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INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é apresentar a dinâmica de um grupo que busca, na associação
entre pesquisa e intervenção educacional, contribuir com as discussões acerca da Educação
Ambiental no Vale do Ribeira, São Paulo.
Este trabalho é parte integrante do projeto temático "Floresta e Mar: Usos e Conflitos no
Vale do Ribeira e Litoral Sul, SP” desenvolvido no Núcleo de Estudos e Pesquisas
Ambientais (NEPAM / Unicamp) (FAPESP 97/14514-1). O projeto temático visa analisar a
relação entre uso de recursos naturais, conflitos locais e regionais e formas de intervenção
relacionadas à conservação e manejo no Vale do Ribeira - SP, a fim de compreender os
aspectos fundamentais da implantação de Unidades de Conservação no território brasileiro.
As áreas de abrangência são três diferentes Unidades de Conservação (UCs), bem como seu
entorno: a Área de Proteção Ambiental de Iguape / Cananéia / Peruíbe, a Estação Ecológica
de Juréia / Itatins e o Parque Estadual Turístico de Alto do Ribeira.
O Vale do Ribeira e litoral sul de São Paulo é uma das regiões menos industrializadas
do estado que compreende grande parte das áreas de conservação da Mata Atlântica no
Brasil. As Unidades de Conservação (UC”s) impõem restrições diferenciadas ao uso da
terra e dos recursos naturais aos moradores residentes na região causando uma relação de
conflito entre conservação da natureza e qualidade de vida destes moradores.
Os critérios de conservação da natureza utilizados na criação dessas UC”s estiveram
apoiados no conhecimento empírico-racional pautado na visão de que qualquer ação
humana pode ter efeitos devastadores a estes ecossistemas. Assim, a comunidade local e
seus conhecimentos estiveram excluídos dos processos de criação das UC”s.
A legislação é bastante restritiva no que diz respeito à ocupação humana destas áreas,
submetendo os direitos individuais à soberania dos direitos difusos, o que significa muitas
vezes enfraquecer direitos sociais e políticos das comunidades do interior e entorno destas
UCs. Deparamo-nos com uma discussão que vem sendo imposta ao ambientalismo
brasileiro desde seus primórdios e que atuou como contraponto a sua inserção na sociedade
brasileira: a tensão entre conservação ambiental e bem estar social.
Caminhar pela zona rural no Vale do Ribeira é estar de frente para este ponto nodal, em que
se depara com comunidades que vivem em situação precária no que diz respeito à infra-
estrutura e serviços básicos, como saúde e educação, imersas numa mata exuberante e rica
do ponto de vista ecológico. Não se trata de engrossar as vozes de um discurso que por
décadas tem objetivado a negação da problemática ambiental. Pelo contrário, o propósito é
desenvolver um trabalho com estas comunidades, que compreenda conservação ambiental e
direitos sociais como objetivos complementares e que, neste sentido, procure outras
alternativas de desenvolvimento.
O trabalho vem sendo desenvolvido por um grupo constituído por pesquisadoras de
diferentes áreas acadêmicas que desenvolvem projetos de pesquisa e intervenção educativa
junto a organizações comunitárias, escolas e comunidades do Vale do Ribeira tendo como
princípios comuns:
• o reconhecimento do papel ativo do sujeito no processo do conhecimento;
• a preocupação com a democratização de saberes (científico e popular);
• a relação entre teoria e prática no processo do conhecimento.
A partir das reflexões teóricas e de uma maior aproximação com grupos locais, buscamos
algumas contribuições a respeito da pergunta central que move nossa construção teórica:
qual a educação ambiental que se aplica à realidade do Vale do Ribeira?
social e culturalmente condicionados. Desta forma, compreendemos que para que este
pressuposto seja internalizado à prática é necessário trabalhar sob a perspectiva da
"pedagogia da demanda", que visa desencadear um processo gestor de iniciativas, propostas
e soluções (GUTIÉRREZ & PRADO, 1999: 50). Segundo estes autores, o sentido do
processo nasce do acontecer dinâmico, dos problemas percebidos na cotidianidade e da
busca de solução.
No entanto, dentro do campo da educação ambiental tem sido presente também uma visão
que se contrapõe a esta e que se baseia em proposições teóricas ecologistas e práticas
coercitivas, verticais, enunciativas.
Esta associação da educação ambiental a práticas de coerção - em que a noção de
estabelecimento de direitos por parte das coletividades, tão cara à cidadania (BENEVIDES,
1991; JELIN, 1994), é substituída pela noção de cumprimento de deveres - tende a
polarizar a discussão entre conservação ambiental e bem estar social. As ações de educação
ambiental pautadas nesta visão buscam enquadrar as práticas sócio-culturais locais nos
princípios da conservação ambiental, colocando-os muitas vezes como algo imposto de
cima para baixo, desconsiderando configurações específicas de cada localidade.
Os critérios de conservação ambiental foram elaborados em espaços sócio-culturais
próprios e por isso estão imbuídos de valores culturais específicos, que se diferenciam
daqueles provindos de outros espaços, como por exemplo das comunidades de moradores
de UCs. A imposição cultural, que se configura nestas práticas de educação ambiental
coercitivas, é também uma imposição epistemológica por estar legitimada pelo
conhecimento empírico-racional, visto como a única forma válida de conhecimento.
Consideramos que tal postura resulta em um empobrecimento do horizonte e das
possibilidades do conhecimento.
Em contrapartida a esta, que invalida os conhecimentos não científicos, existem outras
concepções que aceitam como verdadeira a tese de que há muitas formas válidas de
conhecimento, de onde seguem como decorrência, atitudes que venham valorizar os
conhecimentos e práticas não hegemônicas. Isto implica a escuta de práticas marginais,
desvelando-se rastros de utopias silenciadas, para fundamentar a busca de soluções aos
problemas da sociedade contemporânea (SANTOS, 1989:16).
Do ponto de vista da educação para a cidadania ativa (BENEVIDES, 1991) e formação de
sujeitos sociais (TOURAINE, 1997), entendemos que a postura coercitiva pode vir a
reforçar um conceito passivo e tutelar de cidadania, na medida em que desconsidera o
sujeito individual, ator de sua vida pessoal, para referir-se a um cumpridor de papéis que
lhes são atribuídos. "Por que o ator não é aquele que age em conformidade com o lugar que
ocupa na organização social, mas aquele que modifica o ambiente material e sobretudo
social no qual está colocado, modificando as relações de trabalho, as formas de decisão, as
relações de dominação ou as orientações culturais" (TOURAINE, 1997: 220-21).
Com base nestas reflexões, procuramos direcionar nossas diferentes atuações
educativas neste trabalho no sentido de “contribuir para a conservação da biodiversidade,
para a auto-realização individual e comunitária e para a auto-gestão política e econômica,
através de processos educativos que promovam a melhoria do meio ambiente e da
qualidade de vida” (SORRENTINO, 1998: 193).
Entendemos que este objetivo se aproxima daqueles da educação popular comunitária,
fundamentada no reconhecimento da diversidade cultural, no desenvolvimento da
autonomia das pessoas, grupos e instituições e na promoção da cidadania. Seu motor é a
melhoria da qualidade de vida, partindo do princípio que nos educamos na medida em que
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Até o momento, visualizamos diferentes dimensões em que se pode dar este processo
educativo, retomando os "espaços e situações sociais" definidos por Dayrell (1996), a
dimensão do cotidiano difuso de trabalho, do bairro, do lazer, e outra das instituições como
as escolas, as associações de moradores, as ONGs, a administração pública.
Um dos projetos desenvolvidos refere-se a um espaço educativo que poderíamos chamar de
difuso, segundo a concepção de Dayrell. Focalizando a formação de um grupo de
agricultores no bairro de Pedrinhas em Ilha Comprida, o projeto se propõe a estudar, por
meio de uma pesquisa intervenção educacional, a criação de novos repertórios por este
grupo a respeito de sua própria realidade, partindo da re-significação de práticas culturais
de ajuda mútua ligadas à agricultura colocadas em diálogo com a legislação que
regulamenta a APA. Acreditamos que o cotidiano dos trabalhos coletivos constitui-se como
um ponto de união da comunidade, podendo ser um facilitador na identificação de
problemas comuns e no encaminhamento de demandas coletivas. O diálogo deflagrado
representa a possibilidade de produção de um conhecimento novo sobre a articulação entre
conservação ambiental e bem estar social.
Outra vertente é a que trata de espaços sociais institucionalizados. Reunimos aqui tanto os
espaços socialmente legitimados como educativos - a escola, algumas ONGs - como
aqueles que se colocam com outras finalidades mas que tem os processos educativos
permeando sua prática, como por exemplo grupos de moradores organizados na busca de
alternativas de geração de renda.
No que diz respeito aos grupos de moradores organizados, o presente trabalho busca
levantar aspectos das práticas locais coletivas que possam contribuir para a participação da
comunidade na discussão da temática ambiental e na gestão dos recursos naturais. Nesse
sentido, um projeto está em desenvolvimento com a Associação de Produtores e
Manejadores de Plantas Nativas da Ilha Comprida (AMPIC), que vem realizando manejo
de samambaias como forma de geração de renda. Através desta pesquisa procuramos
destacar aspectos da organização dos moradores em torno de um projeto de manejo que
possa caracterizá-la ou não como um espaço de aprendizagem de participação e de
cidadania.
Ainda no que se refere a grupos de moradores organizados, temos como parceiras a
Associação de Monit ores Ambientais de Iguape (AMAI) e a Associação Serrana
Ambientalista (ASA) do Bairro da Serra. Nosso olhar focaliza a interface destas
associações com as seguintes escolas públicas: "Sebastiana Muniz Paiva" da Barra do
Ribeira (Iguape), "Elvira Silva" de Icapara (Iguape) e "Vitor Rodrigues da Motta" do Bairro
da Serra (Iporanga). Acreditamos que estas organizações da comunidade, que estão
inseridas no debate sobre as questões sócio-ambientais locais, ao dialogarem com a escola
trazem novas perspectivas sobre este debate para o ambiente escolar.
Porque estas questões, que se configuram nas áreas ambientalmente protegidas da região do
Vale do Ribeira, inserem-se nas escolas situadas em seu entorno?
Inicialmente pela forma que compreendemos o espaço escolar. Partilhamos da idéia de
escola desenvolvida por Ezpeleta & Rockwell (1986:58) como um espaço onde interagem
diversos processos sociais: a reprodução das relações sociais, a criação e transformação dos
conhecimentos, a conservação ou a destruição da memória coletiva, o controle e a
apropriação da instituição, e a resistência e a luta contra o poder estabelecido. É neste jogo
de ambigüidades, marcado pelos conflitos entre as tramas de inter-relações dos sujeitos que
a compõem, e destes com uma organização oficial do sistema escolar, que a escola
constrói-se e reconstrói-se no seu cotidiano (DAYRELL, 1996: 137). Estes conflitos e
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SOBRE O GRUPO
Durante os dois anos e meio de constituição coletiva de nossa equipe temos procurado uma
coerência entre os princípios teóricos e metodológicos adotados nos projetos e os princípios
de gestão do grupo de trabalho: metodologias participativas, não-hierarquia dos saberes e o
entendimento do grupo como um espaço de reflexão e produção coletiva do conhecimento.
Esta construção coletiva tem ocorrido a partir de encontros quinzenais desde março de
1999. As leituras e discussões teóricas que acontecem nestes encontros são animadas pelos
relatos das práticas que cada um dos membros da equipe está desenvolvendo com os,
moradores e/ou escolas do Vale do Ribeira. Dessa forma, exercitamos um diálogo entre
teoria e prática, as quais se reformulam e se transformam constantemente. O processo se dá
a partir de um ir e vir entre o coletivo e o individual. O coletivo passa a dar suporte à
construção de um conhecimento que vai além do que a reflexão individual possibilitaria
naquele momento.
Uma das dimensões deste processo consiste em estimular "a capacidade de atuação,
individual e coletiva, de forma a contribuir para que o mesmo ocorra com as pessoas e
grupos com os quais atuam" (SORRENTINO, 2000: 35). O processo de desenvolvimento
das próprias capacidades compõe-se da descoberta dos recursos internos de cada um e sua
manifestação como potenciais catalisadores de uma transformação sócio-ambiental.
A sistematização das produções desta equipe composta de estudantes universitários,
pesquisadores e comunidades com as quais atuam no Vale, é um dos propósitos de uma
pesquisa de doutorado ligada a Faculdade de Educação da USP. Busca-se com isso,
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Textos NEPAM(Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais), Série Divulgação Acadêmica,
n.04, 1998.
Revista Educação: Teoria e Prática.
Rio Claro: UNESP – Instituto de Biociências, Volume 9, número 16, 2001. (CD-Rom arquivo: tr01.pdf)
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FONTES DE FINANCIAMENTO
FAPESP - CNPq/PIBIC - UNICAMP