço
to, desprezando o saltitar financeiro e o apelo permanente In: Correio da Manhã, 2002-01-05
à crise.
O Jornal das Boas Notícias
Redobra a esperança na paz mais vizinha de Angola, ao
De repente, o país tomou consciência da enorme quanti- tomar-se conhecimento de que a ONU, em Nova York,
dade de iniciativas e instituições de solidariedade e dos se dispôs e conseguiu abrir o diálogo com representantes
seus grandes benefícios. Tornaram-se famosos nomes e de Savimbi, após o prévio conhecimento e aprovação do
caras de muitos "heróis do quotidiano", que insistiam em Governo de Luanda. Dando crédito a esta notícia, difun-
fazer o bem em condições difíceis. Como se dizia num dida na passada Quarta-feira, parece-nos estar perante um
dos artigos, "é impressionante quanto bem existe entre facto concreto e positivo, que julgamos como uma das
nós, e como resiste ao mal, mesmo quando o mal é tão melhores notícias das últimas semanas, no que respeita ao
forte". caminho para a Paz.
Na classe dos profissionais da informação, o GoodNews Não deixa de ser significativo, ao mesmo tempo, o esfor-
acendeu uma longa e acesa polémica. Alguns jornalistas ço da propaganda oficial, servida diariamente pela Televi-
influentes declararam-se a favor do periódico, mas a mai- são, Rádio e Jornal, no sentido de convencer as pessoas
oria foi muito crítica. "Trata-se de uma publicação ideoló- de que a insurreição armada está em agonia e tem os dias
gica, que pretende inculcar uma visão doutrinal aos seus contados, até porque, nas últimas semanas do ano, dia
leitores", diziam muitos. Mas que visão era essa, não era após dia, se foram entregando ou foram sendo capturadas
consensual. Apelidado por muitos como "conservador", o personalidades importantes das fileiras do inimigo. Apesar
GoodNews era atacado pelas forças conservadoras por de nem sempre se provarem estes acontecimentos, ou até
não denunciar o mal deste mundo progressista. Uns cha- alguns deles virem a ser desmentidos nos dias seguintes, o
mavam-lhe "epicurista" e outros "cristão". Não faltavam, certo é que passam por verdades na opinião pública, e,
até, os que o apelidavam de "tentativa maçónica de restau- acima de tudo, favorecem um desejado ambiente de eufo-
rar o comunismo" ou de "neonazismo encapotado e po- ria e de vitória, muito importante para o Partido do Go-
pulista". verno, quer na sua governação quotidiana quer nas futuras
O director do jornal, entrevistado na televisão, respondeu negociações com Savimbi.
a estas críticas de forma bonacheirona. "É evidente que No entanto, é cada vez mais visível o espírito crítico da
temos uma visão ideológica do mundo. Tão parcial como população, quer nas conversas caseiras, quer nas ligações
a de todos. Perante um facto, um acontecimento, uma telefónicas dos programas de algumas Rádios (em que
realidade, o ser humano observa-o selectivamente, racio- sobressai a Rádio Ecclésia, Emissora Católica de Angola).
cina criteriosamente e decide o que pensar sobre ele. Aí avulta não só a descrença por este género de propa-
Tudo isto é feito a partir dos princípios de análise, dos ganda
preconceitos de avaliação que cada um de nós tem. A enganadora, mas também o cansaço da guerra, o cresci-
única publicação realmente neutra que conheço é a lista mento da pobreza e o aumento da fome e da morte, para
telefónica. Só aí não existe uma opinião para observar o além do sentir de todas as injustiças e
mundo e decidir o que dizer e como. desigualdades sociais em que se vive no dia a dia.
A nossa diferença não está aí. A comunicação social mo- É o surgir desta tomada de consciência, de dia para dia,
derna acredita, por vezes de forma inconsciente, que só que faz animar os cépticos e dar esperança aos incrédulos.
consegue agradar e atrair a atenção dos leitores de forma Ela vai confirmando também o estado
bombástica ou sedutora. Os instrumentos que todos adulto desta sociedade, nomeadamente entre os seus
usam, dos jornais aos políticos e anunciantes, é a adrena- membros mais representativos e autorizados. Por isso,
lina e a líbido. A sua atitude é encarar o público como um estamos convictos de que esta esperança também serve a
animal, que tem de ser agredido ou assustado, surpreendi- Paz.
do ou acariciado. Nós tratamo-lo como uma pessoa civili-
zada, que olha o mundo de forma serena, positiva e inteli-
gente, que luta com coragem e esperança contra aquilo O Anel do Gigante
que pode mudar e se conforma sabiamente com o que Santiago Fernández Burillo
tem de suportar. E tenta sempre adaptar-se, fazendo o In: http://arvo.encuentra.com/includes/documento.php?IdDoc=3950&IdSec=665 (2002-01-
melhor possível. Estamos conscientes dos erros e dos 06)
problemas, mas, em vez de resmungarmos e de os denun- A versão de Tolkien. O mito do Anel do Poder
ciarmos, apresentamos bons exemplos de solução. Não (Sabedoria e mito na literatura antiga e moderna)
nos indignamos hipocritamente, mas procuramos com- A crítica moderna sabe que por
preender e ajudar. detrás dos mitos e lendas existe
O mundo é um sítio extraordinário; e o mais extraordiná- um registo de factos históricos.
rio é o ser humano. E o mais extraordinário no ser huma- Antes de cantar a sua gesta,
no é a capacidade de virar o mundo para o bem. Vivemos existiu D. Rodrigo Ruy Díaz,
tão pouco tempo aqui. Porque não passá-lo a ver e a fazer chamado el Cid; e antes dos
o bem? Por todo o lado há pessoas a trabalhar para au- poemas e mitos homéricos
mentar a felicidade. Nós, com humildade, queremos rela- sobre Páris e a maçã de ouro, o
tar isso. Só o bem existe. O mal é ausência. O bem é rapto de Helena, esposa de
verdade. O mal é mentira." Menelao e a triste história do rei
Agaménon, e antes de Heitor, e
do colérico Aquiles que preferiu
ser cantado do que viver, antes
de Eneias e Ulisses, parece que houve uma verdadeira
guerra de Tróia.

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Por uma via semelhante se elaborou o mito do Anel do
poder. Uma diferença chamativa separa-o de outros mi-
se no seu dedo, para o convencer a impor o seu domínio
sobre todos. Durante muitos anos pertenceu a Gollum,
tos; a sua versão arcaica é sóbria e realista; ao passo que as criatura cuja personalidade ficou irremediavelmente des-
mais recentes são sapienciais e decididamente mágicas. truída: ama o seu próprio poder de tal modo que não
O Jornal das Boas Notícias
A versão arcaica do mito narra-a Heródoto: é a história de pode amar e vive na obscuridade nas águas subterrâneas.
como Giges, o que viu sem ser visto, chegou a apoderar- Bilbo, perito em adivinhas e enganos, apoderou-se do anel
se do trono da Lídia. Mais recente é a versão de Platão, de Gollum, mas desde esse dia vive na mentira: ocultou a
que no diálogo República conta como o mesmo Giges sua possessão a Gandalf, o mago que o havia chamado
adquiriu o poder da invisibilidade em virtude do anel pela primeira vez a uma empresa heróica.
mágico. Cícero recuperou a versão platónica do mito e a Passaram muitos anos. O Inimigo prossegue a busca do
comenta com enorme finura no seu tratado ético De Offi- Anel e estreita o seu cerco em torno do Shire, onde nada
ciis. acontece digno de nota. Tanto o inimigo como Gandalf
Na História de Heródoto (Livro I) Giges esá nas origens sabem: Bilbo tem que optar:
lendárias de uma dinastia de reis. O seu relato sustenta “— Tive que te aborrecer — disse Gandalf —. Queria
uma reflexão sobre a legitimidade do poder, mas ali, não conhecer a verdade. Era importante. Os anéis mágicos
há anel mágico; limita-se a descobrir, com realidade e são... bem, mágicos; raros e curiosos. Estava profissio-
realismo, uma turva intriga palaciana. O anel mágico apa- nalmente interessado no teu anel, podes dizer, e porém,
rece pela primeira vez no relato platónico e desta vez ainda o estou. Gostaria de saber por onde anda, se partes
coloca-se explicitamente a questão do bem moral e o de novo. E também penso que já o tiveste bastante tem-
poder. O sofistas Glauco e Trasímaco sustentam a tese de po. Já não necessitas dele, Bilbo, a menos que eu me
Nietzsche, a saber, que a diferença entre o bem e o mal é engane.
uma invenção dos débeis para refrear os mais fortes. Ali, Biblo ruboresceu e um resplendor colérico acendeu-lhe o
ética e pode são confrontados claramente, mediante a olhar. O rosto bondoso endureceu-se-lhe imediatamente.
fábula do anel mágico. —¿Por que não? — gritou—. ¿E que te importa saber o
O Senhor dos Anéis que faço com as minhas próprias coisas? É meu. Encon-
De todas as versões, a última, e literariamente mais elabo- trei-o. Veio ter comigo.
rada está n’ O Senhor dos Anéis, de John R. R. Tolkien — Sim, sim — disse Gandalf—; não há razão para te
(1892-1973), editada pela primeira vez entre 1954 e 1955. zangares.
Esta novela é a obra mestra do século XX que mudou o — Se me zango é por tua culpa. Volto a repetir que é
rumo das modas, demonstrando que existe uma perene meu. Meu. O meu tesouro. Sim, o meu tesouro.
vinculação entre literatura, sabedoria e consciência. A cara do mago continuava grave e atenta, e só uma luz
O leitor moderno da Guerra do Anel, introduz-se com- vacilante nos olhos profundos mostrava que estava as-
plácido no mundo romântico de qualidades ocultas, onde sombrado e alarmado.
as velhas espadas guardam rancores, as águas falam, as — Alguém o chamou assim —disse—, e não foste tu.
árvores são sábias e conservam a memória dos Primeiros — Mas eu chamo-o assim agora. ¿Por que não? Mesmo
Dias do mundo. Distantes do Shire onde vivem hobbits que uma vez Gollum tenha dito o mesmo. Já não é dele
pacíficos e sedentários, existem dragões, elfos, magos e, agora, mas meu e repito que o conservarei.
sobretudo, uma guerra sem tréguas entre o bm e o mal, Gandalf pôs-se de pé. Falou com severidade.
que está longe de ter ficado definitivamente encerrada nos — Serás um tonto se o fazes, Biblo —disse—. Cada
livros de história. O leitor moderno goza do entrelaça- palavra que dizes o mostra mais claramente. Tem demasi-
mento da vida real, lendas e canções antiquíssimas em ado poder sobre ti. ¡Deixa-o! Então poderás ir e serás livre
línguas desconhecidas, saboreia uma recriação genial tanto “ (O Senhor dos Anéis, I p. 49-51).
da novela realista como do mito clássico; mas sabe, sobre- Face a uma terrível luta interior, Bilbo cede: não duvida
tudo, que esse mito lhe fala dos horrores do século XX e de Gandalf e conhece o influxo malévolo eu o anel exerce
da face visível de algo que ele mesmo conheceu: o nihi- sobre ele, desde há anos. Porém, renunciar à sua posses-
lismo, a desumanidade, a vontade organizada de poder. são significa renunciar para sempre a um poder grande. É
J. R. R. Tolkien construiu quase todo os seu universo claro que nunca quis servir-se dele para praticar o mal;
literário em volta do mito do anel. A sua novela começa porém, também é claro que, enquanto o possui, é o pos-
evocando um canto procedente da noite, sobrevivente de suidor de um poder sem limites:
trás dos Dias Antigos, quando o senhor do Mal traçou um “Bilbo esfregou os olhos.
plano para dominar o mundo: — Lamento-o, mas sinto-me muito só, e seria um alívio,
Três anéis para os Reis Elfos debaixo do céu de certo modo, não ter que me preocupar mais. Obcecou-
Sete para os Senhores Anões em casas de pedra. me nos últimos tempos. Às vezes parecia-me um olho que
Nove para os Homens Mortais condenados a morrer. em olhava. Tinha sempre vontade de o pôr e desaparecer,
Um para o Senhor das Trevas, sobre o trono das trevas na ¿sabes?, e logo queria tirá-lo, temendo que fosse perigoso.
Terra de Mordor onde se estendem as Sombras. Tentei guardá-lo fechado à chave, mas dei-me conta que
Um Anel para governá-los a todos. Um Anel para os não podia descansar se não o tinha no bolos. Não sei
encontrar, um anel para os atrair a todos e amarrá-los nas porquê. E não me acho capaz de me decidir.
trevas na Terra de Mordor onde se estendem as Sombras. — Então confia em mim —disse Gandalf—. E está tudo
(J. R. R. Tolkien, O Senhor dos Anéis, “Dedicatória”) resolvido. Vai-te e deixa-o. Renuncia a tê-lo e dá-o a
O Hobbit Frodo, que eu velarei por ele.
Na sua primeira novela, O Hobbit (1937), Tolkien narrou Bilbo parou um momento tenso e indeciso. Finalmente
o encontro casual do senhor Bilbo Baggins com um anel suspirou e disse com esforço:
animado de vontade própria e capaz de fazer invisível —Está bem, fá-lo-ei. —Encolheu os ombros e sorriu
quem o pusesse. Esse anel possui o homem e não o inver- tristemente— (…)
so. É o anel que elege o seu portado e trata de introduzir- —Muito bem —disse Bilbo—, deixá-lo-ei a Frodo com

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tudo o resto. —Tomou alento—. E agora tenho que
partir, ou corro o risco de ser apanhado por alguém. Já
sugeriu aos homens de boa vontade a justiça e o perdão
como a via segura para se chegar à Paz. “Só o perdão
lhes disse adeus e não ia recomeçar outra vez. pode superar a sede de vingança e abrir o coração a uma
Recolheu a maleta e foi até a porta. reconciliação autêntica e duradoira entre os povos”, afir-
O Jornal das Boas Notícias
Recogió la maleta y fue hacia la puerta. mou João Paulo II que, ele próprio, pediu perdão “pela
—Contudo ainda tens o anel — disse o mago. minha fragilidade física”.
—¡Sim, tenho-o! — gritou Bilbo —. E o meu testamento Depois, durante a oração do Angelus, João Paulo II,
e todos os outros documentos também. É melhor que tu apresentou o perdão como uma alternativa a esse instinto
os guardes e lhos entregues em meu nome. Será o mais de se responder ao mal com o próprio mal. Para todos,
seguro. crentes e não crentes, acrescenta o Papa, é válida a regra
—Não, não me dês o anel — disse Gandalf —. Põe-no de fazer aos outros o que gostaríamos que nos fizessem a
sobre o parapeito da chaminé. Estará seguro ali até que nós. Este princípio ético aplicado a nível social e interna-
Frodo chegue; eu esperá-lo-ei. cional é, segundo o Papa, uma via mestra para construir
Bilbo tirou o sobrescrito do bolso e no momento em que um mundo mais justo e solidário.
o colocava junto ao relógio, tremeu-lhe a mão e o pacote João Paulo II recordou ainda a introdução da nova moe-
caiu no chão. Antes que pudesse apanhá-lo, o mago aga- da, o Euro, na Europa. O Papa lembrou o “momento
chou-se, recolheu-o e pô-lo em seu lugar. Um espasmo de histórico” para os Países da União Europeia, desejando
raiva cruzou fugazmente outra vez a cara do hobbit e que “cresça em toda a Europa a justiça e a solidariedade
quase em seguida se transformou num gesto de alívio e para proveito da inteira família humana”.
numa risada.
—Bem, já está —comentou—. Agora sim, ¡vou-me!» Campanha "Ousar Desmascarar os Co-
(O Senhor dos Anéis, I, p. 49-551). merciantes da Morte"
Uma gesta de “gente pequena”
A partir destas páginas, o leitor entra num relato épico 80 mil assinaturas recolhidas
Filipe R. Lucena
que o interpela seriamente, porque os protagonistas são
In: Ecclesia: 20020108
gente corrente, inclusivamente vulgar. Mas receberam um
encargo, a contragosto: o terrível encargo de afastar para A campanha “Ousar desmascarar os comerciantes da
sempre o Anel do poder quer das mãos do Inimigo quer morte”, que pretende levar à Assembleia da República
das pessoas simples que ignoram o fundo do assunto. A uma petição sobre o negócio e o tráfico das armas ligeiras,
grandeza das pequenas personagens, os hobbits que recolheu, de 3 de Outubro a 31 de Dezembro, mais de 80
acompanham o sobrinho de Bilbo, o jovem Frodo, reside mil assinaturas. “Atendendo à brevidade da campanha e
na sua tenaz resistência ao medo, albergado nos seus aos meios modestos com que foi efectuada, o resultado
próprios corações. Frodo e os seus amigos fiam-se em final é francamente positivo”, afirmou, à Agência
Gandalf e derrotam o mal no interior das suas consciên- ECCLESIA, o Pe. José Rebelo, da Missão Press (uma das
cias, pelo menos no final. entidades promotoras). Para o Pe. José Rebelo, “o núme-
O relato épico de Tolkien seduziu milhões de leitores no ro de assinaturas justifica, da parte do Parlamento, uma
século XX e não é preciso ser sagaz para prever que con- resposta célere”, não deixando a petição a agonizar em
tinuará a seduzir os leitores do século XXI. O novelista gavetas da Assembleia.
inglês revestiu de magia e narrações sabiamente encadea- No entanto, e porque estão já convocadas eleições legisla-
das alguns factos reais, dos quais o primeiro e principal tivas para 17 de Março, a petição só deverá ser entregue
me parece ser este: que o reduto último do mal se aninha ao Parlamento, quando este tiver a sua nova constituição
no coração de cada um e que a sua forma mais subtil é, e estando formado um novo governo.
antes de uma opção errada, antes de uma má vontade Esta campanha teve já entretanto um resultado prático: a
habitual, a resistência em cortar com a possibilidade de divulgação na Internet dos relatórios estatísticos sobre as
fazer o mal. A força sobrehumana do Anel não está so- exportações e importações de armas ligeiras, referentes
mente nos seus poderes, nem sequer na sua astúcia, mas aos últimos cinco anos. Segundo a revista missionária
na persuasão que exerce sobre o portador livre. Além-Mar, os relatórios indicam a existência de 46 empre-
O “portador do Anel” converte-se em sua vítima, desde sas portuguesas a negociar em armas. Nos relatórios pode
que sabe por experiência que o Anel o pode fazer invisí- também ficar a saber-se que de Portugal sai armamento
vel. Ser invisível é poder, poder fazer o que se quiser e para o Bahrain e para o Bangladesh; no primeiro caso, um
iludir o juízo de todos; o portador do Anel não pode ser país para o qual, segundo os critérios da Cátedra da
julgado por ninguém. Fica só perante a sua própria cons- UNESCO da Universidade Autónoma de Barcelona, não
ciência: ¿guardará —por acaso— o poder de fazer impu- se deve exportar armas de forma alguma, sendo que, no
nemente o mal? Para Bilbo, como vimos, não se tratava segundo caso, são levantadas reservas sobre o mesmo
de querer fazer o mal, mas de guardar esta possibilidade. procedimento. Nestes relatórios, e ainda segundo a revista
Esta possibilidade agarrava-o tão fortemente como a Além-Mar, no grupo Asiático de países destinatários de
corrente mais forte. armamento é incluído o Zimbabwe (país africano)! Os
relatórios podem ser vistos on-line em www.mdn.gov.pt.
O Euro e a paz
Médio Oriente: Construção de Mesquita
Paulo Rocha
In: Ecclesia, 2002-01-04
suspensa
Não é hoje fácil olhar o futuro com optimismo. Porém, In: RR on-line 2002-01-09 - 23:21

João Paulo II pede que não se caia na tentação do desâ- O Governo israelita decidiu suspender os trabalhos de
nimo. Recordando a Mensagem para o Dia Mundial da construção da Mesquita de Nazaré.
Paz, o Papa, na primeira missa a que presidiu em 2002, Após a forte polémica que envolveu sectores cristãos e

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muçulmanos, o Vaticano e vários chefes de Estado, entre
os quais o Presidente Bush, as obras foram suspensas.
Ela “obriga” é os toxicodependentes a tratarem-se!
Isso implica fazer um esforço para intervir nas forças
A decisão de construir uma Mesquita na esplanada da sociais que envolvem a pessoa toxicodependente. Estas
Basílica da Anunciação foi muito contestada também pela forças incluem além de oportunidades de trabalho e su-
O Jornal das Boas Notícias
maioria dos fiéis do Islão, considerando-a uma manobra portes comunitários, uma diferente atmosfera de moral e
política do Governo israelita para dividir cristãos e mu- de valores, sendo que a solução da “crise de valores” se
çulmanos. constitui não só a chave para o problema da toxicodepen-
Ariel Sharon tomou esta decisão após os alicerces da dência mas para a problemática do sentido da vida em
Mesquita já estarem prontos e os pilares de betão serem geral.
bem visíveis. A solução, não se duvide, está em encontrar novas manei-
Um porta-voz do Governo israelita adiantou que nas ras de o fazer.
próximas duas semanas, será indicado um novo local para Argumentar-se-á que a empreitada é impossível porque
construir a nova Mesquita. isso pressuporia acabar com o tráfico de droga no interior
das prisões e nisso ninguém acredita.
Droga nas prisões (parte II) Neste aspecto, a perspectiva vigente é que o consumo
existe porque há tráfico e que nunca se conseguirá acabar
Manuel Pinto Coelho
com ele, só que ela está completamente errada.
In: Euronotícias, 20020711
Há tráfico porque há consumo!
Não é verdade que o objectivo primeiro e último do sis-
Não se deve esquecer que toda a economia de mercado é
tema prisional é recuperar quem lhe bate à porta, devol-
dominada pela soberania do consumidor. Ora no caso da
vendo-o depois para uma vida, que se deseja, se lhe afigu-
toxicodependência, o consumidor consome porque tem
re de novo gratificante e apetecível?
necessidade, porque para isso foi aliciado, por imitação ou
Então porque não meter mãos à obra e aproveitar o facto
porque é burro!
de infelizmente ou talvez felizmente, o recluso - toxico-
Concordando que quando há procura, é praticamente
dependente ter todo o tempo do mundo, para estabelecer
impossível evitar a resposta da oferta, não nos parece que
então com ele um novo projecto de vida, com a ajuda de
reste outra saída a qualquer sistema prisional que se preze,
uma equipa pluridisciplinar e profissionalizada, apostada
que não seja encontrar energia para reprimir a verdadeira
num acompanhamento psico–sócio–educativo adequado
origem do fenómeno, o consumo de drogas, forçando os
às circunstâncias, aproveitando a oportunidade para tentar
seus utilizadores a desintoxicarem-se, disponibilizando-se
envolver a comunidade, nela incutindo diferentes níveis
a gastar no processo, os recursos necessários.
de compreensão, para em paralelo, mudar a forma como
Parece-me óbvio que se conseguirmos que diminua dras-
as pessoas teimam em olhar para o utilizador de drogas,
ticamente o numero de consumidores pela única via pos-
que se constitui cada vez mais a verdadeira expressão
sível – a do tratamento, então por já não sentirem aquele
caricatural de uma sociedade que teima em rejeitá-lo,
desejo invencível de consumir, eles iriam gradualmente
delegando na medicina (como se ele fosse o doente que
desligar-se do jugo do traficante, que desta maneira isola-
não é – a “vantagem” do modelo doença inclui o seu
do, caminharia então a passos largos para o desemprego.
potencial como desculpa para comportamentos ilegais,
Argumentar-se-á que tal desencadearia graves fenómenos
decisões irresponsáveis e resistência à mudança) ou na
de perturbação social, com relevo para a perturbação que
justiça ( como se ele fosse o delinquente que também,
ressaltaria de toda uma alteração dos tradicionais usos e
pelo menos numa primeira fase, não é) uma tarefa impos-
costumes, que incluem toda uma vasta gama de estratégias
sível, consciencializando-a para uma responsabilidade que
usualmente empregadas quer pelos reclusos – toxicode-
é, isso sim, não se duvide, eminentemente sua?
pendentes quer pelos traficantes, para a aquisição e/ou
Perguntar-se-á, mas na prisão?
venda quase sempre desesperada de drogas.
Então e porque não?
É importante que as pessoas se consciencializem que se
Sr. Ministro, embora as condicionantes sejam muitas,
porventura falta entusiasmo ao dependente para se tratar,
parece-me que não é missão impossível, longe disso,
não é por amor à dependência, não é porque lhes dê
transformar aquele espaço, tradicionalmente um espaço
prazer continuar dependentes e arriscarem-se com uma
de tristeza, de violência, de doença e de miséria moral e
elevadíssima dose de probabilidade a contraírem SIDA e
afectiva, num novo espaço de esperança - o que constitui
outras doenças infecto – contagiosas, e a ter de dar tudo o
de facto barreira para um tratamento com sucesso é a
que têm - o que numa situação de reclusão muitas vezes é
falta dela,! - um espaço onde o recluso - dependente
só o corpo – para obterem um naco de produto que mal
aprenda a reconhecer e a evitar toda uma gama de estímu-
dá conta do seu sofrimento, mas porque a sua experiência
los que condicionaram no passado o seu comportamento
destruiu a sua fé nas estruturas de tratamento, que são
dependente, ajudando-o dessa forma a extinguir as res-
vistas quase na generalidade como pseudo locais de recu-
postas condicionadas por esses estímulos, – e que indo ao
peração melhor ou pior equipados, cujo objectivo princi-
encontro da finalidade para que foi criada, se constitua
pal é o de extorquir o máximo que puderem ao desgraça-
uma verdadeira antecâmara para uma vida de novo autó-
do do toxicodependente e sua família.
noma, responsável e apetecível.
Perante as circunstâncias, se lhes for proposta uma saída
Dante dizia: “A toda a esperança o seu lugar”. Porque não
para o seu problema de dependência que inclua a promes-
converter então as prisões portuguesas de novo em luga-
sa de que não irão sentir qualquer dor moral ou física pelo
res de esperança em vez de antecâmaras da morte, assu-
facto de interromperem abruptamente o uso da sua droga
mindo orgulhosamente a liderança de um movimento
de eleição, por outras palavras se lhes for garantido que
diria redentor, a que seguramente não faltariam seguido-
não “ressacam”, a grande maioria, não se duvide, aderirá
res?
com entusiasmo, mesmo que, pela experiência adquirida,
Sr. Ministro, Dr. António Costa, uma sociedade livre de
ponha a maior das dúvidas sobre o seu êxito.
drogas, como bem frisa Kofi Annan, não é impossível.
Dessa maneira, não seria necessário utilizar um poder de

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persuasão por aí além para os convencer a por de parte
todos os estratagemas mais ou menos extraordinários
Mas que tratamento, perguntar-se-á, e em que pressupos-
tos o deveremos fundamentar?
normalmente utilizados para conseguirem os seus objecti- E a quem abrangê-lo?
vos, e conduzi-los para uma outra situação, em que por Sendo a toxicodependência um revelador epistémico das
O Jornal das Boas Notícias
força dum tratamento competente por integrado e en- insuficiências dos nossos próprios modelos, tratamento
quanto cumprissem a dívida para com a sociedade, os ideal não existe, pois isso pressuporia mudar a sociedade,
ensinasse a viver com eles próprios para depois consegui- sua fonte (des) inspiradora, o que convenhamos, não é
rem viver com os outros, os ensinasse a lidar com os seus coisa que se consiga assim do pé para a mão.
sentimentos de uma forma não destrutiva e os ensinasse a Como qualquer tratamento que se preze, tem obviamente
olhar de novo para os seus corpos como fontes emissoras de fundamentar a sua acção na compaixão, na generosi-
de prazer em vez de receptáculos desprezíveis de substân- dade e visar gerar sentimentos de auto eficácia junto do
cias mentirosas, dando-lhes um precioso suporte que os utente, de forma que lhe permita depois fomentar rela-
ajudasse a crescer e a descobrir melhores formas de gastar ções funcionais com outras pessoas não dependentes ( em
o tempo e o dinheiro, ajudando-os depois a sentirem-se sentido restrito...) e com o meio envolvente, ajudando-o
saborosamente autónomos e com disposição para final- no terreno a descobrir novas formas de lidar com o tem-
mente poderem aceitar o desafio que antes não quiseram po, encorajando-o a encontrar recompensas noutras acti-
ou não tiveram arte para aceitar. vidades, como por exemplo a pintura, uma óptima forma
de dar significação á angustia ou ás ansiedades depressi-
Droga nas prisões (parte III) vas, dando-lhe a possibilidade de projectar num objecto
externo – a tela, que funciona aqui como objecto de des-
Manuel Pinto-Coelho
locamento de um ódio que destrói as partes boas dele
In: Euronotícias, 20020119
próprio.
É importante que as pessoas se consciencializem que se
A palavra – chave é: motivado para mudar, o que mesmo
porventura falta entusiasmo ao dependente para se tratar,
em meio prisional não vejo porque não poderá ser alcan-
não é por amor à dependência, não é porque lhes dê
çado, ainda mais se um adequado sistema de recompensas
prazer continuar dependentes e arriscarem-se com uma
for instituído.
elevadíssima dose de probabilidade a contraírem SIDA e
Sendo a toxicodependência reconhecidamente um fenó-
outras doenças infecto – contagiosas, e a ter de dar tudo o
meno bio – psico – social e também espiritual, o trata-
que têm - o que numa situação de reclusão muitas vezes é
mento logicamente deverá respeitar aquelas valências de
só o corpo – para obterem um naco de produto que mal
uma forma integrada.
dá conta do seu sofrimento, mas porque a sua experiência
A propósito da “valência espiritual” do tratamento, somos
destruiu a sua fé nas estruturas de tratamento, que são
da opinião que se impõe mudar a atitude, combatendo
vistas quase na generalidade como pseudo locais de recu-
também a indiferença religiosa e a inexistência na maior
peração melhor ou pior equipados, cujo objectivo princi-
parte dos casos, de crença na transcendência humana,
pal é o de extorquir o máximo que puderem ao desgraça-
fazendo ver que um envolvimento espiritual pode-se
do do toxicodependente e sua família.
tornar um importante factor de protecção.
Perante as circunstâncias, se lhes for proposta uma saída
Chamo a atenção também para a importância duma abor-
para o seu problema de dependência que inclua a promes-
dagem correcta e abrangente ao corpo.
sa de que não irão sentir qualquer dor moral ou física pelo
Ela inspira-se num conjunto de estratégias que vão da
facto de interromperem abruptamente o uso da sua droga
actividade motora adaptada à terapia corporal passando
de eleição, por outras palavras se lhes for garantido que
pela acupunctura, e visam redescobri-lo como lugar de
não “ressacam”, a grande maioria, não se duvide, aderirá
repouso e de prazer, em vez de receptáculo artificial de
com entusiasmo, mesmo que, pela experiência adquirida,
substâncias como a heroína, que reparam mas não resol-
ponha a maior das dúvidas sobre o seu êxito.
vem nada.
Dessa maneira, não seria necessário utilizar um poder de
Se se fizesse um inquérito junto da população prisional
persuasão por aí além para os convencer a por de parte
que frequenta com regularidade os ginásios (ou as amos-
todos os estratagemas mais ou menos extraordinários
tras deles...), verificar-se-ia sem surpresa que não é por
normalmente utilizados para conseguirem os seus objecti-
acaso que é ínfima a percentagem de utilizadores de dro-
vos, e conduzi-los para uma outra situação, em que por
gas no seu seio.
força dum tratamento competente por integrado e en-
Então, se se pretende atacar a “valência biológica” da
quanto cumprissem a dívida para com a sociedade, os
toxicodependência, dever-se-ia equipar devidamente os
ensinasse a viver com eles próprios para depois consegui-
estabelecimentos prisionais com o equipamento necessá-
rem viver com os outros, os ensinasse a lidar com os seus
rio, que incluiria necessariamente material de “cardio
sentimentos de uma forma não destrutiva e os ensinasse a
fitness” como tapetes rolantes e/ou bicicletas ergométri-
olhar de novo para os seus corpos como fontes emissoras
cas, que juntamente com os clássicos pesos e halteres,
de prazer em vez de receptáculos desprezíveis de substân-
apressariam a chegada de níveis inesperados de bem estar,
cias mentirosas, dando-lhes um precioso suporte que os
ou não promovessem eles por essa via, a produção endó-
ajudasse a crescer e a descobrir melhores formas de gastar
gena de uma substância como a morfina (as clássicas
o tempo e o dinheiro, ajudando-os depois a sentirem-se
endorfinas) que substituiria com vantagem a heroína (2-
saborosamente autónomos e com disposição para final-
acetil-morfina ) exterior, promovendo em paralelo uma
mente poderem aceitar o desafio que antes não quiseram
relação diferente com o corpo, relação essa profundamen-
ou não tiveram arte para aceitar.
te perturbada na maioria larga dos toxicodependentes.
Como ensina mestre Amaral Dias, não se duvide que se o
Em relação à “componente psicológica”, a criação de
ensinarmos a ter outra tolerância para com a dor mental,
grupos de pares ou de iguais um pouco à semelhança do
ele será mais capaz então de procurar a verdade sobre si
que é feito nas salas dos narcótimos anónimos e já testa-
próprio, apesar de todo o sofrimento.
dos com êxito pelo menos num estabelecimento prisional

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9 segurança e de ligação emocional.
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português, constituem seguramente importantes fontes de de redução dos danos que o consumo clandestino nas
prisões ( e não só ) normalmente comporta.
Com a ajuda dum supervisor, enquanto recebem algum Embora tal política se oponha frontalmente ao enunciado
reforço do grupo, desenvolvem um salutar grau de con- naquela Declaração, que subscrevemos em absoluto e que
O Jornal das Boas Notícias
formismo face ás normas vigentes, ajudando-os a sobre- considera, mais uma vez o dizemos, que todo o toxicode-
viver e a desenvolver um auto conceito positivo, ensinan- pendente, independentemente da extensão e gravidade do
do-os, como diz a Prof. Manuela Fleming, que é pela seu processo, pode ser recuperado, admitimos abrir uma
verdade que se pode ir buscar o outro. excepção aos casos manifestamente refractários aos vários
A propósito, diz a distinta professora, no seu livro ”Famí- sistemas de tratamento utilizados e ou cujas condições
lia e Toxicodependência”: precárias de saúde contra-indiquem uma abstinência
“Pressupõe-se obviamente que o modelo psicoterapeutico completa, sugerindo nestes casos excepcionais a utilização
usado desaloje o toxicodependente da posição narcisista de metadona de graus diferentes de limiar, consoante cada
em que se encontra («eu sou o maior»), o desaloje das caso.
defesas poderosas ( arrogância, desprezo, negação ) que Mas contrapor-se-á que tratamentos à força nunca resulta-
lhe servem apenas como couraça para a extrema fragilida- ram e eu pergunto: com que bases se faz uma afirmação
de psicológica e que permita a construção ou a reconstru- dessas?
ção da capacidade no toxicodependente do A contradizer esta tese, Doug Auglin e colegas da Univer-
estabelecimento de uma relação humana ( com o que ela sidade da Califórnia em Los Angeles, revelaram em 1991
pressupõe de ameaça de perda e de tolerância ao que havia muito pouca diferença entre aqueles que inicia-
sofrimento ), tecida na relação de transferência e ram um tratamento numa base de voluntariado e aqueles
contratransferência entre o paciente e o psicoterapeuta. O que fizeram tratamento ordenados pelo Tribunal.
paciente, ao ser capaz de se abandonar à relação À terceira e muitas vezes à segunda reunião eram incapa-
terapêutica, está dando a si próprio uma nova zes de dizer quem no grupo era voluntário ou tinha sido
oportunidade: a de poder vir a restabelecer gradualmente mandado pelo Tribunal!
uma teia de laços afectivos e sociais que lhe restituam a Em Portugal, um inquérito realizado durante um ano e
capacidade de viver, em relação com os outros, sem a meio pela organização “Mão Amiga” junto de uma popu-
«ajuda» do tóxico, que o atrai como uma luz que de tanto lação de 320 toxicómanos que frequentam o Bairro de S.
brilho...cega, e não o deixa tomar contacto com a João de Deus aqui no Porto, revelou que 98% vêm como
realidade queassim,
Promovem o cerca.”
pela troca partilhada de sentimentos, solução para a sua toxicodependência o internamento
níveis diferentes de bem estar tão gritantemente indispen- compulsivo ( por curiosidade ainda, 8o% são contra os
sáveis para quem tem de resistir a situações algumas vezes programas de metadona ) e a grande maioria – 63% -
infindáveis de privação da liberdade, além de que ensinam querendo curar-se não acredita nos tratamentos existen-
novas estratégias de evitamento de situações de consumo, tes.
tão necessárias em qualquer circunstância quanto mais em É que é preciso que as pessoas percebam que quem está
meio prisional. dependente, (principalmente de heroína, que é no nosso
Em suma, pretende-se ajudar o recluso - dependente a país a droga que consubstancia a grande maioria das de-
saber viver o ócio de uma forma criativa, incentivando-o a tenções nos estabelecimentos prisionais) tem a sua vonta-
redescobrir o seu eu alegria, o seu eu esperança, o seu eu de condicionada por um produto que lhe muda também
solidariedade, o seu eu partilha, ensinando-o ainda, que a os sentimentos, a disposição e a personalidade.
solidão só é má para aquele que não vive com Deus, Estamos em crer, por consequência, por tudo quanto já
como disse Chateaubriand. foi dito atrás e com base também neste último dado, que
Finalmente como acreditamos que não se fica doente da numa altíssima percentagem, o recluso – toxicodependen-
droga, mas do desemprego, da exclusão e da solidão mo- te bem como a sua família, nos iria agradecer mais tarde a
ral, (contra estes males sociais, a droga age como um nossa probatória atitude.
medicamento), enquanto a sociedade “encaixa” que toda a Sr ministro da Justiça, Dr. António Costa: nenhuma estra-
gente, mesmo o recluso - toxicodependente, merece na tégia seja ela qual for será eficaz, se não houver vontade
sua maioria uma nova oportunidade, deverá fazer parte da política para a por em prática.
estrutura de tratamento um gabinete de acção social que Para a sua realização, estamos crentes que será necessário
se ocupará da sua ressocialização, (ele que na maior parte não só um investimento forte na área terapêutica, que
das vezes permaneceu longo tempo nas margens da estru- contemple a angariação de espaços dentro do cenário
tura produtiva), pela realização de cursos de formação prisional com capacidade para instalação de enfermarias
profissional, desenvolvimento de contactos com entidades equipadas com pessoal de enfermagem competente que
empregadoras e de novos interesses que estimulem o garanta ao utente uma saída indolor da toxicodependên-
desenvolvimento intelectual e emocional, de forma que cia, que constituirá depois verdadeira rampa de lançamen-
permitam depois uma melhor articulação com o meio to para uma reabilitação que se pretende seja bem aceite
exterior ao estabelecimento, viabilizando a sua integração. logo à partida, bem como uma aposta com idêntica im-
A quem abrangê-lo? portância na equipa responsável quer pela “área psicológi-
Com base na Declaração de Lisboa, que considera que ca” quer pela sua reinserção social, vital quando se pre-
não há casos perdidos em toxicodependência, a todos! tende prevenir duma maneira séria, a recaída .
Sim, a todos os reclusos – toxicodependentes, forçando- Nos Estados Unidos, 1 dólar investido em tratamento,
os a desintoxicarem-se se for caso disso, como se disse resulta em 7 em termos de custos com cuidados de saúde,
acima. produtividade aumentada e redução de acidentes.
Uma política de redução de danos, conforme está defini- 21 biliões de dólares, originariam nos 15 anos seguintes,
do, tem em conta que há situações em que o consumo 150 biliões de retorno em custos sociais.
não pode ser evitado, sendo então preferível, neste pres- Encarcerar um adulto pelo período de um ano, custa
suposto, adoptar uma política de minimização dos riscos e ainda nos Estados Unidos para cima de 37.000 dólares.

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Em Portugal não sei se esse valor já foi calculado. Contu-
do estou seguro que será um “negócio” que a todos apro-
críticos, não ficando fascinados pelo que os filhos fazem.
Ou seja, do género «assim está bem, mas podia ter saído
veitará, aproveitar o espaço prisional para fazer algo mais melhor se tivesse sido feito de outra forma».
em ordem a, com uma garantia válida de sucesso, recupe- A minha família, ao longo da vida, tem sido uma reta-
O Jornal das Boas Notícias
rar para a sociedade o toxicodependente que está a cum- guarda extraordinária», defende a jornalista, dizendo que
prir pena de prisão. esse apoio lhe forneceu, quer a estabilidade emocional
Tratando toda a população prisional toxicodependente, quer o sentido positivista dos seus textos.
haveria que acrescentar toda uma mais valia remanescen- «Tenho a certeza e, mais ainda desde que sou mãe, perce-
te, de valor incalculável, traduzida no que se pouparia em bo exactamente a influência que temos sobre os nossos
custas sociais e não só, com os crescentes casos de doen- filhos e acredito que eles reflectem muito o que são os
ças infecto-contagiosas, desde a SIDA às hepatites B e C, pais que tiveram. Espero reflectir os meus pais porque de
pelo facto singular de deixar de haver partilha selvagem de facto eles são dois seres humanos totais no sentido de
agulhas, que se tornariam desnecessárias neste novo qua- serem pessoas luminosas, equilibradas e que felizmente
dro. para mim e para eles têm um código de conduta que acho
Sr. ministro da Justiça, para terminar uma pergunta: por- irrepreensível e com as prioridades certas muito voltadas
que haveremos nós de andar sempre a reboque dos ou- para o mundo e para os outros. Portanto é muito díficil a
tros? alguém, criado neste meio, fugir muito disso». Continuan-
Porque não tomarmos nesta problemática sempre tão do, Laurinda Alves deixa claro não se tratar de um auto
desesperante como actual uma posição de liderança e elogio. Diz «ter sido esta a sua maior e melhor herança
servirmos amanhã de modelo para outros? que recebeu dos pais, avós, tios e irmãos».
Dir-se-á que o projecto é ambicioso e que não tendo sido Fazendo parte de «uma família grande mas muito unida»,
ainda testado anteriormente em qualquer outro país, será a jornalista considera no entanto «que a vida separa as
difícil viabilizá-lo por não haver forma de aferir da sua pessoas, o que é horrível» e vai mais longe: «É uma erosão
validade . enorme que o tempo tem sobre as pessoas no seu quoti-
Aceito que teoricamente o projecto parece arrojado, mas, diano».
como dizia Charcot “as teorias são importantes mas se os Deixa um conselho: «Por isso mesmo quanto maior for a
factos não confirmam as teorias, pior para as teorias!” consciência que tivermos dessa realidade, maior terá de
Manuel Pinto-Coelho ser o nosso esforço, não só para identificarmos o que
Médico estamos a perder, mas também para voltar a juntar as
pessoas que se separam. Os amigos devem ser alimenta-
O MELHOR É POSSÍVEL dos, mimados, chamados para a nossa casa e estar sempre
próximos de nós. Não só os amigos, mas também a nossa
Laurinda Alves
família. Porque muitas pessoas só se lembram do que
José Salvador
ficou por dizer e fazer quando vêem o seus amigos e
In: Família Cristã h20020105
familiares
Jornalista desde os 18 anos, actualmente directora da
desaparecerem e aí já é tarde de mais. Acho que é em vida
revista XIS, Laurinda Alves tem desenvolvido vasto per-
que devemos dizer às pessoas que estão à nossa volta, que
curso pela comunicação social deste país. Neste caminho
gostamos delas, não com palavras, mas com gestos, aten-
tem deixado a mensagem de que o melhor é possível.
ções e com a presença física, às vezes até para partilhar o
Na trajectória de Laurinda Alves, 40 anos completados a 1
seu próprio silêncio. Essa é muito a minha maneira de
de Dezembro, destaquem-se por exemplo os 12 anos
ser», sustenta.
passados ao serviço da RTP, o prémio atribuído pelo
Sabendo-se que sobretudo o jornalismo, por via das suas
Clube dos Jornalistas em 1990 através do trabalho de
múltiplas solicitações, não deixa muito tempo para o
reportagem “Crime sem Castigo”, investigação feita em
convívio, quer com o família quer com os amigos, con-
volta da morte do General Humberto Delgado.
frontámos Laurinda Alves com o aspecto, desumano
Após as participações em conhecidos jornais, assinou
dessa profissão que, no seu entender, não existe.
crónicas para diversas rádios, entre elas a Renascença,
«Acho que é desumana se for feita desse modo. Porque a
para além de, em 1990, ter criado a revista XIS, cujos
profissão em si não é nada desumana. Nem há profissões
editoriais se encontram em “XIS ideias para pensar”, livro
desumanas. Salvo aquelas em que há um carrasco que vai
que, editado há pouco mais de dois anos, atingiu um
matar alguém e vemos essas horríveis imagens que nos
volume de vendas superior a 27 mil exemplares.
chegam, por exemplo do Afeganistão, de pessoas a serem
No último ano, Laurinda Alves recebeu o grau de Co-
executadas sumariamente, na praça pública ou em estádi-
mendador da Ordem do Mérito, título que é o reconhe-
os de futebol, com pessoas a assistirem. E se isso é uma
cimento pelo debate e defesa das questões educativas feito
profissão ela é profundamente desumana. Agora o jorna-
pela jornalista, que no início do diálogo com a «Família
lismo, a advocacia, medicina e muitas outras podem ser
Cristã», reconheceu ter encontrado no seu seio familiar o
profundamente humanas desde que sejam praticadas com
maior apoio para prosseguir o seu caminho na actividade
noções de responsabilidade perante o nosso semelhante»,
jornalística.
sublinha a responsável da XIS. Continuando, não deixa de
«Tive a felicidade de ter uns pais que respeitam profun-
admitir a ingrata tarefa que envolve o exercício do jorna-
damente os seus filhos e também os outros. E como
lismo.
sempre respeitaram muito as nossas opções, deram-nos a
«Cabe-lhe sem dúvida uma tarefa perversa, que é o de
retaguarda que precisávamos. Isso para mim foi uma
relatar muito do que é desumano neste mundo. E a lógica
espécie de salvo-conduto para a vida inteira, logo não só
jornalística ainda em vigor rege-se pelo príncipio de que as
lhes devo isso mas também o apoio pelas minhas opções.
boas notícias não são notícia. O que está profundamente
Foi-me dado de forma muito concreta, através do reco-
errado» afirma Laurinda Alves que acentua: «Porque para
nhecimento prestado ao que fazemos, onde são também
além de serem notícia, são boas notícias. E num mundo

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em que somos confrontados com tudo o que de mau
acontece, na grande dor e no grande sofrimento, quanto
"Não consigo imaginar nenhuma circunstância que levas-
se um navio a afundar-se. A construção naval moderna
melhores e boas notícias pudermos dar, melhor. Porque o ultrapassou este problema." Comandante Edward J.
bem e o mal são contagiantes. Mas o primeiro é infinita- Smith, White Start Line, futuro comandante do Titanic,
O Jornal das Boas Notícias
mente mais luminoso e vamos então contagiar o mundo 1906;
pelo bem com as boas notícias porque é impossível conti- "Mas quem é que quer ouvir os actores falarem?" Henry
nuarmos a viver assim». Assumindo-se como pessoa cheia M. Warner, presidente da Warner Brother Pictures, c.
de esperança quanto ao futuro Laurinda Alves não escon- 1927;
de de «que é preciso aprender com o que de pior aconte- "Penso que existe um mercado mundial para cerca de
ce, porque é através do mal que se cresce, procurando cinco computadores." Thomas J. Watson, presidente da
fazer melhor, para que ele não aconteça». Terminando, IBM, 1943;
dá-nos conta da edição de um seu novo livro, que ocorreu "Com cerca de 50 modelos de carros já à venda aqui não é
no último mês. provável que a indústria automóvel japonesa consiga
«Chama-se “Um Dia Atrás do Outro” e é formado pelas conquistar para si uma fatia grande do mercado america-
crónicas que escrevi para o “Público”. São crónicas dife- no." Business Week, 2 de Agosto de 1968;
rentes da “XIS”, porque se estas são editoriais e seguem o "Não existem razões para que uma pessoa tenha um
conceito da revista, as do “Público” são casos da vida real computador em casa." Ken Olson, presidente, Digital
com densidade dramática enorme». Equipment Corporation, 1977;
"Não se deixem enganar, esta arma não mudará absolu-
Peritos tamente nada." Dir.-geral de Infantaria, minimizando a
importância da metralhadora perante membros do Parla-
Miguel Monjardino
mento Francês, 1910;
In: DN 20020114
"É altamente improvável que um avião, ou uma esquadri-
Numa passagem por Portugal em 1993, Helmut Schmidt,
lha de aviões, possa alguma vez afundar vasos de guerra
antigo chanceler da República Federal da Alemanha, fez
em condições de combate." Franklin D. Roosevelt, subse-
uma confissão surpreendente. "Tenho que vos prevenir
cretário da Marinha dos EUA, 1922;
de uma coisa", disse o experiente Schmidt. "Vão ouvir um
"Independentemente do que venha a acontecer, a Mari-
homem que durante a maior parte da sua vida foi político
nha dos Estados Unidos não vai ser apanhada a dormir."
- e essa é uma perigosa classe de seres humanos. Eles
Frank Knox, secretário da Marinha, 4 Dezembro de 1941,
falam de coisas que só vão perceber dois dias depois e
pouco antes do ataque japonês contra Pearl Harbor;
chegam mesmo a tomar decisões sobre coisas que só
"Isto é a coisa mais estúpida que nós já fizemos. (...) A
chegam a perceber uma semana depois. Vão também
bomba não vai explodir e eu falo como perito em explo-
ouvir uma pessoa que é actualmente autor, ou jornalista,
sivos." Almirante William D. Leahy e o seu comentário ao
ou uma coisa assim, que faz também parte da mesma
presidente Truman sobre a falta de resultados práticos do
classe de homens. Tenham muito cuidado quando estão a
projecto americano da bomba atómica, 1945;
ouvir políticos e jornalistas. E, acima de tudo, sempre fui,
"Eles não conseguiam acertar num elefante a esta dist..."
toda a minha vida, economista - e estes, então, são os
Últimas palavras do gen. John B. Sedgwick (Union Army)
mais perigosos de todos. A suprema mentira com que se
durante a Batalha de Spotsylvania, 1864.
podem deparar nas vossas vidas é a mentira estatística; e a
Chegados aqui, os leitores deste jornal (e todos aqueles
mentira estatística é normalmente elaborada por econo-
que se aproveitam da Internet para ler o jornal gratuita-
mistas."
mente) podem perguntar: se não podemos confiar nos
As dúvidas de Schmidt em relação às capacidades, prepa-
políticos, jornalistas, economistas e devemos ter muito
ração e conhecimentos de muitos políticos, jornalistas e
cuidado com o que os peritos nos dizem, em quem é que
economistas coincidem com o fenomenal crescimento do
podemos realmente confiar? Confesso que não tenho
volume e velocidade na difusão de informação politica-
uma resposta satisfatória para esta pergunta. Mas tenho
mente significativa e com o aumento da importância da
uma sugestão. Numa carta escrita em 1877, Lord Salis-
ciência e tecnologia nas sociedades pós-industriais. Apoi-
bury observou "que nenhuma lição parece ter sido tão
ados por instituições desenhadas para responder às neces-
profundamente inculcada pela experiência da vida como a
sidades e expectativas do século XIX e onde impera a
de que nunca se deve confiar num perito. A acreditar nos
fricção, a lentidão, o corporativismo e a obstrução buro-
médicos, nada é saudável; a acreditar nos teólogos, nada é
crática, os decisores políticos têm cada vez mais dificulda-
inocente; a acreditar nos soldados, nada está seguro. To-
de em governar. Isto ajuda a explicar a crescente impor-
dos eles exigem ter o seu forte vinho diluído por uma
tância e visibilidade da nova e influente classe dos peritos,
grande dose de senso comum insípido."
analistas e comentadores no dia-a-dia nacional.
Correndo o risco de desiludir muitos portugueses e de
ofender os donos de algumas picaretas verbais e canetas Papa baptizou 20 bebés
pesadas, convém perguntar se, para além de animarem os na Capela Sistina
nossos dias, os peritos, analistas e comentadores são re- RR on-line, 2002-01-13 - 13:52
almente melhores do que os infelizes políticos, jornalistas João Paulo II baptizou 20 bebés
e economistas. Afinal de contas, o que não falta neste na Capela Sistina.Uma tradição
mundo são previsões de peritos que se vieram a revelar em que a Igreja Católica quer
completamente erradas. O livro de Christopher Cerf e recordar a festividade do Baptis-
Victor Navasky, The experts speak (1984), inclui alguns mo de Jesus nas águas do rio
exemplos famosos em diversas áreas: Jordão
"O homem não voará nos próximos 50 anos." Wilbur Os jovens, 17 italianos, um espa-
Wright para o seu irmão Orville, 1901; nhol um francês e um norte- americano, foram levados

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pelos seus pais à Capela Sistina, onde os frescos de Miguel
Ângelo, Ghirlandaio e Botticelli, entre outros artistas do
desde sempre, habitava.
Contemplou a terra inteira à sua volta. Mas fê-lo costas
Renascimento, testemunharam a cerimónia. para o sol porque nunca quis que fosse o mundo a mirá-lo
João Paulo II centrou a sua homília no sentido do sacra- a ele. Desde sempre se ocultara atrás do seu próprio bri-
O Jornal das Boas Notícias
mento que consagra o início do cristianismo e o acolhi- lho. Agora descobria que só da sombra poderia ver a luz.
mento da Igreja Católica aos jovens, que devem seguir o Depois cerrou os olhos e fixou-se de novo e em exclusivo
exemplo e o testemunho dos seus país na fé e no amor. no ar que sorvia. Esperou pelo som dos barulhos do
Durante o Ângelus, na Praça de S. Pedro, o Bispo de mundo. Já se lhes habituara tanto que nem notava que
Roma dirigiu-se especialmente ao s jovens, já a pensar na existiam. Ensaiou identificar primeiro os mais altos para
próxima Jornada Mundial da Juventude, cuja próxima detectar a seguir os mais baixos e só por fim tentar distin-
edição está marcada para Julho deste ano em Toronto, guir os graves dos agudos. Desligou o formigueiro que
Canadá. tentava o seu corpo imóvel. Permaneceu quieto. Afinal o
"Penso especialmente em vós, queridos jovens, já ideal- universo estava ali e nunca tivera tempo de lhe perguntar
mente a caminho de Toronto, através dos itinerários porquê.
formativos e missionários das comunidades a que perten- Ao fim de um momento sem duração o dicionário caiu-
cem, disse o Papa, afirmando "estou ansioso por vos lhe das mãos. Descerrou de novo os olhos mas continuou
encontrar uma vez mais em grande número...ponham de como estava, sem se mexer. Procurou saber das mãos que
lado todo o tipo de medo e incerteza". largaram o livro. Estavam lá mas não lhe obedeceram.
"Lembrem-se que vocês devem ser as sentinelas da ma- Sem querer ouviu-se a dizer
nhã, sempre prontos a anunciar o advento do novo dia, “o sentido das palavras é inversamente proporcional ao
que é Cristo ressuscitado", advogou. som, posto que quanto mais longe chegar o sentido, mais
Em Agosto de 2000, a Jornada Mundial atraiu cerca de distante resulta do que é mais audível; e o lugar onde
dois milhões de jovens a uma Roma que celebrava, então, todas as palavras são uma só é no cruzamento entre a
o Jubileu. expressão e a percepção, o ponto exacto onde se intercep-
tam a coordenada e a abcissa de uma e de outra ”.
Palavra final No mesmo instante intuiu o paradoxo do estranho teo-
rema declamado da sua boca. Ele ouvira as palavras que
Paulo Teixeira Pinto
proferira mas não as dissera e aprendera o que não com-
In: Portugal Diário 2002-01-24 13:51:34
preendia.
Era uma vez um homem que decidiu ler um grande dicio-
Traçou no céu o que se passara. Era assim
nário antes de morrer. Ler mesmo. Do princípio até ao
fim, da primeira palavra até à última.
E assim fez. Porque nestes derradeiros dias percebera que
nunca conseguiria ler todos os livros que durante a vida
escolhera como tendo de ser lidos. Por isso resolveu ler
aquele que continha todas as palavras da sua língua im-
pressas em todos os outros.
Quando acabou de ler o dicionário inteiro ainda não tinha
a vista cansada. Apenas lhe doía o som das palavras. E,
agarrado ao livro, perguntava de si para si, em sussurro
inquieto, porque razão qualquer palavra podia magoar
tanto. Recordou-se então de quando era criança e do que
pensava quando o repreendiam. Para se consolar das
palavras que sentia como injustas costumava dizer para si Depois viu que alguém aditou duas linhas ao seu desenho
próprio que elas eram apenas sons e que estes não podem imaginário. Nunca soube quem as acrescentou, apenas
fazer mal a ninguém. Logo, também não o poderiam entendeu que o prolongamento de uma para o lado es-
atingir a ele. Seria como se fosse surdo. Outras vezes querdo e de outra para baixo originava uma cruz. No
imaginava que as mesmas palavras que o ofendiam nada centro desta estava o silêncio, que era o nome único das
significariam se fossem ditas a um esquimó, porque lhe palavras que não vinham no dicionário.
escaparia necessariamente o respectivo sentido. Pôs-se de pé. Levantou a cabeça. Fechou os olhos por
Agora que estava no fim da vida sentia-se capaz de uma uma última vez.
reflexão mais elaborada. Habituara-se a meditar que até Ouviu a Palavra.
hoje ninguém dominara a língua como os clássicos e, no
entanto, quantos de entre todos os homens – perguntou-
se ao longo dos anos - poderiam alcançar ou ser alcança- "Estendemos a mão, não apontamos o
dos pelos juízos manuscritos em puros vocábulos latinos? dedo"
Parou para demandar o silêncio. Só a sua respiração o RITA CARVALHO
interrompia. Fixou-se em meditar no maravilhoso que era In: DN, 20020113
inspirar. Nunca até então tinha reparado em como o ar O "não" ao aborto continua a ser entoado em voz alta
entrava frio para ele e dele saía quente. A seguir averiguou pelos movimentos de defesa da vida, enquanto a luta no
cada membro do seu velho corpo e tentou perceber a terreno se trava diariamente. O referendo já lá vai, mas o
importância das suas principais funções. Também jamais "abanão" de consciências que suscitou levou muitas pes-
em todo o seu viver se dera conta de como lhes era deve- soas a juntar a um "não", defendido como princípio mo-
dor. Sentiu-se bem. Muito bem. Não como se estivesse ral, um "sim" ao trabalho de campo. Na prática, surgiram
fora do seu corpo mas, pelo contrário, e pela primeira vez, dezenas de associações destinadas a ajudar grávidas, mu-
como ideal dentro do corpo real em que por enquanto, e lheres e crianças.

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9 "Não temos, contudo, legitimidade para lançar juízos de
valor acerca destas mulheres", afirmou ao DN, o jurista
segunda-feira, 4 de Fevereiro de 2002
human dignity attached to all persons by virtue of their
very existence and not just to the strong, the independent,
João Paulo Carvalho, membro da Associação Vida Norte. or the healthy. That value should apply to every Ameri-
"O nosso respeito por elas traduz-se numa prestação de can, including the elderly and the unprotected, the weak
O Jornal das Boas Notícias
apoio", acrescentou. Ou seja, confrontados com a concre- and the infirm, and even to the unwanted.
tização efectiva da lei que defendem, e que pode levar à Thomas Jefferson wrote that, "[t]he care of human life
prisão estas mulheres, os defensores da vida preferem and happiness and not their destruction is the first and
estender-lhes a mão, recusando-se a apontar-lhes o dedo. only legitimate object of good government." President
"Condenamos a prática do aborto, mas não podemos Jefferson was right. Life is an inalienable right, under-
qualificar e condenar quem opta por esse caminho", é a stood as given to each of us by our Creator.
posição da Asssociação Vida Norte, que ressalva que "não President Jefferson's timeless principle obligates us to
é um julgamento que nos pode fazer mudar de opinião. pursue a civil society that will democratically embrace its
Continuamos a achar que o aborto não é a solução pois essential moral duties, including defending the elderly,
viola algo fundamental: o direito à vida". strengthening the weak, protecting the defenseless, feed-
Os movimentos de defesa da vida acreditam que a resolu- ing the hungry, and caring for children -- born and un-
ção do problema passa, essencialmente, pelo combate das born. Mindful of these and other obligations, we should
causas que conduzem ao aborto. Nesse sentido, Pedro join together in pursuit of a more compassionate society,
Líbano Monteiro, porta-voz da plataforma Juntos Pela rejecting the notion that some lives are less worthy of
Vida que integrou os defensores do "Não" no referendo, protection than others, whether because of age or illness,
afirma: "Vamos continuar a reforçar a intervenção das social circumstance or economic condition. Consistent
instituições que actuam no terreno, porque, mesmo que with the core principles about which Thomas Jefferson
mudem as leis, vai continuar a existir mulheres que vêem wrote, and to which the Founders subscribed, we should
no aborto o último recurso". Um trabalho complexo, peacefully commit ourselves to seeking a society that
cujos resultados não são visíveis a curto prazo. values life -- from its very beginnings to its natural end.
Em época de eleições legislativas antecipadas, Líbano Unborn children should be welcomed in life and pro-
Monteiro considera imprescindível a clarificação da posi- tected in law.
ção dos partidos sobre esta matéria. Por isso, "vamos On September 11, we saw clearly that evil exists in this
auscultar a opinião dos vários partidos políticos de modo world, and that it does not value life. The terrible events
a esclarecer as pessoas aquando o exercício do voto". of that fateful day have given us, as a Nation, a greater
understanding about the value and wonder of life. Every
Missa em Cabul innocent life taken that day was the most important per-
son on earth to somebody; and every death extinguished a
Luís Pedro de Sousa
world. Now we are engaged in a fight against evil and
In: Ecclesia, 20020131
tyranny to preserve and protect life. In so doing, we are
No passado Domingo, em Cabul, voltou-se a celebrar
standing again for those core principles upon which our
missa, numa pequena Igreja anexa à embaixada Italiana.
Nation was founded.
Por volta das 15 horas, o Pe. Ivan Lai, presidiu à celebra-
NOW, THEREFORE, I, GEORGE W. BUSH, Presi-
ção em que participaram soldados da Força Internacional
dent of the United States of America, by virtue of the
de Assistência para a Segurança no Afeganistão e cristãos
authority vested in me by the Constitution and the laws of
estrangeiros, que trabalham em organizações internacio-
the United States, do hereby proclaim Sunday, January 20,
nais e humanitárias.
2002, as National Sanctity of Human Life Day. I call
Segundo a Agência Zenit, o último sacerdote a celebrar
upon all Americans to reflect upon the sanctity of human
Missa no Afeganistão foi o padre Giuseppe Moretti, que
life. Let us recognize the day with appropriate ceremo-
se viu obrigado a abandonar o território após ter ficado
nies in our homes and places of worship, rededicate our-
ferido num bombardeamento, nos finais de 1993.
selves to compassionate service on behalf of the weak and
Esta Capela da Embaixada italiana, foi construída nos
defenseless, and reaffirm our commitment to respect the
anos 50 e é a única em solo afegão, ainda que em territó-
life and dignity of every human being.
rio italiano. À volta desta celebração criou-se um ambien-
IN WITNESS WHEREOF, I have hereunto set my hand
te de festa, no entanto, os religiosos presentes esclarece-
this eighteenth day of January, in the year of our Lord two
ram que se tratou de uma cerimónia discreta, até porque o
thousand two, and of the Independence of the United
objectivo não era o de ferira sensibilidade da população
States of America the two hundred and twenty-sixth.
islâmica.
GEORGE W. BUSH
National Sanctity of Human Life Day 2002 Quanto custa um aluno?
by the President of the United States of America a Proclamation
João Carlos Espada
Office of the Press Secretary
In: Expresso 20020126
January 18, 2002
«Quanto custa um aluno numa escola do Estado e quanto
This Nation was founded
custa numa escola particular com contrato de associação?
upon the belief that every
Seria interessante conhecer estes dados. Isso permitiria
human being is endowed
avaliar o custo de passar a financiar as famílias, em vez
by our Creator with cer-
das escolas: seria mais caro para o contribuinte? Ou mais
tain "unalienable rights." Chief among them is the right
barato?»
to life itself. The Signers of the Declaration of Independ-
NO SÁBADO passado fui convidado a participar numa
ence pledged their own lives, fortunes, and honor to
reunião que poderíamos classificar de improvável. Foi na
guarantee inalienable rights for all of the new country's
localidade de Calvão, concelho de Vagos, e reuniu mais de
citizens. These visionaries recognized that an essential

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9 segunda-feira, 4 de Fevereiro de 2002
três centenas de pessoas durante o dia inteiro. Vinham de
vários pontos do país, sobretudo do Norte e do Centro, e
precauções necessárias, até porque há doenças sexualmen-
te transmissíveis. E, se tudo isso falhar, devemos interro-
tinham origem em mais de 50 escolas do ensino básico e gar-nos sobre se temos o direito de interromper uma vida.
secundário. A iniciativa era, em bom rigor, espontânea. Porque aí não é já o nosso corpo que está em jogo, como
O Jornal das Boas Notícias
Tratava-se do «Movimento Cívico de Pais e Encarregados pretendem os partidários do aborto: é um outro ser.»
de Educação» e do seu III Encontro - de cujos antecesso- O EXPRESSO já se manifestou por diversas vezes con-
res, eu, como por certo a maior parte dos que me lêem, trário à liberalização do aborto.
nunca tinha ouvido falar. A verdade, fiquei a saber, é que Porquê? Porque a opinião dos que a defendem funda-se
o primeiro encontro se realizara a 27 de Julho do ano numa certa cultura da facilidade e o EXPRESSO é favo-
passado, e reunira cerca de 800 pessoas numa localidade rável a uma cultura da responsabilidade.
próxima, Sto. André de Vagos. Aí fora aprovada uma Os cidadãos devem ser responsáveis pelos seus actos. Ora
carta ao ministro da Educação, reclamando liberdade para toda a argumentação dos defensores da despenalização do
as famílias escolherem a educação dos seus filhos. aborto vai em sentido contrário.
A 7 de Setembro, novo encontro, na mesma localidade, Vai no sentido de banalizar os contactos sexuais, tornan-
reuniu 1400 pessoas e aprovou uma carta semelhante ao do-os pouco exigentes.
Presidente da República. A 14 de Setembro, 5629 cartas Vai no sentido de dispensar precauções nesses contactos
do mesmo teor, assinadas pessoalmente, eram entregues por parte de ambos os parceiros.
no Palácio de Belém. Após audiência com o assessor do Vai, finalmente, no sentido de não assumir as consequên-
pelouro, o movimento viria a receber uma carta do Presi- cias desses comportamentos.
dente da República garantindo a sua atenção ao assunto. Ora isto está, evidentemente, errado.
Qual é o assunto? Basicamente, o movimento partiu de Deve haver exigência em todas as relações e, também, nas
uma reacção espontânea a um problema local. A escola de relações sexuais.
Calvão é uma escola particular com contrato de associa- Devem tomar-se nessas relações as precauções necessári-
ção com o Estado: os seus alunos não pagam propinas, as, até porque há doenças sexualmente transmissíveis.
apesar de a escola ser particular, e o Estado financia a E, se tudo isso falhar, devemos interrogar-nos sobre se
escola de acordo com o número de alunos que a frequen- temos o direito de interromper uma vida.
tam. Dado que os pais gostam da escola, mais e mais Porque aí não é já o nosso corpo que está em jogo, como
alunos a procuram: cerca de 1200 no horário diurno e pretendem os partidários do aborto: é um outro ser.
mais 200 no horário nocturno. No calor da discussão há, no entanto, um assunto que
O êxito, todavia, parece não ser bem visto pela DREC, a quase não tem sido tratado e não pode ser esquecido: a
Direcção Regional de Educação do Centro. Novos cons- responsabilidade dos homens nesta questão.
trangimentos têm sido colocados à expansão da escola e Por que motivo só as mulheres se sentam no banco dos
abertura de novas turmas - que são necessárias para res- réus?
ponder à procura livre das famílias. Segundo parece, a Por que razão não se sentam também os homens, sendo
DREC receia que o sucesso da escola de Calvão ameace certo que às vezes são eles a empurrarem as mulheres
as escolas estatais das redondezas, menos preferidas pelas para o aborto?
famílias. Por que razão os homens, que são tão responsáveis como
Curiosamente, porém, o movimento cívico de Vagos não as mulheres na concepção de uma nova vida, podem lavar
pretende apenas mais apoios do Estado para a escola de as mãos como Pilatos?
Calvão. Reclama o reconhecimento da liberdade de esco- Se a lei já não permite a existência de «pais incógnitos»,
lha do ensino pelas famílias. Admite que várias soluções obrigando todos os recém-nascidos a terem uma mãe e
técnicas sejam possíveis para assegurar esta liberdade. O um pai, por que razão não se aplica aqui o mesmo princí-
«cheque educação» - através do qual o Estado financia as pio e não se responsabilizam os homens nos casos dos
famílias e estas escolhem a escola, estatal ou particular, da abortos clandestinos?
sua preferência - é uma delas. Não seria este um modo de evitar muitos abortos?
Um ponto adicional muito interessante, que foi insisten- Não estaríamos assim a contribuir para a desejável cultura
temente referido no encontro de Calvão, talvez ajude à da responsabilidade?
discussão pública deste problema: qual é o custo por
aluno nas escolas? Quanto custa um aluno numa escola O elogio da desgraça
do Estado e quanto custa numa escola particular com
Paquete de Oliveira (*)
contrato de associação? Seria interessante conhecer estes
In: JN, 20020119
dados. Isso permitiria avaliar o custo de passar a financiar
Entre a enxurrada de dez telenovelas que neste momento
as famílias, em vez das escolas: seria mais caro para o
diariamente são oferecidas ao público pelos três canais da
contribuinte? Ou mais barato?
televisão portuguesa surge um programa que bem pode
Já assistimos ao segredo estatal sobre o resultado das
figurar como um sinal de esperança no futuro deste país.
escolas nos exames nacionais - em boa hora rompido pelo
Refiro-me ao "Fora de série".
Ministério da Educação em Agosto passado. Chegou a
Diante de Carlos Cruz, no seu melhor e na sua inigualável
altura de romper o segredo sobre os custos. Os contribu-
mestria de bem saber entrevistar, desfilam em cada noite
intes têm o direito de saber como é gasto o seu dinheiro.
de domingo três crianças ou adolescentes, por isto ou por
aquilo já notabilizados _ na escola, na arte, no desporto,
Os homens e o aborto nas façanhas quotidianas da vida. Estes portugueses de
Editorial palmo e meio e o discurso que fazem do mundo, das
In: Expresso, 20020126 coisas e das pessoas são o contraste do negro pessimismo
«Deve haver exigência em todas as relações e, também, que anda por aí à solta, interpretado no espaço público
nas relações sexuais. Devem tomar-se nessas relações as por vozes e inteligências de referência no panorama naci-

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onal. Os protagonistas do "Fora de série" são uma pedra
no charco do "pântano" do nosso luso pessimismo cróni-
vida comum”. A ideia “revolucionária” do Beato Josema-
ría é que o cristão comum - o que não é eremita, nem
co, a viver por estes dias uma crise muito aguda. monge, nem sacerdote, nem teólogo -, como profissional,
É certo que sob o ponto de vista psicológico, sociológico, chefe de família, no seu trabalho, independente ou assala-
O Jornal das Boas Notícias
ou até de simples exibição de justiça social, esta eleição de riado, pode e deve ser testemunho de Cristo e, nesse
"foras-de-série" é discutível e reveste aspectos polémicos. sentido, dar exemplo, ser apóstolo, evangelizar, converter
Mas deixemos essas questões por agora, a seu tempo, por e chegar até a santo. Isto é, que na “vida corrente” se
certo, tratadas pelos especialistas da matéria! podem encontrar a grandeza, a heroicidade e até a santi-
Numa democracia política só a emergência de vários dade. Quanto às crises mundiais serão de Santos? Um
discursos é vivificante para essa democracia. A consciên- mundo ocidental que - com exclusão talvez da América -
cia das situações e das realidades forma-se no confronto vive no mais extremo materialismo e consumismo, que
dos vários discursos. Não existe um só discurso, um dis- adora exclusivamente o económico, transformando-o no
curso de sentido único, sobre a realidade porque não seu destino, encontra pela frente um espiritualismo “ori-
existe uma só realidade. O que existe são diferentes ver- ental”, talvez pervertido e convertido em fanatismo des-
sões interpretativas da mesma realidade. truidor. São precisos para contê-lo os homens de guerra e
Sendo assim, é natural, portanto, que sobre a actual situa- as suas armas. Sem dúvida! Mas para que o futuro seja
ção portuguesa surjam as mais diferentes visões e opini- diferente talvez sejam mesmo necessários os Santos.
ões. Parece-me, todavia, que o actual discurso exibido no
espaço público sobre a realidade portuguesa é demasia- As Minhas Causas para a Educação
damente político-partidário. Obsessivamente partidário!
Por ADEMAR FERREIRA DOS SANTOS
Esbatidas no ideário, e sobretudo na prática, as diferenças
In: Público, Quinta-feira, 17 de Janeiro de 2002
dos diversos partidos políticos responsáveis no governo
Em 2002 terei 50 anos. Com menos de 50 anos, António
da democracia portuguesa destes últimos anos, exauridos
Guterres chegou a primeiro-ministro e Guilherme Olivei-
os seus projectos de qualquer capacidade inovadora e de
ra Martins a ministro da Educação. Eu jamais chegarei,
força de mudança da sociedade portuguesa, há uma ten-
porque escolhi o caminho errado para lá chegar. Escolhi o
dência por parte desses partidos para procurar um refúgio
caminho de não desejar esse destino. Não me devotei a
nas propostas de modelos de referência imaginária com
nenhum partido, a nenhuma igreja, a nenhuma seita,
peso significativo no "senso popular": degrada-
religiosa ou profana. Assumi todos os riscos de ser apenas
ção/dignidade, corrupção/honestidade, descrédi-
uma voz - sem nela pretender transportar ou ecoar as
to/confiança, burocracia/operacionalidade, laxis-
vozes de um coro ou rebanho que a projectasse para além
mo/firmeza, bagunça/autoridade.
dos seus limites. Escolhi ser apenas um cidadão. Não
Por outro lado, contando com a fraca memória do povo,
desejei representar, nem ser representado. A democracia
para fazer esquecer ainda mais os insucessos sucessivos
não sufraga quem tem razão, mas apenas quem, circuns-
entre as promessas e as acções, emerge uma estratégia de
tancialmente, convence (arte de publicitários). Eu rara-
dramatização da situação, que rapidamente faz resvalar a
mente me tenho deixado convencer. Para acreditar, preci-
apreciação político-partidária para bitolas de avaliação dos
saria que dessem crédito às causas em que acredito. Mas
factos entre a escala possível do falso optimismo ao peri-
as minhas causas são demasiado utópicas para terem
goso pessimismo. Ora, um falso optimismo não é menos
crédito...
perigoso do que o melhor optimismo.
Optei por ser professor (quando o meu curso, mais natu-
O discurso optimista levado a parâmetros excessivos é
ralmente, me vocacionaria para a advocacia ou a magistra-
improfícuo, desgastante e invalida um olhar sério, crítico e
tura), porque entendia e continuo a entender que é nas
construtivo sobre a realidade dos factos. O optimismo
escolas (e nas famílias) que se decide, diariamente, o futu-
exagerado provoca hilaridade, transmite o ridículo, pro-
ro da humanidade - e em mais lado nenhum. Paulo Freire,
duz ilusão. Por sua vez, o discurso exacerbadamente
que também era jurista de formação, entendeu o mesmo -
pessimista estimula o desespero, cria o desinteresse, fo-
e, ao pensar nele e no seu exemplo, sinto-me um pouco
menta o desprezo, leva à "cegueira", desperta o ódio.
menos extravagante...
Escolher esta escala entre o pessimismo/optimismo como
Como professor, descobri rapidamente que a qualidade
esquema classificativo da visão que se tem sobre a actual
das escolas, da aprendizagem e da educação não se decide,
situação da realidade portuguesa é um caminho perigoso.
nem se garante por decreto ou despacho ministerial. A
Mas parece ser este o percurso que se vai escolhendo para
pretensão de ter um país dotado, em cada esquina, de
a campanha partidária em curso.
excelentes escolas, a funcionarem milimetricamente de
A estratégia de introduzir o pessimismo/optimismo como
acordo com a vontade iluminada de um qualquer progra-
critério diferenciador da realidade nacional não parece ser
mador central, é seguramente uma pretensão muito mais
uma via correcta para construir uma consciência crítica
utópica do que as causas que defendo. O problema é que
nos eleitores.
não há nenhum partido que aspire a governar o país que
não tenha a fórmula (mais uma reformazinha ou um pac-
Crises de Santos to) para salvar a educação. E há muitos anos que assisti-
Jaime Nogueira Pinto mos ao espectáculo patético da alternância no poder dos
In: O Independente, 20020119 salvadores da pátria - enquanto a pátria, teimosamente
“...Estas crises mundiais são crises de Santos”... Não irreformável, parece descrer da bondade de todas as fór-
podemos deixar hoje - crentes ou agnósticos - de pensar mulas que lhe prometem a salvação. A educação não
nestas palavras do Beato Josemaría Escrivá de Balaguer, precisa de mais uma reforma. Exige antes uma contra-
fundador da Opus Dei, cujo centenário de nascimento se reforma. Uma contra-reforma que, radicalmente, abale os
celebrou em Roma, no passado dia 9 de Janeiro, com um alicerces que sustentam a imensa trapalhada burocrática
Congresso sobre a sua vida e obra e sobre a “santidade da em que se converteu o ensino e a educação nas últimas

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décadas. Uma contra-reforma que nos devolva a escola
retrógrada, de que nos falava recentemente o grande
que nem sempre tudo sai bem", afirmou a eurodeputada.
Pela sua parte, Janne Haaland Matlary, professora de
pedagogo brasileiro Rubem Alves (A Escola com que política internacional na Universidade de Oslo, falou do
sempre sonhei, sem imaginar que pudesse existir) papel da mulher perante os desafios da sociedade actual e
O Jornal das Boas Notícias
O princípio de que todas as escolas devem organizar-se e da dignidade da maternidade. Explicou que "em algumas
funcionar da mesma maneira, sob a inspiração e a mando instituições internacionais chegou-se a promover a su-
de um qualquer ministério da educação, é o primeiro a pressão do termo mãe", para substituí-lo por "mulher em
reformar. E com ele, consonantemente, o primado de que procriação" ou por expressões semelhantes. "Nós, mães,
é ao Estado (ou seja, em última instância, a um partido temos de estar convencidas de que o verdadeiro feminis-
qualquer) que cabe decidir o que se deve ensinar e apren- mo é o que defende todas as nossas características, e um
der nas escolas, como, quando e com que professores. aspecto que nos diferencia do homem é que nós podemos
Defendo o primado oposto de uma progressiva responsa- ser mães", declarou.
bilização (e consequente diversificação) das escolas. De- Em seguida, Max Torres, professor de ética dos negócios
fendo que os pais devem poder escolher livremente a na Escola de Estudos Superiores da Empresa, de Barce-
escola para os seus filhos e que os níveis de autonomia lona, pronunciou uma conferência sobre "A paternidade
das escolas e os meios que a sociedade lhes proporcione na sociedade que muda". Torres sublinhou a importância
para realizar os seus fins devem ser proporcionais à pro- de que os pais dediquem tempo aos seus filhos e de que
cura e ao grau de satisfação das famílias. estes se sintam queridos e notem que se preocupam com
Defendo que as escolas, sobretudo as básicas, devem ser eles. "Todos queremos que precisem de nós, mas não que
as principais instâncias de formação dos futuros professo- nos usem. Este ideal realiza-se de maneira sublime na
res e devem ter a liberdade de contratar uma percentagem família, na relação entre pais e filhos". Por outro lado,
significativa dos seus profissionais, de acordo com perfis disse Max Torres, um filho não esquecerá nunca o bom
de desempenho e códigos de conduta que valorizem a exemplo de seu pai ou de sua mãe: por isso é importante
adesão a um projecto, a assiduidade, a pontualidade, a que os filhos vejam como os pais lutam para viver as
dedicação exclusiva, a formação permanente. Defendo virtudes, ainda que às vezes cometam erros".
que as escolas devem ter a possibilidade de remunerar Como conclusão, o Rev. John Farrell, licenciado pelo
distintamente os seus profissionais, em função da quali- MIT de Boston e doutor em Sagrada Teologia pela Uni-
dade do seu trabalho e das responsabilidades assumidas. versidade de Navarra, falou dos ensinamentos do Beato
Defendo o acompanhamento e a avaliação das escolas por Josemaría sobre o matrimónio e a família. "O matrimónio
entidades externas e independentes. é um caminho de santidade - destacou, citando palavras
Defendo a autonomia curricular, avaliativa e organizativa do fundador do Opus Dei -, no qual os pais receberam
das escolas, desde que observados escrupulosamente os uma tarefa divina". E esta missão divina consiste, em
princípios constitucionais e assegurada uma regular audi- síntese, em ajudarem-se mutuamente no caminho para o
toria do funcionamento das instituições e dos resultados Céu, trazer ao mundo os filhos que Deus lhes conceda e
conseguidos. educá-los de modo cristão.
Se houver um partido, à esquerda ou à direita, que, cora-
josamente assuma estas bandeiras, fica desde já prometi- Putos
do: terá o meu voto nas eleições de 17 de Março.
Miguel Gaspar,
O mais, para mim, em matéria de educação, serão trocos...
In: O independente, 20020111
Professor do Ensino Básico
Talvez seja o Pokémon que nos está a contar a história
verdadeira, a dos putos que enfrentam o mundo sozinhos:
Simpósio sobre a família em Helsínquia o Capuchinho Vermelho já não pode contar com o caça-
18 Novembro 2001 dor
A eurodeputada finlandesa Eija-Riitta Korhola e Janne Vem nos livros: a cultura de massas tem por consequência
Haaland Mattlary, professora da Universidade de Oslo, fazer os adultos regredir à infância e transformar as crian-
foram duas das participantes no simpósio sobre a família ças em adultos precoces. Isto foi escrito, na década de 50,
organizado pelo European Training Center, no passado pelo norte-americano Dwight MacDonald, um adversário
dia 10 de Novembro, em Helsínquia. da sociedade de consumo que deve ter sofrido um bocado
"A família: uma revolução para o terceiro milénio", este por partilhar o apelido com uma cadeia de hambúrgueres
foi o tema de um dia de estudos do qual participaram famosa. Neste ano de 2002, que é ainda uma criança, o
pessoas de diversas religiões. O conceito de família, o problema já não é os miúdos verem programas para adul-
papel da mãe, o verdadeiro feminismo e a relação entre tos. O problema é os horários destinados aos adultos
pais e filhos foram algumas das questões abordadas. serem dominados por programas infantis ou, quando
A eurodeputada finlandesa Eija-Riitta Korhola analisou muito, destinados a adolescentes. É essa a fronteira que
alguns elementos do contexto social no qual se desenvol- divide hoje, na televisão portuguesa, os êxitos de audiên-
ve actualmente a instituição familiar e defendeu o concei- cia dos programas falhados. Essa é a história de “Super
to clássico de família. Pai” ou do “Neco”, de “Malucos do Riso” e “Anjo Selva-
Eija-Riitta Korhola disse que se costuma apresentar a gem”. Séries, programas de humor ou novelas assimilá-
família e o amor entre os cônjuges como um conto de veis, sem qualquer dificuldade, por crianças de dez anos
fadas em que tudo é perfeito: a literatura, a televisão e as ou menos. Se procuramos as causas do alheamento dos
revistas convidam a pensar assim, de modo que é fácil cidadãos em relação à vida pública, encontramos aqui
que, quando chegam os momentos difíceis e os altos e uma resposta possível. A maioria dos cidadãos deste país
baixos que toda a convivência traz consigo, os esposos não está a ver programas que reflictam as suas vivências
acreditem que fracassaram. "Devemos valorizar o corren- enquanto pessoas adultas. Ao mesmo tempo que isto
te da vida familiar, cheia de amor, sendo conscientes de acontece nos horários que eram das pessoas crescidas, a

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9 segunda-feira, 4 de Fevereiro de 2002
ficção que vemos nos espaços destinados exclusivamente
aos mais novos é surpreendentemente adulta... Há muito
qualidade da aprendizagem? A política precisa de regressar
à escola, de estudar, de aprender, de fazer os trabalhos de
que verificamos um corte com os imaginários tradicionais casa, de se submeter a exame público.
das primeiras gerações da televisão ou das gerações do
O Jornal das Boas Notícias
livro. Nem Tom & Jerry, nem Condessa de Ségur: os
príncipes modernos seguem, apaixonados, as sagas orien-
tais de crianças que dominam monstros digitais ou enfren-
tam-se em violentos combates vestindo a pele de treina-
dores de Pokémon. O problema não é a violência, sem a
qual uma história para crianças é impensável. O problema
é o fim da fantasia. Mortas a fábula e o conto de fadas (ou
o Tom & Jerry), desaparecem as metáforas através das
quais ensinámos a vida aos miúdos, desde o tempo do
senhor de La Fontaine. Talvez esteja aí a espantosa força
de um fenómeno como “Harry Potter”. A personagem de
J. K. Rowling devolve-nos um sentido perdido da fanta-
sia. Esse universo gótico, onde há feiticeiros e adultos
maus - na animação japonesa praticamente não existem
adultos, apenas crianças entregues a si mesmas -, restau-
rou um elo perdido. Só que “Harry Potter” não é apenas
um fenómeno infantil, atinge tanto os adultos como as
crianças. Há uma fronteira que se dilui por completo.
Quando vemos Carlos Cruz entrevistar crianças extraor-
dinárias, no “Fora de Série”, que estreou nesta semana na
SIC, assistimos ao entronizar do adulto precoce, seja
enquanto génio intelectual ou por ter conseguido resistir a
uma situação adversa, em que os pais falharam. Talvez a
história seja esta, a de um mundo onde os adultos desapa-
receram do universo das crianças e dos adolescentes ou
onde os crescidos pura e simplesmente deixaram de ser
adultos. Talvez seja o Pokémon que nos está a contar a
história verdadeira, a dos putos que enfrentam o mundo
sozinhos: o Capuchinho Vermelho já não pode contar
com o caçador.

Trabalho de casa
António José Teixeira
In: DN 20020116
....
Educação - Lembram-se do estudo da OCDE que testou
as competências dos jovens de 15 anos na leitura, na
Matemática e nas Ciências e que deixou Portugal muito
mal classificado? Os alemães ficaram ao nosso nível e
interrogam-se agora se serão "estúpidos". Procuram cau-
sas e soluções. No Luxemburgo, o Governo apela, por
carta, a todos os professores do País que se concentrem
na consolidação dos saberes fundamentais. Os EUA não
se contentam por aparecer dentro da média e Bush acaba
de anunciar uma reforma radical do ensino com exames
anuais de Matemática e leitura para os alunos entre os 6 e
os 13 anos. Em Inglaterra, Blair ameaça privatizar as
escolas públicas que tenham maus resultados. Na Espa-
nha abana-se o ensino com a "lei da qualidade". Em Por-
tugal, prepara-se um seminário... O descalabro do nosso
ensino secundário, posto também a nu pela avaliação das
escolas, deveria ter desassossegado o País. A paixão edu-
cativa de António Guterres deu alguns frutos na generali-
zação do acesso a todos os graus de ensino. Falta o resto,
e o resto pode ser quase tudo, a avaliar pela má qualidade
das escolas e pela pouca motivação das novas gerações
para o esforço escolar. Depois da massificação, a batalha
decisiva é a cultura de exigência. É este o desafio mais
importante que Portugal tem pela frente. Haverá terreno
mais nobre para o exercício político? Poderá alguém ser
poder, ou querer conquistá-lo, sem ideias claras sobre a

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