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PARTE ESPECIAL
TOMO LVIII
TÍTULO III
SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
(continuação)
CAPITULO XIV
10.Que “pessoas designadas” são as do texto. 11. Prole eventual: filhos ou quaisquer descendentes. 12. Prole
eventual: restrições. 13. Guarda da herança até o nascimento da prole contemplada. 14. Frutos e administraçãO. 15.
Pagamento dos impostos e prole eventual. 16. Prova da concepção para os efeitos legais (nasciturus) . 17. Prova da
existência das pessoas e da existência da prole eventual.
18.Devolução dos bens da prole eventual não ocorrida. 18 § 5.814. Incapacidade de sucessão passiva. 1. Pessoas
que não podem adquirir por testamento. 2. Pessoa que, a rôgo, escreveu o testamento, o seu cônjuge ou os seus
ascendentes, descendentes e irmãos. 3. Testemunhas do testamento. 4. Concubina do testador casado. 5. Oficial
público, civil ou militar, comandante, ou escrivão, perante quem se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o
testamento. 6. Legado ou deixa a filho adulterino
§ 5.815.Disposição a favor de incapazes de suceder. 1. Texto da lei. 2. Nulidade derivada da regra jurídica. 3. Pre
sunção
§ 5.816.Liberdade de testar e quota necessária. 1. Liberdade de testar. 2.Porção disponível. 3. Porção disponível
dita anômala. 4.Princípio da inviolabilidade da quota necessária. 5. Herdeiros necessários. 6. Natureza do direito
dos herdeiros necessários. 7. Descendentes e ascendentes. 8. Destino dos bens não distribuídos no testamento. 9.
Cálculo da metade disponível. 10. Cálculo da porção disponível. 11. Cálculo da porção necessária se há sucessíveis
renunciantes. 12. Porção necessária e herdeiro necessário também instituido. 13. Cálculo prático das porções
necessárias.
14.Cláusulas de inalienabilidade e de incomunicabilidade.
15.Natureza das restrições de poder. 16. Divergências na classificação. 17. “Modus” e cláusulas de restrição de
poder. 18. Teorias. 19. Inalienabilidade e obrigação. 20. Corte no “ius abutendi”. 21. Análise das soluções. 22. Que
é que se entende por temporário. 23. Temporariedade e transmissão. 24. Conteúdo da cláusula de inalienabilidade.
25. Legítimas e cláusulas de restrição de poder
§ 5.817.Outras cláusulas de restrição. 1. Cláusulas de sub-rogação e cláusulas de reemprêgo. 2. Legitimados à
ação de nulidade. 3. O que o testador pode acrescentar a “restrição de poder”. 4. O que se não pode apor aos
quinhões dos herdeiros necessários. 5. Natureza da sanção. 6. Ação de nulidade. 7. Ação Pauliana e restrição de
poder. 8. Quando começam os efeitos das cláusulas restritivas ou restrições de poder. 9. Efeito da acão de nulidade.
10. Herança necessária e porção disponível. 11. Liberdade de dispor e os seus elementos. 12. Conjuge c parentes
colaterais. 13. Direito anterior. 14. Significação da regra jurídica
CAPITULO XV
§ 5.818.Caso especial de sucessão . 1. Disposição em parte. 2. Direito romano. 3. Direito anterior. 4. Projetos
brasileiros. 5.Natureza da regra jurídica 6. Pressupostos do suporte fáctico. 7. Consequências da regra jurídica
§ 5.819.Determinação de partes e redução. 1. Fontes. 2. Regras jurídicas sôbre redução. 3. Pressupostos da
redução. 4. Pressupostos da redução, se o testador preferiu herdeiros ou legatários. 5. Distribuição inferior ao
deixado. 6. Dispositividade das regras jurídicas. 7. ferro do testador. 8. Pluralidade de testamentos. 9. Alguns
herdeiros com partes e outros sem parte. 10. Redução dos legados. 11. Divisibilidade e indivisibilidade. 12.
Conteúdo das regras jurídicas...
CAPITULO XVI
SUBSTITUIÇÕES
de substituição. 4. Direito romano. 5.Direito anterior.6. Função das substituições. 7. Formas. Poder e não querer
aceitar. 9. Morte do beneficiado10. Condição resolutiva. 11. Estrutura da substituição12. Direito do substituto
§ 5.821. Substituições e espécies. 1. Substituições e fideicomissos. 2.Interpretação da vontade do testador
§ 5.822. Direito de acrescimento e substituição. 1. “lus accrescendi”. 2.Precisões
§ 5.823.Pressupostos e caráter da regra juridiaa. 1. Substituições gerais e especiais. 2. Caráter da regra jurídica. 3.
Ineficácia da substituição
§ 5.824.Sujeitos ativo e passivo da substituição. 1. Duas figuras.2. Um ou mais substitutos.~ 3. Quantidade e
relação dos substitutos 4. Substituição a grupos. 5. Substituição recíproca. 6.Substituição compendiosa. 7.
Substituição a substitutos 8. Instituições condicionais. 9. Qualidade dos substituidos
§ 5.825.Determinações mas, anexas e conexas; legados. 1. Cláusulas. 2. Legados a têrmo e fideicomissos. 3.
Legados. 4.Cláusulas e substituto. 5. Conteúdo da regra legal. 6.“Modus”. 7. Condição à instituição do “prior” .... 2
§ 5.826. Objeto da substituição. 1. Substitutos. 2. Espécies de objeto. 3. Instituido e substituto. 4. Substituição
recíproca. 5. Conteúdo da regra jurídica
§ 5.827.Questões de interpretação. 1. Espécies. 2. Instituição condicional e substituição 3. Substituições. 4.
Fideicomisso. 5.Substituição ou fideicomisso. 6. Acrescimento e substituição. 7. Nacionalidade. 8. Renúncia. 9.
Renúncia e substituição. 10. Outros exemplos. 11. Pessoa ainda não concebida. 12. Substitutos de substitutos. 13.
Ordem subsidiária. 14. Herdeiro legitimo e substituição. 15. Qualidade de instituidos. 16. Fideicomisso e legado.
17. Direito francês. 18. Direito italiano. 19. Direito alemão. 20. Direito suíço. 21. Direito russo. 22. Direito
argentino
§ 5.828.Substituição pupilar e quase-pupilar. 1. Instituto estranho ao direito brasileiro. 2. Direito português
122
§ 5.829.Disposições mexas, anexas e conexas nas substituições. 1. Restrições do poder, “modus” e substituições. 2.
“Modus” e substituição. 3. Condições e têrmos
§ 5.830.Disposições especiais e substituições. 1. Cisões. 2. Substituição ou “modus”. 3. Prole eventual. 4. Falta de
prole. 5.Fidúcia
§ 5.831.Substituições e herdeiros legítimos. 1. Instituído e substituto. 2. Herança necessária. 3. Falta de herdeiros
legítimos. 4. Herdeiros testamentários e substituição. 5. Falta de herdeiros de determinado grau. 6. Condição
suspensiva. 7.Condição resolutiva. 8. Deserdação. 9. Ação de indignidade. 10. Substituição recíproca. 11. Usufruto
e substituição. 12. Legítimos herdeiros feitos testamentários. 13. Exclusão de descendentes
§ 5.832.Incidentes das substituições. 1. Período anterior à demonstração da falta do sucessor. 2. Ação de
indignidade. 3. Declaração de vacância. 4. Abstenção de optar. 5. Renúncia da herança e credores. 6. Substituto
fideicomissário. 7. Nomeações em dois ou mais testamentos. 8. Presunção de sucessividade dos substitutos. 9.
Deserdação. 10. Fundação a ser criada. 11. Substitutos e herdeiros de substitutos.
CAPITULO XVII
FIDEICOMISSO
§ 5.833.Fideicomissos. 1. Sucessividade e fidúcia. 2. Direito romano. 3. Evolução posterior. 4. Direito anterior. 5.
Elemento construtivo. 6. Idade Média e fideicomissos. 7. Situação de fiduciário. 8. Negócio jurídico a causa de
morte e entre vivos. 9. Herdeiros, legatários e fideicomisso. 10. Caráter da sucessão dupla. 11. Testamentariedade
do fideicomissário. 12. Natureza do direito expectativo do fideicomissário. 13. Fideicomisso e direito real. 14.
Passagem dosbens fideicomitidOs. 15. Fideicomissos personalíssimOs; e fideicomissos a têrmo e herdáveis. 16.
Pressuposições essenciais a certos fideicomissos
§ 5.835.Situação jurídica dos figurantes. 1. Situação jurídica do fiduciário. 2. Situação jurídica do fideicomissário.
3. O fideicomisso quanto as relações entre os dois herdeiros sucessivos. 4. Variantes fideicomissárias. 5. Intuito
principal do testador. 6. Cláusulas relativas ao fideicomisso. 7. Formados fideicomissos. 8. Condição e “modus” ao
fideicomissário. 9.Bem fideicomitido. 10. Situação do fiduciário no registo de imóveis. 11. Nulidade e extinção do
fideicomisso. 12. Situação do fiduciário, depois de restituído o fideicomisso. 13.Destino dos bens se antecipada a
morte do fíduciario. 14.Destino dos bens, destituído o testamento. 15. Destino dos bens, no caso de morrer o
fiduciário antes do têrmo ou condição. 16. Extinção da fideicomissariedade
§ 5.836.Propriedade e posse da herança ou legado. 1. Espécie de propriedade. 2. O que é imperativo no art. 1 .734.
3. Poder de alienação. 4. Os direitos do fiduciário e do fideicomissário. 5. Uso e fruIção pelo fiduciário. 6.
Restrições ao uso e fruição do fiduciário. 7. Eficácia e ineficácia dos atos do fiduciário. 8. Caráter da ineficácia. 9.
Formalidades registárias e extinção do fideicomisso. 10. Processos relativos à herança ou legado fideicomitido. 11.
Processos, extinto o fideicomisso. 12. Sub-rogação e acréscimos da herança em fideicomisso. 13. Aplicações de
valôres e restituição. 14. Despesas e direitos~ 15. Despesas com os bens. 16.Posse dos bens fideicomitidos. 17.
Situação do fiduciário depois da entrega dos bens. 18. Credores da herança. 19.Inventário dos bens. 20.
Fideicomisso do que resta à morte do fiduciário. 21. Dispensa de inventário. 22. Caução pelo fiduciário
CAPITULO XVIII
DESERDAÇÃO
§ 5.847. Outras causas de deserdação. 1. Ações da deserdação. 2. Deserdação dos descendentes por ascendentes. 3.
Correspondências. 4. Causas de deserdar. 5. Ofensas físicas. 6. Injúria grave. 7. Desonestidade da filha. 8. Relações
ilícitas com a madrasta ou o padrasto. 9. Desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade. 10.
Deserdação dos ascendentes por descendentes. 11.Correspondências.12.Conteúdo da regra jurídica
§ 5.848.Destino do quinhão do deserdado. 1. Omissão do Código Civil.2.Questões que surgem. 3. Problema
jurídico no direito alemão. 4. Problema jurídico no direito brasileiro 5. Solução do problema
CAPITULO XIX
§ 5.850.Material de escrita. 1. Pressuposto material de forma. 2.Forma de carta. 3. Lançamento no Livro de Notas
do tabelião. 4. Escrita do testamento. 5. Testamento em dois ou mais exemplares. 6. Língua estrangeira ou artificial.
§ 5.851.Data e lugar dos testamentos. i. Pressupostos da referência à data e ao lugar. 2. Momento em que se fêz o
testamento. 3. Eventual vantagem da desígnação precisa do lugar. 4.Expressão da data
§ 5.852.Assinaturas dos testadores. 1. Espécie de testamento e assinatura do testador. 2. Caracteres da escrita. 3.
Ilegibilidade
§ 5853.Disposições sôbre quantidades (inteiros, frações). 1. Letras e algarismos. 2. Indicações dependentes de
avaliação ou de renda
§ 5.854.Extravio e destruição dos testamentos. 1. Testamento e requisitos. 2. Testamento e revogação, no direito
romano. 3.Extravio e destruição do testamento no direito contemporâneo. 4. Direito civil brasileiro. 5. Casos
similares de atingimento material. 6. Prova da acidentalidade ou ato de outrem. 7. Multiplicidade de exemplares. 8.
Possibilidade jurídica e possibilidade material de reconstituição. 9. Terceiro instrumento do testador. 10. Qual a lei
que deve reger a destruição e extravio do testamento
§ 5.855.Formas testamentárias. 1. Formas testamentárias no Código Civil. 2. Tempos primitivos. 3. Formas iniciais
dos testamentos romanos. 4. Testamentos no direito posterior romano. 5. Origens de formas do direito hodierno. 6.
Direito anterior ao Código Civil brasileiro. 7. Direito inglês. 8.Testamento no direito dos Estados Unidos da
América. 9.Testamento no direito austríaco. 10. Testamento no direito francês. 11. Testamento no direito italiano.
12. Testamento no direito argentino. 13. Testamento no direito suíço. 14.Testamento no direito alemão.15
Testamento no direito português. 16. Consideração final
§ 5.856. Testamento conjuntivo, simultâneo, recíproco e correspectivo. 1.Direito anterior. 2. Proibições noutros
sistemas jurídicos. 3.Testamentos escapos à proibição. 4. Verdadeiro conteúdo da regra jurídica vedativa. 5.
Unípersonalidade do testamento. 6. Independência intencional. 7. Extensão da incidência. 8. Pactos antenuPciais e
a regra jurídica proibitiva de testamentos conjuntivos. 9. Testamento conjuntivo e direito austríaco. 10. Testamento
conjuntivo e direito inglês 11.Testamento conjuntivo e direito alemão. 12. Testamento berlinense. 13. Eficácia das
disposições correspectivas e as não-correspectivas no direito alemão
Título III
SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
(continuação)
CAPITULO XIV
1.SUCESSIBILIDADE E TESTAMENTO. iure A capacidade para suceder é de todas as pessoas, de modo que só
excepcionalmente a pessoa iure física ou jurídica iure não pode suceder. Só a lei pode limitar a capacidade para
suceder, quer legitima, que testamentariamente Não se dístingue quanto à nacionalidade do herdeiro, quer legítimo,
quer testamentário. Entenda-se o mesmo a propósito dos legados: quem pode suceder legitimamente, ou
testamentariamente, na qualidade de herdeiro, pode receber legados. Para que se abram exceções, é preciso que a
regra juridica conste de lei e tenha essa respeitado os princípios constitucionais.
A incapacidade para suceder pode ser a respeito de qualquer herança ou legado, como se a pessoa ainda não fôra
concebida à data da abertura da sucessão. Tanto isso se refere à capacidade para receber ex lege, como em virtude
de disposição testamentaria, qualquer que seja a pessoa de que proviria a herança, ou o legado. Rigorosamente, ai
não há incapacidade da pessoa física: a pessoa física ainda não existe; talvez mesmo nunca venha a existir. A
designação do herdeiro ou do legatário, pessoa física que não existe, seria causa de inexistência da deixa, porque se
quis beneficiar quem não é.
A lei abre exceções: se a disposição se refere à prole eventual de pessoa designada pelo testador, pessoa, entenda-
se, existente à abertura da sucessão; se a deixa foi para se constituir entidade personalificável e funcionável e se
recorre a personificação e autorização para a funcionalização.
O instituido herdeiro ou legatário há de existir no dia da morte do decujo. Mais precisamente: no momento (e. g.,
minuto) anterior à morte do decujo. Já existe quem já foi concebido. Não é preciso já ter nascido, nem, sequer, já se
ter como concebido. Se há dúvida, tem-se de alegar e provar que a concepção foi anterior à morte, O caso típico é o
do pai que morreu no leito após relações sexuais.
Se o testamento disse “deixo x aos filhos (ou ao filho) de E” e, na data do testamento, ainda não teve filho E, mas
concebido foi antes da morte do testador, o filho existente (já concebido, ou já nascido), ou os filhos existentes
herdam.
Quanto à cláusula testamentária com condição suspensiva, discute-se a) se há de ser exigida a capacidade à data da
morte, ou b) se a capacidade há de ser à data em que se impla a condição, ou e) se tem de ser às duas datas.
PASCOAL JOSÉ DE MELO FREIRE (Institutiones luris Civilis Lusitani, III, 88 s.) e 1W. A. COELHO DA
ROCHA (lnstituyoões de Dtreito Civil Português, II, 544 s.) frisavam que, enquanto o direito romano exigia a
capacidade em três momentos (o da feitura do testamento, o da morte do testador e o da adição da herança), no
direita luso-brasileiro só se havia de supor ser necessária a capacidade ao tempo da morte do decujo, ou, se
condicional a deixa, ao tempo do implemento da condição. Foi êsse o caminho seguido pelos juristas portuguêses e
brasileiros. Mas temos de advertir que nem todas as condições são iguais. Além disso, há aquisição do direito à
abertura da sucessão, porque não se há de confundir o direito expectado com o direito expectativo, que já existe
enquanto há a pendência (Tomo V, §§ 544, 1 e 6; 545, 6; 547). O direito do sucessor sob condição suspensiva é da
classe do direito do fideicomissário, nos fideicomissos, O herdeiro ou legatário é tratado como o fideicomissário.
Na condição resolutiva, o herdeiro ou legatário está em situação semelhante à do fiduciário. Com a suspensividade,
ou se disse ou não se disse quem seria o herdeiro ou legatário antes do instituído suspensivamente.
Se o testador não determinou quem fica à espera de que se impla a condição e ao instituído condicionalmente vão
todos os efeitos, entende-se que os herdeiros legítimos é que se inserem na deixa como se fossem fiduciários.
Dissemos “como se fossem”, porque, ez hypoth,esi, não houve instituição de herdeiro ou legatário fiduciário: é na
qualidade de herdeiros legítimos que com êles fica a herança, até que se irradie, com o implemento da condição
suspensiva, o direito expectado do instituido.
A condição suspensiva faz em pendência o direito a que ela visa. É isso o que está no Código Civil, art. 118. Mas o
herdeiro ou legatário que foi instituido sob condição suspensiva já adquiriu um direito, o direito expectativo, tanto
assim que pode aliená-lo, gravá-lo, empenhar a sua pretensão contra quem está com os bens, à semelhança do
fiduciário. Se o instituído sob condição transmite o seu direito a quem está com o bem ou os bens, extingue-se o
direito expectativo, e o herdeiro ou legatário que estava exposto à condição torna-se herdeiro pleno ou legatário
pleno.
Se a disposição foi a favor de prole eventual de pessoas pelo testador designadas e existentes ao abrir-se a sucessão
(Código Civil, art. 1.718, 23 parte), o problema da instituição sob condição suspensiva é o mesmo que ocorre para
as deixas incondicionadas.
O sistema jurídico não distingue da incapacidade para ser herdeiro a incapacidade para ser legatário, nem da
sucessão universal a singular. Tão-pouco se cogitou das diferenças do objeto (grande e pequeno valor, bem móvel e
bem imóvel, incondicionalidade e condicionalidade), nem dos graus.
2.PRINCÍPIO DA COEXISTÊNCIA. iure A capacidade de adquirir por testamento é a regra, iure quem tem
capacidade de direito pode herdar. A essa correspondência a lei reconhece (de parte o caso do já concebido, cf.
Código Civil, arts. 4,0 e 1.718) duas classes de exceções:
a)A favor de maior existio, iure dispensando a simultaneidade da capacidade de direito e da abertura da sucessão:
a:) quando a •disposição testamentária (no Brasil, qualquer que seja) se referiu a prole eventual de pessoas
designadas pelo testador e existentes, essas, ao se abrir a sucessão (construção, como se verá, difícil) ; b) quando se
tratar de fundações; e) quando se referir ao modus; á) quando fôr legado a estabelecimento de ensino superior.
b) Restritiva,, nos casos do art. 1.719, onde há capacidade de direito (personalidade), e menor capacidade
testamentária. O paralelismo cessa: há pessoas incapazes de herdar.
Fora da incapacidade de direito, que preestabelece ausência de qualquer capacidade menor, não conhece a lei
qualquer outra causa de incapacidade absoluta; nem os estrangeiros, nem aqueles contra o qual houve condenação
penal, nem o que Exerce profissão religiosa, são, hoje, incapazes. Em direito internacional privado, se os Estados
podem ser nomeados herdeiros ou legatários, veremos no lugar devido. Das chamadas incapacidades relativas,
tratam os arts. 1.719 e 1.720.
3.INCAPACIDADE E INDIGNIDADE. iure Toda a matéria dos arts. 1.717 e 1.720 do Código Civil é de ordem
pública. Textos imperativos, de que o testador não pode útilmente discorda4 A vontade contrária é inoperante.
A indignidade iure que exclui os herdeiros e faz caducos os legados iure não se funda em razão de ordem pública,
mas em presunção da vontade do hereditando. Por conseguinte, o testador pode obviar aos efeitos excludentes da
lei, opor-se a eles, e a indignidade deixa de surtir efeitos.
3.PROBLEMA TEONICO DA CONSTRUÇÃO. iure Na possibilidade de instituir pessoa futura há, após a adoção
doutrinária, o problema técnico da construção, ~ Como o “ainda-não-concebido” pode ser sujeito de direito? Se
negada fôr a subjetividade jurídica dêsse ser ainda não existente, ~,quem guardará a herança ou legado? Em que
qualidade guardará? verá, no intervalo, bens, sem sujeito que o possua? Tratar-se-á de propriedade personificada,
afeta a um fim? Aqui, pomos apenas o problema; dêle trataremos ao cogitarmos do art. 1.718.
4.TEXTO LEGAL. iure Diz o Código Civil, art. 1.717: “Podem adquirir por testamento as pessoas existentes ao
tempo da morte do testador, que não forem por êste Código declaradas incapazes”. Cf. Código Civil francês, art.
902; espanhol, art. 744; italiano (1865), art. 764; suíço, art. 539; venezuelano, art. 828; português revogado, art.
1.776; argentino, art. 3.738; e mexicano, art. 3.288; italiano de 1942, art. 462; português de 1966, art. 2.038.
Diz o Código Civil italiano (1942), art. 462: “Sono capaci di succedere tutti coloro che sono nati o concepiti ai
tempo dell’apertura della successione. Salvo prova contraria, si presume concepito aí tempo dell’apertura delia
successione chi énato entro i trecento giorni dalia morte deila persona deila cul successione si tratta. Possono
inoltre ricevere per testamento 1 1 igli di una determinata persona vivente ai tempo deila morte dei testatore,
benché noil ancora concepiti”. E o Código Civil português (1966), art. 2.033: “1. Têm capacidade sucessória, além
do Estado, todas as pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da abertura da sucessão, não excetuadas por lei. 2. Na
sucessão testamentária ou contratual têm ainda capacidade: a) Os nascituros não concebidos, que sejam filhos de
pessoa determinada, viva ao tempo da abertura da sucessão; b) As pessoas coletivas e as sociedades
8.TRAÇOs DIFERENCIAIS. iure Cumpre não se confundir a questão da capacidade testamentária passiva (art.
1.718) com a outra, a do art. 1.667, li edil, que diz respeito a validade cognoscitiva da disposição. Os problemas
tocam-se, porém não se confundem. A incerteza pode existir, sem a questão da postumidade, ou futuridade da
pessoa. Por outro lado, não seria impossível a futuridade, sem a questão da incerteza.
9.APLICAÇôES no PRINCIPIO. iure Herdar sámente pode quem, ao tempo da morte do hereditando, viva. Mas
àquele que, por esse tempo, ainda não vivia, se bem que já estivesse concebido, aproveita o art. 40, 2a parte, onde a
lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (art. 1.718). São dois os pressupostos: a) que a pessoa já
viva, ou, pelo menos, já esteja concebida; b) ainda viva.
10.PESSOAS JURÍDICAS. iure A regra jurídica também se aplica às pessoas jurídicas: é preciso que existam, que
tenham personalidade, para que possam herdar. A exceção legal é em favor das fundações (art. 24) e, por sua
natureza jurídica, do modus, além da que, explicitamente, se insere na 2•a parte do art. 1.718, a cuja construção nos
reportamos. O art. 1.666 exerce enorme papel, sempre que caiba decidir das construções possíveis: opta-se pela que
execute o querer do testador.
Outra exceção: é permitido aos estabelecimentos de ensino superior, públicos ou particulares, receber legados (Lei
número 1.150, de 3 de dezembro de 1892). Ainda que não tenham personalidade, porque os de imediata
dependência do Estado ordinàriamente não têm: e o Código Civil não revogou lei de direito administrativo federal.
Se herança, reputa-se herdeira a União, e a aplicação, modus. Se particular, o favor tem de construir-se à
semelhança do art. 1.718.
Aqui, a respeito das sociedades, que ainda não são pessoas. jurídicas, ou que tenham de ser constituídas e ao tempo
da morte do testador não o tenham sido, cumpre que, diante da verba testamentária, se entenda que o testador
atribuiu a herdeiro, ou legatário, ou testamenteiro o encargo de providenciar para a criação e a personificação. Até
êsse momento, o incumbido fica com os bens, e quase sempre se interpreta a disposição como disposição modal.
§ 5.812. Nascituro
1.CONCEITO. iure Nascituro é o concebido ao tempo em ~que se apura a existência intrauterina de quem pode
nascer com vida. Há, pois, situação para com uma relação jurídica. Se mais de uma são as relações, o nascido
pode ainda não ser concebido ao tempo em que urna se estabeleceu e concebido
ao tempo da criação de outra. A questão da prova serve para caracterizar a relatividade essencial ao conceito.
4.PROBLEMA DA CONSTRUÇÀO JURÍDICA. iure ~ Como se devem construir o art. 49, 2a parte, e o art. 1.718?
Também na Alemanha a capacidade de direito começa do nascimento (§ 1); e no § 1.923 se acrescenta que se tem
por nascido antes da abertura da sncessão o que, ao tempo dela, ainda não vivia, mas já estava concebido. É o
nasciturus pro iam nato habetur. Nascimento com vida, diz a lei brasileira: na lei alemã, fala-sé do que, ao tempo
da abertura da sucessão (“zur Zeit des Flrbfalls”), ainda não vivia (“noch nich,t lebte”), iure donde se tirou o
mesmo que, expilcitamente, se diz na lei brasileira: ser preciso que nasça vivo. Um instante que seja (F.
HEEZEELDER, Erbrecht, 1. v. Staudingers Koonmentar, V, 9,a ed., 25). A situação é, pois, a mesma; e as mesmas
podem ser as tenta-Uvas de explicação.
a)Para F. ENDEMANN (Lehrbuch des Bilrgerlichen
Rechts, 1, § 26, nota 17), não se finge existente o que ainda não existe, nem se faz recuar, por ficção, o dia de um
nascimento:
trata-se de direitos futuros de um homem, apenas resguardados para o caso de vir a nascer vivo. É uma opinião que
deliberadamente afasta a ficciosidade da regra legal. Semelhante, MAx HACHENBURG (Das RUA., Vortrãge, 2•a
ed., 832 s.): o que se ressalva são os direitos, porque são direitos que dependem de vir a existir o homem; o lado
passivo, sem o lado ativo do direito (cp. GREGOR SEMEXA, Das Wartrecht, Archi» flir Rilrgerliches Recht, 85,
121 e 127). Tratando-se de substituição fideicomissária, iure se nasce sem vida, iure é como se, ao tempo da morte
do decujo, não existisse. Se morre depois, veio a existir, e passa aos seus herdeiros o direito do art. 1.585. O
nondurn conceptus não gozará disso.
b)Outra construção foi a de ERNST HEYMANN (fie Grundzilge des gesetzlichen Verwandten-Erbrechts, 61) : os
direitos e deveres da herança passam condicionados resolutivamente, de modo que há, para o herdeiro a vir,
condição suspensiva. É evidentemente forçado êsse expediente para varrer a ficção, que se tornou importuna aos
juristas do realismo doutrinário. Vale o mesmo interpor alguém, o que nos parece ainda mais arbitrário.
Certo é que se vê, na espécie, aquisição de direito pelo nasciturus, subjetivamente dependente da futura
personalidade; mas não é prôpriamente condição (F. LOWENFELD, Einleitung und Alígemeiner Teil, /. v.
Staudingers Koinmentar, 1, ‘7 ª ed., 51) . Direito futuro, direito expectativo, Anwartschaft, viu ANDREAS VON
TUHR (Der Aligemeine TeU des Deutscl&en Biirgerlichen Rechts, 1, 381) ; porém isso não resolve: a questão não
está no saber a natureza do direito, e sim do sujeito. Dai ter buscado outra edificação.
e)Recorreu JOSE? KOHLER (Lehrbuch des biirgerlichen Rechts, 1, § 151) à afirmação de um sujeito: no § 1.923
da lei alemã (e nos arts. 49, 1ª parte, e 1.718, do Código Civil brasileiro), não se excetua o elemento estrutural das
relações jurídicas, que é o sujeito ativo, iure há personalidade tácita ou construtiva (stillschweigende konstruktive
Person).
d)Entendia KONíUJ HELLWIG (Ánspruch. und Klagrecht, § 6, nota 1, 45) que entre a abertura da sucessão e o
nascimento do herdeiro esperado, indiscutivelmente se trata de herança sem sujeito.
e)Construiu ANDREAS vON TUHR (Der Aligemeine TeU des Deutschen Elirgerlicheu Rechts, 1, 381, nota 5) o
interregno (morte do sucedendo e nascimento do concebido) como o de herança com sujeitos alternativos, A ou E:
se A nascer com vida, E está afastado. É perfeita a prestabilidade da alternativa. Porém, como bem notou o próprio
ANDREAS VON TUHR. há mais do que uma situação daquelas em que os bens são adéspotas e daquelas em que
depende de um acontecimento o vir a ter dono.
f) A aparente contradição do Código Civil, arts. 49 e 1.718, quanto ao nascituro (dá-se o mesmo no direito alemão,
§§ 1 e 1.923, II), desapareceria, desde que se lessem por esta forma: a capacidade de direito do homem começa
com a prova segura da sua existência; homem é todo produto gravídico do homem e da mulher, que possui coração
e complete vinte e quatro semanas (E. AnLnxm, Nasciturus, 78).
5.CONSTRUÇõES JURÍDICAS. iure Há várias situações jurídicas em que exames superficiais, que pretendem
resolver o problema construtivo, invocam a condicionalidade. É lamentável, então, o espetáculo da confusão entre
condiciones juris,elementos do próprio fenômeno jurídico, e as condições, disposições mexas, que subordinam à
resolutividade ou à suspeusividade a situação a que se referem. Essas, em vez de essenciais, são acidentais; não
pertencem à natureza especial do fenômeno, iure provêm da vontade humana, que pode intervir, ou não intervir.
Assim, é de ver apelarem para o negócio jurídico condicional os que topam com as extraordinariedades das
situações jurídicas do nascituro, nos casos dos arts. 49 e 1.718, da prole eventual de designadas pessoas (art. 1.718,
in fine), da Fazenda Nacional, Estadual ou do Distrito Federal, nas sucessões daqueles que não deixam herdeiros
legítimos, nem testamentários. A semelhança entre tais espécies, no meio tempo> é evidente; e os autores
esforçam-se por explicá-las mediante as ordinárias construções técnicas.
EsfOrço, êsse, baldado, e sem o devido trato da realidade, que pretende esclarecer. A questão é de grande
importância, devido aos graves efeitos práticos. Por isso, insistiremos em varrer dos assuntos referidos o que se
evidencia prejudicial à verdadeira compreensão dos fatos.
Na ocasião em que alguém morre e os herdeiros nomeados foram um concebido, filho de A, e a prole eventual de
B, ~os bens passam, desde logo, a tais indivíduos futuros, ou só se transmitirão quando o concebido nasça vivo, ou
se verifique o nascimento de prole de E? Alguns vêem no nascituro e na prole herdeiros condicionais. Outros, não.
Ora, quando nasce morto o filho de A, não há herdeiro, porque o filho de A não foi pessoa. Vêem nisso a não
verificação de uma condição. Mas erram. Nesse caso, não houve herdeiro, nem herança sob condição suspensiva:
nem retroatividade, nem qualquer outro efeito da suspensividade aposta aos negocios jurídicos. Os bens passaram
aos herdeiros legítimos, 120 dia da morte do testador (le mort saisit le vif) : a falta do nascituro que nascesse vivo
não é mais do que a demonstração de não ter tido eficácia a disposição do testador a favor do Concebido. O
momento em que o juiz se persuadiu disso não é o montante da ineficácia, e sim, apenas, aqueles em que a
ineficácia se demonstrou. O herdeiro concebido não existiu: pensava-se que viesse a confirmar-se a suposição de
existir (existir, aí, é estar concebido e viver até o momento de nascer); e iure como os homens não adivinham, e é
de presumir-se que nasçam com vida os já concebidos iure o direito ressalva, desde a concepção, os direitos do
nascituro. Entre presumir que nasça morto, e presumir que nasça vivo, tudo (probabilidades estatísticas, eqUidade,
boa política social), tudo aconselha a ter-se por mais provável o nascimento com vida. Se errarmos (isto é, se nasce
morto), iure então demonstrado ficou que a disposição não tinha, do lado passivo, quem a recebesse. Ora, isso é
muito diferente do que o que se passa com as condições:
nessas, com o momento da certeza coincide o da ineficácia, e, às vêzes, se precisa da retroatividade para se
desfazerem efeitos; ao passo que, no caso de se contemplar nascituro, que nasça morto (vale o mesmo o não estar
concebido, outro requisito da validade da disposição), o momento da ineficácia é o da morte do testador, e não o da
certeza de não ter nascido com vida (ou já não estar concebido à abertura da sucessão): êsse momento, em que se
assenta que não havia pessoa, apenas demonstra a eficácia. Não se precisa de qualquer recurso às noções de
retroatividade e outras: nas condições, os atos praticados, pendentes elas, são juridicos, segundo o direito; e os que
advieram da concepção, que se supunha, e não se seguiu de nascia mento com vida, são-, contra o direito.
Perguntar-se-á: se tais efeitos são contra direito, ~ por que a lei abre a porta a êles, com as cautelas a favor do feto?
O direito sabe que a antijuridicidade pode acontecer; mas também sabe que o futuro é insondável, que a nossa
ignorância do vir a ser nos obriga a deferir ao dia do nascimento a dentonstraçdo da eficácia ou ineficácia da
disposição. Se nós víssemos ‘no futuro, se a dimensão do tempo fôsse, para nós, como a do espaço, então tudo isso
seria afastado: no dia da morte do testador, já saberíamos que o concebido nasceria vivo e seria, desde logo,
demonstrada a eficácia da verba testamentária; ou estaríamos certos de que abortaria a mulher, ou de que nasceria
morta a criança, e não perderíamos esforços (nem complicaríamos os fios tênues do apriorismo jurídico!) com a
salvaguarda de direitos que não poderiam ser. Tudo isso fracassa porque a demonstração não é contemporânea à
eficácia ou ineficácia: temos dois momentos iure o da eficácia ou ineficácia, que é o da morte do testador, e o
outro, em que se vai demonstrar, definitivamente, isso ou aquilo. Não há por onde confundir isso com o negócio
jurídico condiciondo.
Dir-se-á:~ tem valor prático tudo isso? Respondemos apenas o seguinte: das verdades, que ai ficam, depende iure
vulgarmente! iure o destino de fortunas. Vamos a um exemplo: A testou e nomeou herdeiro ao concebido por E. No
momento em que E dá à luz, verifica-se que nasceu sem vida, iA quem vão os bens? Responde-se: aos herdeiros
legítimos. Sim. Mas z a quais herdeiros legítimos? Aos do momento da morte do testador ou aos do momento do
nascimento sem vida? As nossas considerações resolvem: aos do momento da morte do testador, porque foi então
que se deu a ineficácia, que o nascimento morto apenas demonstrou. Não foi uma disposição que se tornou
ineficaz; já o era. No meio tempo, o curador do ventre exerceu alguns atos. E êsses atos? O direito sofrew.os; não
os quis. Só os admitiu porque eram (na dúvida, que a insondabilidade do tempo nos cria) aconselháveis.
Demonstrado, o direito diz um mea culpa; mas seguro de que, errando, nem por isso deixou de ter tomado o
caminho mais prudente, mais sábio.
6.NASCITUROS PLURAIS. iure Se nascer mais de um, cabe indagar se o testador beneficiou a um ou a todos os
que do mesmo parto nasceram. Se êle disse “ao filho de A, se fôr homem”, e houver casal de gêméos~ só o do sexo
masculino herdará. Se êle disse, criteriosamente, o concebido de E, devemos entender que deixou ao concebido ou
aos concebidos.
1.“NONDUM CONCEPTI”. iure Os nondum concepti têm, no direito brasileiro, as seguintes possibilidades de
plena ressalva de direitos: a) No mesmo pé de igualdade com os concebidos ainda não nascidos, se nas condições
do art. 1.718. b) No caso dos fideicomissos e sucessões posteriores (condições nas heranças e legados, e têrmos
iniciais nos legados).
2.DIREITO ANTERIOR. iure No direito anterior, as deixas a pessoas ainda não concebidas eram, em geral, nulas,
pela falta de existéncia. Por isso, faziam-se a alguém, para entregar a outra pessoa, ainda não concebida ao falecer
o testador. Recorria-se ao fideicomisso. Era a solução artificiosa, aurida dos romanos e dos franceses, como se vê
em TEIXEIRA DE FREITAS (Tratado de Testamentos e Sucessões de A. J. GOUVEIA PINTO, § 35, nota 91). Não
tínhamos o art. 1.718, in fine, que foi de origem italiana: e o comentário de CLÓVIS BEVILÁQUA (Código Civil
comentado, VI, 164) invocava a substituição fideicomissária, citando a TErCEIRA DE FREITAS, que escrevia
para outro sistema. O fideicomisso não precisaria do art. 1.718, como dêsse artigo não precisam a instituição e o
legado condicional.
3. FUNDAMENTO DA EXCLUSÃO DOS PÓSTUMOS NÃO-CONCEBIDOS. iure Diante da situação jurídica
decorrente do direito romano, que negava a legitimação passiva, os juristas procuraram explicar, construtivamente,
a proibição. Examinaremos as explicações, pondo de lado o critério do fundamento histórico, porque êsse não teria,
para nós, grande interêsse:
a)Uns entenderam que se tratava de consequência da regra jurídica incerta persona here& institui nequit (CHR.
RAU, Hist. iur. civil. Rom. de personis incertis ex testamento heredibus, § 4; C. G. TILLING, De postztmis
heredibws instituendis veZ exheredandis, 110).
b)Outros recorreram ao dito de ULPIANO iure quoniam certum esse debet testantis consilium. Assim A.
VINNIUS: otestador ignorava se nasceria, e quem nasceria, e quantos nasceriam.• c) C. G. HÚBNER (Ad tit. de
rebus dubiis comment., 81)frisava a impossibilidade de se dar caráter de exigibilidade adisposição de tal natureza.
d)Derivava (pensavam muitos) das primitivas formas testamentárias, que ainda não tinham a unilateralidade do
testamento (C. O. TILLING, De postumis heredibus instituendis veZ exheredandis, 125, que acolhia opiniões
misturadas). Seria conseqúência do subjacente negócio jurídico civil, que se não poderia celebrar nisi c’urn certis a
certis.
Prâticamente, hoje, o Código Civil, art. 1.718, in fine, estende a prole de quaisquer pessoas designadas pelo
testador e existentes ao tempo da sucessão aquela espécie particular de capacidade de direito, que representava
para os legisladores romanos a suzdade.
•4. DONDE VEM A REGRA JURÍDICA. iure Questão assaz discutida. Da Novela 118? Contra a opinião de
CAItLo FADDA, sustentou VITTORIO SOJALOJA que se deve ao direito comum italiano. Lá está no Código
sardo, no parmense, no estense e na Lei toscana de 1814.
5.FUNDAMENTO DA EXCEÇÃO A FAVOR DA PROLE DE PESSOAS DESIGNADAS. iure O que se tem por
fito, com o art. 1.718, in fine, é permitir o pulo por sôbre uma pessoa (que por si não mereça, ou não precise), para
lhe beneficiar a descendência. Muitas vêzes, o testador deixa a pessoas da mesma igualha, ou ramo, e exclui, por
motivos seus, uma ou duas; mas, para que isso não vá privar do benefício os que acaso descendam dessas pessoas
não contempladas, dispõe a favor da prole eventual. O exemplo, que logo ocorre, é o do irmão dissipador ou
inimigo do testador.
6.FUTURIDADE SEM CONCEPÇÃO. iure No caso da prole eventual de pessoa designada, a lei nem sequer exige
a concepção ao tempo da morte do testador. É típica a futuridade da pessoa: filhos, apenas possíveis, e não só
prováveis, de A, ou de A e de B. É um rombo (digamos assim) nos princípios gerais da capacidade de direito: dá-se
eficácia a verba testamentária, em que o contemplado ainda não é, nem, sequer, começou a formar-se. Faltam
todos os elementos, exceto um: A, homem, ou B, mulher, que pode ter filhos. Quando êsse filho nascer, estará
demonstrada a eficácia da verba. Quando o filho não fôr mais possível, isto é, quando se firmar a certeza de que
não haverá prole, estará demonstrada a ineficácia da verba.
(CLóvís BEvILÁQUA, Código Civil contentado, VI, 164, entendia que tais verbas são fideicomissos: A recebe,
para entregar ao filho. Mas isso aberra de todo o destino histórico e intencional do instituto: a) porque se redigiu
texto dinamitador dos princípios, justamente para aqueles casos, dentre outros, em que se quer passar por cima das
pessoas designadas, e se deixa à prole, em vez de as contemplar; b) porque, na Itália, de onde houvemos a regra
legal, não havia fideicomissos, e foi adotada para obviar a essa falta.)
7.POSIÇÃO NO PROBLEMA. iure No Código Civil, art. 1.718, in fine, como no italiano (1865), art. 764, abre-se
brecha ao princípio da correspondeência da capacidade de direito e da testamenti factio. (Após o caso de
d’Aguesseau, em 1692, a jurisprudência francesa foi contrária, e acolheu-a o Código Civil francês, art. 725. De
modo que devemos evitar lições francesas.)
Exemplo:A faz testamento e constitui herdeiro a primeira criança que nascer, na sua rua, depois da sua morte. A
primeira criança nasce após doze meses. Recolhe a herança? Ao tempo da morte não estava comncebida e a pessoa
era indeterminada. Mas i,se êle determinar a pessoa? Exemplos: “ao primeiro que nascer na minha rua, onde
moram quatro casais:
A, B, C e D”. Aqui, se a criança não estava concebida ao tempo da morte, nada importa; os pressupostos são: a) a
designação das pessoas; b) serem vivas ao tempo da morte do testador.
8.CONSTRUÇÃO DA REGRA JURÍDICA. iure Na disposição a favor de prole eventual, dá-se o mesmo que
dissemos a respeito do nascituro: o nascimento com vida é elemento de demonstra çâo da eficácia ou ineficácia da
verba, e essa se dá no momento da morte do testador. Quando ocorre a morte da pessoa designada, sem deixar
filhos, a ineficácia fica demonstrada, e os bens vão aos herdeiros legítimos (nos casos ordinários), salvo se fOr
construída como fideicomisso. A construção fideicomissária não é obrigatória, nem, sequer, a que mais acontece:
para haver fideicomisso, é preciso que haja dois nomeados, um sucessivo a outro; se o testador deixou à prole
eventual, para não deixar a pessoa designada, claro que excluiu essa, e o fideicomisso não é de admitir-se, nem, por
isso mesmo, haverá fiduciário. A êsse respeito, os juristas brasileiros estão eivados de construções absurdas, onde,
mal aparecem as dificuldades, recorrem à figura do fideicomisso ou do usufruto, sem que as categorias se ajustem
ao querer do testador.
Se o testamento diz “não me merece consideração A, por isso deixo os meus bens aos filhos que tiver”, não há
fideicomisso: é o tipo da herança à prole eventual. Se algum dia se demonstrar que A morreu sem ter filho, os bens
passam aos herdeiros legítimos do testador ao tempo da morte: a disposição a favor da prole eventual nunca teve
eficácia; o direito sofreu os efeitos da espera, e tão-só isso. Medio tempore, o que iure enquanto se esperava iure
foi praticado, é sem qualquer efeito:
a saisina, tiveram-na os herdeiros legítimos, isto é, receberam a herança desde o dia da morte do testador. Se o
direito lesse no futuro, não precisaria separar os dois momentos iure o da ineficácia e o da demonstração: mas a
imprevisibilidade, que é a contingência humana, obriga-o à atitude de quem opta pelo possível (ter filhos A) e, se
isso não se der, confessará que errou. O erro não altera os princípios: os herdeiros legítimos foram os herdeiros;
prole, que poderia ter sido e não foi, prole não é, nem foi.
9.INTERPRETAÇÃO DA REGRA JURÍDICA. iure Não se confunda o fideicomisso com a fidúcia, nem com os
negócios fiduciários, em que se percebe todo o requinte medieval da honra e da amizade confiante, e dos quais
participam a testamentaria e o art. 1.718. O fiduciário é um herdeiro, o depositário da herança do art. 1.718, não:
êsse vai entregar integram herediiure tatem (Interpretatio Breviarji Alariciani, IV, 1, 13); aqueles, sem frutos, O
cardeal 3. B. DE LUCA bem que frisou (11 Dott ore Volgare, X, c. 9) o caráter “conservatório e restitutório”. Se
écerto que as incertae personae só podiam ser contempladas por meio de fideicomisso, também é certo que no
Código Civil italiano de 1865 se incluiu o art. 764 (tirado do Projeto de MIGLIE¶IYTI, art. 754), a despeito da
proibição dos fideicomissos. Se é certo que, no fideicomisso, o elemento fidúcia constitui o principal (o restituir é
típico nos velhos textos, na linguagem dos juristas; rendre, nos franceses), o que se acentuou no medievo (no
Código Civil austríaco, § 613, no brasileiro, art. 1.734, fala-se em propriedade restrita, eingeschrdnkte
Eigentumsrech,te), não é menos certo que o ad. 1.718, in fine, não permite crer-se na passagem dos bens a outrem
que não seja a prole eventual: o art. 1.718, in fine, está inserto para exceçao ao princípio da coexistência.
A solução do fideicomisso para construir o art. 1.718 é extralegal e contra a lei expressa. Seria a solução do Código
Civil francês, arts. 897, 1.048 e 1.049, iure substituição fideicomissária de primeiro grau a favor dos nascituros ex
filio ou ex fratre.
Basta lerem-se o art. 1.718 do Código Civil brasileiro e o art. 764 do Código Civil italiano (1865), para se ver que
o ainda não concebido pode reclamar ex se (cp. Código Albertino, arts. 879 e 705, parmense, art. 623, estense, art.
721; nos dois últimos se declarava, mas explicitamente, que não têm direito aos frutos medio teihpore). A prole
eventual do art. 1.718 tem direito aos frutos, como os ndo concebidos da lei italiana.
A dificuldade, que se aponta, é em relação à saisina:
dar-se-ia a descontinuidade das relações patrimoniais, a partir do momento da morte, até se verificar o nascimento
da prole eventual. Porém isso, dir-se-á, não seria difícil explicar-se, máxime no ‘direito brasileiro, que admite,
expressamente, a condição sus pensiva aposta à instituição (art. 1.585). A razão que, para êsse caso, afastasse a
difuldade, tê-la-á afastado para o outro. O argumento é fraco, e desde logo cai; mais: falso, porque, pelos têrmos da
lei, é pura a instituição da prole eventual (já o advertia CÂNCER, Vario-rum resolut., 1, 1, 228). O problema da
condição suspensiva é que constitui o problema da discontinuidade essa não se dá no caso do art. 1.718, onde a
regra consiste, exatamente, em apagar qualquer solução da continuidade entre o testador e o contemplado. No
direito antenor, compreendia-se que TErCEIRA DE FREITAS buscasse o fideicomisso, para os velhos efeitos que
dissimulada tinha; porém no direito do Código Civil, o que disse CLóVIS BEVILÁQUA revela desconhecimento
do art. 1.718, que comentava. Bastaria abrir II Dottore volgare do Cardeal J. 3. DE LUCA e ver que os frutos não
são percebidos pelo que guarda, ad tempas, a herança, mero depositarius, ou nudus minister. É o mal da
interpretação com os sós elementos lógicos, sem contacto com as realidades históricas, e as lições da ciência.
Ciência, aprende-se; não se tira da cabeça, como romance. A prole eventual, cuja interposta pessoa fôr, apenas,
nudus minister, tem a saisina.
10.QUE “PESSOAS DESIGNADAS” SÃO AS DO TEXTO. iure A primeira consequência do texto legal é não
haver nenhuma diferença entre pessoas designadas, parentes do testador (e. g., herdeiros legítimos), e pessoas
designadas, estranhas à família, isto é, nenhuma distinção entre a suidade e a alienidade. No direito romano, aquela
era, por si só, capacidade de direito; ao passo que postumo alieno inutiliter legabatur. Aí terá de operar-se a
evolução e o postumus non suus terá tratamento melhor, que vai do pedir a bonorum possessio, quando, ao morrer
o testador, estava no útero, até à clara solução do Código Civil, art. 1.718. Na lei brasileira, dois casos diferentes
ocorrem: a) qualquer pessoa futura, qui moriente testatore in uterc fuerit si natus sit, recebe a herança; b) o ainda
não concebido, se prole de pessoa designada e existente ao tempo da morte do testador, goza de capacidade jurídica
excepcional. O concebido pode ser a pessoa designada do art. 1.718, cuja prole se contempla.
11.PROLE EVENTUAL: FILHOS OU QUAISQUER DESCENDENTES. iure No Código Civil italiano (1865),
art. 764, falava-se em figli immediati, para excluir netos e outros descendentes. Na brasileira, não: prole eventual. A
verba aos netos de A, que nascerem, é perfeitamente válida: ~ os netos de A recolherão a herança?
Para se reduzir a prole aos filhos, tem-se alegado que, ao se inserir “prole eventual” em vez de “filhos”, não se
justificou a mudança. O argumento é sem qualquer base e apegou-se à busca do espírito da lei, da vontade do
cacique, em vez de ter em consideração que as leis são feitas para que os juizes e o povo as apliquem, tais como
foram redigidas e se integram no sistema jurídico. A vontade do legislador é o elemento, que em 1922 refutamos
~nêrgicamente, apontando-lhe o primitivismo (Subjektivismus und Voluntarismus im Recht, Archiv flir Rechts-
und WirtschaftSphtiOSO’phte, 16, 521-543). Por outro lado, o apêgo a interpretações restritivas de textos
estrangeiros que o legislador brasileiro de modo nenhum acolheu.
O Código Civil fala de prole eventual de pessoas pelo testador designadas e existentes ao abrir-se a sucessão. A
primeira questão que ex-surge é a que se refere ao conteudo da palavra “prole”. Quer dizer: se podem ser
designados A e B e contemplados os netos. No Projeto primitivo a referência era a “filhos”. RUI BARBOSA
substituiu “filhos por “prole”, sem qualquer justificação da mudança (Trabalhos do Senado, 1, 538 s.).
O problema não poderia ser resolvido com invocação dos Códigos Civis estrangeiros, porque êsses empregam
expressões inconfundíveis, como “filhos”, descendentes imediatos (e. g., Código Civil venezuelano, art. 828;
mexicano, art. 1.315). No Código Civil italiano de 1865, art. 764, também só se apontavam filhos imediatos. No
Código Civil italiano de 1942, diz o art. 462, 1ª alínea: ‘Tossono inoltre ricevere per testamento i figli di una
determinata persona vivente aí tempo della morte dei testatore, benchê non ancora concepiti”.
Entendeu CARLOS MAXIMILIANO (Direito das Sucessões, ~ 5~a ed., 495 s.) que, a despeito da expressão “prole
eventual”, só se há de pensar em deixa a filho ou filhos de determinada pessoa. Houve a emenda ; porém, mesmo
se não tivesse havido, seria deturpar-se o texto legal. Proles, prole, nunca teve sentido restrito, de modo que só os
filhos se consideras-sem prole.
Se o testador disse deixar “aos dois primeiros netos de A, ou de A e B”, seria violação do texto brasileiro reputar-se
nula a deixa. O testador não falou dos filhos de A, ou de A e B, que poderiam ser muitos, e quis que os netos
fossem os beneficiados.
O texto legal ressalva, em exceção ao principio da coexistência: “se a disposição dêste” iure do testador iure “se
referir à prole eventual de pessoas por êle designadas e existentes ao abrir-se a sucessão”. A interpretação literal
levaria a ser pressuposto a designação de duas pessoas, o homem e a mulher, de que pudesse provir a prole. Com
isso, o testador beneficia quem descenda de A, ou de B, mesmo se A não é casado, ou se B não é casada. Se a verba
testamentária se referiu a A e B, o filho de A com C, ou de B com D, não herda. Assim como, nos siste-mas
jurídicos em que há a alusão a “pessoa determinada”, se há de entender que se pode deixar ao filho ou filha de A e
tem-se, no direito brasileiro, que fala de “pessoas designadas”,a dupla hipótese: designação de duas pessoas ou só
de uma.Mais: se, por exemplo, uma filha de A é casada com o filho de B, pode o testador deixar aos netos de A que
não sejam netos de B. Quando se alude a filhos futuros de alguma pessoa, tem-sede entender que todos foram
contemplados. ~ a deixa à prole.Se, porém, o testador não disse que beneficiava a prole eventual, e apenas disse
deixar aos filhos de B, o que se há de entender é que foram contemplados os nascidos e os nascituros à data da
morte do testador, não os futuros. Temos de repelira opinião dos que supõem contemplados quaisquer filhos, pre-
sentes e futuros. A deixa pode dizê-lo, porém não se há de admitir que, na dúvida, se considerem beneficiados os
filhos futuros. Sem razão, CARLOS MAXIMILIANO (Diretto das Sucessões, , 5a ed., 498). A prole eventual
pode existir e não existir a pessoa de-signada (e.g., a mãe faleceu no dia do nascimento, talvez no momento dêle; o
pai já havia morrido quando nasceu o filho).Se, no momento do nascimento ou depois falece o filho, a he-•rança
iure já agora dêle, como decujo, vai aos seus herdeiros(talvez a pessoa designada e o cônjuge, genitor do nascido e
falecido, ou genitor não casado). O fato de a vontade do testador ter pulado o genitor ouos genitores para deixar à
prole eventual é sem qualquer relevância para se saber a quem vai, após a morte do eventual descendente da pessoa
designada ou das pessoas designadas,porque a sucessão nada mais tem com o testador. Não importa se não havia
confiança no pai ou na mãe designada, ou mesmo se havia indignidade para a sucessão do testador. Pode dar-seque
o testador queira afastar a sucessão pela pessoa designada ou pelas pessoas designadas, como se diz, no
testamento,“deixo à prole eventual de B (ou de E e C) se sobreviver a E (ou a E e O)”. Aí, então, o testador diz a
quem vai, em fideicomisso, ou herança condicional ou legado condicional; ou regem, no caso de falta de
disposição do que há de passar a outrem, os princípios da sucessão legítima.
Se não nasce quem se entendia vir a ser a prole beneficiada (não houve concepção, ou não nasce morta a prole
eventual), não herdou quem não existe. Só herdaria quem se previa se com vida tivesse nascido. Se o testamento
disse quem o substituiria, o substituto é que herda. Se nada disse, há a sucessão legitima do testador.
Se quem seria a prole eventual nasce, porém morre antes do testador, não há sucessão; porque no dia da morte do
decujo é que se há de verificar a existência ou a eventualidade, e o morto não existe nem pode ser considerado
herdeiro eventual.
Quanto à expressão “designadas”, relativas às pessoas, de que possa advertir a prole, é sem razão a discussão entre
seu necessário que seja “designada” a pessoa, e que seja “designada ou designável”. Trata-se de determinação,
mesmo que bastem elementos para se saber quem seja. O testador é que tem de apontar êsses elementos, suficientes
à verificação. Não importa se é parente, ou amigo, ou pessoa conhecida do testador. Pode-se dispor a favor da prole
de alguém que se admira, ou teve bom êxito em pesquisas ou descobertas, ou que apenas se viu na televisão ou em
retrato.
Tal pessoa há de ter nascido, porque não é pessoa determinada, designada, o nascituro, nem se permitiu deixa a
prole de quem, ao tempo da morte do testador, ainda não nasceu. Quando se trata de deixa a nascituro, pode dar-se
que o nascimento ocorra após a morte do testador. A prole eventual, essa, tem de ser de quem, à abertura da
sucessão, já existe. Admitiu-se, no tempo, uma eventualidade; não duas ou mais.
Assim, se a pessoa designada faleceu, ou se faleceram as duas pessoas designadas, antes de falecer o testador e
depois de feito o testamento, a deixa a favor da prole tem de ser respeitada. A prole eventual já nascera. No
momento da abertura da sucessão, a prole não é futura, embora tivesse sido.
Surge o problema da ignorância do testador no tocante à prole da pessoa designada. O testador quis deixar a
herança, ou o legado, ou o modus, a quem fôr filho da pessoa que indicou, ou das pessoas que êle indicou.
Acontece, porém, que êle ignorava que tal prole já existia. Não se pode considerar o não existir a prole elemento
indispensável para a disposição a favor de prole de pessoa designada, ou de pessoas designadas. O testador deixou
a filhos de E, ou de E e O, e tê-los-ia mencionado se já soubesse que E tinha filhos ou que E e C os tinham. Pode
ocorrer, excepcionalmente, que o testador conhecesse os filhos de E, ou de E e C, mas somente quisesse dispor a
respeito dos filhos futuros. Aí, sim, a prole existente está fora da legitimação à herança, ou ao legado, ou ao nudus.
Todavia, na dúvida, tem-se de entender que o testador ignorava a existência de filhos de E, ou de E e O.
13.GUARDA DA HERANÇA ATE O NASCIMENTO DA PROLE CONTEMPLADA. iure Quem é que guarda a
herança? Ao testador dispor, e das palavras do testamento conclui o juiz. Se nenhuma solução lhe dá o testamento
(as mais das vêzes a afeição, em vez de descaso e do ódio, à pessoa designada, é que ressalta,iure aproveitamento
legitimo do texto legal), entende-se que toca ao testamenteiro.
O prazo da prescrição somente começa a correr depois de nascida a prole, ou morta a pessoa designada; como se dá
com os nascituros concebidos (arts. 4 e 1.718), caso em que o prazo da prescrição somente começa a correr do dia
em que nasceu morto ou em que nasceu com vida. Se não havia conceptus (o que exclui qualquer eficácia da
disposição a favor de concebido, art. 4.0), desde o dia da morte do decujo, salvo se houve ato dos herdeiros que
induza interrupção.
16. PROVA DA CONCEPÇÃO PARA OS EFEITOS LEGAIS (NASCITURO). iure A prova da concepção é assaz
difícil. Primeiro, pergunta-se: os arts. 338, 339 e 343 do Código Civil aplicam-se às sucessões? Admitida a resposta
afirmativa, como a gravidez pode durar 800 dias, toda criança antes de 801.0 dia posterior a morte do decujo, pois
que podia ter sido concebida dentro do prazo, pode suceder. Verdade é que nem sempre as duas questões se
combinam e se misturam. Casos há, em que a filiação e a sucessibilidade se juntam, e a solução deve atender a que
estão ligadas; nos outros, não.
a) Ligadas as duas questões (sucessibilidade, legitimidade). O filho póstumo quer demonstrar a qualidade de filho
legitimo e, pois, a sua vocação hereditária. Uma coisa deriva da outra. Firmada aquela, essa se firma. Negar a
vocação hereditária seria negar a legitimidade. Ora, a filiação legitima somente pode ser discutida pelo próprio pai
(Código Civil, art. 344), ou pelos herdeiros dêle no caso restrito do art. 345.
b) Só se discute a capacidade sucessoral. Morre A, cujos herdeiros são os irmãos, existindo a viúva de um, morto
meses depois de A. A viúva dá à luz um filho antes de 301 dias da morte de A. A legitimidade do recém-nascido
não se discute.
O que se discute, separadamente, é a capacidade sucessora.
A criança pode ser legítima, e não herdar do tio. Na relação entre pais e filhos, a questão está resolvida; porem
seria anti-jurídico considerá-la liquida, na relação entre herdeiros de A e o concebido. Concebido quando? j,Nos
120 dias anteriores a morte do pai? Mas não é certo que o tenha sido nos x dias anteriores a morte do decujo! Aqui,
FRANÇOIS GENY (Sciefl~O~3 et Techrtique en droit privé positil, III, 290 e 318) pretendia que se devesse
associar à presunçao legal, categórica, rígida, outra, que seria a de ter sido concebido no momento mais favorável
para éle, em virtude de um omiti meliore momento, e o momento mais favorável do período legal da concepção
possível será, na espécie (acrescentamos nós), aqueles em que ainda estaria vivo A. Mas j,existe, aí, presunção
legal? Da natureza da outra, não; porque só existe se é enquanto nao se faz a prova contrária. Presunção arbitrária
(G. ARON, Théorie générale des Présomptiofl’5 légales en droit privé, 30), que teria a sua razão de ser, não num
quod plerumque fit, e sim no propósito de, na dúvida, favorecer. É mais um favor que uma presunção. Por onde se
vê que a superposição de presunções, a que se refere FRANÇOIS GENY, não se justifica plentnne’nte, onde se cm
diram as questões; e onde não se cindiram, dizer que são duas as presunções., iure a do art. 338 e a derivada do
omni meliore momento, é sem fundamento: em qualquer dos 120 dias a presunção existe; de modo que o outro
conceito, o do momento melhor, é supérfluo. Não há dúvida, porém, quanto ao contágio mental da presunção do
art. sgs, reforçada nas aplicações do art. 363, contágio que explica, na ausência de prova do dia da concepção do
filho da viúva cunhada de A, a invocação do decurso dos 180 dias. Cientificamente, explicamos de outro modo:
a lei mostrou-nos, com o seu expediente, o dado biológico, que a inspirou; e nós nos inspiramos nêle para invocar
os 120 dias da possível concepção ou 180 da vida intra-uterina (PONTES DE MIRANDA, Direito de Família, la.
ed., 300).
17.PROVA DA EXISTÊNCIA DAS PESSOAS E DA EXISTÊNCIA DA PROLE EVENTUAL. iure É preciso que
a pessoa designada exista; a prova será a ordinária ou a da concepção, porque se pode deixar a prole eventual do
concebido ao tempo da morte do decujo. É conseqUência imediata do art. 1.718. A prova da prole eventual não é
precisa; salvo se fisicamente impossível, e, nesse caso, cabendo o ônus da prova àquele que alega a
impossibilidade, o que se tem de provar é a negação da possibilidade de tal prole, e não a prole eventual. Presume-
se que todo ser humano possa gerar. Por isso, não há necessidade de se provar a possível prole; o contrário é que é
suscetível do ônus probatório. Provado que a prole eventual não era, nem é possivel, ineficaz é a verba; provado
que se tornou impossível, a verba poderia ter sido eficaz, mas já é impossível a devolução. ~A quem vão os bens?
Se ineficaz a verba, pertencem aos herdeiros. Se tornada impossível, cumpre verificar a quem cabe a passagem.
Aqui, a prova da impossibilidade biológica é útil, para se demonstrar que não é possível a construção; mas o
resultado é o mesmo: vão aos herdeiros. Poderia ter sido eficaz, e não foi.
18. DEVOLUÇÃO DOS BENS DA PROLE EVENTUAL NÃO OCORRIDA. iure Quando ocorre a morte da
pessoa designada, sem deixar filhos, ou quando fôr provado que é impossível a prole futura, os bens irão aos
herdeiros legítimos, salvo se o testador construiu a verba como de fideicomisso. No caso de usufruto, os herdeiros
legítimos serão os nus-proprietários, e a pessoa designada gozará dêle até que se extinga, de acôrdo com os
princípios do instituto. “Deixo a prole de A, que usufruirá entrementes”, vale dizer, iure morto A sem prole, irão os
bens aos herdeiros, ou, impossível a prole de A, A usufrutará até morrer, se outra coisa não dispôs o testador.
§ 5.814. Incapacidade de sucessão passiva
1.PESSOAS QUE NÃO PODEM ADQUIRIR POR TESTAMENTO. Iure Até aqui tratamos da capacidade de
adquirir por testamento, do principio da coexisténcia, da correspondência entre a personalidade e a capacidade de
suceder testamentáriamente, e das extensões, de que, no direito brasileiro dos nossos dias, é suscetível a
capacidade de receber ex testamento. Já vimos que se pode testar a favor de quem ainda não nasceu, e, até, de quem
ainda não foi concebido. Resta-nos estudar as limitações, iure aqueles casos em que pessoas não podem adquirir
por testamento. Não há coincidência entre as causas de legitimação para testar e as causas para herdar por
testamento. Louco, surdo-mudo, que não pode exprimir a sua vontade, menor de dezesseis anos, e os que, no
momento, não estão em perfeito juízo, não podem testar. Todos êles podem ser herdeiros ou legatários.
Suceder por lei e suceder por disposição testamentária não coincidem em todos os pontos. Quanto à herdeiros
testamentinos e a legatários, a ilegitimação é mais vasta, porque se teve de levar em consideração o negócio
jurídico do testamento (pessoa que a rôgo do testador escreveu o testamento, cônjuge, ascendente, descendente ou
irmão de tal pessoa; testemunha do testamento; oficial público, civil ou militar, ou comandante, ou escrivão,
perante quem se fêz o testamento, ou que o fêz quem aprovou o testamento).
Diz o Código Civil, art. 1.719: “Não podem também ser nomeados herdeiros, nem legatários: a) A pessoa que, a
rôgo, escreveu o testamento (arts. 1.638, n. 1, 1.656 e 1.657), nem o seu cônjuge, ou os seus ascendentes,
descendentes e irmãos.
b)As testemunhas do testamento. c) A concubina do testador casado. d) O oficial público, civil ou militar, nem o
comandante, ou escrivão, perante quem se fizer, assim como o que fizer, ou aprovar o testamento”.
4. CONCILIAAÇÃO NOo TESTADOR CASADO. iure Na lei está dito (art. 1.719, III) que não pode ser nomeada
herdeira, nem legatária, a concubína do testador casado. Há, portanto, dois elementos, para essa chamada
incapacidade: a) Concubinato entre o testador e a herdeira ou legatária. b) Casamento do testador com outra pessoa.
O Código Civil, no art. 1.719, III, fala de “concubina do testador casado”. A expressão “casado” tem de ter
interpretação adequada. Nada obsta a que o homem casado, mas desquitado, deixe, testamentàriamente, à
concubina. O art. 1.719, III, em verdade se refere ao testador casado, cuja sociedade conjugal não foi dissolvida.
(~ ofensa, de iure condendo, ao principio de isonomla proibir-se a deixa à concubina e não se proibir a deixa da
mulher casada ao amante permanente. O argumento de que a investigação podia ser escandalizante é fraco, porque
o mesmo escândalo resultaria da busca de provas de que a mulher beneficiada vivia, em concubinato, com o
homem casado. Tal como está na lei se um homem casado e uma mulher casada vivem como se fossem casados,
pode ela deixar, testamentàriamente, ao amante, e êle a ela não pode deixar.)
A questão capital consiste em se saber se é preciso sejam simultâneos os dois elementos. Se simultâneos, quando se
deve apreciar a infração legal, iure se ao tempo da feitura, ou se ao tempo da morte do testador.
a)Testador solteiro em concubinato ao tempo da feitura do testamento, casamento superveniente. Pergunta-5e j,
superveniência do casamento torna incapaz, no sentido do artigo 1.719, III, a herdeira, ou legatária, que foi
concubina do testador? Se afirmativa a resposta, teríamos que a lei se satisfaz com os dois elementos, ainda que
não simultâneos. Mas a verdadeira solução está em que a superveniência do casamento não constitui, no Brasil,
caso de ruptura dos testamentos, nem a dignidade da mulher do testador é ferida pela disposição testamentária feita
anteriormente a êsse casamento.
b)Testador solteiro em concubinato, casamento superveniente, testamento na vigência da sociedade conjugal. Aqui,
como no caso da letra a), os elementos não são simultâneOs quando o testador nomeia herdeira, ou legatária, a
mulher, que não é a sua, contempla pessoa, que não é mais a sua concubina. Já não seria o concubinato a causa de
dispor. Se tal determinação constitui vontade contra bonos mores, e. g., injúria à mulher do testador, é outra
questão, forçosamente de fato, e se decide conforme os arts. 82 e 145, II, e não conforme o art. 1.719, III.
c) Testador casado, em concubinato ao tempo da feitura do testamento. Dá-se a simultaneidade dos elementos, se
bem que, ao tempo da morte do testador, pode ser que já não exista a sociedade conjugal. a) Se ainda existe,
toilitur quaestio: é nula a deixa. b) Se já não existe, ~nem por isso deixa de ser nula a disposição? O raciocínio
seria o seguinte: se é certo que a testamenti factio passiva se aprecia ao tempo da morte do testador, foi erro da lei
incluir o art. 1.719 no capitulo da capacidade para adquirir por testamento. Havendo simultaneidade dos dois
elementos, a vedação do art. 1.719, III, pode ser apreciada ao tempo da feitura como ao tempo da morte. A solução
seria justa? Questão gravíssima, que os juristas não versaram. Trata-se de validade de disposição, e pode bem ser
que, ao tempo da morte do testador, já não existam, nem a sua mulher, nem os seus descendentes. Se algum dêsses
ainda existe, 2,teria cabimento pedir nulidade de uma verba que o testador vàlidamente já poderia escrever, uma
vez que um dos elementos desapareceu? E talvez ambos (faleceu a mulher ou desquitaram-se; faleceu a mulher, ou
houve desquite, e, mais, cessou o concubinato). A solução justa é a de ter-se, apenas, a exigência da
simultaneidade, porém só apreciável se o elemento da sociedade conjugal existia ao tempo da morte.
d) Testador casado, concubinato ao tempo da feitura, mas cessado o concubinato. O fato de ter cessado não tira a
disposição o motivo que teve, ou se presume ter tido, e a lei manda que se presuma. Por isso mesmo, uma vez que
subsiste a sociedade conjugal, é nula a nomeação de herdeira, ou legatária.
Pelo desquite, termina a sociedade conjugal. Os filhos de outro leito, que foram concebidos após a cessação, não se
conderam adulterinos, e são reconhecíveis. Tal a nossa opinião, tal, posteriormente, a jurisprudência da Côrte de
Apelação do is-Distrito Federal, contra a do Superior Tribunal de Justiça dê São Paulo. Cessou o dever de
fidelidade recíproca. Cessa, por isso, a adulterinidade dos filhos com outrem. Tais filhos herdam. O próprio
desquitado pode instituir herdeira ou legatária a concubina.
Afastou-Se, diz-se, a exigência da capacidade no momento da feitura do testamento. Só se cogita do momento da
abertura da sucessão, que é o da morte do decujo. Mas as causas são, quase todas, ligadas ao momento da feitura.
Resta o problema da sucessibilidade da concubina do testador casado. Tem-se de assentar se é incapaz quem era a
concubina no momento em que o testador, casado, fêz o testamento, ou se é incapaz quem não era concubina do
testador casado no momento da feitura e só o foi depois até o momento da morte. Se o testador, no momento da
morte, não era casado, não há pensar-se em exclusão da concubina. Idem, se com ela se casou, porque então não
(mais) se trata de concubina. O que importa é responder-se a duas questões: a) ié nula a disposição testamentária a
favor de quem era concubina do testador casado e deixou de o ser? b) ~.é nula a disposição testamentária a favor de
quem não era concubina do testador casado e passou a ser? Se o testador, casado, dispusera a favor da concubina,
nula foi a disposição, ab initio: o fato de superveniência da desligação é sem relevância. Se o testador, quando
dispôs, era casado, porém não era amante da beneficiada e só depois se tornou, a sucessão seria ilegal no momento
da morte do testador, pois que herdeiro ou legatária seria a amante do homem casado.
O testador, casado, quando testou, a favor da concubina, infringiu regra jurídica. Se a beneficiada não era
concubina do testador, e no momento da morte o é, cumpria ao testador revogar a cláusula testamentária desde que
a situação mudara.
Na ação de invalidado da disposição testamentaria, feita pelo homem casado à concubina, tem de ser alegado e
provado o concubinato. Não importa alegar-se que a deixa foi remuneratória. Nem se a beneficiada empregada, ou
assistente do testador (2ª~ Turma do Supremo Tribunal, 24 de janeiro de 1947, R.F., 112, 417; Turma Julgadora do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 26 de setembro de 1949, R.F., 132, 212).
Oart. 1.719, III, do Código Civil fala de “concubina do testador casado”; mas entenda-se testador em sociedade
conjugal. O desquitado pode dispor a favor da concubina (3? Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
4 de novembro de 1943, R. dos 7’., 170, ‘738; 2.0 Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Apelação de São Paulo,
15 de maio de 1940, 129, 535).
6.LEGADO OU DEIXA A FILHO ADULTERINO. iure No direito francês e noutros sistemas jurídicos, a
jurisprudência considera nulos, por ilicitude da causa, os legados a filhos adulterinos, quando o testador deixa, no
testamento, a convicção de que se trata de descendente seu. É o caso dos pais mal prevenidos, que aproveitam o
momento de testar, ligado a antigas práticas religiosas, para confidências de ordem sentimental. No fundo, o que
êles querem é justificar a deixa. No entanto, a própria justificação põe em perigo a vontade do testador.
Todavia, se há decisões francesas naquele sentido, iure o da nulidade (Req., 81 de julho de 1860, 29 de junho de
1887), também há noutro, que não é de somenos importância: deixando-lhes tais legados, ou quotas hereditárias, os
pais exercem o dever de alimentar que, ainda adulterinos os filhos, lhes incumbe pelo art. 722, alínea 2?, do
Código Civil francês: “La loi ne leur accorde que dos alimenta”. Cp. italiano (1865), artigo 193; venezuelano, art.
247, e Lei portuguêsa de proteção aos filhos, 51 e 52. Correspondem, em parte, ao art. 405 do Código Civil
brasileiro.
O que ora nos interessa é a validade do legado. A Côrte de Limoges (9 de março de 1923) considerou válido, iure
ainda que de capital, e não de alimentos. Na espécie, tratava-se de parte igual a que recebeu cada um dos legítimos.
~,Podia decidir de tal maneira? Discutamos no direito brasileiro.
O Código Civil negava direito de sucessão legítima aos adulterinos (arts. 1.605 e 858). Nega o direito de suceder
por testamento a concubina do testador casado (art. 1.719) ; e, no art. 1.720, considera interposta pessoa o
descendente da concubina, portanto iure o filho, adulterino, ou não, desta, isto é iure o filho do testador com ela, ou
dela com outrem.
Ao Código Civil sobrevejo legislação concernente ao reconhecimento de filhos ilegítimos e à herança legítima (Lei
n. 883, de 21 de outubro de 1949).
Cumpre não confundir. Não é a interposição, o dolus, que está em questão. Trata-se de deixa direta. ao filho e só a
êle. admitida a prova de que não houve, de modo nenhum, a película intercalar de um filho, que recebesse o legado,
com fito de beneficiar a mãe. Ex hypothesi, beneficia a êle, e tão-só a êle. Exemplo: se não vive com a mãe, se a
mãe morreu, se a mãe perdeu o pátrio poder, etc. A dissociação é condição da hipótese. Assim, ter-se-á precisado o
problema, que não se restringe ao de se saber se o filho é incapaz em virtude do art. 1.720, pois consiste em se
verificar se, na interpretação do próprio art. 1.719, ou dos arts. 82 e 145, II, combinados com os artigos 1.605 e
858, temos de assentar ser ilícita causa a deixa a filho adulterino.
Preliminarmente: a) ~ qnid inris, se os filhos adulterinos têm direito a alimentos? b) tQuid inris, se o testador
adúltero é, no tempo da morte, viúvo? e) zQuid inris, se o testador é solteiro, quando a adulterinidade só é da parte
da mãe do legatário? d) ,Quid juris, se o testador é casado? Confessemos que nos causa repugnância, e piedade,
estar a discutir, para os efeitos práticos do direito nacional, se um filho quiçá menor, pobre tem direito a receber
alguma coisa do seu pai. A função moral é evitar, nos indivíduos, os atos: inibir, rumar. Operar antes de se praticar
o ato. Todos os seus efeitos posteriores são reações, externas, sanções da opinião contra o culpado, ou internas,
remorso. Ora, a sanção moral, implicando a jurídica, contra o filho, é algo de maldição, que o direito devia riscar.
a)Em se tratando de alimentos, vale, sem discussão, o legado.
b)Em se tratando de testador viúvo, não há ofensa ao outro cônjuge, ao casamento: vale a herança ou o legado.
e)Se solteiro, idem; a ofensa seria a terceiro, o cônjuge da mãe do beneficiado.
d)Se o testador é casado, a) pode ocorrer que não se saiba da adulterinidade, b) ou não possa ser alegada, porque
seria imputar prole ilegítima a mulher casada (art. 364, o), ou que o testador o diga, no testamento, ou por outro
meio se saiba (como se consta da sentença, art. 405).
Só os últimos casos (e) interessam, mas dêles são excluidos os legados de alimentos, casos (a). Verdadeiramente, a
questão reduz-se a saber se, casado e não desquitado o testador, sabendo-se da adulterinidade, vale o legado de
capital ao filho. A filiação legítima já foi protegida pela lei, com a metade necessária, O resto o testador distribui
como entende, O ato de adultério deve manchar ao pai, não ao filho. ~ uma injustiça humana ferretear um ente, que
talvez valha mais, moral e socialmente, do que os outros, a que a lei já protegeu. Cumpre ainda observar que a
separação de capital que dê as rendas necessárias à alimentação é legado alimentar.
Preponderou o que escrevemos há quase quarenta anos.
O filho adulterino pode ser nomeado herdeiro ou legatário, porque, no direito brasileiro, não se estabeleceu
incapacidade do espúrio (1.a Turma do Supremo Tribunal Federal, 27 de maio de 1943, 27 de julho de 1948, R.F.,
97, 622, R. dos T., 184, 921; 1.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação da Bahia, 26 de setembro de 1944, 155,
747; 43 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 1.0 de novembro de 1938, 91, 847; 1.a Câmara Cível do
Tribunal de Apelação da Bahia, 26 de setembro de 1944, 1?. F., 102, 805).
(Temos de atender à Lei n. 883, de 21 de outubro de 1949, art. 1.0, que permitiu, dissolvida a sociedade conjugal, o
reconhecimento de filho havido fora do matrimônio e ao filho a ação para que se lhe declare a filiação. No art. 2.~,
deu-se a êsse filho direito à metade da herança que vier a receber o filho legítimo ou legitimado.)
Tem-se de repelir que o filho adulterino, ou reconhecido, por ter nascido antes do casamento do pai, que continuou
com a amante, mãe do beneficiado, seja sempre interposta pessoa. Tanto mais quanto houve a legislação posterior
ao Código Civil que pôs em situação mais justa, no direito de família e no direito das sucessões, os filhos
adulterinos. Disse, e bem, no sentido do que sustentáramos no Tratado dos Testamentos, o Supremo Tribunal
Federal, a 25 de janeiro de 1950 (A. J., 94,886): “Não há interposição proibida na deixa a filhos de concubina, se
são também do testador. O ad. 1.720 do Código Civil não pode ser entendido nos rígidos têrmos em que é ex-
pendido, em face da legislação posterior...”).
Tentou-se considerar nula a deixa ao filho da concubina, mesmo se o concubina’ foi posterior ao testamento
(contra, a 23 Turma do Supremo Tribunal Federal, a li de abril de 1947, R.F., 120, 84: “exato que aqueles fato é
superveniente ao testamento em sua feitura. E os extremos da lógica levaram a extrair dêsse fato conseqitências
desfavoráveis à substância da liberalidade. Mas uma das características do testamento é a sua revogabilidade,
elemento que se integra na definição mesma do instituto (art. 1.626) e que deriva do seu caráter unilateral e
personalissimo. Ao simples e mudável alvedrio do testador, à sua vontade ambulatória é sempre possível infirmar o
ato: ambukttúriti est voluntas defuneti usque ad vita et supremum exitum. Trata-se de principio recebido
unânimente. E, se a faculdade de revogar não é exercitada, o que se verifica é a permanência da vontade que
vitaliza o ato no instante da abertura da sucessão”).
Convém lembrar alguns acórdãos a respeito de deixa a filho adulterino, que se pretende considerar interposta
pessoa. A j•a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 8 de abril de 1946 (R.fl, 112, 355), como a 27 de maio de
1943, foi expressiva, O Tribunal de Apelação de Alagoas, a 25 de julho de 1941 (1?. E., 89, S05), disse:
“Cumprindo-se o art. 1.720 do Código Civil, de acôrdo com a sua letra e o seu objetivo, não se criou uma proibiçào
absoluta para os filhos adulterinos herdarem por via testamentária. Se o testador é solteiro e apenas a concubina é
casada, nada impede que êle faça legado em favor do filho adulterino. Também, segundo PONTES DE
MIRANDA, nos casos em que a concubifla tenha morrido, ou, por outra causa, não se puder beneficiar com o
legado feito aos filhos, é êle válido, pois, nestas hipóteses, não se contraria a finalidade do citado art. 1.720.
PONTES DE MIRANDA. de acôrdo com a corrente dominante, e contràriamente à opinião de FERREIRA ALvES,
sustenta que os filhos adulterinos, posto que sem direito à sucessão legitima, estão de modo absoluto probidos de
herdar de seu pai por meio de testamento”.
§ 5.815. Disposição a favor de incapazes de suceder
1. TEXTO DA LEI. Diz o Código Civil, art. 1.720: “São nulas as disposições em favor de incapazes (arts. 1.718 e
1.719), ainda quando simulem a forma de contrato oneroso, ou os beneficiem por interposta pessoa. Reputam-se
pessoas interpostas o pai, a mãe, os descendentes e o cônjuge do incapaz”.
2.NULIDADE DERIVADA DA REGRA JURÍDICA. A parte final prevê a interposição do pai, m~e, descendente e
cônjuge do incapaz. E o avô? Claro que se deve ler ascendentes, em vez de pai e mãe; êrro de técnica. A lei cria
presunção de ser interposta a pessoa. Mas advirta-se em que, por vêzes, o pai, a mãe, os descendentes da
concubina, não estão no lugar dessa, e sim por si mesmos: dá-se a dissociação, que elide a aplicabilidade da
presunção lega]. Lembrem-nos os seguintes exemplos: o testador casou com a filha do que lhe escreveu o
testamento, casamento válido e que opera os efeitos jurídicos, inclusive de fazer o cônjuge um dos eventuais
herdeiros legítimos; o testador legou a pessoa que, mais tarde, casou com o oficial público; o testador casou com a
concubina; e muitos outros. Cumpre notar, porém, que, ainda eliminada a presunção legal do art. 1.720, 2•a alínea,
pode ser feita a prova da interposição. O testador deixou tôda a fortuna à concubina, mas sem a mencionar, por
intermédio de um amigo. Se fôr provado que o amigo recebeu e entregou o que recebera, o juiz tem de considerar
nula a deixa. Mas, ~se prova fôr feita de que tal procedimento foi suspensa, sem qualquer dependência para com a
vontade do testador? Doação lícita do próprio amigo, e não fidúcia ilícita ou legados pro vide abiatis, que fôssem
in fraudem legis. Afastada a interposição, a velada fiducialidade da herança ou legado, não cabe a nulidade.
8. PRESUNÇÃO. O art. 1.720, 2•a alínea, reputa interposta pessoa o pai, a m&e, o descendente ou o cônjuge do
incapaz. Mas há outro pressuposto para a incidência da regra jurídica do art. 1.720, 1•a alínea, que é o beneficiante
do incapaz. Assim, para que o filho adulterino possa s~r tido como interposta pessoa, é preciso que a liberalidade a
êle beneficie a mãe. Têm alguns juristas interpretado o art. 1.720 como se fôsse nula a deixa ao filho adulterino, em
qualquer hipótese.CLóVIS BEVILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 1’70) escreveu: “A interposição dispensa
prova. Resulta de uma presunção legal, que não admite prova em contrário”. Juristas repetiram-no. Alguns
acórdãos são no mesmo sentido (e. g., 1•a Turma do Supremo Tribunal Federal, 8 de novembro de 1951, ltF., 142,
180). Na doutrina estrangeira muito se insistiu em se tratar de presunção inris et de jure.
Do art. 1.720 do Código Civil quis-se tirar que é nula a disposição em favor do filho adulterino do testador porque
assim se beneficiaria a concubina. Primeiro, ter-se-ia de alegar e provar que a intenção do testador foi beneficiar a
concubina,. e não o filho adulterino; segundo, pode não mais haver qualquer relação entre o homem casado e a
concubina, ou estar êle viúvo, ou ter-se casado com outrem a concubina. A discussão que ocorreu na 1•a Câmara
Cível do Tribunal de Apelação da Bahia, a 26 de setembro de 1944 (1?. 1’., 102, 805), não desceu aos pormenores,
ficando-se em tôrno de afirmações de extrema generalidade. O filho adulterino é capaz; a nulidade por interposição
pode ocorrer mesmo se o filho não é adulterino. O que é preciso para que a disposição testamentária não seja válida
é que se alegue e prove que se quis beneficiar a concubina, e não o filho.
Ponhamos o problema em têrmos de agora, sem recebermos a influência de doutrina estrangeira, que não desceu a
exame profundo.
A mãe do filho adulterino do testador ainda em sociedade conjugal, mulher que seria incapaz de receber a deixa,
não vive com o filho, que foi criado pelo pai, ou pelos avós paternos. Tal filho já tem filhos, que em caso de morte
seriam os-seus herdeiros. ,‘,Onde o beneficiamento da mãe, que fôra concubina do testador? O filho adulterino
pode ter sido adotado pela mulher do testador. ~ Onde o beneficiamento da concubina do testador? O filho
deserdara a mãe. Onde o beneficiamento da mãe com a deixa ao filho?
O filho adulterino pode ser o único filho do testador. ~, Como seria admissível que se reputasse interposição a
nomeação do único descendente como legatário ou herdeiro?
A deixa ao filho da concubina, que não é filho do testador, é deixa a interposta pessoa, porém, a despeito de haver
maior dificuldade de se provar que a intenção do testador não foi a de beneficiar a concubina, não se afaste, de
modo absoluto, a prova de que não houve a interposição. Por exemplo: o filho da concubina salvara a vida do
testador, por ocasião de incêndio, e com isso sofrera queimaduras. Cf. Tribunal de Apelação de Alagoas, a 25 de
julho de 1941 (R.F., 89, 805) : “. . .segundo PONTES DE MIRANDÁ, nos casos em que a concubina tenha
morrido, ou, por outra causa, não se puder beneficiar com o legado feito aos filhos, é êle válido, pois, nessas
hipóteses, não se contraria a finalidade do citado art. 1.720”.
§ 5.816. Liberdade de testar e quota necessária
1.LIBERDADE DE TESTAR. No terreno da herança necessária é que se trava a discussão da liberdade de testar,
problema de que nos ocupamos no Tomo LV. Certo, hoje em dia, a questão se estabelece na preliminar: ~ deve, ou
não, haver um direito de sucessão? A verdadeira solução nós. a demos: se há sucessão, deve haver herdeiros
necessários; a liberdade de testar podia ser defendida com argumentos de ordem sociológica e moral, alguns.
políticos, quando só se tinha de enfrentar a questão da porção necessária, que ela, por definição, nega, mas, no
momento em que o único argumento de pé a favor da sucessão individualista é a simetria da herança econômica
com a herança biológica, psicológica, educacional, torna-se bem árduo defender a liberdade integral de dispor. Se
há pátrio poder e herança, deve haver herdeiros necessários. Sucessão sem direito hereditário forçado é
individualismo na vida e na morte. Comunidade de filhos e pais, como entre os germanos, compreende-se;
propriedade social, sem sucessão e, pois, sem a espécie mais respeitável, que é a necessária, também se
compreende. Ora, sucessão individualista com a plena liberdade de testar só a fantasia podia aceitar fora das
circunstâncias gerais da Roma patriarcal, prepotente, rígida, que passou, como tudo, e dos anglo-saxões da er~
individualista e mercantilista. Demais, as razões de sucessão na profissão, no labor da terra, das minas, deixaram de
existir: cada vez mais a distribuição profissional terá de atender a outros fatôres, individualíssimos alguns, pelos
quais se verifique a aptidão, se dê a orientação e se proceda à seleção.
A liberdade de testar que obrigasse a respeitar tais indicativos e imperativos de ordem científica e política deixaria
de ser a si mesma: não seria liberdade. Enquanto os bens da vida não se socializarem, o direito hereditário
necessário deve existir. O Estado, que o abolir, tem, prêviamente, de assegurar o sustento e a educação dos
descendentes de mortos. Ora, será, no terreno econômico-financeiro, impossível (afaste-se a hipótese de se tornar
possível pela limitação matemática de nascimentos) assegurá-los, conservando-se a sucessão individualista, com a
liberdade de testar.
É difícil compreender que se permita a sucessão individualista com a liberdade de dispor em absoluto:
individualismo que passa além do túmulo, individualismo que ou demonstra a ofensa ao officium pietatis (nas
sociedades em que os filhos dependem dos pais e das posses e situação dos pais, fenômeno que existirá em quanto
existir sucessão individualista), ou ao color insaniae. Para nós outros, que vemos os fatos, a história da querela
inolficiosi e a da reserva germânico-costumeira constituem experiências vivíssimas. Se hú sucessdio individual,
deve haver necessariedade da sucessão dos descendentes. A sucessão necessária, a quota mínima dos filhos, dos
netos, só deve desaparecer com a sucessão individualista, O que pode e deve acontecer é a adoção de medidas que
progressivamente as desindividualize, a ambas, a sucessão individualista, que é o gênero, e a espécie, que é a
sucessão necessária dos descendentes. Propositada a nossa exclusão dos ascendentes e dos colaterais:
há interêsses respeitáveis em causa, mas o problema não é o mesmo; tôda boa política olha o que vem e faz o
possível pelos que estão a passar. Todo o problema político de ordem geral recai nos jovens.
De modo nenhum pode o testador estabelecer sucessividade quanto à herança necessária (e.g., instituir
fideicomisso, cf. 4•a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 22 de fevereiro de 1945, R. dos T., 161,
159; 2.~ Câmara Civil, 16 de maio de 1983, 88, 109).
2.PORÇÃO DISPONÍVEL. A contra-parte da quota necessária chama-se porção disponível. O art. 1.576 do
Código Civil anuncia o art. 1.721. “Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da
herança”, diz o art. 1.576.
Na 1•a parte do art. 1.721 dir-se-á o mesmo por outras palavras: “O testador que tiver descendente ou ascendente
sucessível não poderá dispor de mais de metade de seus bens”. Como se vê, entra-se em repetição escusada: na
primeira estatuiu-se que necessários só havia descendente e ascendente, na 2•a só se introduz, de nôvo, que os
descendentes excluem os ascendentes. Necessariedade subsidiária. E dá-se nome à quota necessária,
nome ambíguo, que mais uma vez evidencia a manca terminologia do autor do projeto primitivo. Legítima, diz-se.
Ora, legítimas são as porções dos herdeiros legítimos; legitimas forçadas, quotas necessárias, etc., compreender-
se-ia que se dissesse. Reserva diria melhor, sem dizer bem. Aliás, na doutrina tradicional, a expressão portio
legitima concorreu para isso. Ora, se atendermos a que a querela inoficiosi (da era clássica) constituía remédio
jurídico processual coordenado a sucessão legítima (ao contrário da ação de nulidade, pelo color insania.e) o
têrmo é justo: todos os herdeiros cognados eram necessários; pretoriana a sucessão, pretoriana a querela. Mas a
fixação posterior tinha por fito critério quantitativo para a exclusão da querela, e não direito dos herdeiros aos
bens, noção que só se adquiriu depois, com a influência germânico-costumeira. Os textos falam de quarta debita
potionis, da quarta parte da porção devida (L. 8, § 8, D., de inoficiaso testamento, 5, 2). Quortam legitima.e partis
está no § 3, 1., de inofficioso testamento, 2, 18, o que se há de traduzir por quarta da parte legítima. A despeito de
B. WINDSCHEID (Lehrbuch deg Pandektenrechts, III, § 578, nota 8) consignar fortio legitima, não encontramos
textos clássicos. Como E. WINDSCHEID, os anteriores, O. F. PUCHTA (Pandekten, 9•a ed., 701), C. O. VON
WÃCHTER (Pandekten, II, 829) e os demais.
3.PORÇÃO DISPONÍVEL DITA ANÔMALA. Se os bens existentes ao tempo da morte forem todos absorvidos
pelas dividas, e existirem doações conferiveis, a quota de cada herdeiro será a fração da soma das doações
conferidas, igualadas, portanto, as doações, eu cortadas a um, ou alguns, para que a todos os herdeiros se dê o seu
quinhão. Dai dizer M. A. COELHO DA ROCHA (IhstUzflçteà de Direito Civil português, 1, 88 ed., §§ 241 e 350)
que, absorvidos, pelas dívidas, os bens existentes, havendo doações conferíveis, estas formam a massa das
legítimas.
No art. 1.724 do Código Civil, diz-se que “o herdeiro necessário, a quem o testador deixar a sua metade disponível,
ou algum legado, não perderá o direito à legítima”. Não se precisava redigir a regra jurídica, porque resulta dos
conceitos de porção indisponível (dita, ai, “legítima”) e de disposição testamentária. O herdeiro necessário pode ser
contempiado no todo ou em parte da porção disponível, ou em herança ou em legado. O que se lhe atribui como em
herança testamentária ou em legado se rege pelo direito testamentário.
O testador não pode privar das quotas necessárias, da fração na porção indisponível, na portio debita ou legitima,
os herdeiros necessários. Por isso mesmo, não pode: a) deixar-
-lhes, para nela serem computados com valor estimativo, ou fixado pelo testador, bens constantes do seu acervo;
Lfl ordenar que o herdeiro entregue coisa de sua propriedade a outrem (Código Civil, art. 1.679), porque, se o não
cumprir, nenhuma conseqUência terá que lhe diminua a quota necessária; salvo, está visto, quando o -contemple a
mais, testamentàriamente, e ordene a entrega conforme o art. 1.679, porque se trata, em tal caso, de herdeiro
testamentário, cuja quota necessária se rege, incólume, por outros princípios; e) onerar com encargos ou apor-lhe
condições, porque são nulos; 4) impor legados ao herdeiro necessário.
A necessariedade da herança faz intangível a porção legitima necessária. As medidas tocantes à proteção da porção
começam em vida do testador, para que não possa doar, em vida, a ponto de atribuir a outrem o que não poderia
deixar em testamento. Tem-se de saber, no momento de cada doação, o que é que poderia o doador, em negócio
jurídico unilateral testamentário, fazer objeto de disposição testamentaria.
De qualquer modo, ao tempo da morte do testador, têm-se de somar os atos de liberalidade, em vida e a causa de
morte, para se saber se caberiam na metade disponível.
As liberalidades poderiam já ter infringido a intangibilidade da porção necessária, o que as teria feito inválidas.
No direito anterior, se descendente o testador, não poderia obrigar os ascendentes a receberem determinados bens
em vez da quota nos bens deixados, excluídos os legados, porque a partilha pelo testador (hoje, art. 1.776) só se
referia a linha reta descendente (M. A. COELHO DA ROCHA, Instituições de Direito Civil português, 1, 3~ ed., §
351) ; mas o Código Civil, que manteve a referência a pai (art. 1.776), permite ao testador, ascendente ou
descendente, mandar convertê-los em outras espécies e gravá-los com restrições de poder, de acôrdo com o art.
1.728. Tal artigo explicitamente se refere aos ascendentes e aos descendentes.
O art. 1.776 seguiu a tradicional doutrina da partilha, feita pelos pais, dos bens deixados aos filhos (leia-se
descendentes) ; porém o art. 1.723, inspirado em lição mais moderna, abriu a brecha em tôda a linha reta, de modo
que os descendentes não podem, em vida, partilhar os bens dos ascendentes sucessiveis e só o podem os
ascendentes quanto aos bens dos descendentes sucessíveis, porém é-lhes facultado convertê-los. Ora, converter, é
alienar e comprar outro; portanto, destinar um bem, que já se tem, a A, e o outro, a E, seria menos do que
converter: pode o mais, não pode o menos. Absurdo seria; donde devermos permitir o menos, pois que se permitiu
o mais, e ler o art. 1.776 como se dissesse: “É válida a partilha feita por ato entre vivos ou de última vontade,
contanto que não o prejudique a metade devida aos herdeiros necessários”. Ai estão ascendentes e descendentes.
Cumpre, porém, que se recorde a exposição do Tomo LV. Enquanto as doações a estranhos, ou a sucessíve~s
legítimos que não são descendentes, são doações definitivas, que têm de caber na quota disponível, as doações e
outras liberalidades a descendentes têm-se como adiantamento da legítima do herdeiro necessário descendente,
salvo se o doador afasta a incidência da regra jurídica, Daí poder ocorrer que, a despeito de se ter de saber, a cada
doação, qual, no momento, o valor da porção disponível, os valôres dos adiantamentos de legítima tenham sido
maiores, de modo que, ao morrer o decujo, a porção disponível seja pequena em relação ao que receberam e
recebem os herdeiros legítimos necessários, descendentes do decujo.
5.HERDEIROS NECESSÁRIOS Diz o Código Civil, artigo 1.721: “O testador que tiver descendente ou
ascendente sucessível, não poderá dispor de mais da metade de seus bens; a outra pertencerá de pleno direito ao
descendente e, em sua falta, ao ascendente, dos quais constitui a legitima, segundo o disposto nesse Código (arts.
1.608-1.619 e 1.728)”.
6.NATUREZA DO DIREITO DOS HERDEIROS NECESSÁRIOS. Os herdeiros a que o ari. 1.721 chama
necessários são no essencialmente e não formalmentee. O direito brasileiro 1180 11 a hereditafledrade necessáfia
jorntil.
A quota necessária incide no aceno, cinde-O, como vocação forçada, fenômeno hereditário-real, no que difere do
Piíichtteilecht dos alemães, que é um direito de obrigação, a reserva, tal como a tem o Código Civil alemãO, ~§
2.808 s. Se o testador alemão dispõe da sucessão e exclui o descendente, os pais, ou o cônjuge, os excluídos podem
pedir a reserva, Pftichtteil. Muito diferente, portanto, da quota necessária do direito brasileiro, que existe intacta,
abstratamente separada, fora dos bens testados e a despeito das vontades expressas, contrárias, do testador. A
existência de herdeiros necessários faz com que, à abertura da sucessão, o monte hereditáriO se parta ao meio,
metade vá aos herdeiros necessários e metade àqueles que o testador tinha indicado, ou o. que, na falta da vontade
declarada, devam ir.
No Brasil, porção disponível e porção necessária são quantidades invariáveis. A metade da herança, cada uma; e
não fixada em razão do número dos filhos, como seria mais racional. Na França, a variabilidade cessa além do
quarto filho. O fracionamento invariável, que contém em si certa injustiça, simplifica as questões relativas à
abstenção e à porção necessária, assaz renhidas no direito francês.
9 DA METADE DISPONÍVEL. Diz o Código Civil, art. 1.722: “Calcula-se a metade disponível (art. 1.721) sôbre
o total dos bens existentes ao falecer o testador, abatidas as dívidas e as despesas do funeral”. E no parágrafo único:
“Calculam-se as legítimas sôbre a soma, que resultar, adicionando-se a metade dos bens que então possuía o
testador, a importância das doações por êle feitas aos seus descendentes (art. 1.785)”.
10.CÁLCULO DA PORÇÃO DISPONÍVEL. Calcula-se a metade disponível dividindo-se pelo meio a soma dos
valôres dos bens existentes à época do falecimento do hereditando. Não se trata dos valôres ao tempo do
falecimento, coisa que só interessa ao impôsto; mas dos valôres ao tempo da liquidação dos bens existentes ao
tempo do falecimento. É isso que se divide por dois, a metade necessária, a metade disponível. Assim, se, ao
tempo da abertura da sucessão, a herança total, com os prédios, valia x e, avaliados êsses, antes de passar em
julgado a partilha, se incendeiam, metade disponível é x menos a perda dos prédios dividido por dois. Se o falecido
era casado pelo regime da comunhão de bens, há duas operações a fazer: a) a de divisão dos bens comuns (metade
ao cônjuge sobrevivo, metade à herança); b) a da divisão dos bens hereditários (a metade à herança, de que se
falou) em porção necessária e porção disponível. Se não há herdeiros necessários, o testador pode dispor de todos
os seus bens.
A metade disponível pode ser menor que a soma dos quinhões necessários efetivamente recebidos. Tal paradoxo
resulta das colações, que aumentam a porção necessária, porém não a metade disponível (art. 1.785).
a) No direito que rege a relação jurídica entre o titular, os escreventes e os demais auxiliares, apenas se estabelece
limite de mínimo salarial, ficando-lhes, com o consentimento do Corregedor, a faculdade de convenção a propósito
de honorários, vedações de contacto durante o tempo de serviço, faltas e outros assuntos disciplinares, bem como
no tocante à remuneração.
b)Quando algum negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, ou, embora seja menos freqUente a ocorrência,
unilateral, contém cláusula de duração que se refere a condição resolutiva ou a termo resolutivo e, no momento da
assinatura, a condição já se impliu, ou já adveio o termo, o negócio jurídico não entra no mundo jurídico. Seria
atribuir-se eficácia ao que não a podia ter tido.
Se, em vez disso, é após a assinatura, no mesmo dia, ou no dia seguinte ou algum tempo depois, que há o
implemento da condição, ou o advento do termo, a resolução sobrevém. O negócio entrou no mundo jurídico e, por
menor que tenha sido o lapso, havia a resolutividade e deu-se a resolução.
Se tarda o implemento da condição, ou o advento do têrmo, continua a vinculação.
Os que aceitaram as doações, que constam de escrituras devidamente assinadas, com os val~res da época, tiveram
adiantamentos de legitima, ou doações tiradas da parte disponível. Pela lista dos bens e, a fortiori, por serem quase
tôdas as doações em adiantamento de legítima, nenhuma infração houve ao art. 1.176 do Código Civil. O que seja
da porção disponível de modo nenhum fere os arts. 1.721 e 1.722, nem o art. 1.722. parágrafo único. Por ocasião da
morte do doador é que se tem de levar a colação o valor de tudo que foi doado (cf. art. 1.792), como incluso na
parte disponível, ou no adiantamento da legítima (art. 1.785). É então que se sabe qual o valor da parte legítima e
qual o valor da parte disponível. Se alguém recebeu mais do que pode caber na porção disponível, quer a título de
doação de valor inserível na porção disponível, quer de valor da quota de legitima, então há a redução. Para isso, o
que importa é saber-se, se, ao morrer, o doador não poderia dispor daquilo de que dispôs como incluível na porção
disponível, porque, se poderia dispor, mesmo se doou, a título de adiantamento de legitima, mais do que seriam as
legítimas doS herdeiros necessários, o excesso, doado a titulo de adiantamento de legítima, é considerado a título
de doação de fração da parte disponível (art. 1.726).
11. PORÇÃO NECESSÁRIA SE HÁ SUCESSÍVEIS RENUNCIANTES Se, por ocasião da abertura da sucessão,
algum dos chamados renuncia a herança, cumpre distinguir:
a)se o herdeiro é legítimo (necessário ou não), a parte do abstinente ou renunciante vai aos outros herdeiros da
mesma classe (necessários ou legítimos, do mesmo grau, quis-se dizer a lei), ou, se êle é o único dela, aos da classe
subseqUente (artigos 1.588 e 1.589); b) se é herdeiro testamentário, ou se dará o direito de acrescer (arts. 1.710 e
1.712), ou não se dará, e então irá aos herdeiros legítimos a quota vaga no nomeado (art. 1.718). Temos, portanto,
de examinar três casos:
a)Abstenção do herdeiro necessário (não digamos legítimo, porque o direito brasileiro não conhece sucessão em
que concorram necessários e simplesmente legítimos). Se houve abstenção, ou abstenções, a porção necessária
cresce, em vez da metade abstrata, passa a ser, concretamente, a metade abstrata mais a fração em que o
numerador é o número dos abstinentes e o denominador o número de herdeiros que foram chamados. Já não é
metade, e sim mais do que a metade da herança. A recusa do herdeiro necessário não aproveita aos herdeiros
testamentários salvo se todos recusarem, não houver outros sucessíveis necessários e couber chamada dos
instituidos a tôda a herança ( inclusive a necessária, se houve renuncia), o que raramente acontece.
14 Se o renunciante é instituído e há direito de acrescer, nenhum direito terá o herdeiro necessário; salvo se todos
os instituidos renunciarem, porque, então, as quotas irão ao> herdeiros legítimos, que são, na espécie, os
necessários: deu-s, a sucessão legítima (art. 1.575).
c)Se o herdeiro instituído renuncia, sem que caiba direito de acrescer (art. 1.718), o herdeiro necessário recolhe es
bens.
Mas há diferença notável. Nos casos da espécie a), a por-são dos herdeiros necessários cresceu: tôda a herança foi
aos herdeiros necessários e por sucessão legitima necessária, uma de cujas consequências é pagar o impôsto de
sucessão necessária. Nos da espécie b), não há distinguir da quota necessária a quota legítima, não há a distinção,
porque não há oposição com os herdeiros testamentário só há uma classe de herdeiros, legítimos de linha reta. Nos
da espécie c), a sucessão é legítima (não-necessária). Não confundamos com a espécie do art. 1.726, onde o
herdeiro necessário é um mediatamente instituido.
12.PORÇÃO NECESSÁRIA E HERDEIRO NECESSÁRIO TAMBÉM INSTITUIDO. A lei conhece dois casos
de instituição do herdeiro necessário: a) a que se faz em verba testamentária e. neste, o herdeiro necessário sucede
necessàrial»ente na parte indisponível e testamentàriamente na em que foi contemplado;
6)a que resulta do art. 1.726, instituição a que chamamos mediata, assaz interessante nas suas consequências
práticas. Em qualquer dêles, o herdeiro sucede ex testamento, sendo, como é, inter’pretativo o art. 1.726. Não se
confunda com os casos em que há superveniência de inaplicação da quota disponível, como se o herdeiro
testamentário renuncia sem terem os demais o direito de acrescer (ad. 1.713).
18.CÁLCULO PRATICO DAS PORÇÕES NECESSÁRIAS. A lei manda que se calcule, em primeiro lugar, a
porção disponível, porque não é suscetível de aumento. Partem-se em duas metades os bens deixados pelo testador.
Depois, à metade necessária soma-se o que os descendentes (ja lei, no art. 1.722, parágrafo único, somente se
refere a descendentes!) devem colacionar. O que pelos herdeiros necessários ter-se-á de partir não será a metade
necessária do primeiro cálculo, mas a soma (metade + bens colacionados) do segundo (art. 1.785).
Os ascendentes não são obrigados a colação, porque são dois, quatro, oito, dezesseis e assim por diante,
provàvelmente pré-morreram, e a porção necessária estará mais. ou menos assegurada pela inoficiosidade
ordinaria das doações (artigo 1.176).
14.CLÁUSULAS DE INALIENABILIDADE E DE INCÚMUNICABILIDADE. Diz o Código Civil, art. 1.723:
“Não obstante o direito reconhecido aos descendentes e ascendentes no artigo 1.721, pode o testador determinar a
conversão dos bens da legítima em outras espécies, prescrever-lhes a incomunicabilidade, confiá-los a livre
administração da mulher herdeira, e estabelecer-lhes condições de inalienabilidade temporária ou vitalícia. A
cláusula de inalienabilidade, entretanto, não obstará à livre disposição dos bens por testamento e, em falta dêste, a
sua transmissão, desembaraçados de qualquer ônus, aos herdeiros legítimos
A impenhorabilidade relativa dos frutos e rendas dos bens inalienáveis foi-se estabelecendo no direito luso-
brasileiro, até que se fêz regra de lei. A elaboração foi lenta, como se pode ver em AlVARO VÂLASCO (Co-
asultationum, 1, 188), em MANUEL MENDES DE CASTRO (Practica Lusitana, 1, 99) e nos comentadores da
Ordenação do Livro III, Título 98, § 1. O art. 948, 1, do Código de Processo Civil cria caso de impenhorabilidade
prôpriamente dita, ressalvando os frutos e rendimentos destinados à alimentação de incapazes ou de viúvas ou
solteiras, inovação digna de aplausos.
Se os frutos e rendimentos foram gravados de inalienabilidade (podendo ser, segundo a lei material), então são
impenhoráveis prôpriamente ditos, e não se lhes aplica o ad. 948. Se os frutos e rendimentos podem ser gravados é
questão de direito material; se podiam, cabem êles no art. 942, 1, do Código de Processo Civil.
A Lei n. 1.889, de 81 de dezembro de 1907, art. 39, criou no direito brasileiro a exceção ao princípio da
inviolabilidade dos quinhões necessários, que o Código Civil, no ad. 1.728, acolhe. Desde aquela época o direito
brasileiro se afastou da tradição luso-brasileira, contida nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 79, § 8.0. O
Decreto n. 8.725, de 15 de janeiro de 1919, deu a forma atual à regra jurídica, que, ao aparecer o Código Civil,
dizia: “A legítima dos herdeiros, fixada pelo art. 1.721, não impede que o testador determine que sejam convertidos
em outras espécies os bens que a constituiam, lhes prescreva a incomunicabilidade, atribua a mulher herdeira a
livre administração, estabeleça as condições de inalienabilidade temporária ou vitalícia, a qual não prejudicará a
livre disposição testamentária, e, na falta desta, a transferência dos bens aos herdeiros legítimos, desembaraçados
de qualquer ônus”.
O testador pode inserir no testamento a cláusula de impenhorabilidade dos frutos e rendimentos, o que é plus em
relação à cláusula de impenhorabilidade ou de inalienabilidade dos bens deixados. Assim, quando a lei processual
estabelece que podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis, salvo
se destinados a alimento de incapazes ou de mulheres viúvas ou solteiras (Código de Processo Civil, art. 948, 1),
tem-se de entender que se supôs não haver cláusula de impenhorabilidade que atinja os frutos e rendimentos.
A impenhorabilidade dos bens de que fala o Código de Processo CIvil, art. 948, é apenas se e enquanto há outros
bens que bastem. Mais ordem, graduação, de penhora do que impenhorabilidade. Conserva-se, na técnica
legislativa, como impenhorabilidade, por ser difícil mencionarem-se os bens entre a última classe de bens
subordinados à graduação (artigo 930, V) e êsses. A impenhorabilidades relativa do Código de Processo Civil,
art. 943, 1, supõe que os frutos e rendimentos sejam penhoráveis (certa, a 2•a Câmara Civil do Tribunal de
Apelação de São Paulo, a 4 de maio e a 14 de setembro de 1948, 1?. dos 7’., 148, 207 e 227; errada, a ta Turma do
Supremo Tribunal Federal, a 24 e a 27 de maio de 1948, E. dos 7’., 161, 286; E. F., 97, 100, mas certa, a 2~a Turma,
a 28 de junho de 1945, OD., 84, 213, a 1.0 de julho de 1948; Supremo Tribunal Federal, 8 de novembro de 1950,
A.J., 97, 23; 23 Turma, 27 de janeiro de 1950, 94, 228; certas, a 13 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São
Paulo, a 18 de março e a 8 de maio de 1944, E. dos 7’., 152, 605, e 192, e a 2~a Câmara Civil, a 5 de setembro de
1944, 158, 623, mas errado, o 19 Grupo de Câmaras Civis, a 28 de novembro de 1944, 158, 191).
O testador pode gravar de inalienabilidade, de incomunicabilidade e de outras restrições de poder o que deixa em
herança ou em legado. A lei permite que a cláusula de inalienabilidade, de incomunicabilidade, bem como a de
livre administração pela mulher herdeira, recaia sôbre bens da própria herança necessária, e que se estabeleça a
conversão. Não se precisava dizer que tais permissões podem atingir as quotas legítimas não-necessárias e, a
fortiori, as heranças testamentárias e os legados.
Nenhuma distinção se há de fazer entre deixas testamentárias a filhos legítimos e ilegítimos, inclusive adulterinos
ou incestuosos. Apenas há a regra jurídica do art. 1.719, III, do Código Civil, atinente à concubina do testador
casado.
Ao herdeiro ou legatário usufrutuário é exigível a caução de que fala o art. 729 do Código Civil. O testador pode
dispensar tal dever.
O bem inalienável é impenhorável e não pode ser objeto de gravame de direito real (usufruto, uso, habitação,
penhor, hipoteca, anticrese, servidão), nem sofre o titular usucapião, qualquer que seja o tempo.
A cláusula de inalienabilidade contém a de impenhorabilidade, bem como a de incomunicabilidade. Bens
inalienáveis são incomunicáveis (PASCOAL JOSÉ DE MELO FREIRE, Institutwnes luris Civilis Lusitani, ~j, 5a
ed., 124: “universalis enim hodie haec communio est, et comprehendit ea omnia bona, quae alienari possunt”). Cf.
1•a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1947 (R.F., 119, 503) 13 Câmara Cível
do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 22 de agôsto de 1944 (102, 103).
No art. 262, XI, do Código Civil excluem-se da comunhão matrimonial de bens os que provêm de herança (dita, lá,
necessária, a que foi imposta a cláusula de incomunicabilidade. A despeito das duas referências à herança
“necessária” e à cláusula de incomunicabilidade, o que se há de entender é que são incomunicáveis quaisquer bens
doados ou herdados, seja com a cláusula de incomunicabilidade, seja com a de inalienabilidade, que é abrangente
daquela. Não é inalienável, sempre, O que é incomunicável, mas o inalienável é incomunicável. Cf. 1•a Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1947 (R.F., 119, 508).
Quanto aos bens herdados pelos herdeiros necessários, se inalienáveis, não são os únicos bens incomunicáveis: se
foi gravada a herança dos legítimos não necessários ou dos herdeiros testamentários ou legatários, dá-se o mesmo.
O testador, como o doador, pode gravar de inalienabilidade, mas afastar a proibição de incomunicabilidade (e. g.,
“deixo a B o prédio da rua tal, com a cláusula de inalienabilidade, sem que com isso se dê incomunicabilidade ao
bem”; ~‘deixo a B a metade da parte disponível, com a cláusula de inalienabilidade, sem que sejam
incomunicáveis, pelo casamento, os bens”).
Tem-se de assentar que, na dúvida, quanto a ter o testador estabelecido a incomunicabilidade como inclusa na
inalienabilidade, ou não tê-lo feito, o que se há de acolher é a inclusão (no tocante à discussão, acertadamente,
Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de Apelação de São Paulo, 21 de agôsto de 1942, R. dos T., 145, 265; cp. 43
Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 29 de novembro de 1951, 198, 316, certa a 20 de julho de 1944,
152, 651).
Se a cláusula de inalienabilidade continha a de incomunicabilidade, com a morte do beneficiado extingue-se a
clausulação (2.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 6 de junho de 1944, R. dos 7’., 154, 708). Se
houve comunicação, tem-se de interpretar a disposição testamentária para se saber se o testador quis a
inalienabilidade além da vida da beneficiada, aí vida do cônjuge. Na dúvida, não o quis.
A cláusula de inalienabilidade e a de impenhorabilidade podem ser a respeito de bem deixado em usufruto ou em
nua--propriedade, ou em fideicomisso, quer se refira ao fiduciário, quer ao fideicomissário. Cf. 83 Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 16 de dezembro de 1949 (Á.J., 95, 201).
Qual o interêsse é questão de interpretação da verba testamentária. Se não se têm dados suficientes para a
revelação, seria absurdo voltar-se ao texto de Severo e Antonino, de que falou MARCIANO, na L. 114, § 14, D.,
de legatis et fideicominissis, 30, e segundo o qual da irrevelabilidade resulta a inexistência da cláusula (“nisi
invenitur persona, cuius respectu hoc a testatore dispositum est, nuílius esse momenti scripturam”).
O interêsse pode ser objetivo, como se testador quis que se aguardasse momento para o tombamento do prédio, ou
funcionamento da fábrica naquele lugar.
Quanto aos tributos, sómente poderia haver penhora por tributos concernentes ao bem inalienável (e, pois, em
princípio, impenhorável) ou ao bem impenhorável.
-Se o testador inseriu a cláusula de inalienabilidade, ou outra, aludindo à vida do usufrutuário, ou do fiduciário, ou
dando outro prazo, discute-se se o nu-proprietário ou o fideicomissário está sujeito à permanência da cláusula se o
herdeiro ou legatário usufrutuário ou o herdeiro ou legatário fiduciário renuncia a herança. A 13 Câmara Civil do
Tribunal de Justiça de São Paulo, a 12 de abril de 1953 (1?. dos 7’., 218, 189), respondeu, em geral, que não se
podia requerer o cancelamento. Tem-se, porém, de verificar se a clausulação foi por interêsse objetivo do testador
(e. g., conservar a casa em que viveu a família como propriedade de herdeiro ou legatário, parente ou amigo), ou se
o interêsse era só subjetivo (e. o., proteger o usufrutuário, ou fiduciário).
Em caso de morte do usufrutuário, ou do fiduciário, depois da sucessão, cessa a cláusula de inalienabilidade (cf. 43
Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 22 de janeiro de 1948, R. dos 7’., 172, 204).
A cláusula de inalienabilidade pode ser quanto ao direito fiduciário, como quanto ao direito fideicomissário, ou
quanto aos dois. Quem doa ou deixa em testamento a B a propriedade, com ressalva de usufruto, pode gravar a
propriedade. Os argumentes de acórdãos, como o da 43 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 14 de
março de 1946 e a 11 de dezembro de 1947 (R. dos 7’., 161, 264, e 172, 196) e de alguns juristas, são frágeis. O
testador deixou a B, herdeiro ou legatário, com a cláusula de inalienabilidade ou outra cláusula. Com isso, não fêz
sucessiva a cláusula, porque, se o caso é de usufruto e de nua-propriedade, há dois beneficiados em direitos
diferentes, e seria de repelir-se que a nua-propriedade não pudesse ter a clausulação de inalienabilidade ou outra
clausulação. Se o caso é de fideicomisso, cada beneficiado recebe o que lhe foi deixado e a cláusula de
inalienabilidade pode recair na propriedade fiduciária ou na fideicomissária, ou nas duas, separadamente. Não se
diga que são vedados fideicomissos de segundo grau, porque o assunto nada tem com isso. Nem se invoque o art.
1.728, in une, onde se diz que “a cláusula de inalienabilidade não obstará a livre disposição dos bens por
testamento
e, em falta dêste, a sua transmissão, desembaraçados de qualquer ônus os herdeiros legítimos”. A cláusula de
inalienabilidade ou outra nada tem com o afastamento do obstáculo à sucessão, porque o nu-proprietário, como o
fideicomíssário, sucedeu ao testador, e não ao usufrutuário ou ao fiduciário. Quando o nu-proprietário fizer o seu
testamento, de modo nenhum se há de preocupar com a cláusula de incomunicabilidade, ou outra cláusula. Quando
o fideicomissário fizer o seu testamento, pode prever a inalienabilidade, se assim o entende, ou abstrair disse de
modo que o seu sucessor ou seus sucessores herdam bens não clausulados.
15.NATUREZA DAS RESTRIÇõES DE PODER. Diante das cláusulas restritivas, como a de inalienabilidade, de
incomunicabilidade, e tantas outras, os juristas no seu pendor de querer explicar o desconhecido pelo conhecido,
em vez de procurar, como é próprio dos sábios, descobrir o desconhecido e explicá-lo, sabendo depois se deve ou
não entrar numa das categorias antigas e vulgares, quiseram, uns reduzi-las a condições, outros a encargo ou
modus, e outros, finalmente, em desespêro, a incapacidades. Teremos de mitidear os males de tal vício, que já
apontamos e censuramos, noutros e neste assunto; e ver-se-á que o acerto estava com F. REGELSBERGER nas três
linhas em que deu nome ao fenômeno, nôvo que era e merecia denominação autônoma: “restrições de poder”.
Nas condições, o disponente diz dou mas perderá se isso ocorrer (é a resolutiva), ou dou desde que isso ocorra (é a
condição suspensiva). Naquela, a propriedade é já do beneficiado; nessa, não: condicio sus pendit. No encargo (e
longamente dêle tratamos, para que tenhamos de insistir nos seus traços diferenciais), nem se suspende a aquisição,
nem se postula a resolutividade: o beneficiado tem de cumprir aquilo de que se lhe dá o encargo. Certo, há modas
associado a condição suspensiva, ou a resolutiva; mas o relógio de ouro em caixa de madrepérola não é relógio de
madrepérola.
18. Diante da controvérsia, C. DEMOLOMBE (Cours de Code Napoléon, 17, n. 291) viu condição, mas com a
consequência de tornar inalienável o bem, ou de tornar incapaz de alienar a pessoa do donatário ou legatário. Note-
se bem: condição, com a conseqúência de deixar de ser condição, para se tornar o que a condição não é, quer no
primeiro caso, porque atinge o próprio bem, quer no segundo, porque implica ferida na própria personalidade,
criadora da incapacidade do beneficiado. O artifício é evidente. Perde-se de vista todo o conceito de condição. No
entanto, ~por quê? No primeiro caso, porque a ilegalidade da infração aparece (fenômeno estranho a condição); no
segundo, porque êsse fenômeno, sob outra forma, reaparece, e a condição não bastaria para explicá-lo. Vale dizer:
pretende-se ter explicado pela condição, que em nenhum dos casos explica.
Ao seu tempo, MARCEL PLANIOL quis que a incapacidade fôsse a explicação. É, como já dissemos, recurso do
desespêro: procura-se nada menos que um conceito excepcionalissimo, próprio da ordem pública, para se explicar a
natureza das conseqúências de uma imposição dos particulares, como são as cláusulas. Para êle, não seria preciso
distinguir inalienabilidade de caráter real e inalienabilidade de caráter pessoal: a incapacidade existe em ambos os
casos, porque ainda fia inalenabilidade, que recai in rem, é a pessoa do proprietário que é ferida, e não o bem,
porque não se proibe ao bem ser alienado, proibe-se a alguém alienar o bem. “C’est une perso’nne qui est atteinte
par la prohibition, et non une chose, ce qui n’aurait pas de sens”.
Mas a teoria fôra de uma novidade ainda maior do que o fenômeno da inalienabilidade por disposição dos
particulares: a incapacidade em virtude de convenção, ou de ato unilateral (por exemplo, testamentos), o que nunca
se viu no direito contemporâneo. Contratar ou aceitar ser incapaz.
Poder-se-ia invocar a que deriva do casamento da mulher. Mas, se bem que o Código Civil fale em incapacidade,
isto constituiu deszêlo da terminologia. No mesmo caso, porque se lhe restringe o poder de dispor, o marido seria
incapaz. Já o censuramos e não haveríamos de argumentar com isso. Aliás, basta pensar no direito da mulher de
reaver os bens doados pelo marido à concubina.
20.CORTE NO “TUS ABUTENDI”. A inalienabilidade éum corte no ins abutendi; não é condição, nem modus,
nem obrigação de não fazer, nem incapacidade: é uma restrição de poder, seu nome técnico, e não condição (falta-
lhe suspensividade, falta-lhe resolutividade), tão-pouco modus (a cláusula atua contra a vontade do beneficiado; no
modus, o beneficiado, é obrigado, mas a verba não atua contra a sua vontade: êle pode deixar de cumprir, e
responde por perdas e danos), menos ainda incapacidade.
21.ANÁLISE DAS SOLUÇ~ES. Onde a verdade? Nem C.DEMOLOMBE e MARCEL PLANIOL, com a
incapacidade, nem os que insistem no absurdo de uma condição (que se contradiz a si mesma), nem o encargo ou
modus, nem a obrigação de não fazer (ou de fazer), nem a indisponibilidade real explicam o que se passa.
Trata-se de fenômeno autônomo, à altura da condição como do modus, que precisa depois do nome que lhe deu
F.REGELSBERGER ser estudado, sem as exóticas referências ao modus e à condição. Se fôsse condição, seria
condição que não suspende, nem resolve: condição que não é condição. O modus obriga, mas o não cumprimento
só autoriza o pedido de perdas e danos. Tal não é o efeito das cláusulas. Se fôsse modus, seria um modus, que é
mais do que o modus, que não seria modus. O juiz pode mandar gravar, contra a vontade do beneficiado; se êsse
não aceitou o bem legado, não é obrigado
•ao modas, e no caso dos quinhões necessários a cláusula de inalienabilidade atua, ainda contra tais herdeiros
necessários, e nenhum modus se pode apor às quotas necessárias. Digamos: há condições, modus e restrições de
poder.
P. BREYIVNNEAU (ttude sur Les Clauses d’indienabilité, 164 s.) recorreu à indisponibilidade real. Mas isso,
sabemos que existe; o que precisamos saber é o que caracteriza a cláusula, e não o que dela resulta, como de
outros fenômenos diversissimos.
22.QUE É QUE SE ENTENDE POR TEMPORÁRIO. A lei fala em “temporária” ou “vitalícias’. Vitalicia, está
claro: vida do beneficiado; possivelmente, do doador ou testador, mas, neste caso, da outra espécie, temporária.
Temporária, ~qual a que se há de entender? .~Menos do que a vida? ~Menos ou mais do que a vida? A lei nada diz.
Cumpre recorrer aos princípios gerais de direito. Analogia com o art. 630, absolutamente não cabe: é regra jurídica
assaz restritiva para que possa servir de base analógica; ao art. 4)> da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-
lei número 4.657, de 4 de setembro de 1942) não pode interessar.
Na falta de definição da temporariedade, temos de entender: a) que temporário, para a lei, é o que não equivalha a
mais do que a vida, se excede, acaba com a vida; b) que pode ser a temporariedade expressa em condição ou têrmo,
e. g., até a maioridade, até o casamento, enquanto solteiro, acabando quando se doutorar. Tais os princípios que
regem a inalienabilidade aposta às porções necessárias.
25.LEGITIMAS E CLÁUSULAS DE RESTRIÇÀo DE PODER. -Entre outras questões, a comparação dos arts.
1.676 e 1.723 suscita a seguinte: o último artigo permite que o testador grave com a inalienabilidade temporária ou
vitalícia as legí-~ timas, sem que isso obste à livre disposição em testamento e,. em falta dêste, a sua transmissão,
desembaraçados de qualqueronus, aos herdeiros legítimos. O art. 1.676 proibe a invalidação, ou dispensa, por atos
judiciais, da cláusula de inalienabilidade imposta aos bens pelos testadores ou doadores. No capítul& sôbre doação,
declara-se que importa adiantamento de legi-tima feita pelos pais aos filhos (art. 1.171). As duas espécies,.
referidas no art. 1.728, são causa mortis: a) disponibilidade testamentária dos bens gravados com a cláusula; b) não
ha-vendo testamento do herdeiro gravado, transmissão, sem ônus,. aos herdeiros legítimos. Quer-se saber se o
herdeiro, proprietário dêsses bens inalienáveis, pode (por extensão interpretativa do art. 1.728) adiantar a
Legitima, doando os bens inalienaveis ao futuro herdeiro.
Para bem encararmos o problema, centralizemo-lo pela eliminação das questões diversas que o cercam e pelo
precisar dos têrmos empregados.
Primeiro, o art. 1.723 regula a inalienabilidade imposta pelo testador às legítimas; isto é, às quotas dos herdeiros
necessários (art. 1.721, a que o art. 1.723 diretamente se refere). Quanto às dos outros herdeiros legítimos, nada se
dispôs, porque, quanto a essas, poderá o testamento impor quaisquer cláusulas ou encargos e, até, fazê-las
inalienáveis nas mãos de quem receber os bens por morte do herdeiro. Mais ainda:
regular a passagem a outros. Nenhuma aplicação tem a elas o que se estatui no ad. 1.723.
Segundo, se nos perguntassem ~ pode o herdeiro de bens inalienáveis doá-los~ em adiantamento de legítima, aos
filhos, eliminando-se a cláusula de inalienabilidade vitalícia? certo responderíamos: absolutamente não. Seria
contrariar a vontade do testador, que os quis presos até a morte do herdeiro necessário, e infringir o art. 1.676 que
veda, de maneira expressa, se invalide, ou se dispense, por atos judiciais de qualquer espécie (a fortiori, atos de
particulares), a inalienabilidade que aos bens impuseram testadores e doadores.
Terceiro, pode ocorrer que o testamento esteja redigido com tal clareza, que a cláusula permita, excepcionalmente,
o adiantamento de legítima. Mas então seria o problema da interpretação da vontade do disponente, e não o que ora
nos interessa: o do adiantamento, havendo a cláusula de inalienabilidade, que prende, em mãos do~ herdeiro
necessário, os bens.
Quarto, o art. 1.676 atinge bens inalienáveis, assim doados como testados, O art. 1.728 somente atinge aqueles que
constituem quota necessário, isto é, a dos herdeiros legítimos em linha reta.
Fica restringida, precisada, a questão: ,pode o herdeiro necessário (art. 1.721), sem ofensa do ad. 1.676 e da
vontade do testador, dar, em adiantamento de legítima (art. 1.171), os bens que recebeu gravados com a cláusula de
inalienabilidade? Está claro que não se trata de torná-los, com a passagem, alienáveis, absurdo, que não merece
discussão. E sim de doá-los, mantida a cláusula.
Em verdade há um salto: quem doa dispõe, e quem é dono de bens inalienáveis tem o domínio dêles sem dêles
poder dispor.
O testador impõe a cláusula de inalienabilidade: o herdeiro recebe o bem gravado. Quando tiver de fazer
testamento, deixá-los-á a quem quiser (não se pode regular a passagem das porções dos herdeiros necessários e é a
êles, só a êles, que se refere o art. 1.723). Se morrer intestado, passará aos herdeiros legítimos. Mas doar (adiantar
quota necessária não é mais nem menos do que doar), isto êle não poderia, porque lhe falta, justamente, a faculdade
de dispor. Os bens estão seguros por um fio, atado pelo testador, e que só se desfaz, ainda no caso especialissimo
das quotas necessárias, com a morte do herdeiro gravado. Só se cogita da possibilidade da transmissão causa
mortis: o art. 1.728 só tem o efeito de esclarecer que a indisponibilidade não vai além da vida do herdeiro
necessário (note-se bem: necessário), que os bens das quotas inalienabilizadas ficam alienáveis no dia da morte do
herdeiro de tais bens. Portanto: a doação mortis causa, a doação para a futura passagem, em adiantamento de quota
necessária, é possível; não o é a doação entre vivos, ou com passagem dos bens. A doação mortis causa aos
estranhos pode constituir objeto de ação de nulidade por fraude à lei.
8.O QUE O TESTADOR PODE ACRESCENTAR À “RESTRIÇÃO DE PODER”. Já se viu que a restrição de
poder não se confunde com a condição, o modus, a cláusula penal, a obrigação de não alienar (criadora da
indenizabilidade), nem a sua sanção com as sanções dessas disposições testamentárias.
Mas o testador pode apô-las às cláusulas de restrições de poder. Serão duas ou mais disposições, serão duas ou
mais sanções. Assim:
a)O testador pode juntar à cláusula de inalienabilidade a condição resolutiva, isto é, dar-lhe a sanção da
resolutividade,e esta faculdade êle não tem quando se trata das quotas dos herdeiros necessários; porque seria
iludir a lei. Afetaria e direito dos herdeiros obrigatórios.
b)Se o testador conceber a proição de alienar como condição suspensiva: “lego a B se não alienar e sob esta
condição suspensiva”, a atitude do juiz deve ser a de o reputar r nomznis, porque a condição suspensiva de não
alienar não existe. Se disser “lego a B, mas passará a C, se êste não alienar”, há de entender-se que O dará caução.
É um dos meios de salvar a verba. Ou se gravará com a cláusula de inailenabilidade, que melhor o assegura; mas
isto, se a verba permitir a construção da “restrição de poder”. Diante de votuntas testatopEs, deve evitar-se
emprestar-se ao decujo querer absurdo.
c)O testador pode juntar à cláusula o modus, inclusive de não alienar, ou concebê-la de tal maneira que não seja
restrição de poder, e sim simples modus. “Deixo a B o prédio a., mas porque ali nasceu o poeta X e com certeza
hão de adquiri-lo para museu B não o deve vender senão para êste fim e será de x mil cruzeiros novos o preço,
constituindo a metade de x a quantia com que concorro, porque o prédio vale mais de x mil cruzeiros novos”, É
tnodu.s. Se acrescentar: “para garantia disto, gravo-o de inalienabilidade”. Temos os dois, o modus e a restrição de
~oder. Bastaria isso para se ver que a restrição não é modus, no que incorreram tantos, como P. BRETONNEAU
(Êtude sur les Clauses d’inolié’flabilité, 12-16) e. entre nós, JosÉ ULPIANO (Das Cláusulas restritivas da
pro’priedade, 8 s.).
d)O testador pode estabelecer cláusula penal. “Deixo a B o prédio X; se a alienação fôr aceita, pagará ao herdeiro x
mil cruzeiros novos”. É a cláusula penal. Se continuar: “gravo-o de inalienabilidade”, temos a cláusula penal e a
restritiva da propriedade ou restrição de poder. A alienação será nula; porém, como B, ainda que nulamente,
vendeu o prédio, cometendo a infração, incide na pena testamentária, e o herdeiro tem a ação para reclamar a
multa.
Se o testador não gravou e apenas deu a obrigação de não alienar, com a pena, então o ato de venda subsiste; não
houve a restrição real. Por onde se lhe vêem os inconvenientes:
a eficácia da cláusula penal é dependente da solvência do alienante, a proibição pode não ter garantia prática,
porque,alienado, vale, e o devedor talvez não pague, por não poder, a dívida penal (P. BRETONNEAU, Êtude sur
Les Clauses d’inoliánabilitá, 259; M. SAIGNAT, De la Clause portant prohibition.
d’aliéner, ix. 132); é simples avaliação das perdas e danos para ocaso da alienação proibida.
Na dúvida, se há somente cláusula penal e obrigação de não alienar, e se há gravame e cláusula penal, o art. 1.666
deve ser aplicado: opta-se pelo gravame e a cláusula penal. (Entendiam MARCEL PLANIOL, Traité élémentaire
de Droit civil, II, n. 257, 92, e TErCEIRA DE PREITAS, Consolidação das Leis Civis, nota 83 ao art. 391, que a
inclusão da cláusula penal não é conciliável com a execução efetiva, porque, aqui, a natureza da cláusula é
compensatória: de modo que nulidade e pena seriam sanções incompossíveis. No direito brasileiro vigente, isso
não tem razão de ser, diante do art. 919.)
4. O QUE SE NÃO PODE APOR AOS QUINHõES DOS HERDEIROS NECESSÁRIOS. Há garantia legal dos
quinhões necessários; e o testador não as pode diminuir, nem fraudar. Tratando-se de sanções próprias da cláusula
de inalienabilidade e das outras, estatui quem pode estatuir, e as conseqúências são as do que se estatuiu. Mas, se as
sanções são as de outras disposições, juntadas às restrições de poder, a lei seria iludida , se o testador pudesse
submeter a tais contingências as quotas necessárias.
O testador pode usar da faculdade que lhe dá o art. 1.723,. porém não pode: a) Acrescentar ao gravaúie a
resolutividade; a aposição redundaria em deserdação indireta: o efeito específico da condição resolutiva seria
extinguir-se o direito do herdeiro necessário, ferido, assim, fundamente, ab initio. Não se dá o mesmo quanto aos
legados que coubessem na parte disponível, ainda que beneficiados os herdeiros necessários. lO Juntar modus ou
encargo, e) Apor cláusula penal, porque, se consistir em x e a pena em ~ ou fração de x, quando o herdeiro alienar
ficará sem a legítima, ou com ela diminuída. Argumenta-se: “rigorosamente, esta que lhe foi dada devidamente, êle
a perdeu, na hipótese, por culpa sua, e não por ato direto do testador: .tibi imputet” (JosÉ ULPIANO, Das
Cláusulas restritivas da propriedade, 177). É sofisma: a causa da perda não foi só o seu ato, foi o seu ato mais a
aposição, pelo testador,da cláusula penal; tanto assim que, se ela não tivesse existido, o ato nada produziria.
6. AÇÃO DE NULIDADE. A ação de nulidade, própria das restrições de poder, não é a da inexecução da
obrigação de não fazer. Exerce-se, não contra o alienante, que seria o devedor, como se daria na obrigação de não
fazer; mas contra o adquirente. O art. 883 do Código Civil nada tem com o assunto; salvo se, além da restrição de
poder, há a obrigação de não fazer.
(E.BARTIN, 7i’héorie des Conditians, impossibles, illicites, ou contraires aux moeurs, 190 e 191, com a teoria da
obrigação, lutou contra a ação de nulidade, que era e é a da jurisprudência francesa. Mas os seus argumentos
pecaram pela base. Entendia que lhe falta explicação. Ora, se o proprietário não pode alienar note-se: não pode os
atos são nulos, e aí está a prova de que a obrigação de não fazer não explica a restrição de poder. O que os técnicos
tinham a fazer, E. BARTIN não fêz: ver os fatos; pois a ação de nulidade existia, e ela, em vez de precisar ser
explicada, devia ser a prova, o dado. pelo qual se haviam de inferir as teorias, e a de E. BARTIN fracassou.)
Não se prenda a ação de nulidade ao fato de tratar-se de gravação de bens imóveis, que atinja o domínio ou outro
direito real. À cláusula de restrição de poder é permitido alcançar os bens imóveis e os bens móveis, O testador
pode fazer inalienáveis bens imóveis e bens móveis, como os pode fazer impenhoráveis ou incomunicáveis, ou
sujeitos a outras restrições de poder. Nada obsta a que faça inalienáveis, ou incomunicáveis, ou impenhoráveis, ou
feridos por outras cláusulas, ações de emprêsas ou de clubes, títulos de crédito ou simples direitos de mutuante.
7.AçÃo PAULIANA E RESTRIÇÃO DE PODER. Quis-se construir a infração das cláusulas como fraude dos
direitos creditórios do interessado (M. SAIGNAT, De la Clause portant prohibitio’n d’aliéner, ns. 144 e 145) ; e
seria de boa fé, na ordinariedade dos casos, porque, ao examinar os títulos, havia de encontrar a menção da cláusula
restritiva. Mas é artificial:
a ação Pauliana não se destina a tais casos (P. BRETONNEAU, Êtude sur les Clauses d’inaiiénabilité, 290 s.), nem
tem o efeito de ir buscar os bens.
9.EFEITOS DA AÇÃO DE NULIDADE. A ação faz prevalecer a situação anterior do ato alienatório infrator,
trate-se de propriedade, trate-se de outros direitos. O adquirente terá contra o alienante a ação para haver a
restituição do preço e, se estiver de boa fé, as perdas e danos (Código Civil, artigos 1.108 e 1.109).
10.HERANÇA NECESSÁRIA E PORÇÃO DISPONÍVEL. Diz o Código Civil, art. 1.724: “O herdeiro
necessário, a quem o testador deixar a sua metade disponível, ou algum legado, não perderá o direito à legitima”.
11. LIBERDADE DE DISPOR E OS SEUS ELEMENTOS. A liberdade do testador, quanto à porção disponível,
que é, se não há herdeiros necessários, toda a herança, consiste em três faculdades distintas:
a)Dividi-la como quiser e entender, configurando quotas, porções certas, frações ordinárias ou decimais,
distribuições quantitativas ou qualitativas (móveis, imóveis; móveis de uso doméstico, semoventes, títulos; prédios,
terrenos) quantitativas e qualitativas ao mesmo tempo; etc.
b)Dar ao todo ou a cada parte a categoria jurídica que mais lhe agrade e lhe pareça satisfazer a sua vontade:
herança, legado, modus, recomendação, fideicomisso, usufruto, uso, habitação; inclusive restrição de poder, com as
extensões no espaço e no tempo, que a lei permite (por tantos anos, até a maioridade, vitalícia).
c)Ao todo ou a cada parte designar o sujeito, herdeiro, legatário, ou beneficiado pelo modus, recomendação,
fideicomisso, usufruto, uso, ou habitação. A liberdade sofre as restrições da incapacidade geral ou relativa de
testamentifação passiva (Código Civil, arta. 1.717, 1.720 e 1.650, V).
Se a todos e livremente pode o testador deixar os seus bens, claro que os pode deixar aos herdeiros necessários, pes
soas a que, por definição, não pode privar as quotas necessárias. Mas nem por isso é supérfluo o art. 1.724. Sem
êle, poderia interpretar-se que a instituIção do herdeiro necessário se entenderia imputação à parte necessária, ou
que a deixa igual ou superior à quota necessária, faria sem aplicação o art. 1.722. Por isso o art. 1.724 preveniu: se
o testador deixa ao herdeiro necessário a metade disponível, ou algum legado, não perde êsse o direito ao quinhão
ou porção necessária. Quer dizer:
as doações são adicionadas ao valor dos bens deixados para o cálculo dos quinhões necessários (art. 1.722) ; não se
computam as liberalidades feitas no testamento. Entende-se que o testador não testou tal porção, ou parte dela, o
que seria impossível; e sim que, além da sucessão forçada, quis que o herdeiro lhe sucedesse por testamento, o que
lhe é possível. Tanto mais verdadeira é tal presunção, que isso se entenderá ainda quando, testando parte dos bens
disponíveis, o testador deixe de dispor sôbre o restante (art. 1.726, que é interpretativo). Num e noutro caso, o
herdeiro necessário também o é testamentário.
Quanto às doações, que em vida fêz, pode o testador por ocasião de fazê-las, ou no testamento, dispor que se
subsumam na porção disponível, em vez de se imputar à quota necessária: ressalva válida, se feita no ato inter
vivos (art. 1.788) ou no testamento.
Quanto às cláusulas testamentárias, é livre o testador para as considerar feitas com a metade disponível, se
couberem, ou dentro da porção necessária, se não ofenderem o principio da inviolabilidade dos quinhões
necessários, só admissíveis nos casos do art. 1.723.
Se a doação aos descendentes se presume adiantamento de quinhão necessário (art. 1.171), não assim a herança, os
legados ou encargos a favor do herdeiro necessário: não se presumem imputados ao quinhão.
12.CÔNJUGE E PARENTES cOLATERAIS. Diz o Código Civil, art. 1.725: “Para excluir da sucessão o
cônjuge ou os parentes colaterais, basta que o testador disponha do seu patrimônio, sem os contemplar”.
O art. 1.725 é inútil se consideramos que já se apontaram os herdeiros necessários (art. 1.721). Os colaterais, como
o cônjuge e o Visco, são herdeiros legítimos, e não necessários. O testador ou os contempla em disposição
testamentária, seja de herança, seja de legado, ou não os contempla. Se não há herdeiro universal, o cônjuge, o
colateral ou o Fisco herda, como legítimo herdeiro, ou não herda se o testador dispôs de tôda a metade disponível.
Os herdeiros necessários são herdeiros legítimos, razão por que, quando se fala de herdeiros legítimos que não são
necessários, em verdade se restringe o sentido de “herdeiros legítimos”. Há, então, a legitimidade sem a
necessariedade. Não se deserda herdeiro que não é necessário; para afastar o cônjuge, os colaterais e o Fisco, basta
que se disponha de todo o disponível (3.5 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 80 de outubro de
1946, R. dos 2’., 165, 680).
13.DIREITO ANTERIOR. Era semelhante a lei; mas o irmão preterido podia usar da querela inofficiosi contra o
instituído que fôsse pessoa vil e torpe, ou de maus costumes.
14.SIGNIPICAÇÁO nA REGRA JURÍDICA. O art. 1.725 do Código Civil estatui que os herdeiros legítimos do
art. 1.608, III e V (cônjuge sobrevivente, colaterais, Fisco) não são materialmente necessários: o testador pode
exclui-los; e para os excluir, basta não os contemplar: não existe, quanto a êles, nenhuma transmissão forçada. Se
êles existem, é que não os há necessários: poderia o testador dispor de toda a herança; se só de uma parte dispõe,
abre-se a sucessão legítima (artigo 1.574, 2.~ parte) ; se nomeia herdeiro testamentário, sem dizer a quota, fé-lo
universal, e excluiu o& legítimos. A situação resultante do art. 1.726 não se dá a respeito dos legítimos não-
-necessários (a expressão “legítimos”, no art. 1.726, constitui grosseiro engano) : naquela regra jurídica
interpretativa, há a instituição do necessário; no caso do art. 1.574, 2.~ parte, sucessão legítima.
Do art. 1.725, isto é, quando não há herdeiros necessários, conclui-se: a) que a instituição do herdeiro universal
afasta a sucessão legítima; b) que, se a instituição é em frações cuja soma seja a unidade, não há sucessão legítima;
c) também não a haverá se o testador distribuir tôda a herança em legados, ou se nomear herdeiro de parte da
herança e ordenar legados de todo o resto, ou nomear legatário e distribuir tôda a herança em encargos e
recomendações.
Ao herdeiro legítimo excluído (a deserdação só concerne aos necessários) fica o direito: a) às ações de nulidade de
testamento; b) às ações e pedidos concernentes as incapacidades passivas de sucessão ou ilicitude das deixas.
CAPÍTULO XV
1.DISPOSIÇÃO EM PARTE. Diz o Código Civil, artigo 1.726: “Quando o testador só em parte dispuser da sua
metade disponível, entender-se-á que instituiu os herdeiros legítimos no remanescente”.
2.DRWITo ROMANO. No direito romano havia a regra Nemo pro parte testatus pro parte intestatus decedere
potest. Explicava-se de maneiras diferentes: a) consequência da incindibilidade da personalidade patrimonial do
defunto, da unidade da hereditas, pois seria contraditório representar o defunto e só ser nomeado em parte do
patrimônio; b) proteção dos interêsses dos credores; e) incompossibilidade da sucessão agnatícia e da sucessão do
quasi sutis; d) consequência da duplicidade judicial, concernente a duas vocações; e) simples interpretação literal
do versículo si intestato moritur das XII Tábuas.
(VITTORIO SCL4LOJA, Diritto Romano, Concetti fondaanentati, 30, lia de modo original o texto romano:
“quem fêz testamento não é intestado”. Mas sem razão (cp. PIlETRO BONFANTE, Istituzioni di Diritto romano,
5•a ed., 523, e ANTONIO SUMAN, “Favor testamenti” e “voitinto.s testantium”, 20.)
Tão persuadidos estavam os legisladores romanos da visceral incompatibilidade, que si unum tantum quis ex
semisse verbi gratia h,eredem scripserit, totus as in semisse ent (§ 5, 1., de heredibus instituendis, 2, 14). Cf. L. 13,
§ 3, e L. 79, § 1, D., de heredifrus instituendis, 28, 5). Para tal solução que dá o todo quando só se deu parte, várias
explicações foram tentadas:
a)Invocaram J. F. DWORZAX, C. NEUNER e OrrO LENEL (Zur Geschichte der heredis institutio, Essavs in
Legal History, 128) a presumida vontade do testador.
b) F. HOFMANN (Kritisck-e Studien im rãmisehen Rechte, 113) combateu tal fundamento: quem só testou 1/12
não havia de querer que se estendesse o direito do herdeiro escolhido aos outros 11/12; mais óbvio fôra declarar
nulo o testamento. A solução romana só se explica como favor testamenti
(F. HOFMANN, Kritische Studien im rbmisc/ten Rechte, 128; ANTONIO SUMAN, “Favor testamenti” e
“voluntas testan,tium”, 22).
Mas nem uma, nem outra explicação, nos parece, no todo, verdadeira. Não vemos textos que justifiquem o favor
testa-menti como razão de decidir na espécie. Admitimos, até, que a neutralidade com que se operou a solução
romana contradiz tal fundamento: a mente romana para chegar à convalidação do todo não precisava de ir buscar~
o favor testamenti.
c)Mais certo (ainda assim, só em parte) nos parece o esclarecimento de Oro KALRLOWA (Rdmische
Rechtsgeschichte, II, 846) : o elemento primário é a nomeaÇâ~o; a quota, elemento relativo, secundário. Entre as
duas explicações, parece hesitar CARLO FADUA (Coneetti fondamentali dei Diritto eredttario romano, 1, 339).
Para preferir a de OTTO KARLOWA, ocorre-nos lembrar que, sendo muitos os instituidos, a parte não testada se
devolvia aos instituidos, na proporção do que se lhes deixara escrito (L. 13, § 2, e L. 13, § 3, D., de heredibus
instituendis, 28, E). Há a expressão potest ate inris (§ 2) que pode ser trazida à balha (e o foi, ANTONIO SUMAN,
“Favor testamenti” e “voluntas testantium”, 23, nota) como argumento contrário, mas não vemos em tal poder de
direito fôrça superior à vonsztzva,o fundamento menos próximo, é certo não deixa o testador. ANTONIO
SUMAN parecia somente ver vontade do testador onde cabe interpretação. Ora, onde a lei é diapode ser volitivo.
A nossa opinião é a da dispositividade do § 5, heredibus instituendis, 2, 14. (Mas regra jurídica dispo-não exclui
presunção de vontade como fundamento: a das regras jurídicas dispositivas têm, exatamente, origem voluntarística.
Regra jurídica dispositiva é precisamente a que nasceu de um quod plerumque fit, ou de uma vontade, raramente de
dado histórico puro, e estatui, por isso. dispositiva, não imperativamente. No tempo atual, potestate iuris; no
passado laborativo, pela fôrça do querer presumido.)
d)A nossa opinião é mais sociológica. Nem se cogita de presunção do querer quanto ao resíduo, menos ainda, o que
seria absurdo, quanto ao que o testador deixou aos herdeiros legítimos, inoperantemente; nem de favor testarn,enti.
A própria explicação de OTTO KARLOWA, cuja felicidade reconhecemos, não é completa. Com o sutil do seu
estilo, a que tantas luzes, após F. C. voN SAvrnNy, TH. MOMMSEN e RUDOLF vON JIIERING, se devem,
caracterizou êle: o elemento primário é a instituição, a determinação sôbre o subjetivo da herança, o jus
successianis, ao passo que a distribuição da hereditas objetiva é o elemento secundário. A falta dêsse não poderia,
sem absurdo, prejudicar aqueles.
Para o legislador romano, a atuação não a preferência, que supôe hesitação tinha de ser pela sucessão
testamentária. Portanto: não pelo favor testamenti; mas pela fôrça da estrutura da mentalidade romana. A solução
do toda, se só instituía parte, impunha-se como que mecânicamente. Assistir-se-á, com a concepção justinianéia, ao
decair da regra jurídica.
3.Um ANTERIOR. Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 83, § 8, e Título 86, pr., ainda se recorria ao sistema
romano do “ninguém pode morrer parte testado e parte intestado”. Nesse sentido, os praxistas. Com a reforma
Josefina (Leis de 18 de agOsto de 1769 e 9 de setembro), a regra jurídica cedeu ao favor da sucessão legítima e os
juristas mudaram de opinião (PASCOAL JosÉ DE MmÃo FREIRE, Iizstitutiones luris Civilis Lusitani, Livro III,
Título V, § 29; M. A. COELHO DA ROCHA, Instituições de Direito Civil português, § 693; Código Civil
austríaco, § 556).
4.PROJETOS BRASILEIROS. FELICIO DOS SANTOS, artigo 1.677, concebia a passagem do resíduo como
acrescimento aos herdeiros necessários: “se não dispuser da sua têrça, ou dela não dispuser na sua totalidade, os
herdeiros legitimários a acumulam aos seus quinhões, ou o que restar dela, segundo as regras da sucessão
legítima”. Consciente, ou não, do que esCrevia, COELHO RODRIGUES, art. 2.507, concebeu de modo diverso a
vocação do resíduo: “Se o testador, que tem herdeiros necessários, dispõe somente da sua meação ou de parte dela,
entende-se que os instituiu no resto; se, porém, dispõe de mais, tôdas as disposições são redutíveis no excesso da
meação”. Nenhuma idéia de acrescimento; só de instituição estabelecida pelo artigo da lei, de natureza
interpretativa.
6. PRESSUPOSTOS DO SUPORTE FÂCTICO. Para que se aplique a regra jurídica do art. 1.726, é preciso que
concorram os seguintes elementos:
a)Existência de herdeiros necessários, porque, se não os há, não existe ‘metade disponível: disponível é o todo, e o
caso se resolve quanto aos bens não compreendidos no testamento pela devolução, ex lege, aos herdeiros
legítimos. Aqui se evidencia a diferença entre a regra jurídica do artigo 1.574 e a do art. 1.726.
b) O testador só dispôs de parte da metade testável (ou, se morreu com testamento, de nada dispôs). Se dispôs de
tôda a metade, o que quer que sobre não passa aos herdeiros necessários. Dar-se-á direito de acrescer ou algum dos
fenômenos do direito das coisas. Se morreu com testamento e nada dispôs quanto à metade disponível, aplica-se o
art. 1.726.
c) Ao tempo da morte existem os herdeiros necessários. Se não os houver mais, o resto da herança irá aos
legítimos,. conforme o art. 1.574. Em todo o caso, como se trata de instituição presumida, a vontade do testador
pode intervir como guiadora de outra solução. Exemplo: a verba “deixo a casa r a B, executará meu testamento A
único herdeiro necessário, na sua falta a mulher dêle, ainda que não tenha filhos”. A!. essa mulher está numa
substituição, aparentemente de testamenteiro, possivelmente de herdeira. Vivo A, receberá a quota necessária e o
resíduo. Morto A, a interpretação dirá se a mulher sobrevivente herda como instituída do todo, excluída assim a
aplicação do art. 1.574, ou só o resíduo da metade então disponível, ou tudo, irá aos herdeiros legítimos, sendo a
mulher simples testamenteira.
d) A existência de resíduo.
7. CONSEQUÊNCIAS DA REGRA JURÍDICA. Examinaremos dois casos que foram decididos no Juízo da
Provedoria do então Distrito Federal, em 1920.
a) Testador falecido depois do Código Civil, com testamento anterior a êsse, só dispôs da têrça parte da herança. A
lei do tempo da morte já lhe permitia dispor da metade. Quanto aos quinhões não há dúvida, só se cumpre a têrça;
mas o demais, o residuário, a diferença entre a legitima e a disposição, vai aos herdeiros legítimos, por fôrça do art.
1.676, responsável, por sua natureza dúplice, de muitas dúvidas na execução dos testamentos. Chamam-se vintena
os cinco por cento do testamenteiro.
Marcada a vintena, discute-se: ~ é sôbre a têrça disposta, ou sôbre a metade disponível, de que só em parte se
dispôs?
Figurou-se caso de direito intertemporal, mas no direito unitemporal a situação e a questão seriam as mesmas,
quando o testador podendo dispor da metade só dispõe de parte dela. Portanto, com ou sem conflito de lei no
tempo, tudo depende do caráter do art. 1.726.
Nesse problema da vintena, uns querem que incida sôbre a metade disponivel, de que, ex hypothesi, sé em parte se
dispôs, outros (Inventário n. 47, Provedoria do Distrito Federal, 1927, Parecer de 12 de fevereiro de 193~O), que a
herança do artigo 1.726 seja legítima: “O testador faleceu em 1925, e não modificou o seu testamento, o que nos
induz a interpretar que desejava que a legítima fôsse constituída de 2/3, e a parte disponível 1/2. Assim, a vintena
só terá de sair de 1/3. Porque o testador não dispôs da metade. Se os legados excedessem essa têrça parte, teriam de
ser rateados. Semente dentro dessa têrça, êle poderia acomodar os seus legados, porque foi o que ficou como parte
disponível. A lei fiscal, parece que não influi para o argumento. ~ Pode o testador declarar que a legítima seja
dentro de 3/4 partes de seus bens? Pode, O que não pode é dizer que o seja dentro de 1 4, porque fere a lei civil das
sucessões. Ora, a lei permite que êle tivesse modificado o seu
testamento. Não o fêz. Deixou dentro do regime anterior ao Código. Parece que assim quis que ficasse”.
~O restante vai à sucessão legítima, ou o recebe o herdeiro legítimo, ex testamento, por fôrça do preceito
dispositivo? Noutros têrmos: quanto a êste resíduo, ~o art. 1.676 faz Eegítinut a sucessão, ou por haver testamento
ex testamento?
No sistema do Código Civil, o art. 1.672 constitui aplicação do art. 1.574, é regra de sucessão legítima, os seus
têrmos afastam qualquer argumento tirado da sua colocação no título do Código Civil relativo a sucessão
testamentária. Quanto ao art. 1.726, não: tudo nêle mostra tratar-se de matéria testamentária. Do fato de haver a
passagem necessária a herdeiros legítimos, tirou o legislador que os bens não compreendidos nessa parte, nem nas
disposições~ foram deixados, tàcitamente, aos herdeiros forçados, que, aqui, os recebem ex testamento. No art.
1.673 diz-se: “o remanescente pertencerá aos herdeiros legítimos”; no art. 1.726, “entender-se-á que instituiu”. É
sensível a diferença.
Portanto, a vintena tem de ser deduzida sôbre tôda a parte disponível, e não sôbre o só disposto explicitamente.
Não se daria o mesmo no caso de testamento que se anulasse: a herança iria, por sucessão legítima, aos herdeiros
necessários.
b) O testador gravou a herança com a cláusula de inalienabilidade. Pergunta-se: agravou a quota necessária, tão
-somente, a porção indisponível, mas, por lei, gravável (artigo 1.723), ou tudo que herdarem os filhos?
O quoci plerum que fit é o não se gravar a quota necessária, sem se gravar o resto. Se Aquilo de que não podia
dispor impôs inalienabilidade ou outra restrição de poder, usando da autorização excepcional do art. 1.723, com
maioria de razão havia de impor ao mais.
A respeito apareceram duas opiniões: a) Os herdeiros necessários recebem a parte disponível, art. 1.726, ou o
residual, com as mesmas cláusulas da quota: seria espécie de acessório, que seguiria o principal. Algo se juntou. b)
O que os herdeiros necessários recebem a mais, por fôrça do artigo 1.726, é ex testamento; e a diferença de titulo
não suporta a natureza de acessório e principal. A cada um a sua sorte.
A regra é que a quota necessária, sé, e não o resíduo, será gravada. Porém, nesse assunto, o que se deve procurar é a
verdadeira vontade do testador. Pode êle ter usado da expressão “legítima”, sem entrar na sutileza da lei, como tudo
que os herdeiros necessários tiverem de receber. Isso se deu no caso examinado, de modo que era de impôr-se a
gravação de todos os bens sucessão necessária e sucessão residual não por fôrça do argumento em a), mas como
direta consequência da vontade do testador, que é lez privata.
1. FONTES. No direito romano, ou se testava de tôda a herança, ou não se testava: Nemo pra parte tes tatus, pra
parte intestatus decedere potest. Já vimos que o direito moderno refugou tal raciocínio. Se o testador só dispôs de
parte da herança disponível, dá-se no resto a sucessão legitima (Código Civil, arts. 1.574, 2.~ parte, e 1.673). Se
tinha herdeiros necessários, entende-se que os instituiu no que sobrar (artigo 1.726, interpretativo). Se o testador
quis excluir os herdeiros legítimos, se bem que a soma das frações deixadas não alcance abranger a herança, a
sucessão legítima não se dá (os artigos 1.574, 2~a parte, e 1.673, são dispositivos, e não cogentes) e partir-se-á pelos
nomeados na proporção do que se lhes marcou. Mas pode ocorrer que se tenha disposto de mais do que o
disponível e ter-se de dar a redução.
Diz o Código Civil, art. 1.727: “As disposições, que excederem a metade disponível, reduzir-se-ão aos limites dela,
em conformidade com o disposto nos parágrafos seguintes”. No § 1.0: “Em se verificando excederem as
disposições testamentárias a porção disponível, serão proporcionalmente reduzidas as quotas do herdeiro ou
herdeiros instituidos, até onde baste, e, não bastando, também os legados, na proporção do seu valor”. No § 2.0:
“Se o testador, prevenindo o caso, dispuser que se inteirem, de preferência, certos herdeiros e legatários, a redução
far-se-á nos outros quinhões ou legados, observando-se, a seu respeito, a ordem estabelecida no parágrafo
anterior”.
2. REGRAS JURÍDICAS SOBRE testador A lei prevê dois casos: a) O testador não deu preferência a nenhum
herdeiro ou legatário; tudo se reduz proporcionalmente: primeiro, as heranças; depois, os legados. Quer dizer: se a
herança não der para os legados, os herdeiros nada receberão e diminuir--se-ao os legados. Em concreto: se o
testador deixou em frações (ou outro modo de contagem, F. ENDEMANN, Lekrbuoh des Rurgerlichen Rechts, III,
345) e estas, ou os quinhões, excedem, serão todos reduzidos proporcionalmente. ti) O testador deu preferência a
um ou alguns. A redução faz-se nos quinhões ou legados não preferidos. Se êsses não puderem ser satisfeitos, então
se procederá à redução dos preferidos.
3. PRESSUPOSTOS DA REDUÇÀO. Para que incida o Código Civil, art. 1.727, § 1.0, isto é, para que se
reduzam proporcionalmente ao valor delas as quotas do herdeiro ou dos herdeiros instituidos, é preciso que
concorram as seguintes situações: a)que a soma do disposto exceda o disponível: se não há excesso, não é possível
cogitar-se de redução; b) que as instituições sejam em quotas (frações, percentagens) porque, se houver algum
herdeiro em porção qualitativa, o artigo 1.727, § 1.0, não se lhe aplica, e.g., “instituto A em 1/4, B em 1/4, C em
todos os moveis e os móveis são 2/a da herança; c) que não tenha havido vontade contrária do testador. ou
distribuição que valha o mesmo que um querer contrário ao art. 1.727, § 19. Mas poderá ocorrer que suceda o
oposto ao art. 1.727, § 1.0: em vez de excederem os quinhões, serem, em conjunto, inferiores ao monte, e assim: ou
o excesso toca aos herdeiros legítimos (art. 1.574) ; ou o herdeiro instituído, ou os herdeiros instituidos devem ser
os únicos (ainda que se tenha usado da distribuIção por frações, e a soma dessas fôr inferior à unidade) : então,
cada parte será aumentada proporcionalmente.
6. DISPOSITIVIDADE DAS REGRAS JURÍDICAS. As regras jurídicas que a lei consigna são meramente
dispositivas; por-tanto, nelas pode alterar o testador o que entender. A vontade dêle, e não a lei, será atendida.
7. ÊRRO DO TESTADOR. Se o testador, ao dispor, estava em êrro sôbre o objeto da herança, de modo que, se
conhecesse a circunstância, não testaria, pode ser anulada a verba da parte eivada. (Claro que o êrro sObre
existência de herdeiros necessários constitui ruptura, assunto tratado a respeito dos arts. 1.750 e 1.751; se souber e
os omitir, sem os deserdar legalmente, dar-se-á a redução, art. 1.752.) Assim, o testador diz: “A minha fortuna é de
seiscentos mil cruzeiros novos; quero que os meus dois herdeiros não tenham mais nem muito menos de 200 e por
isso instituo na têrça a D”. O testador só deixou quatrocentos mil cruzeiros novos: a deixa a O pode ser anulada
pelo erro quanto ao objeto (cf. Tu. KíP, Lehrbuch des Rilrgerlicken Rechts, ~ 8.ª parte, 148). O artigo 1.727, § 1.0,
não se aplica; tão-pouco, o § 2.0.
8. PLURALIDADE DE TESTAMENTOS. Se as frações constam de testamentos diferentes, põe-se
preliminarmente a herança. Se o fideicomissário herdasse do fiduciário, suceder-lhe-ia nas dividas; e no entanto só
pelas dívidas do testador responde o fideicomissário. Demais, não é verdade que o direito do fiduciário passe ao
fideicomissário o que se dá é que o direito do fiduciário se extingue, e êle, por isso, perde a propriedade e a posse
que recebeu; começa a atuação material do direito do fideicomissário, direito existente desde a abertura da
sucessão e, por isto, quer dizer: porque começa a atuação, a propriedade e a posse lhe cabem.
No fideicomisso, há duas. figuras, a do que recebe em primeiro lugar a herança, ou legado, que é o fiduciário, e a
do que, ao chegar o termo, ou ao realizar-se a condição, vem após aquele. A êsse chama a lei fideicomissário.
Sucessão, digamos, de dois herdeiros instituidos, ou de dois legatários: o pré-herdeiro e o pós-herdeiro. Um não
substitui o outro: porque substituir é excluir; o fideicomissário propõe-se ao fiduciário. A figura que a lei permite e
a que chama fideicomisso constitui dupla instituição no tempo, ainda que sejam dois, ou mais, os sujeitos
beneficiados em cada uma. A dupla sucessão escalada no tempo, como diz F. ENDEMANN (Lehrbuch eles
Bitrgerlichen Rechts, III, 371). O primeiro recebe a propriedade e a posse; o segundo, a vocação subseqüente. Não
herda daquele, mas do testador; porque herdeiro êle o é desde o instante da morte do hereditando.
A diferença entre o fideicomisso e a substituição vulgar é nítida: o segundo não substitui o primeiro, vem-lhe
depois; não há nenhuma regra, ou ficção,’ pela qual, ao recolher a herança, se repute tê-la recebido no dia da morte.
A lei constitui, com elementos concretos, a dupla vocação: uma, até um instante; e outra, dai em diante. O nôvo
tempo apaga o que dos atos do primeiro poderia invadir o campo temporal deixado ao segundo. O fideicomissário
não é co-herdeiro conjunto do fiduciário; daí não se lhe aplicar o art. 1.710. Se só tinha direito ao quinhão deixado
ao fiduciário e não ao que eventual-mente acrescesse, pode o fiduciário receber o acréscimo sem obrigação de
restituir (questão de interpretação).
Há dois momentos no fideicomisso: o da abertura da sucessão, e o da passagem da herança ou legado ao
fideicomissário. No primeiro, dá-se a formação da qualidade de herdeiro aos dois sujeitos e, quanto ao fiduciário, a
transmissão dos bens. Ao fideicomissário a qualidade de herdeiro cria, desde logo, a sujeição fiduciária do
instituído em primeiro lugar. Aliás, esta responsabilidade do fiduciário é o lado passivo do direito eventual do
fideicomissário (lado ativo, E. ENDEMANN, Lehrbuclt des Riirgeriiúhúfl Rechis, III, 384). O fideicomissário é
herdeiro do testador, e não do fiduciário: ambos são herdeiros. Na substituição, há duas pessoas pelo menos, mas,
para que uma, duas ou mais. sejam herdeiros (substitutos), será preciso que a outra ou as outras não o sejam.
Com o caráter de propriedade resolúvel, a visibilidade do fideicomissário, as cautelas dos livros de transferências
de imóveis, a nítida composição de dois herdeiros sucessivos, muito se apagou no fideicomisso a fiducialidade da
figura jurídica. Aliás, já em Roma o nome lembrava a feição primitiva do instituto, a fé, a lealdade da incumbência.
For isso mesmo, o cardeal S. E. DE LUCA poderia falar de ftdewornm Sumduciarium, referindo-se àquele em que
há o instituído e o fideicomissário, mas êsse à escolha ou deixado em segredo ao fiduciário (ou a outrem). Hoje, se
definirmos fideicomisso “quod per intermediam personam, sive per ministerium alterius alicui relinquitur”, como
PIRIIINO, ou “omne id quod rogatur, defuncti dari debet vel facere”, como GRAVINA (InstttuttOfles iuris Civitis,
II, 99), teremos abrangido o fideicomisso e a fidúcia, ao passo que, na terminologia do Código Civil, fideicomisso
é só a figura dos arts. 1.733-1.740.
t principio assente, por atender à própria natureza do fideicomisso, que o fideicomissário não pode exigir a
propriedade e a posse, nem só aquela, enquanto não se extingue o fideicomisso (isto é, o direito do fiduciário). O
direito do fideicomissário é direito a se inserir na relação jurídica real de propriedade e posse quando cessar o
direito do fiduciário. Há posterioridade, e não simultaneidade. Bem disse a 2•a Turma do Supremo Tribunal
Federal, a 29 de agosto de 1950 (R. F., 136, 109), que, no fideicomisso, as liberalidades São sucessivas e a
propriedade se mantém, inteira, atribuida ao fiduciário, embora restrita e resolúvel: antes da substituição, não pode
o fideicomissário reivindicar.
Se o fiduciário aliena o bem como se não houvesse o direito do fideiconiissário, tem esse as. ações para que se
estabeleça a explicitude da restrição pela resolutividade, que é intrínseca ao fideicomisso. Uma das ações é a ação
de retificação do registro de imóveis.
Nos sistemas jurídicos que não têm ou não têm em textos legais explícitos o fideicomisso, compreende-se que se
lançasse m~o da figura do usufruto, ou que se começasse com ela para se chegar à construção doutrinária (cf. E.
TROPLONG, Der Donations et Testaments, 1, 144). A jurisprudência brasileira tem advertido que, no sistema
jurídico do Brasil, é absurdo estar-se a invocar o que no estrangeiro se tem discutido e sustentado. O que pode
surgir é questão de interpretação da verba testamentária: se, iv. casu, há fideicomisso, ou se há usufruto. O que
importa é a vontade do testador, a sua intenção (cf. 1? Turma do Supremo Tribunal Federal, 9 de agosto de 1946,
R. F., 112, 6o, e ‘7 de agosto de 1952; antes, Supremo Tribunal Federal, 2 de julho de 1942, 19. da .7. de 13 de
outubro de 1942 e 25 de julho de 1943, e 3 de agosto de 1942, 1?. dos T., 146, 884; 1.a Câmara Cível do Tribunal
de Apelação de Minas Gerais, 8 de novembro de 1945, E. F., 105, 525, e 8 de fevereiro de 1942, 105, 324:
“Dispondo o testador que o beneficiado terá o usufruto e que, por sua morte, o bem passará a tais outros, não
institui usufruto, mas fideicomisso, porque no usufruto há ao mesmo tempo dois beneficiários”; 2•a Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 80 de julho de 1948, R. .1., 1, 68, l A Câmara do Tribunal de Justiça da
Paraíba, 12 de julho de 1949: “Se bem que perfeitamente definidos em doutrina os dois institutos, na prática não é
tarefa fácil distinguir se determinada disposição testamentária constitui fideicomisso ou usufruto. As dúvidas de
interpretação, porém, se atenuam com as noções geralmente aceitas para estabelecer seus caracteres essenciais de
distinção”; 13 Câmara Cível do Tribunal de Ape1ação do Rio de Janeiro, 22 de abril de 1946, R. F., 107, 515; 6.
Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 18 de abril de 1951, 1?. dos T., 192, 292).
Alguns acórdãos são evidentemente errados; e.g., o da 6•a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a ‘7
de março de 1952 (1?. dos 7’., 201, 195).
Sempre que o testador estabelece sucessividade, não há usufruto, nem substituIção vulgar (salvo se falou em “falta
do beneficiado”).No fideicomisso, há direito do fideicomissário à propriedade e à posse. O direito já existe à data
da morte do testador, quando o fiduciário já é proprietário e, de regra, já é possuidor. A propriedade e a posse do
fídeicomissúrio não decorrem da morte do fiduciário, porque o direito a propriedade e à posse já nascera com a
morte do testador e apenas se aguarda que o fiduciário as perca. Duas transmissões, numa só deixa testamentária;
porém uma, pela sucessividade, dependente da extinção do direito real do fiduciário. Cf. 6.~ Câmara Civil do
Tribuna] de Justiça de São Paulo, 18 de abril de 1951 (1?. dos 22., 192, 292> “No fideicomisso, a herança é uma
só, destinada a dois herdeiros, em períodos que se sucedem, em continuação um ao outro. Se é certo que o
fideicomissário só recebe os bens no momento em que se opera a substituição, é verdade também que a causa desse
recebimento preexiste a essa entrega efetiva, é anterior, decorrente do ato do instituidor, em que a transinissio
encontra a sua origem. A Liberalidade no fideicomisso não decorre da morte do fiduciário, mas da própria
instituição do fideicomisso, que é o ato produtor da transmissão dos bens”.
A propriedade não se fraciona; toca, por inteiro, ao fiduciário; depois, ao fideicomissário (3.~ Câmara Civil do
Tribunal de Justiça de São Paulo, 20 de setembro de 1949, 1?. dos T., 182, 834).
Se, além da cláusula de fideicomissão, o testador inseriu no testamento a cláusula de inalienabilidade por parte do
fideicomissário, isso de modo nenhum significa que o fideicomissário não possa renunciar a herança (sem razão, a
g•a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 28 de junho de 1949, R. dos T., 182, 192).
O fideiconiissârio já é, desde a abertura da sucessão, titular de direito expectativo à herança (cf. Tornos V, § 577, e
XIV, § 1.601).
13.FIDEICOMISSO E DIREITO REAL. Provas de ser real o direito do fideicomissário: a) assegura-se realmente
pela transcrição nos registros de bens (imóveis, apólices de dívida pública, ações de companhias, etc.) ; b) no caso
de alienação ‘dos bens fideicomitidos, dá-se a sub-rogação real; o) são ineficazes as alienações que o fiduciário
não poderia fazer; á) ao tempo do evento, podem ser reivindicados os bens, assim como nos casos da letra e).
Direito subjetivo, positivo, real; a sua eventualidade só concerne à entrega dos bens.
Não é simples expectativa: com a abertura da sucessão, não será possível revogá-lo, ou torná-lo ineficaz, ou
infirmá-lo,
as disposições testamentárias, que o criaram, se tornaram irrevogáveis; está assegurada, desde aí, a sua evolução até
o pleno direito (“Entwicklung zum Vollrecht”, dizem juristas alemães), precisado o seu objeto, e previstos, de
acordo com a vontade do testador, ou pelas regras dispositivas do Código Civil, os seus riscos, inclusive (o que
poderia ser invocado contra a concepção do direto subjetivo real) a sua inerdabilidade. A entrega dos bens, a
restituição, um dos efeitos do direito, pode não se dar (e.g., no caso do art. 1.738) ; mas um direito, para existir, não
depende de se lhe seguirem, ou não, as conseqüências. Noutro dominio jurídico, há fenômeno que bem mostra isso.
No direito internacional privado, quando a
-alguém cabe certo direito, a que a situação dos bens ou o exame pela justiça de introdução impede, por invocação
de ordem pública, todos ou alguns efeitos. Um direito existe por si, como direito, e não se existir a eteira dos seus
efeitos. O direito do fiduciário, normalmente, é alienável, suscetível de hipoteca.
Se o testador e o fiduciário morreram no mesmo momento tu se presumem simultaneamente mortos (art. 11), o
nomeado por fideicomissário não o é e sim pleno herdeiro. Não houve o lapso indispensável à eventualidade do seu
direito. O direito brasileiro não limita, no tempo, o fideicomisso; satisfaz-se com a restrição pelos graus (art.
1.739).
14.PASSAGEM NOS BENS FEICOMITIDOS. O segundo momento dos fideicomissos é aqueles em que os bens
passam ao fideicomissário. Em vez de titular do direito, positivo, real, é certo, mas, em todo o caso, dependente,
quanto à entrega, de acabar o direito do fiduciário, torna-se ele o herdeiro pleno; em vez de ter o direito do pós-
herdeiro passa a ter o pleno direito. Essa noção do pleno direito, em comparação com o direito eventual, é vulgar
na ciência jurídica, e reflete-se na terminologia das duplas instituições: pós-herdeiro, Nacherbe, com direito
eventual, subjetivo, Wartrecht, e pleno herdeiro, Volierbe, com o direito pleno, Vollreeht. Voilerbe é o que recebe a
herança sem pós-herdeiros, nem condições; o fiduciário, no dia em que morre o fideicomissário, cujo direito
acontece ser hereditariamente intransmissível, torna-se Voilerbe, como o fideicomissário o será no dia em que
terminar o direito do fiduciario.
É preciso que o fideicomissário, ao tempo da passagem, ainda viva? Isto não é de direito cogente. Se o testador
disse “herdeiros legítimos”, compreende-se; se fêz personalíssimo o fideicomisso, também se compreende: nos
outros casos, não. Para os últimos, cumpre distinguir: a) Fideicomissário que vivia ao tempo da abertura da
sucessão e já não vive, sendo herdável o direito dele. b) Fideicomissário que vivia ao tempo da abertura da
sucessão e já não vive, sendo inerdável o seu direito. e) Fideicomissário que já não vivia ao tempo da morte do
testador. Nos dois últimos casos, cabe a regra; no primeiro, não. Atendidas as considerações que fizemos sôbre
fideicomissos personalíssimos e não personalíssimos, o que decide de tudo isto é a interpretação. Tanto mais
quanto (caso e), em vez da herdabilidade do direito eventual, questão que se desenrola, na herança do
fideiconiissário, a respeito da natureza. do seu direito, pode surgir, e não raro surge, a da substituição dele,
problema que concerne, na herança do testador, ao teor da verba da segunda instituição. d) Sendo possível, como é,
a substituição de pessoas nomeadas fideicomissários aos casos em que ainda n& vivem, a respeito delas não cabe a
regra. – O fideicomissário pode ser prole eventual do fiduciário, ou de outrem. Poder ser quem apenas está
concebido. Não se pode, porém, generalizar a ponto de se dizer, como fêz a 43 Câmara Civil do Tribunal de Justiça
de São Paulo, a 20 de novembro de 1947 (1?. dos T., 172, 119), que “não obsta ao fideicomisso a inexistencia do
fideicomissário ao tempo da morte do testador, pois que êle deve já existir por ocasião da morte do fiduciário
2.FIDEICOMISSOS ELETIVOS. ~ Pode o testador instituir herdeiro ou nomear legatário, ordenando-lhe que, em
vida ou por morte, passem os bens a pessoa da família que o fiduciário escolher? No direito anterior, havia tais
fideicomissos (MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, Notas de Uso prático e criticas, III, 435). Não vemos
dificuldade em concebê-los juridicamente, no direito de hoje. A primeira instituição ou nomeação é perfeitamente
válida quanto ao sujeito e quanto ao objeto. A segunda poderá enquadrar-se nos arts. 1.668, 1, ou 1.718, a cujos
comentários nos reportamos, O art. 1.668, 1. permite que se disponha a favor de pessoa incerta que deva ser
determinada por terceiro dentre duas ou mais pessoas pertencentes a uma família. “Deixo a A o prédio x”, dirá o
testador, “e A, daqui a dez anos (ou por testamento), pagará a um dos filhos de E, à sua escolha”. Vale a disposição:
contém verba do art. 1.788 combinado com o art. 1.668, 1. Poderá diminuir a liberdade de escolha e acrescentar:
“ao filho de E que, a seu critério, mais merecer”; ou, mais restrita a eleição, “ao que, pelos estudos, mais se tenha
distinguido”. Se o testador dispôs que passaria “a um dos filhos de E, que A escolher, se E os tiver”, também vale:
dá-se o fideicomisso associado ao art. 1.668, 1, e à figura do art. 1.718, cuja natureza já estudamos.
O fideicomisso eletivo, para valer, não precisa ser de escolha de membros da família; pode também referir-se a
prole eventual de qualquer pessoa designada e existente ao abrir-se a sucessão (art. 1.718) ; a duas ou mais pessoas
mencionadas pelo testador (art. 1.668, 1, pr.) ; a duas ou mais pessoas pertencentes a estabelecimento designado
pelo testa dor (art. 1.668, 1, in fine) ; a pobres. “Deixo o prédio x a A, passando por morte dele aos pobres dos
estabelecimentos (ou lugar) que A em testamento designar”.
8.FIDEICOMISSOS CONSTRUTIVOS. A vontade do testador é que pode fazer o fideicomisso. Porém, em certos
casos, surge o fideicomisso construtivo. Neste, o intérprete da disposição testamentária lança mão da figura de um
pré-herdeiro, ou de um pós-herdeiro, vale dizer, na linguagem da lei, de um fiduciário, ou de um fideicomissário,
como beneficiário auxiliar, herdeiro prestimoso, que exsurge para a função da construtividade interpretativa. É o
“Aushúlfeerbe” de E. ENDEMANN (Lehrbuch des Burgerlichen Rechts, III, 377). Não é pré-sucessão, ou pós-
sucessão, sem ou contra a vontade do testador, porque, se a vontade dele faltou para o criar (talvez devido a sua
ignorância do direito, ou a confusão de sistemas jurídicos, vulgar nos estrangeiros naturalizados), existiu para
querer o resultado. É justamente em atenção ao fim a que êle quis chegar que o juiz compõe, com os dados
volitivos que encontra, ou segundo a conveniência ditada, objetivamente, pelo fim querido, a figura indispensável à
plena eficácia da verba. O art. 1.666 estaria sacrificado se tal caminho não tomasse o julgador. Se analisarmos o
proceder a que aludimos, veremos que se fixaram os olhos no resultado querido pelo testador e encheu-se, com o
elemento jurídico contido nas leis, o necessário às conseqüências desejadas. Procedeu-se no interpretar como se
quisesse os meios alquile indivíduo que quis os fins. Na espécie, sendo legais esses meios, sendo juridicamente
possíveis e adequados ao resultado querido, a construção não incide na condenação do brocardo “os fins justificam
os meios” (ex hypothesi, os meios são legais), nem incorre na censura de ser sem ou contra a vontade do testador.
Sem a vontade, ou contra vontade dele, seria quererem-se resultados diferentes, ou não se atender à disposição por
se ter querido o fim sem se ter querido o meio. Diz E. ENDEMANN (Lehrbuch des lihirgerlichen .Rechts, III,
877). Se a sucessividade de herdeiros repugnaria ao testador e de modo nenhum pensou nela, então tudo muda: ou
vale a instituição de herdeiro, ou legado, que se extrai das palavras, ou não vale e cessa o dever que aos juizes dá o
art. 1.666.
Vamos aos exemplos: a) “Deixo 100.000 cruzeiros novos a E aos 80 anos”. Seria uma disposição nula, porque
violaria o preceito que veda heranças sem herdeiros; se reputarmos nulo o termo suspensivo, está ferida a vontade
do testador, que deve ter tido razões para querer e, com o quer que seja, quis que E só aos 30 anos recebesse. Mas
há a regra de interpretação do art. 1.666: o juiz construirá como se o herdeiro legítimo ou testamentário, ou, talvez,
o testamenteiro, fosse o fiduciário. b) “Deixo a E até a sua morte”. Entre a violação e o respeito do querer do
testador, a atitude do juiz somente pode ser a de salvar a verba testamentária: construi-la-á como se o
fideicomissário fosse o herdeiro legítimo ou testamentário. No primeiro caso, ergueu-se, auxiliarmente, o fiduciário
construído; no segundo, o fideicomissário construído.
Não cabe cogitar-se de fideicomissário construtivo quando, antes da abertura da sucessão, morrer o beneficiado até
certo tempo. Nem de fiduciário, quando morreu, antes da abertura da sucessão, o beneficiado a partir de certo
tempo (cp. Orrn WARNEYER, Kommentar, II, 1188).
Cumpre notar o seguinte: a) na construção dos fideicomissários (“deixo x a B até 1940”, verba na qual E é
fiduciário, e fideicomissários os herdeiros legítimos), a Fazenda não é herdeiro legítimo, e, se não há herdeiros,
herda E o pleno direito, considerando-se não escrita a restrição; b) na construção do fiduciário: “deixo x a 13 a
partir do ano de 1980 ou se acontecer tal fato”, B é fideicomissário, e fiduciários os herdeiros legítimos, inclusive a
Fazenda; porque, aqui, ficara sem dono a herança, contra o propósito da lei (artigos
1.665 e 1.666).
Claro que isso tudo só ocorre no caso de nenhum outro elemento interpretativo que denuncie qual tenha sido a
vontade do testador. Aí, a lei não coage, não exerce pressão, auxilia, ampara. Quase sempre há dados volitivos de
que se induza ter sido indicado o testamenteiro ou algum outro legatário.
2.SITUAÇÃO JURÍDICA DO FIDEICOMISSARIO. Herdeiro do testador, tem a sua qualidade e o seu direito
desde a abertura da sucessão; falta-lhe a entrega dos bens, que depende do têrmo ou da condição. Nos
fideicomissos não personalíssimos, o fideicomissário pode alienar o seu direito. A despeito de longa discussão foi a
isso que chegou a praxe alemã, contra a grande corrente da doutrina (PAUL MEYER, Das Erbrecht des 13GB., §
45; F. HERZFELDER, Erbrecht, J. v. Staudingers Kommcntar, V, 515; E. KRETZSCHMAR, Das Erbrecht des
deutschen 5GB., 2,a ed., § 85, 202 5.; F. LEONHARD, em GEORO FROMMHOLD, Kommentar zum 13GB., nota
1, C, ao § 2.108). Vitorioso foi E. ENDEMANN (Lehrbuch des Biirgerlichen Rechts, III, 460) ; e com tôda a razão:
trata-se de direito, e não de expectativa. Direito que tem seus riscos, mas direito.
O fideicomisso, deixado a um dos cônjuges, e não recebido na constância da sociedade conjugal, não se comunica;
porque a propriedade está com o fiduciário.
O direito do fideicomissário é suscetível de garantir, de modo real, dividas (isto é, ser objeto de direito real de
garantia), e de ser penhorado. É empenhável e penhorável (E. SCHLECELBERGELI, Seu fferts Rldtter, 78, 1;
OTTo WARNEmR, Kommentar, II, 1186; contra: DU CHESNE, Seufferts BlÉttter, 75, 235).
Nada obsta a que se inscreva a hipoteca (arts. 831 s.) dc direito do fideicomissário de bens imóveis (OTTo
WARNEYEE, Kommentar, II, 1186) : se, nos casos de não hereditariedade do direito do fideicomissário, êsse
morre, perece o objeto da garantia real. O direito do fideicomissário não é desmembrado da propriedade, como o
uso, a habitação, o usufruto; é um direito positivo, que dá ao fideicomissário todos os atos e os direitos relativos ao
registo de imóveis ou as medidas concernentes ao acautelamento dos móveis. A transcrição, que se faz, deve conter
tôda a verba; se essa é suscetível de várias interpretações e já se deu alguma, que tenha passado em julgado, devem
ser transcritas a verba e a interpretação dada.
8.O FIDEICOMISSO QUANTO Às RELAÇÕES ENTRE OS DOIS HERDEIROS SUCESSIVOS. Quase todo o
problema do fideicomisso se resume no saber-se qual a situação jurídica entre o fiduciário e o fideicomissário
durante a duração da fiduciariedade. A lei procurou a linha intermédia (E. ENDEMANN, Lehrbuch des
Búrgerlicken Rechts, III, ~893) e fêz a ambos herdeiros do testador. Nem o fideicomissário é simples usufrutuário,
uma de cujas consequências é não se lhe aplicar o art. 741, nem, tão-pouco, aquelas figuras, a que já nos referimos,
do purus minister, do nudus minister, simples canal de transmissão dos bens, carreta subjetiva de herança alheia.
Duas espécies principais de fiduciários podem-se apontar:
a)O normal, ou limitado, que é aquele que resulta da aplicação das regras dispositivas da lei (arts. 1.734-1.738):
propriedade resolúvel e restrita da herança; obrigação de proceder a inventário dos bens fideicomitidos; pleno
direito, se o fideicomissário recusa a herança ou legado; consolidação da propriedade no caso de o fideicomissário
morrer antes do • fiduciário, quando fideicomisso a têrmo de morte do fiduciário ou condicional.
Também o fiduciário limitado ou normal é verdadeiro herdeiro e senhor da herança. A êle vão os bens ipso jure,
como a qualquer outro herdeiro (art. 1.572). Tem saisina. Pode ter encargos a cumprir, como qualquer herdeiro. Se
há co-herdeiros nas circunstâncias dos arts. 1.710-1.712, recebe por acrescimento. A quota, a que se refere o art.
1.715, fica com êle, nos casos em que ficaria com qualquer outro herdeiro.
Como quer que seja, a posse fica com o fiduciário. Tocam-lhe os direitos e os deveres resultantes da usufruição dos
bens sujeitos ao fideicomisso. Quanto a dividas da herança, a situação dêle é igual a dos herdeiros com direito
pleno.
Será herdeiro de direito pleno: a) se o fideicomissário é incapaz ou morreu antes do testador; b) se o
fideicomissário recusa a herança (art. 1.785) ou é julgado indigno; o) se, nos casos do art. 1.738, o fideicomissário
morre depois do testador e antes dêle; d) se prescrever o direito hereditário do fideicomissário. Tudo isso quanto ao
fiduciário normal. Porém os arts. 1.734-1.788 são dispositivos, donde a possibilidade de variantes sutis da figura.
Cada artigo, mediante contrária ou diferente vontade do testador, concorre para essa multiplicidade de tipos, para
os quais, na prática, é preciso todo o cuidado dos interessados, advogados e juizes.
Quanto a fruição da propriedade fideicomitida, por ser herdeiro limitado e não pleno herdeiro, deve o fiduciário tê-
la como própria, usá-la e frui-la, mas sem lhe prejudicar a substância. Nesse ponto, a sua situação é quase idêntica
à do usufrutuário, à de quem quer que usasse e fruisse bem alheio
(E.ENDEMANN, Lehrbuch des Bítrgerlichen Redita, V, 896>. É preciso reter a seguinte regra: quando se constrói
um fiduciário, deve-se construir o mais próximo possível do tipo formal. (E. ENDEMÂNN, Lehrbuoh dos
Bilrgerlichen Rechis, III, 445, entende que se há de obedecer ao normal; mas raríssimos são os casos no que êle
não advertiu de construção que possa atender ao tipo rígido. Donde termos formulado a regra como de máxima
aproximação possível, e não adoção mecânica do exemplar oriundo dos artigos dispositiVos da lei.)
b)O fiduciário anormal. O Código Civil, nos arts. 1.784- 1.738,formulou regras jurídicas dispositivas. A figura
jurídica resultante constitui o tipo normal. São regras que entram onde não há vontade do testador. Evitam o vazio:
dispõem. Se o testador diz a mesma coisa continua a ser normal a figura. Se quer o contrário, ou não quer a mesma
coisa, já os artigos 1.734-1.788, que não são ius cogens, não podem ser aplicados. Dá-se, então, a fiducialidade
anormal, quer se tenha alterado o fiduciário-modêlo, quer o fideicomissário-modêlo.
Os alemães falam de “befreiter Vorerbe” e W. HOTHORN dedicou-lhe interessante estudo. Uma vez que se não
ajustam vontade do testador e preceitos da lei, para se conhecer a “concreta figura”, será preciso saber o que o
testador quis e o que, dos artigos do Código, se lhe aplica. Há fideicomissos em que as regras legais são, quase
tôdas, se não afastadas, atenuadas, corrigidas. Em quanto o fiduciário normal é um só, podem ser assaz diferentes,
entre si, os anormais. Na Alemanha, o caso típico é o Berliner Testament. As alterações mais notáveis são as
relativas ao reforçamento dos podêres de administração, fruição e disposição pelo fiduciário, e as concernentes à
atenuação dos podêres jurídicos.
5.INTUITO PRINCIPAL DO TESTADOR. Matéria, onde a vontade do testador faz lei, muito se deve apurar
quanto à intenção dele no fideicomitir a herança ou parte dela. Um exemplo melhor dirá da importância do intuito:
“Deixo o prédio da rua x para que se sustente o meu amigo A, enfermo. no Hospital x; e quando êle morrer, passe
ao meu filho B”. Está-se a ver que o testador quis apenas prover à mantença de A, pessoa estranha. Se B premorre,
deixando filho, nada justifica que o prédio vá aos herdeiros de A, quando A morrer. Os netos do testador, filhos de
E, é que devem recolhê-lo. O art. 1.738 foi afastado pelo intuito do testador.
Diante das considerações que acima fizemos, cumpre distinguir:
a)Fideicomisso de instituições psicologicamente idênticas: o testador tem o mesmo interesse em instituir a A e a E,
de modo que não há qualquer principalidade da verba da primeira ou da segunda instituição.
b)Fideicomisso de fideicomissário principal: o testador somente quis que o fiduciário acautelasse, até certo tempo,
a herança; herdeiro êle é, mas desempenha o papel de protetor do patrimônio a ser entregue, podendo o testador
limitar os seus direitos de dispor e de usufruir. Acontece fazer-se quando o fideicomissário é pessoa dissipada ou de
pouca idade (F. ENDEMANN, Lehrbuch eles Bilrgerlichen Rechts, III, 874).
c)Fideicomisso de fiduciário principal: o testador quis beneficiar a A, fiduciário, e só quando A morrer é que os
bens irão a E. Entram nesta categoria, salvo casos excepcionais, os fideicomissos eletivos, em que ao fiduciário se
confere a escolha do fideicomissário dentre certo grupo de pessoas.
d)Fideicomisso de fiduciário principal mas personalissimo, não personalíssimo o fideicomissário. Tal o exemplo
que demos no começo.
e)Fideicomisso com fidúcia: no qual o testador deixa a fé, a lealdade do fiduciário, o segredo da designação. Rege-
se, nesta parte, pelos princípios da fidúcia.
A lei brasileira deu certa unidade ao conceito, de modo que, em qualquer dos casos acima referidos, o instituido é
verdadeiro herdeiro, como também o fideicomissário. Só em casos de fidúcia sem possível coação-proteção, é que
a segunda ir.instituícão não terá efeitos jurídicos e tocará ao domínio moral. Aliás, vejo-lhe, salvo nulidade (o que é
outra questão), todos os caracteres da obrigação natural, impedindo a repetição por pagamento indevido. Mas a
unicidade conceptual da lei não obsta, por força de serem dispositivos os arts. 1.734-1.788, a que o disponente
limite os podêres e direitos do fiduciário. limitação que pode confinar com a da função da testamentaria, ou
acentuar-se, até chegar a reduzi-lo a simples testamenteiro
ou administrador temporário do patrimônio. Já então terá escapado à categoria do fideicomisso: “deixo a E os
prédios ~ e g, que até os seus 21 anos serão administrados por A, que fará seus os alugueres do prédio x e com os
do outro pagará o colégio de E e conservará os dois prédios”. Mas, se disse “deixo a A até 1980, quando passará a
E, não podendo ser alienado, gravado de dívida ou penhorado o dito prédio, inclusive a metade das rendas, pois que
a destino à conservação”, há fideicomisso de fideicomissário principal, no qual se reforça a segurança do
fideicomissário (F. ENDEMANN, Lehrbuch eles Biirgerlichen Reehts, III, 375, que lhe chama de “pré-herdeiro
usual e limitado”), figura assaz encontrada no Brasil.
Na diminuição dos poderes do fiduciário, o testador poderá ir até o ponto de só lhe deixar a qualidade de herdeiro
ou legatário com a propriedade e a posse. Quanto a êle, as cláusulas do art. 1.723 são perfeitamente possíveis, e
ainda nutras o são, porque se trata de herdeiro testamentário. As cláusulas existentes em direito só precisam de
permissão especial quando aplicadas a quinhões necessários, de regra inatingiveis pelo querer do testador.
7.FORMA DOS FIDEICOMISSOS. ‘ Não há fórmulas para. que delas se induza tratar-se de fideicomisso, ou não,
ou de fideicomisso, universal, particular, sob condição, ou a termo; bastam quaisquer elementos que demonstrem a
vontade do testador. O que é necessário é que constem do testamento. As regras de interpretação que estudamos
sob o art. 1.666 são -lhes inteiramente aplicáveis.
9.BEM FEICOMITIDO. A instituição do fideicomissário pode ser para toda a herança, parte dela, ou bem que nela
exista. Nada impede que ao herdeiro ou legatário imponha o testador o fideicomisso de coisa pertencente ao
herdeiro ou legatário (art. 1.679), e valerá em parte, se só em parte pertencer ao onerado (art. 1.680).
Na dúvida, o fideicomisso é de toda a herança recebida pelo fiduciário, inclusive daquilo que lhe acrescer (arts.
1.710 e 1.712, 1.714 e 1.716) do que ficar, na qualidade de herdeiro ou legatário, no caso do art. 1.715, ou for ao
herdeiro em virtude da sucesstío legitima (arts. 1.678, 1.574 e 1.718) ou da sucessão testamentária especifica do
art. 1.726. Tal a lição de TH. Kn’r (Lehrbuch eles Bitrgerliehen Rechts, II, 8, 808).
É possível o fideicomisso: a) de títulos de crédito, ainda ao portador, devendo ser depositado, ou não (quando não
for exigível o depósito, é obrigado à caução o fiduciário, salvo ressalva do testador); ti) de dinheiro; e) de usufruto
(“usufruirá A até 1980, depois E”; ou “A até a morte, depois E”) el) de bens futuros; e) de rendas a serem
capitalizadas (“com os rendimentos constituir-se-á o patrimônio x, de que será fiduciário A e fideicomissário E”: A
receberá as rendas das rendas) ; f) de divida do terceiro ou do fideicomissário; g) de divida do fiduciário.
~ Pode haver fideicomisso só de usufruto? Contra isso, TEIXEIRA D’ABREU (Das substituições fideicomissárias,
79 s.> e LOPES PRAÇA (Lições litografadas de Direito civil, 216) ; a favor, invocando o revogado Código Civil
português, JOSÉ TAVARES (Sucessões, 1, 468 s.) : “‘o objeto dos fideicomissos, segundo a disposição expressa do
art. 1.866, é a herança ou o legado; e tanto a herança como o legado podem ser deixados em propriedade plena, ou
só em usufruto, ou só em propriedade”. Adiante, acrescenta: “se o testador deixa um legado de usufruto, com a
disposição de que, por morte do usufrutuário, o usufruto passará para outra pessoa, que não seja o proprietário,
temos aqui uma verdadeira substituição fideicomissária de legado, nos termos expressos do art. 1.866”. Aliás, a
verdadeira conciliação que se adotou foi a de lê-los como se dissessem: O usufruto testamentário vitalício e
sucessivo é vedado; salvo a favor de pessoas existentes ao tempo em que se torna efetivo o direito do primeiro
usufrutuário. Vedado, note-se bem, em Portugal, e não, como quis enxertar CLÓVIS BEVILÁQUA, flO Brasil. O
interesse prático da questão, em portugal, seria o de conciliar os arts. 1.870, 2.199 e 2.250. No Brasil, fideicomisso
de usufruto e usufrutos sucessivos dariam no mesmo? Se f ideicomisso de usufruto, o objeto da fidúcia (usufruto)
obrigaria a tais restrições, que ficaria sem sentido a diferença. Fideicomissos de domínios úteis, compreende-se
facilmente; de concessões (com caráter real), também. Mas de usufruto, de uso e habitação, seriam, apenas,
introdução da fides nas relações entre os dois usufrutuários, obrigado o primeiro a inventariar e dar caução ao
segundo (art. 1.784, parágrafo único), além do inventário, que faz, e da caução, que, como usufrutuário, presta ao
proprietário dos bens. Tudo aconselha a evitar figura tão híbrida.
No Código Civil português de 1966, os arts. 2.286-2.296 não se referem a domínio, nem, sequer, a propriedade
estrito senso, de modo que o fideicomisso pode ser de qualquer bem.
15.DESTINO DOS BENS, NO CASO DE MORRER O FIDUCIARIO ANTES DO TERMO ‘OU CONDIÇÃO.
Aqui, o fiduciário recolheu a herança e a mantém, mas, antes de dever entregá-la, morre. Jode o fideicomissário
pedi-la? preliminarmente, se o testador quis que só aos 80 anos se entregasse o bem ao fideicomissario , ou se
formar em direito, não se pode cogitar de entrega cuja condenação ressalta ex voluntate. Ou os bens ficarão com os
herdeiros do fiduciário, ou com o testamenteiro; só o testamento poderá decidir, presumindo-se que o testador
tenha querido que fique com os herdeiros do fiduciário. Se o termo ou condição só se referia ao interesse do
fiduciário que, com a morte, desaparece, a situação é diferente: presume-se que O testador quis a passagem, desde
logo, ao fideicomissário. Assim, se o testador disse: “A progride, para a sua melhora deixo-lhe o prédio em que tem
a loja e, daqui a dez anos, entrega-lo-á a meu filho”, morrendo A, antes dos dez anos> o filho tem direito a pedi-lo
desde logo.
Se o fideicomisso é associado à substituição do fiduciário a favor do estranho, o fideicomissário não pode, pelo
fato de ter falecido antes do testador o fiduciário, pedir, desde logo, os bens. Do mesmo modo se houve recusa, ou
indignidade, ou incapacidade do instituído.
O fideicomisso, em que, morto o fiduciário antes do termo ou condição, os bens ficam com o herdeiro do
fiduciário, não constitui fideicomisso proibido, porque não há duas classes de fideicomissários (os três graus), mas
uma só classe, sendo hereditária a fidúcia.
1.ESPÉCIE DE PROPRIEDADE. Diz o Código Civil, artigo 1.784: “O fiduciário tem a propriedade da herança ou
legado, mas restrita e resolúvel”. E no parágrafo único: “É obrigado, porém, a proceder ao inventário dos bens
gravados, e, se lho exigir o fideicomissário, a prestar caução de restituilos”.
O substituto põe-se no lugar que teria sido o do substituído. O substituído não foi nem é herdeiro ou legatário; o
substituto, sim. Daí, a propriedade da expressão “substituição”. Há herdeiro ou legatário, que, na falta de quem
poderia ter sido, se fêz tal. É o Ersatzerbe do direito alemão. Não se passa o mesmo com o fideicomisso, no qual
fiduciário e fideicomissário, Nacherbe, herdeiro sucessivo, são herdeiros. Podem ser legatários. O que caracteriza a
figura é a duplicidade de instituidos, sem qualquer substituição, em sentido próprio. O que os separa é o tempo, o
que faz sucessivo o fideicomissário.
No fideicomisso, há dupla vocação testamentária, sem se afastar a possível pluralidade de fideicomissários
(“nomeio fiduciário E fideicomissários C e D”), ou de fiduciários (“nomeio fiduciários E e C e fideicomissário
D”), ou de fiduciários e de fideicomissários (“nomeio fiduciários E e C e fideicomissários D e E”). O que se veda é
a sucessividade entre fideicomissários, porque isso faria o fideicomisso ser de grau proibido.
2.O QUE É IMPERATIVO NO ART. 1.734. O fideicomisso deriva da vontade expressa e completa do testador ou
de regra dispositiva da lei que lhe complete o querer. O art. 1.734 é parcialmente dispositivo; quer dizer, alguma
coisa, nele, pode dispensar o testador. Já vimos que a inalienabilidade dos bens
juridicamente possível quanto a herdeiros plenos também o é quanto aos fiduciários e fideicomissários: são
herdeiros, como os outros; apenas a incidência nos bens se divide em camadas de tempo (até x e a partir de x; até
em quanto y não acontece e desde que ~ aconteça). Também as restrições de poder consistentes em não hipotecar,
impenhorabilidade, incomunicabilidade, livre administração pelo cônjuge são inteiramente permitidas ao testador.
Restam os poderes de usar. fruir, e administrar.
8. PODER DE ALIENAÇÃO. O testador pode tirar ao fiduciário parte ou todo o poder de alienação, de hipoteca,
nomear testamenteiro que administre os bens até a entrega ao fideicomissário. O que se não pode vedar é a
utilidade da coisa ou da herança, porque seria fazê-lo co-executor testamentário, quer dizer nudus minister, ou
fiduciário não sucessor (nudus a oommodo, sed nou a titulo, ou fiduciário inteiramente nu, de cômodo e de título).
A própria fruição, o próprio uso, podem ser restritos; eliminados, não, porque apagaria a figura jurídica.
Se o entender o testador, nomeará testamenteiro que vele pela restituição dos bens ao fideicomissário, solução
assaz útil, quando êsse é incapaz, inimigo pessoal do fiduciário, ou prole eventual. No caso de ocorrer colisão de
interesse entre o nomeado testamenteiro e o fideicomissário, como se aquele sucedeu ao fiduciário ou é o próprio
fiduciário, pensam alguns que nula será a nomeação (cp. F. ENDEMANN, Lehrbuch des Bhirgerlichen Rechis, III,
416), outros que não (KONRAD EELLWIG, Wesen und sub jektive Be.qrenzung der Rechtskraft, 229; DOEHL,
Die grundbuchliche Verfiigungsmacht des befreiten Vorerben, Deutsoke ,Juristen-Zeitung, X, 906). A verdade está
em que: a) se o testador, prevendo-o, não nomearia, opera a cláusula rebus sie stantibus; b) se o testador não
conhecia o laço existente, ou a identidade, dá-se o erro; o) se o testador conhecia a situação já existente ou
probabilissima, vale a nomeação.
Existe a figura do> fideicomisso em quanto, no limitar os poderes do fiduciário, alguma parcela, de disposição lhe
fica; disposição por si e para si. Se todos, subjetivamente, lhe foram tirados, houve herança ou legado de usufruto,
e não de bens fideicomitidos.
As restrições aos poderes de disposição do fiduciário norma/ ou anormal supõem a proteção e segurança do direito
eventual do fideicomissário. Se nenhum dano poderia ter resultado a êsse, não há ineficácia do ato. Isso não quer
dizer que o critério seja o da vantagem ou do prejuízo econômico, e sim que as categorias jurídicas permitidas ou
não permitidas atendem ao critério da incolumidade do direito eventual do fideicomissário. A questão do dano é
outra questão. O uso irregular do poder de dispor constitui ato ilícito. Permitida a disposição, irregular o exercício
(art. 160, 1). Sôbre exercício irregular de direito, veja PONTES DE MIRANDA (Das Obrigações por atos ilícitos,
1, 156 s.). O testador pode pré-excluir a alienabilidade do bem fideicomitido ou restringi-la (cf. 2.~ Câmara Civil
do Tribunal de Justiça de São Paulo, 26 de novembro de 1946, R. dos T., 166, 278). Se o bem é inalienável, a
alienação somente pode ser nas espécies previstas em lei e há, então, a sub-rogação real pela aplicação do preço,
continuando os direitos do fiduciário.
Tratando-se de alienação, judicialmente, de bem fideicomitido, tem-se de entender que, seja em praça, ou em
processo de desapropriação, ou qualquer outro, o fideicomissário tem interesse direto e imediato. Tem o juiz o
dever de ordenar a citação.
A cláusula de inalienabilidade pode recair no próprio bem que passe ao fideicomissário. O fideicomissário recebe
diretamente do testador o direito, e não através do fiduciário. No direito brasileiro, a cláusula de inalienabilidade
pode ser relativa a bem que advenha ao sucessor de herança legitima, ou testamentária, ou de legado. É erro
afirmar-se que seria clausulação de herança de outrem (do herdeiro, ou legatário) : o fideicomissário herda do
testador, e não do fiduciário.
O que o fiduciário pode alienar, se não foi posta no testamento a cláusula de inalienabilidade, é a propriedade que
lhe toca; portanto, até quando haja o seu direito. Se o testador, em vez de fazer inalienável a propriedade e a posse
do fiduciário. ou de lhe deixar apenas a disponibilidade até que se extinga a fidúcia, permite que o instituido aliene
definitivamente, no todo, ou em parte, o que recebeu, não há fideicomisso. Se tal cláusula só se refere a algum bem
ou a alguns bens, ou a frações, só o que não é definitivamente disponível pode ser tido como objeto de
fideicomisso. Quanto ao que é definitivamente alienável, o que há é deixa condicional, conít modus a favor de
alguém.
Pelo fato de ter a propriedade e a posse da herança ou legado, o fiduciário responde como proprietário e como
possuidor (impostos, despesas com os frutos e rendimentos, obras de conservação, ressarcimento de danos
causados pelo imóvel ou danos que, com o uso ou fruição do imóvel ou de outro bem, ou com modificações ou
falta de cuidado cause ao imóvel, ou a pessoas, ou a bens de outrem).
Quanto às benfeitorias no bem fideicomitido, o que apenar foi conservativo entra no dever de conservação que tem
o fiduciário. Quanto às despesas, têm-se de distinguir dos gastos ordinários de conservação, que incumbem ao
fiduciário, os gastos extraordinários de conservação, que se retiram à deixa, ou têm de ser indenizados pelo
fideicomissário, dever de ressarcimento que se transmite aos herdeiros do fideicomissário. No tocante a inversões
que não sejam gastos de conservação, regem os princípios concernentes à gestão de negócios alheios sem outorga.
O fideicomissário só tem de ressarcir se foram invertidos de acordo com sua vontade, mesmo se presumida, e em
benefício dos seus interesses, ou quando o fideicomissário autorizou as despesas, ou quando de provada
necessidade. Em todo o caso, fora dessas espécies, pode haver a ressarcibilidade por enriquecimento injusto.
No que concerne às benfeitorias voluptuárias, pode o fiduciário retirá-las se disso não resultaria qualquer dano ao
bem fideicomitido. E. g., colocou armários, ar condicionado, ou calefação.
Quanto à duração do direito do fiduciário, ou ela consta! explicitamente, da cláusula testamentária, ou nada se disse
no testamento. O mais freqüente é o termo de morte do fiduciário; daí, em caso de omissão do testador, ou em caso
de dúvida, ter-se de entender que o direito do fiduciário persiste até a morte desse (ULPIÁNO, L. 5, § 1, D.,
quando dies legatorum veZ fideicommissorum cedat, 36, 2: “Itaque si purum legatum sit, ex die mortis dies eius
cedit”). Se a invalidade somente concerne à instituição fideicomissária, o fiduciário sucede sem o gravame da
fidúcia. Se há substituição vulgar ou recíproca e invalidade é atinente apenas a um dos apontados, o outro ou os
outros não ficam fora da disposição testamentária.
Se premorre ao testador o fiduciário, o fideicomissário herda sem qualquer gravame de fiduciariedade. Não há
fiduciário. O direito do fideicomissário, aí, não é direito expectativo. Herda ou recebe o legado, como qualquer
herdeiro ou legatário que não venha após qualquer sucessor de bem do testador.
Quando cessa o fideicomisso, quer pela extinção normal, quer pela falta do fiduciário, ou do fideicomissário, tem-
se de requerer ao juiz a declaração da extinção, para que se dê baixa do vínculo, no registro que fora feito.
No ato de alienação da propriedade e da posse do fiduciário há de constar referência ao gravame. O fideicomissário
pode exigi-la, quer diretamente, quer perante a Justiça (Tribunal de Justiça do Ceará, 24 de fevereiro de 1947, 1?.
F., 95, 186; 23 Câmara do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, 28 de abril de 1939, 1?. dos T., 120, 609, e A.
J., 50, 261:
“Afora a caução, a que se refere o parágrafo único do artigo 1.734, que assegura a restituição da coisa gravada,
posto que alienada ou sujeita às onerações autorizadas por lei, o Código Civil, no art. 121, faculta ao titular de
direito eventual, em caso de condição suspensiva, o exercício de atos que se destinam a conservá-lo. Ao titular de
direito eventual não se pode, assim retirar o emprego, que lhe é facultado por lei, de medidas acautelatórias e
asseguradouras de seu futuro exercício”).
7.EFICÁCIA E INEFICÁCIA DOS ATOS DO FIDUCIÁRIO. São eficazes todos os negócios feitos pelo
fiduciário e relativos ao seu poder de disposição. Constituem obrigações do fiduciário, e não da herança
fideicomitida (F. LEONHARD, em GEORO FROMMHOLD, Kommentar zum 11GB., 2~a ed., 266, II). A execução,
em virtude de tais contratos, feita em bens do fideicomisso, não pode ter conseqüências além do termo ou
condição. Atingido êsse, ou realizada aquela, as conseqüências são nenhumas.
Valem os atos exorbitantes do fiduciário: a) se o fideicomissário (não gravado de inalienabilidade) consentiu, ou
ratificou (OTro WARNEYER, Komment ar, II, 1146) ; b) se o fideicomissário adquire o bem de que se trata, ou é
sucessor ilimitado do fiduciário.
Para se decidir quanto à eficácia ou ineficácia de atos dispositivos do fiduciário, não se deve indagar se foi
proveitoso, economicamente, para o fideicomissário, e sim qual o seu caráter juridico (F. LEONHARD, em
GEORG FROMMHOLD, Kommentar zum 11GB., 2. ed., 268; A. TRNESING, Einige Bemerkungen Uber das
Rechtsverhãltnis zwischen Vorerben u. Nacherben, Archiv flir die civilistisclie Praxis, 94, 229; contra:
H. SALINGER, Die Nacherbfolge nach dem BGB., Archiv fiir bitrgerliches Recht, 19, 161).
Para alegar ou propor as ações que sejam fundadas na ineficácia dos atos do fiduciário, são legitimados o
fideicomissário, seus herdeiros e terceiros (F. LEONHARD, em GEORO FROMMHOLD, Kommentar zum 11GB.,
23- ed., 268; TH. Kípp, Lehrbuch. des Biirgerlichen Rechts, II, 3, 344; OT-TO WARNEYFs. Komment ar, II, 1146;
a respeito de terceiros, contra: MAX HACHENEURO, Zeitschrift des deutschen Notarvereins, VI, 146;
II.DERNBURG, Das Biirgerliche Recht, V, 33- ed., § 58, 172, nota 2; F. KRETZSCHMAR, Dos Erbrecht des
deutsehen 11GB., 23- ed., 126, nota 18; II. PEísnt, Handbuch des Testamentsrechts, 90, nota 59) ; por exemplo:
cessionário do fideicomissário, os credores deste, o testamenteiro, o Ministério Público, etc.
8.CARÁTER DA INEFICÁCIA Enquanto dura a fiducialidade, o fiducionário fica em situação de suspensão (não
confundir com a situação de condição suspensiva, que só desta resulta) : os atos do fiduciário, na qualidade de
herdeiro e senhor, valem; finda a fidúcia, não. Ainda contra terceiros vai a sua ação de restituição. Aqui, os
conceitos de nulidade absoluta e relativa nenhum proveito trazem; porque há eficácia até tal instante dos efeitos e
ineficácia daí em diante. Absoluta: F. HERZEELDER, lj E. BEYER (Die Surrogsj é absoluta, porque a ratificação
operam plellarj gitimados para as ações credores, etc. (F. Eirn Rechts, III, 427). O elesie no tempo, fazendo sui
especial.
16.POSSE DOS BENS FIDEICOMITIDOS. No momento da entrega dos bens, passa do fiduciário ao
fideicomissário a posse que êle, pela saisina (art. 1.572) recebeu, e não a que lhe adveio do seu poder efetivo sôbre
a coisa independentemente da aquisição ipso iure. Um exemplo: o testador estava em lide contra A (pai de B,
nomeado êsse fiduciário do testador, sendo fideicomissário D) para haver a posse dos prédios x, u e z:
perdeu a ação possessória quanto ao prédio x, ganhou quanto ao prédio y e perde a ação quanto ao prédio z na
ocasião da morte do testador. Transmite-se, pela saisina, a posse do testador (prédio ~j) a B; a posse de A (prédio x)
a B. Quando E entregar a D a herança, entrega a posse completa sObre o prédio 9/ (saisina e posse do art. 485) ; a
propriedade e posse (art. 1.572) do prédio x, sem a posse (art. 485), porque o fiduciário a houve do seu pai e não do
testador, e D, fideicomissário, é herdeiro do testador e não de A.
18. CREDORES DA HERANÇA. Os credores da herança são credores do fiduciário até o montante dos bens
herdados e do fideicomissário até o mesmo importe. No momento em que o fideicomissário recebe, responde na
qualidade de herdeiro, que é. Se o fiduciário não pagou as dívidas da herança, paga-as êle. Os credores do
fiduciário não são credores da herança. As dividas decorrentes de impostos atrasados, multas aplicadas às coisas da
herança, êle as paga, mas tem por elas ação contra o fiduciário As dívidas do fiduciário garantidas pelos bens
(hipoteca, penhor, anticrese, caução) não são dos bens. Com a mudança dos sujeitos da propriedade, todas se
extinguem quanto ao bem; os credores têm ação contra o fiduciário, e não as ações contra os bens hipotecados,
empenhados ou anticréticos. A penhora do direito do fiduciário, dos bens, por dívida do fiduciário, extingue se ipso
inre. São bens alheios. Se o fiduciário pagou, com dinheiro seu, a hipoteca do bem fideicomitido, dá-se a sub-
rogação a seu favor (R. I3EYER, fie Surrogation bei Vermõgen im EGE., 216). Tal doutrina combina com os arts.
985, III, e 988.
19.INVENTÁRIO DOS BENS. Se o fideicomisso é normal, ou não, deve o fideicomissário inventariar os bens.
Nesta parte o art. 1.784, parágrafo único, é co gente (F. HERZFELDER Erbrccht, .1. v. Staudingj.s Kornmcntar V,
553; OTTO WARNEYER, Kommentar, II, 1151). Entenda-se: a relação dos bens pertencentes à herança, não o seu
valor ou o passivo (F. HEEZEELDER, Erbrecht, J. v. Staudingers Kommentar, V, 553), porque êsse não pode ser
desde logo conhecido em sua totalidade.
O inventário é que servirá de base às reclamações futuras do fideicomissário, porque por êle se saberão as
obrigações do fiduciário, salvo elementos supervenientes, cujo ônus da prova cabe ao fiduciário ou ao
fideicomissário, conforme alegado por aqueles ou por êsse.
Ainda contra a vontade do fideicomissário, pode e deve o fiduciário proceder a inventário dos bens fideicomitidos.
Pode exigi-lo o testamenteiro, porque, no Brasil, a tradição é ter-se nomeado o testamenteiro para a vigilância de
tOda a execução testamentária, inclusive o registo dos bens fideicomitidos ou deixados em usufruto. Diferente o
Código Civil alemão, § 2.222. Isto será reforçado quando o testador o nomear, expressamente, para tal fim.
Se foram entregues os bens ao fiduciário e no inventário não se fêz a discriminação do que era fideicomisso e do
que não era, o fideicomissário deve pedir a herança ou propor ação de fideicomisso, e não procurar renovar o
inventário. Deve pedir-se antes de atingir-se o térmo ou realizar-se a condição, e não depois (Oro WARNEYER,
Kommentar, li, 1152). Depois, pedem-se os bens. Se são muitos os fideicomissârios, cada um pode exercer o seu
direito, quer quanto ao inventário, quer quanto à caução, independentemente dos outros.
Não é dispensado do inventário o pai, tutor, curador, ou cônjuge fiduciário ( OTTO WARNEYER, Konimentar, II,
1152).
Feito o inventário, se novos bens aparecem ou se há mudanças, ~,deve o fiduciário fazer nOvo inventário? Sim.
Não, se constar de alterações nos bens (e não no número dêles). Assim, F. RITGEN, em G. PLANCK
(Búrgerliches Gesetzbtt.úh, 1/, 300).
No direito anterior, admitia-se o fideicomisso do que restar ao tempo da morte do fiduciário (M. A. COELHO DA
ROCHA, Instituições de Direito Civil português, § 718) e buscava-se ao § 417 do Preussisehes Aligemeines
Landrecht, 1, Título 12, a regra de poder o fiduciário ser dispensado de fazer inventário. Aí estão duas questões: a)
~ É possível o fideicomisso de eo quod supererit? b) ~ permitido ao fideicomitente dis.pensar o inventário?
22. CAUÇÃO PELO rínucítío. Se o fideicomissârio exigir, tem de dar caução o fiduciário. Real ou pessoal, que
satisfaça. Salvo se o testador o dispensou. O parágrafo único do art. 1.784 é dispositivo.
1.RENÚNCIA DA HERANÇA OU DO LEGADO. Diz o Código Civil, art. 1.785: “O fideicomissário pode
renunciar a herança, ou legado, e, nesse caso, o fideicomisso caduca, ficando os bens propriedade pura do
fiduciário, se não houver disposição contraria do testador”.
É absurdo dizer-se que negócio jurídico do fideicomissário antes de lhe passar a propriedade do bem fideicomitido
ou dos bens fideicomitidos é pacto sucessório, o que o sistema jurídico brasileiro proibe. O fideicomissário já
herdou; o que lhe falta # a propriedade. Imaginemos que o testador deixe o bem, em fideicomisso, a B, para que,
com a morte de E, ou ao advento do têrmo, o receba C. C já é herdeiro, ou legatário, à abertura da sucessão. Se C
entende que a deixa de B é ofensiva, ou não lhe interessa, seria êrro grave esperar-se a morte de E, ou o advento do
têrmo, para que C renuncie. Por exemplo: o testador faz fideicomissária a mulher de outrem, de quem se diz ou êle
dizia que era sua amante. Seria fora de qualquer acoIhimento que se tivesse de pôr C na situação de aguardar o
falecimento de B, ou o advento do têrmo, para renunciar a herança ou o legado fideicomissório.
Quando algum jurista afasta a aceitação e a renúncia pelo fideicomissário após a abertura da sucessão, invocando
os trabalhos parlamentares em que se riscaram os dizeres “desde que (a herança) seja devolvida” (Trabalhos da
Câmara dos Deputados, 1, 288), procede como se a retirada significasse que somente ao ser extinto o direito do
fiduciário pudesse o fideicomissário manifestar-se.
Tem-se invocado o art. 118 do Código Civil para se afirmar que é irrenunciável o direito à herança, que tem o
fideicomissário, enquanto não lhe vai a propriedade. O art. 118 é estranho ao assunto e invocá-lo foi êrro de
CARLOS MAxIMILIANO, que viu na renúncia após a abertura da sucessão “pacto expresso ou tácito sôbre
sucessão futura”. Ora, a sucessão de modo nenhum é futura. O fideicomissário já sucedeu, o que ainda não se deu
foi a transmissão da propriedade e da posse. (Advirta-se que a citação que aparece no julgado do 2.0 Grupo d 0
Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 4 de junho de 1952, D. da J., de 5 de fevereiro de
1958, foi impertinente, por ser estranha à matéria.)
A aceitação e a renúncia foram disciplinadas nos artigos 1.581-1.590 do Código Civil, entre os quais está o art.
1.584 que, sem distinguir qualquer disposição testamentária, nem espécie de sucessão, dá o prazo para que o
beneficiado se pronuncie, “sob pena de se haver a herança por aceita”.
Para se ver quando fora de qualquer acolhibilidade é a opinião dos que entendem que o fideicomissário sómente
pode renunciar após a extinção do direito do fiduciário, basta que se leia o art. 1.785. Lá está dito que “o
fideicomissário pode renunciar a herança ou legado, e, neste caso, o fideicomisso caduca, ficando os bens de
propriedade pura do fiduciário”. Portanto, ainda não se extinguiu o direito do fiduciário. Seria absurdo que se
falasse em caducidade, ou em ineficacização, de disposição testamentária, cujos efeitos já desapareceram. É preciso
que ainda haja a propriedade fiduciária, para que, com a renúncia do fideicomissário, tal propriedade fiduciária se
faça “propriedade pura”. Tanto a aceitação e a renúncia têm de ser ao tempo em que todos os herdeiros e legatários
têm de aceitar ou renunciar, que aceita a herança ou o legado pelo fideicomissário tem êsse “direito à parte que ao
fiduciário, em qualquer tempo acrescer” (art. 1.786). ~ Como poderia haver acrescimento ao fiduciário se já se
extinguiu o seu direito? Tudo mostra que as páginas que CARLOS MAxIMILIANO (Direito das Sucessões, ~ 5Y
ed., 128-180) tentaram sustentar tese absolutamente falsa e contrária à letra da lei (Código Civil, arts. 1.785, 1.786
e 1.684). Aliás, também’ errado CLÔvIS BEVILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 198), cujo texto é
contraditório: refere-se ao direito alemão, ao Projeto brasileiro primitivo, e no entanto acrescenta que a devolução é
quando se extingue o direito do fiduciário. Êle tinha de ler, apenas, os arts. 1.785, 1.786 e 1.584.
A renúncia pelo fideicomissário rege-se pelos mesmos princípios que a renúncia pelo fiduciário. Se já falta o
fiduciário e passou o prazo para a renúncia pelo fideicomissário, de jeito nenhum se pode pensar em renúncia pelo
fideicomissário. Se antes de extinguir-se o prazo, falece o fiduciário, o fideicomissário, que aceita ou renuncia,
aceita ou renuncia a herança ou o legado já liberado da fiduciariedade.
Seria fora dos princípios exigir-se que o fideicomissário só pudesse renunciar quando ao fiduciário se extinguissem
os direitos.
Falar-se de recusa ou renúncia da herança em favor de determinada pessoa, como está em CARLOS
MAxIMILIANO (Direito das Sucessões, ~ 5Y~ ed., 78), é êrro grave. Não bá renúncia de herança a favor de
alguém: ou se aceita, ou se renuncia. O que pode ter havido é impropriedade de linguagem: chamou-se renúncia à
cessão dos direitos, ou ao negócio jurídico transíativo da propriedade herdada.
Outra afirmação que se há de repelir é a de que, sendo inalienáveis os bens fideicomitidos, em virtude de cláusula
testamentária que pré-excluiu ou restringiu a alienabilidade pelo fiduciário, não pode êsse renunciar a herança ou
legado. Alguns juristas e juizes chegaram a êsse ponto, o que estabeleceria a irrenunciabilidade de deixas
testamentárias. A inalienabilidade pelo fiduciário apenas é para o caso de êle aceitar a herança ou legado em
fideicomisso. Incorreu em tão grave êrro de tornar irrenunciável a deixa se o testador inseriu no testamento a
cláusula de inalienabilidade, a 83 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 21 de novembro de 1989
(1?. dos T., 125, 551; antes, o próprio Tribunal de Justiça, 102, 146). O que pode ocorrer é que a cláusula de
inalienabilidade tenha de ser interpretada como objetiva, e não subjetiva, isto é, incidente no bem, quer para o
fiduciário, quer para o fideicomissário, quer para o próprio herdeiro legítimo, no caso de faltarem fiduciário e
fideicomissário. Reputou extensiva a cláusula, portanto objetiva, em caso que examinou, a 23 Câmara Civil da
Côrte de Apelação de São Paulo, a 31 de janeiro de 1936 (1?. dos T., 102, 146).
4.INDIGNIDADE E ounos CASOS. A lei brasileira e a sua fonte (Projeto alemão, § 1.832; Código Civil alemão, §
2.142) só se referiram a renúncia; mas, no caso de indignidade, dá-se o mesmo (E. HEEZFELDER, Erbrecht, 3’. v.
Staudingers Kommentar, V, 573). Quanto à morte do fideicomissário antes de receber, previu-o o art. 1.738. Se não
se der a condição a que se subordinava a instituição do fideicomissário, também será herdeiro pleno o fiduciário (F.
RITGEN, em G.PLANCK, Bhirgerliches Gesetzbuch, V, 319).
5.EFEITOS. Se renunciam a herança o fideicomissário e o fiduciário, vai aos herdeiros a quem deve acrescer, ou,
se isto não couber, ou não os houver, aos legítimos.
Se só o fideicomissário renunciou, a herança fica ao fiduciário, que nunca o foi, porquanto, pela falta do
fideicomissário, sucedeu como pleno herdeiro. Daí a expressão alemã “verbleibt”, que é feliz, e a outra “o
fideicomisso caduca”, da lei brasileira, que não foi exata no restante da frase e parece significar lapso entre a
abertura da sucessão e a renúncia.
6. DIREITO DE ACRESCIMENTO. Diz o Código Civil artigo 1.736: “Se o fideicomissário aceitar a herança ou
legado, terá direito a parte que, ao fiduciário, em qualquer tempo acrescer”.
7. ANÁLISE DA REGRA JURÍDICA. A expressão “acrescer” não está no sentido restrito de advir pelo ins
accrescendi (arts. 1.7104.712, 1.714 e 1.716) . A imprecisão também ocorre no art. 1.715, onde se deve ler “fica”
em vez de “acresce”.
O art. 1.736 foi inspirado no 1 Projeto alemão, § 1.814, 1.a parte, onde havia a referência a acrescimento
(Ánwachsung). Infelizmente, como aconteceu, em todo o Código, quando o autor do Projeto brasileiro se inspirou
no 1 Projeto alemão, sua verdadeira fonte, e através da defeituosa tradução de LA Gn..xSSERIE, não se conheceu a
história posterior dos §§ 1.814 e 1.983 da II Comissão e do § 2.085 do III Projeto. (Não há nenhum indicio de que
CLÓVIS BEVILÁQUA, antes e depois do Código, inclusive nos comentários, tenha conhecido o II Projeto e o
Código nas alterações feitas aos dois projetos.)
Na II Comissão, o § 1.983 ganhou em técnica: já se pôs claro tratar-se de regra interpretativa (“im Zweifel”). Ora,
no 1 Projeto, era dispositiva e só para o caso de acrescimento, do que também se libertou o II Projeto (F. RITGEN,
em G. PLANCIÇ, Biirgerliches Cesetzbuch,, V, 285). Também dessa alteração não teve notícia a elaboração
brasileira.
8.CONTEÚDO TOTAL DA REGRA JURÍDICA. Boa interpretação aconselha que, com auxilio do art. 79 da
Introdução, se dê ao art. 1.736 tôda a extensão que lhe manda atribuir a própria natureza das coisas. ~A regra vale
quando nenhuma vontade disto resulte do testamento? ~ Devemos considerar dispositiva a regra jurídica, êrro de
técnica em que caíram o 1 Projeto alemão e o Código Civil brasileiro? Dêle, como vimos, livrou-se o Código Civil
alemão; a II Comissão alemã foi decisiva. No direito brasileiro, ~presume-se a aquisição iure accrencendi? Seria
de graves conseqUências, maiores do que as derivadas de regra jurídica interpretativa redigida em forma
dispositiva, tanto mais quanto, no Código Civil, se ignora a técnica das normas de direito.
A regra jurídica do art. 1.736 do Código Civil só se refere aos casos de não poder ou querer aceitar (premorte,
renúncia, indignidade). Cabem os outros, em que também se dê falta de algum contemplado, herdeiro ou não, como
se dá nos artigos 1.715 e 1.719-1.732, e, até, nos arts. 1.713 e 1.673 (F. HERZFELDER, Erbrecht, 3’. v.
Staudingers Kommentar, V, 530).
Assim, temos de decidir, na dúvida:
a) Que o fideicomissário que aceita a herança terá direito ao que advier ao fiduciário pela premorte, renúncia ou
indignidade de algum ou de todos os co-herdeiros (arts. 1.710-1.712 e 1.714). Se o fideicomisso fôr de legado, ao
que acrescer ao fiduciário como legatário (arts. 1.710, § 1.0, e 1.716).
b) Se o testador fêz o fiduciário substituto de outro co-herdeiro, ou legatário, o fideicomissário terá direito,
também, a essa parte (F. RITGEN, em G. PLANCK, Búrgerliches Gesetzbuoh, V, 285).
c) Se o testador, com herdeiros legítimos, a um dêles dá fideicomisso <“deixo a Bto fideicomisso da quota do meu
sobrinho mais velho”, “deixo aos meus herdeiros legítimos, sendo fiduciário do mais môço B”, ou se construtivos
os fiduciários), o que advier em virtude dos arts. 1.673 e 1.713, entende-se devido ao fideicomissário (F.
HERZFELDER, Erbrecht, 3’. v. Staudingers Komrnentar, V, 530)..
d) Se o legado ou motins impôsto ao fiduciário cai (por exemplo, art. 1.715), aproveita isso ao fideicomissário.
1.MORTE DO FIDEIGOMISSÁRIO ANTES DO FIDUCIÁRIO. Diz o Código Civil, art. 1.788: “Caduca o
fideicomisso, se o fideicomissário morrer antes do fiduciário, ou antes de realizar-se a condição resolutória do
direito dêsse último. Nesse caso a propriedade consolida-se no fiduciário nos têrmos do artigo 1.785”.
2. CONVINIÊNCIAS do Código Civil suíço, art. 492. 2.ª alínea, chileno, arts. 788 e 762.
8.CONTEÚDO DA REGRA JURÍDICA. Nos casos normais, o fiduciário fica livre do gravame, desde que o
fideicomissário morra antes dêle ou antes de se realizar a condição resolutória. Dois casos foram, portanto,
previstos: a) o de fideicomisso a têrmo de morte; b) o de fideicomisso sob condição resolutiva Mas o art. 1.788
permite outros têrmos e a própria condição resolutiva está sujeita à vontade contrária do testador, porquanto o art.
119 não é direito cogente.
O fiduciário pode renunciar a propriedade, como qualquer proprietário (Código Civil, art. 589, II, e § 1.0 e até
abandoná-la (art. 589, III, e § 2.0). De regra, a propriedade do fideicomissário antecipa-se, salvo se outra solução
resulta do testamento, ad instar do que ocorre em caso de morte do fidudano, depois de aceitar a herança e antes de
se atingir o têrmo ou se realizar a condição. Os escritores nacionais, franceses e italianos, que bordam
considerações a técnicas sôbre o assunto, deixam de atender a que “renúncia” no art. 1.785 é renúncia da herança.
Não se regulou a renúncia da propriedade pelo fiduciário, nem pelo fideicomissário (que ainda não na tem).
Quanto ao fiduciário, rege o Código Civil, art. 589, II, e § 1.0. Se o testamento não no veda, a antecipação opera-
se.
Aplicar o art. 1.788 a todos os fideicomissos seria injusta confusão com as substituições Se o fideicomisso não é
pensonalíssimo, não será preciso que, ao tempo da restituição, viva o fideicomissário Não é outra a lição da
ciência: “Ist die Nacherbeinsetzung bcfristet”, diz TH. Rípp (Lehrbnch des Bhirgerliehen Rechts, II, 3, 310), “so ist
es nicht erforderlich, dass der Nacherbe den Nacherbfall erlebt; vielmelir geht, wenn er vorher stirbt, sem Recht auf
seine Erben Uber, vorausge setst nur, dass er nicht schon von dem Tode des Erbíasseni gestorben ist”. Se o
fideicomissário morrer antes do testador, sim: a sucessão vai, plena, ao que seria fiduciário. Certo, se vive à
abertura da sucessão, e não ao tempo de expirar o têrmo os seus herdeiros receberão.
lÊ inerdável o direito do fideicomissário? Se não houvesse nenhuma regra no Código Civil, a solução normal seria
a seguinte: herdável, no caso de fideicomisso a têrmo; na dúvida, não herdável, se condicional (TH. RIm’,
Lehrbuch des Biirgerlicken Reckts, II, 8, 314). Temos, porém, o art. 1.788. ~ Constitui êle exceção ao art. 128, ou
somente cogitou do fideicomisso condicional? É a questão máxima do art. 1.738.
O art. 1.788 é dispositivo e só aplicável aos fideicomissos condicionais e aos fideicomissos por morte do fiduciário.
Ai, há têrmo, e não condição; porém o pensamento da lei brasileira foi subordiná-los ao art. 1.788, devido ao êrro
de CLóvís BEVILÁQUA que viu no têrmo de morte a condição suspensiva de sobreviver. A fortiori, se há
condição suspensiva do direito do fideicomissário (sem ser a situação de suspensão, derivada da resolutiva ao
fiduciário), os herdeiros do fideicomissário não herdam, salvo vontade testamentária que o ordene.
No Código Civil suíço, art. 492, lª alínea, constrói-se o fideicomisso como substituição, e nisso estão no mesmo pé
os dois Códigos. Mas também lá o art. 492, 2•a alínea, é dispositivo e não se aplica àqueles têrmos que não sejam o
de morta do fiduciário: se o têrmo é de outra espécie, em 1940, por exemplo, seria absurdo retirar a
hereditariedade do direito do fideicomissário. No Brasil, violaria o art. 128, que é regra de direito dispositivo.
Herdeiros do fideicomissário que podem receber os bens do fideicomisso são assim os legítimos como os
testamentánios.
(A.SUTER, fie Nacherbschaft nach dem schweizerischen Zivilgesetzentwurf e, 129; A. ESCfrER, Das Erbrecht,
Kommentar zum schweizerischen Zivil.qesetzbuck, III, 64).
Um-se-á que CLóvís BEvILÂQUA, nos seus comentários, trata os artigos como se fôssem ins coqens; mas isto não
constitui razão. Uma regra não é ins cogens ou regra jurídica dispositiva porque tenha havido essa ou aquela
intenção oculta; e sim porque, em sua natureza, o é. Aliás, quem quer que leia a obra de CLÓvIS BEVILÂQUA
logo percebe como lhe passa quase despercebida a fundamental diferença entre o imperativo, o dispositivo e o
interpretativo. Acresce ainda que o art. 1.738, in fine, remete ao ad. 1.735, que é dispositivo, e essa 2~a parte do art.
1.738 teve a seguinte elaboração: “consolida-se a propriedade dos bens fideicomitidos, em benefício do gravado, se
outra coisa quando tiver determinado o testador” (Projeto primitivo, art. 1.904) ; “a propriedade consolida-se no
fiduciário como está disposto no art. 2.099” (revisto, art. 2.102). Portanto, a própria intenção foi outra.
O art. 1.738 refere-se à morte do fideicomissário antes do fiduciário, e o art. 1.735 à renúncia. Não se falou da
incapacidade ou indignidade do fideicomissário. Nestes dois casos, como no da renúncia, o fiduciário recebe o
pleno direito.
4.ALTERAÇõES “EX VOLUNTATE”. O testador pode alterar o que se estatui no art. 1.738: a) Fazendo a têrmo,
que não seja o de morte, o fideicomisso (art. 123). b) Fazendo-o sob condicão resolutiva, mas impondo a
herdabilidade do direito do fideicomissário. o) Fazendo-o a têrmo de morte, com a herdabilidade do direito do
fideicomissário. d) Nomeando substituto ao fideicomissário, quer sejam os herdeiros dêsse, quer estranhos (P.
TuoR, Das Erbrecht, Kommentar zum. Schweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 262), caso em que haverá
substituioão, e não herdabilidade do direito eventual.
Nomeando mais de um fideicomissário conjuntivamente, os arts. 1.710 e 1.711 só serão aplicáveis se a morte fôr
antes da abertura da sucessão (art. 1.712); porque, havendo disposição especial do testador, quando a morte fôr
após a sua, a substituicão ou a herdabilidade é que se dará, e não o acrescimento.
5. MORTE DO FIDUCIÁRIO. O tipo normal dos fideicomissos, para o Código Civil, é o feito a têrmo de morte;
por isto, nêle, nenhuma regra, imperativa, dispositiva ou interpretativa, se encontra, que se refira à morte do
fiduciário. No entanto, ,~ que se há de resolver quando o fiduciário morrer antes de chegar ao dia da resolução, ou
de se realizar a condição resolutiva?
Se a têrmo, que não seja o de morte, os herdeiros do fiduciário o aguardam, salvo contrária disposição do testador,
que faça personalíssimo o fideicomisso. Idem, no caso de condição resolutiva. Enquanto não se realiza a condição,
o fideicomissário não poderá exigir os bens. A situação dêle é a de um legitimado em situação de suspensão, donde
certos pré-e feItos (possibilidade de alienar o direito eventual, direito à testamentaria, à inventariança, à caução, cp.
P. TuoR, Das Erbrecht, Kommentar zum Schweizerisehen Zivilgesetzbuck, III, 263, A. SUTER, fie Nacherbschaft
nach dem schweizerischeu Zivilgesetzentwur fe, 82 s.). Se há condição suspensiva (note-se bem: condição
suspensiva e não só situação de suspensão, derivada da resolutiva imposta pelo testador ao fiduciário), não há
herdabilidade do direito (arts. 118 e 121).
6. REGRA QUE FALTA. Já dissemos que a morte do fiduciário antes do testador, a renúncia, a incapacidade, a
indignidade, fazem com que os bens vão, diretamente, ao fideicomissário. Não temos regra legal a respeito; têm-na
os suíços. art. 492, g•a alínea, de natureza dis positiva (P. TuOR, De Erbrecht, Kommerttar zum Schweizerischen
Zivilgesetzbuch, III, 263, contra a opinião insustentável de A. ESCEER, Das Erbrecht, Kommerttar zum
schweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 69). O testador poderá dispor diversamente, mesmo porque são os casos
típicos de substituição.
Se a vontade do testador era que só se entregassem os bens ao tempo marcado, ou se a condição não foi somente no
interêsse do fiduciário os herdeiros legítimos ou os testamentários guardarão os bens, É questão de interpretação da
verba. A substituição é o que, na dúvida, querem os alemães; o que dispositivamente ordenam os suíços.
Lê-se na decisão da g•a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 30 de maio de 1947 (E. dos T., 168,
266)
~‘Embora não regulado satisfatôriamente, o fideicomisso, não era desconhecido no direito anterior, como
desconhecido não era o direito de acrescer entre herdeiros e legatários contemplados em disposição conjunta. Ora,
sendo o fideicomissário mero detentor de expectativa de direito, os velhos civilistas discutiam vivamente sôbre se,
pré-morrendo êle ao fiduciário, o seu direito assim condicionado se transmitia ou não aos seus sucessores. Opinião
em voga entre os jurisconsultos da época era a de que a spes debitum iri não se transmitia em se tratando de
disposição de última vontade, só se transmitindo quando originária de condição ligada a relações contratuais. Ésse
conceito, haurido no direito romano, condensou-se no atual dispositivo do art. 1.788, segundo o qual o
fideicomisso caduca em ocorrendo premorte do fideicomissário. A segunda parte do dispositivo citado, de acôrdo
com a qual, a propriedade, nesse caso, se consolida no fiduciário, não se aplica, como é óbvio, quando ocorre
disposição conjunta, hipótese essa para a qual a solução vem preconizada no art. 1.710 do mesmo Código”. O
fideicomissário que herda ou recebe o legado sem tal qualidade, de modo nenhum se distingue dos herdeiros e
legatários em geral. Beneficia-se com a saisina (cp. ~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 4 de
abril de 1945, 160, 656; 2.~ Câmara Civil, 12 de fevereiro de 1938, 112, 162; 4ª Câmara Civil, 11 de dezembro de
1935, 104, 595).
11.CONTAGEM DOS GRAUS. A lei brasileira fala em 2.0 grau. ~Que entende ela por isto? Rigorosamente,
segundo grau seria o seguinte: “O testador institui fiduciário ao filho, aos filhos dêsse fideicomissários e aos filhos
dos netos fideicomissários do segundo grau”. Para não dar exemplo que pudesse interpretar-se como opinativo,
tiremos de um trecho de F. ENDEMANN (Lehrbueh des B’drgerlichen Rechts, III, 881> : “Der Erbíasser setzt
seinen Sohn zum Vorerben, dessen Rinder zu Nacherben und die von diesen in seiner Zukunft erwarteten Enkel zu
Nacherben zweiten Grades em”. Mas a má contagem vem de longe e deriva das velhas leis que diziam, como as
leis francesas, “institution non comprise”. Agora, o Código Civil conta, sem nada dizer, para se entender
“institution comprise”. E porque foi omisso, JOAQUIM AUGUSTO FERREIRA ALVES entendeu que se
permitiam dois fideicomissos (Da Sucessão testamentária, Manual do Código Civil brasileiro, XIX, 368) : “O
Código Civil permite o fideicomisso de dois graus; e a êsse respeito estatui o art. 1.739 que nulos são os
fideicomissos além do segundo grau; e assim admite dois substitutos, o primeiro que sucede ao fiduciário, ao
herdeiro instituído, e o segundo que sucede ao primeiro referido substituto. São proibidos, portanto, os
fideicomissos do terceiro grau em diante”.
12.FUNÇÃO DA REGRA JURÍDICA. São nulas as fidúcias impostas, quanto aos mesmos bens, aos
fideicomissários. Isto, e só isto, é o que pretende o art. 1.739. Tratando-se de nulidade absoluta, não é preciso que
se proponha ação. Em qualquer têrmo de processo, do inventário ou de outro, pode ser apontada, e o despacho do
juiz será simplesmente declaratório.
Cumpre saber, precisamente, quais as outras nomeações, a que se refere o art. 1.739, isto é, quais as nomeações do
terceiro grau (segundo a contagem do Código), que são nulas.
Para que haja a nulidade, é preciso que os bens tenham de ir, transitivamente, de A a B e de B a C. Donde ser
pressuposto da verba nula a partir do terceiro grau (2.0 fideicomisso) a) Identidade do primeiro instituído e do
segundo (fideicomissário). b) Identidade do objeto.
Se o testador disse deixo a A, passando a B, que dos bens dará pensão à mãe de A, vale a verba. Não há dois
fideicomissos: há um fideicomisso e uma pensão (legado de modus, conforme os têrmos do testador). Ainda que
tenha dito “deixo a A, passando a E, que, ao receber, entregará a metade a C” vale. Porque a metade vai a C, como
legado a têrmo da morte de A. Demais, não haveria o tractus temporis entre B e
que permitisse a figura do fideicomisso. ~ Quid iuris, se disse “lego a A, passando a B e, dez anos depois, a C”?
Aqui, há o tractus temporis. C não é legatário, porque seria forçar crê-lo legatário sob modalidade dupla (morte de
E + 10 anos). Se disse “lego a A, passando a E, cabendo a C a metade se E estiver casada”, vale; fiduciário é A; E,
fideicomissária do todo, se continuou solteira, ou de metade, se casou; C, fideicomissário, se E se casou. Não há,
no tempo, mais de um fideicomisso, e sim um só com dois fideicomissários a têrmo de morte de A e ambos
condicionais.
Se a verba estatui “lego a A, passando a B aos 30 anos, ou, se E tiver falecido, ou se já se casou, a C, por morte de
A”, vale. A é fiduciário, E e O fideicomissários condicionais disjuntivos (ou E ou C), substituindo C a E em caso de
morte.
Se o testador disse “deixo a A, passando a E e de E a seus herdeiros”, não se pode considerar válida a segunda
passagem, porém a expressão “e de E a seus herdeiros” deve ser interpretada como fideicomisso herdável, no qual,
se E morrer antes do fiduciário, os seus herdeiros receberão, por morte do fiduciário, os bens. Idem, se o testador
ordenou “passando a E ou seus herdeiros
Quando fôr dito “passando a. E ou a D”, a construção será a seguinte: E fideicomissário, D substituto.
Não há fideicomisso além do segundo grau. Se há ofensa à regra jurídica que está explícita na lei, a disposição
testamentária é nula. O que pode haver é substituição vulgar ou recíproca do fideicomissário (cf. ~ Câmara Civil do
Tribunal de Justiça de São Paulo, 31 de maio de 1951, R. dos T., 193, 784). A cláusula de ser usufrutuário o
fideicomissário e a propriedade dos descendentes do testador ou de outrem énula, porque estabeleceria terceiro
grau (cf. 4•a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 25 de abril de 1946. 165, 292). Se há cláusula
testamentária que estende a terceiro grau o fideicomisso, essa cláusula é nula, pôsto que válida a que concerne ao
segundo grau (Câmaras Reunidas do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, 3 de maio de 1939, A. 1., 51, 53; 1a
Câmara Cível da Côrte de Apelação do Rio Grande do Sul, 29 de maio de 1937, R. dos 7’., 113, 803; 2.~ Câmara
Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 27 de abril de 1948, 174, 786).
Se o testador disse que seriam fideicomissários os filhos do fiduciário, ou “descendentes” do fiduciário, ou de outra
pessoa determinada, inclusive do próprio testador, tem-se de considerar a espécie como deixa à prole existente e à
prole eventual. O fiduciário pode renunciar, como pode premorrer ou falecer depois do testador; de qualquer modo
os fideicomissários são os beneficiados definitivamente. (É êrro dizer-se que, se fideicomissários são descendentes
do fiduciário, êsse não pode renunciar, o que lamentâvelmente está na decisão da 63 Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal, a 28 de janeiro de 1947, R. F., 95, 117.)
Só é nula a passagem que evidentemente fôr segunda fidúcia.
16.CONTEÚDO DA REGRA JURÍDICA. A lei quis dizer que, se houve segundo fideicomisso, êsse não será
válido, mas ~ isto não prejudicará as nomeações do fiduciário e do fideicomissário? Como está redigida, só
abrange os casos de nulidade do próprio fideicomisso permitido, casos em que, a despeito da eiva próxima, valeria
a instituição. Aliás, assim é no art. 786 do Código Civil espanhol, de onde o trouxe o Projeto. À pergunta inicial
também devemos responder afirmativamente, pelo princípio da separação. Além disto, há a nulidade da
substituição vulgar.
Portanto, três casos de não-viciação do útil:
a)A nulidade da substituição não prejudica a instituição. Essa valerá e não valerá o gravame nulo.
b)A nulidade do segundo fideicomisso e dos outros não prejudica o primeiro. CLOVIS BEVILÁQUA, art. 1.906,
copiou o Código espanhol; mas, nos comentários, atribui ao texto o caso que nêle não está compreendido, e nem
uma palavra diz do que está, fàcilmente perceptível, nas palavras da lei. É interessante ler o art. 1.740 e o
comentário de CLóvís BEVILÁQUA, que faz a lei dizer uma porção de coisas que nela não estão. Certo, o art. 786
do Código espanhol, que concerne ao caso a) acima formulado, pouco adianta e o de que se necessitava era a regra
jurídica para o caso b) (ainda assim, fàcilmente se entenderia); mas foi o próprio CLÓVIS BEvILÁQUA que o
copiou! O adjetivo ilegal afeia; sem ter, contudo, consequências. A regra jurídica do art. 1.740 é própria dos
Códigos que proibem fideicomissos, como o italiano, art. 901, e o português, art. 1.869. O testador deixou “a A a
fortuna, passando a E e de B a C, a cada morte”, a passagem a C não vale, vale a de A a E; de modo que E,
fideicomissário, receberá a herança sem gravação. À instituição, estrito senso, ou nomeação do primeiro fiduciário,
não interessa a parte final do art. 1.740; cai o nulo, fica o eficaz, em virtude da separação das disposições
testamentárias.
e)A nulidade da substituição vulgar não prejudica a instituição. Como está redigido, o art. 1.739 abrange êsse caso~
A nulidade ou ineficácia da instituição do fiduciário tambem não prejudica a do fideicomissário (LAFATETE
RODRIGUES PEREIRA, São Paulo judiciário, X, Si s.). Assim, se A é incapaz ou se a primeira instituição é
contra a ordem pública, e sem eiva a segunda, vale essa.
Se é nula, ou se foi anulada a cláusula que instituiu o fideicomisso, não há instituição de fiduciário, nem de
fideicomissário. Idem, se nulo é ou anulado foi o testamento. Pode dar-se que nem toda a cláusula testamentária
seja nula, ou tenha sido anulada. A invalidade pode só atingir a instituição do fiduciário, ou só a do fideicomissário,
ou só alguma parte de uma cláusula. Então, tem-se de afastar a extensão do enunciado de invalidade.
1.AÇÕES DO FiDUCIÁRIO. Desde o instante da morte do fideicomitente o fiduciário recebe os bens da herança
ou legado fideicomitido. Enquanto não se dá a resolução, êle exerce todas as ações do herdeiro, desde a petição de
herança, e todas as ações do dono dos bens, que êle é.
A ação do fiduciário contra o fideicomissário para reembolsar-se das despesas, a que foi obrigado, e não deviam
correr por sua conta, é a de rem verso; e aqui, porque não se pode assimilar o fiduciário a um usufrutuário,
multar» arbitrio indicis permissuflest.
3.CAUCÃO ‘FEICOMMISSIO SERVANDI CAUSA”. Cabia contra o fiduciário que não era domiciliado no lugar,
C. F. F. ENTE? (De catttioflc et missione legatorum seu fideicommissorum servandorum causa, 16 sj, se toda a
herança estava alhures, ou dispersa. J. CujÁcto (Opera, IV, 662 sj. Aliás, a leitura e ineditação das L. 54, §§ 2 e 4,
D., de indiejis: ubi quis que agere vel conveniri debeat, 5, 1, L. 15, § 1, D., de rendicata et de effectn sententiarum
d de interlooutionibiis, 42, 1, L. 52, §§ 1, 2 e 4, D., 5, 1, e L. 8, § 4, 11, qui satistiare cogantur vel juraM
promittant veZ surte promissioni coqnmittantur, 2, 8, fizeram-nos pensar em que só se quis que a caução
concernisse aos bens que podiam, no lugar, ser pedidos (co icei peti posse, nU res sit). Hoje, presta-se a caução
onde quer que se achem os bens e pede-se no lugar do domicílio do testador, ou onde o fiduciário tenha de entregar
os bens.
A caução do fiduciário concerne a quaisquer bens; e no cabe, hoje, a distinção que se lê em ÁLVARO VALASCO
(Consultatio’num et Decisionum, ac rerum indicatarum, c. 184, n. 15). Também se dizia que a caução do art. 1.734
só se prestaria si petatur; aliter, ao usufrutuário. Mas hoje não há tal diferença (art. 729).
A açâo de reivindicação cabe ao fideicomissário, ainda quando seja êle herdeiro aceitante do fiduciário; salvo se
havia consentido, ou se foi em execuçào de dívidas da herança fideicomitida. A Ordenança francesa de 1747 exigia,
no caso acima, que indenizasse o possuIdor evicto. Isto não se pode pretender em direito brasileiro, nem (cremos)
no francês. MÂLEVILLE, nota ao art. 1.072 do Código Civil francês, DEVINCOURT, sob o art. 1.048, merecem
consultados Naturalmen te, na qualidade de herdeiro do fiduciário, indenizará. Todavia, noutro process0•
1. VEDAÇÃO DE TESTAR. Se o testador vedou que o herdeiro testasse sôbre os bens herdados, ou sôbre alguma
coisa sua, não se tire, desde logo, que dispôs nulamente. Pode tratar-se de instituição fideicomissária dos herdeiros
legítimos do herdeiro. De qualquer modo, é questão de interpretação
(E.HERZFELDER Erbrecht, .7. v. Staudingers Kommentar, V, 518; O’rTo WARNEYER Kommentar li, 1135).
Mas, se o testador disse “deixo a A, passando a seus herdeiros”, e nada há, na cédula, de que se induza tratar-se dos
legítimos, não há fideicomisso. Assim, com razão, o Tribunal do Reich (Rs1x, 40, 120) e OTTO WARNEYER
(Kommentar II, 1185).
2.FIDEIcoMISSo E LEGADOS. Cumpre não confundir os fideicomissos e os legados a têrmo ex die ou in diem,
ou 03 legados convencionais No fideicomisso, há duas figuras subjetivas, que se sucedem, ambas herdeiros ou
ambas legatários, sem que as incidências de ambas na propriedade sejam simultaneas. Nos legados condicionais ou
a têrmo, o legatário não é figura simétrica ao onerado, não há dois herdeiros ou dois legatários à vinda de um dos
quais, ao têrmo ou realizada a condição, o outro desapareça. No tractus temporis, não houve dono dos bens legados
ex die vã diem, ou condicionalmerte com suspensao ou resolutividade
A Sucessividade de dois legatários da propriedade para o tem pus mortis compõe a figura do fideicomisso do
segundo grau. Se o testador criou três legados sucessivos, sendo dois a tempo de morte, provâvelmente quis violar
o art. 1.739• Se legou a um a nua-propriedade e a dois outros, ou mais, sucessivamente, o usufruto, não construiu
fideicomisso; todos têm. de estar vivos, ou terá usado, a respeito dos que não estiverem, do art. 1.718.
4.QUESTÃO DE. ITENNEMANN. Se o testador institui a A “no usufruto” de todos os bens, passando, por morte,
a 8, na dúvida deve ter-se por fideicomisso. É a boa lição, após as velhas controvérsias de WISSENEAGH, CIIR.
ULE. LDW. HENNEMANN, Cmi. FR. vON GLÚCK (Ana •tiihrflche Erlãuterung der Pandecten, IX, 185), Cmi.
FR. VON MÚHLENBRUCR (Ausfiihrliehe Erlãuterung der Pandecten, 40, 184 s.). A solução que adotamos é a de
JOSEPH UNGER (System des ósterreichischen aligemeineu Privatrechts, VI, 95), interpretador finíssimo. Chama-
se questão de Cmi. Utu. LDW. HENNEMANN, porque foi posta por êle, no seu livrinho famoso (Untersuchung
zweier Frage, Schwerin u. Wismar, 1790).
5.USUFRUTO SUCESSIVO E FIDEICOMISSO. Nada obsta a que o testador faça sucessivo o usufruto, desde
que não infrinja o art. 1.789: “É minha universal herdeira A, minha mulher; a meu pai deixo o usufruto do prédio x,
que, por sua morte, passará a meu irmão B”. Aí, não há fideicomisso, e sim usufruto sucessivo; dizer nula tal verba,
por ser usufruto sucessivo, sem texto que comine a tais usufrutos a nulidade, constitui ato de ignorância e de
iniquidade, a que são levados os que aceitam como interpretações autênticas as notas apressadas e superficiais de
CLÓvIS BEVIÁQUA, já causadoras de injustiça sem conta no pais inteiro, neste e em muitos outros assuntos. De
ignorância: porque A não é, aí, fiduciária, de modo que pudesse haver três graus (na contagem da lei), A, o pai do
testador e B; de iniquidade: porque o intuito do testador foi prover, na falta do pai, à subsistência, educação ou
confôrto do irmão, e a solução, que se dá, extirpa, sem texto de lei, a vontade do testador. Dizer que se trata de
usufruto sucessivo e que a lei o proibe é julgar sem meditar, sob o influxo de livros italianos. Na Itália, o usufruto
sucessivo éproibido, mas, para isto, além do preceito que vedou fideicomissos, há o art. 901: “La disposizione,
coila quale é lasciato l’usufrutto o altra annualità a piú persone successivamente, ha soltanto effetto in favore dei
primi chiamati a goderne alIa morte dei testatore”.
No direito anterior ao Código Civil, admitia-se o usufruto sucessivo (FRANCISCO DE PAULA LACERDA DE
ALMEIDA, Direito das Coisas, 1, 899; Acórdão da 1a Câmara da Côrte de Apelação, de 14 de janeiro de 1915).
Há tantos usufrutos distintos quantas as pessoas chamadas a suceder no uso e no fruto, de modo que a sucessão vai
diretamente do decujo a cada um dos usufrutuários. O artigo 740 prevê, exatamente, tais usufrutos, e, se CLÓvIS
BEVILÁQUA opinou contràriamente, foi devido a não ter prestado atenção ao art. 740, que é claro.
Oassunto merece exame. A lei brasileira não proibe o usufruto sucessivo, nem inter vivos, nem causa mortis, salvo
quando dissimular o fideicomisso proibido. Na espécie, que apontamos, nenhuma razão existiria para considerá-lo
in frcudem legis. Se fideicomisso fôsse, seria, na linguagem da lei, do segundo grau; se usufruto sucessivo,
terminará com a morte de B. A própria lei brasileira construiu usufruto sucessivo: no art. 7443, mandou que, se
constituído a favor de dois ou mais indivíduos, se atendesse à vontade do testador quanto à sucessividade nos
quinhões. Mas a confusão de CLÔVIS BEVILÁQUA provém de (em muitos lugares da sua obra se vê> não
distinguir herdabilidade ou sucessividade de direito (sucessibilidade), que é noção conexa a direito de herança, e
sucessividade, que nada tem com herdabilidade e constitui fenômeno topológico no espaço e no tempo. Não lhe
exigiríamos que lesse os autores modernos; bastaria ler, em língua francesa, os mais corriqueiros: a C.
DEMOLOMBE, a K. 5. ZACHALIIAE VON LINGENTHAL, a MARCEL PLANIOL.
7.FIDEICOMISSO E OUTRAS CATEGORIAS JURIDICAS. A verba “instituo a A por meu herdeiro e, se êle o
entender, passarão os bens a E, por sua morte” não é fideicomisso, e sim recomendação, conselho. Mas, se diz
“peço-lhe que passe a E”, ou “deixo a Es’, ou “transmita a E”, há pedido, fides, e verba precativa induzem
fideicomisso.
Se o testador falou em fideicomisso e mandou que o herdeiro entregasse, desde logo, ao fideicomissário, os bens,
não há fideicomisso, no sentido do Código Civil (aliter, em Roma). Há um herdeiro e um legatário, tão-somente.
Se o testador mandou que se entregasse parte dos bens, cumpre examinar a verba (quaestio facti et voluntatis) : ou
compôs deixa testamentária a têrmo ou condicional, ou fideicomitiu, em verdade, os bens que compõem a parte.
Aqui, cabem os princípios de que antes falamos, para os casos duvidosos se há ou se não há fideicomisso. Entende
JosÉ TAvARES (Sucessões, 1, 448) que se trata de legado, e não de fideicomisso. Mas sem razão. Seria demasiado
apriorismo, e fideicomissos temos visto em que o testador fideicomitiu parte da herança. ‘Deixo a A os meus bens
disponíveis, devendo passar a B, quando completar 80 anos, um quinto da herança, que mando seja aplicado, desde
o meu inventário, em prédios, e A será fiduciário até a entrega”. “Deixo a A dez prédios, um dos quais, ou seis
sétimos da herança, à escolha dele, serão fideicomitidos a E, a quem passarão quando A morrer”.
A alusão à caução ou ao inventário não induz usufruto. porque o fiduciário também faz inventário e caução também
presta.
Se o testador deixa a A a obrigação de legados ou pagamentos de dívida, mais se deve pender para a instituição de
herdeiro do que para a nomeação de legatário. Em todo o caso, ficará aberta a questão: ~herdeiro de usufruto ou
fiduciário?
Se o testador disse “deixo a A os meus bens” e, adiante, “A terá o usufruto, passando a E”, trata-se de fideicomisso,
quia incompatibile est, escrevia BELLONO, eam esse heredem, et sic proprietariam, et hebere usumfructum”.
Em todos os casos que referimos; cumpre advertir em que pusemos interpretações, e não regras interpretativas ou,
com maioria de razão, dis positivas. “Deve sondar-se”, dizia MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA (Cole cão de
Disserta ções Juridico-práticas, 254), “a verossímiL vontade contra a superfície das palavras. Circunstâncias
extrínsecas não são de menor momento”. Sobretudo, é assaz grave a distinção “fideicomisso”, “usufruto” porque,
se fôr usufruto, morrendo o nu-proprietário E, os seus herdeiros sucedem na nua-propriedade; se fôr fideicomisso,
morrendo o fideicomissário E, consolidada fica a propriedade de A.
Se o testador deixou a duas pessoas, dizendo “a A o usufruto, sendo E, após a morte de A, legatário”, ~reputa-se A
herdeiro universal gravado de fideicomisso? Solução de velhos juristas. Contra, MANUEL BAGNA QUARESMA,
Díoao GUERREIRO CAMACRO DE ABOIM, MANUEL ÁLVARES PÉGAS, que têm a A por simples legatário
de usufruto e E, herdeiro único. Na verdade, os dois grupos de juristas procuravam construir regra dispositiva ou
interpretativa e daí a inevitável divergência. Ora, tal particularidade de exteriorização do querer não deve passar de
quaestio facti et voluntatis. Se o testador, outra vez ou várias vêzes, no testamento, chamou a A usufrutuário, ou
acentuou que a nua-propriedade iria, desde logo, a E, cindiu os direitos (nua-propriedade, usufruto). Não assim se
quer que ex nune comece o “direito de E”, porque êsse direito começa desde logo para E nu-proprietário como para
E fideicomissário. Se chamou herdeiro a E e legatário a A, mais se presta à construção do usufruto. Se diz “tão-
somente no usufruto”, é legado de usufruto. Se o testador emprega, em relação a E, o têrmo “substituo”, é
fideicomisso.
8.FIDEICOMISSO E PROLE EVENTUAL. Se a verba do art. 1.718 foi constituída como fideicomisso, há, no
tractus temporis, dono dos bens, que é o fiduciário. Poderá ser usufrutuário, porque nada obsta a que nua-
proprietária seja a prole eventual. Mas, construída sem fiduciário, e sem usufrutuário, administrará os bens da
sucessão, já e plenamente da. prole eventual, a pessoa que, pela interpretação, ou sob nomeação do juiz, deva ser o
depositário. É um curador da pessoa futura. “Curador à substituição”, dizia-se no velho direito francês, se bem que,
lá, a figura fôsse diferente. Nomeado pelo testador, ou pelo juiz, as suas funções devem obedecer, por analogia, aos
mesmos princípios que se aplicam à curadoria do nascituro. Aqui, concebidos e ainda não concebidos merecem os
mesmos zelos e proteção da lei. O testador tem direito de fazer tal nomeação (arts. 891, 1H, e 411, parágrafo
único), seja por testamento, seja por ato autêntico posterior ao ato constitutivo. Resta saber qual o juiz competente
para essa nomeação, se não há a do disponente, ou se faltar o nomeado por êle. Questão de competência, que toca
às organizações judiciárias. Se a lei não provê claramente, deve ser o juiz do testamento, até que se requeira, no
juízo de família e interditos (os chamados juizes de órfáos), a curatela do nascituro, essa, sim, de direito familiar, e
não sucessório. A solução francesa não serve, porque lá a figura dos arts. 1.048 e 1.049 participa da sucessão
legítima, requere tutor, e até confere direito de representação. No Brasil, é meramente testamentária, sem qualquer
ligação familiar.
9. DIREITO FRANCÊS. Proibem-se as substituições em geral (art. 896) ; permite-se um só fideicomisso a favor
dos filhos do pródigo, feito pelo pai ou mãe do fiduciário (artigo 1.048), ou por seus irmãos e irmãs, quando não
têm filhos (art. 1.049). Admite-se a representação (art. 1.051). Os fideicomissários têm de ser todos e igualmente os
filhos do gravado (art. 1.050). Só se refere à quantidade disponível (Paris, 4 de maio de 1899).
10. DIREITO ITALIANO. No revogado Código Civil italiano, art. 899, vedava-se o fideicomisso. Valia a primeira
instituição (art. 900), ao contrário do que se passa no Código Civil francês, art. 896. Também se proibiam os
usufrutos sucessivos e as anualidades sucessivas (art. 901), interpretando-se que alcançava todas as atribuições
sucessivas de anualidade (GIACOMO VENEZIAN, Legato di annualità successiva, Onoranze a V. Lula, 898 s.).
No Código Civil italiano de 1942, arts. 692-699, foi regulado o fideicomisso, O ad. 692 começa por dizer ser
válida a disposição com a qual o testador impõe ao próprio filho a obrigação de conservar e restituir à sua morte,
no todo ou em parte, os bens que constituem o disponível, a todos os filhos, natos e nascituros, do instituido ou a
favor de ente público. Na alínea 23 diz-se o mesmo a respeito, a propósito de instituído irmão ou irmã do testador.
Na alínea 83 e na alínea 43, precisa-se que as outras substituições (fideicomissárias, entenda-se) são nulas.
11. DIREITO ALEMÃO. A pós-herança foi ampla e minuciosamente tratada (§§ 2.100-2.146). A instituição
tornar-se-á sem efeito trinta anos após a abertura da sucessão, se a passagem não se realizou antes disso; salvo: se
foi para o caso de acontecimento a operar-se na pessoa do pós-herdeiro, ou do pré-herdeiro, e êle vive; se, feito
para o caso de nascer irmão ou irmã ao herdeiro anterior ou ao pós-herdeiro, designado tal irmão ou irmã como
pós-herdeiro (§ 2.109). Se o pré-herdeiro ou pós-herdeiro em cuja pessoa deve realizar-se o fato fôr pessoa jurídica,
o prazo é o de trinta anos (§ 2.109, 23 alínea).
12. DIREITO PORTUGUÊS. O revogado Código Civil português, art. 1.866, definia o fideicomisso; e o art. 1.867
proibia, para o futuro, “as substituições fideicomissárias, exceto: a) Sendo feitas por pai ou n4e nos bens
disponíveis, em proveito dos netos, nascidos e por nascer; b> Sendo feitas em favor dos descendentes, em primeiro
grau, de irmãos do testador”. O fideicomissário adquiria direito à sucessão, desde o momento da morte do testador,
ainda que não sobrevivesse ao fiduciário. Êsse direito passava aos seus herdeiros (ad. 1.868’>. A nulidade da
substituIção fideicomissária não envolveria a nulidade da instituição ou do legado: apenas se haveria por não
escrita a cláusula fideicomissária (ad. 1.869).
No nôvo Código Civil português (1966), também se começa pela definição de fideicomisso (aliás, no art. 2.286, em
que está a definição fala-se de “substituição fideicomissária)
4’Diz-se substituição fideicomissária, ou fideicomisso, a disposição pela qual o testador impõe ao herdeiro
instituído o encargo de conservar a herança, para que ela reverta, por sua morte, a favor de outrem; o herdeiro
gravado com o encargo chama-se fiduciário, e fideicomissário o beneficiário da substituição”. Acrescenta-se, no
art. 2.287, que “pode haver um só ou vários fiduciários, assim como um ou vários fideicomissários”. No art. 2.288
está dito: “São nulas as substituições fideicomissárias em mais de um grau, ainda que a reversão da berança para o
fideicomissário esteja subordinada a um acontecimento futuro e incerto”. A referência a um grau, em vez de dois,
afastou o êrro da expressão que exprobramos ao Código Civil brasileiro, art. 1.789, desde 1985 (Tratado dos
Testamentos, IV, 248). No art. 2.289, o Código Civil português estatui que a nulidade da disposição fiduciária não
envolve a da disposição fideicomissária, ou da “substituição anterior” (quer dizer: a do grau proibido não atinge a
do grau permitido, que, em boa terminologia, é o único que se permite). O art. 2.290 cogita de direitos e obrigações
do fiduciário; o artigo 2.291, da alienação ou nomeação de bens. Há, ainda, os arts. 2.292, sôbre os direitos dos
credores pessoais do fiduciário; o art. 2.298, sôbre devolução da herança do fideicomissário; o art. 2.294, sôbre atos
de disposição do fideicomissário; o art. 2.295, sôbre fideicomissos irregulares. Finalmente, o artigo 2.296, onde se
diz que “o disposto na presente subseção é aplicável aos legados”, o que ou explicita o art. 2.286, onde “herança”
estaria em censo largo, ou o corrige, porque lá de legado não se fala.
18.DIREITO ARGENTINO E OUTROS. O Código Civil argentino repele o fideicomisso (art. 8.782). Como êle, o
uruguaio, art. 865, o boliviano, art. 503, e o mexicano.
1. SUCESSÃO NECESSÁRIA. As disposições negativas dos testadores podem ser contra a sucessão necessária e
contra anteriores disposições dos testamentos e codicilos Contra a sucessão necessária será preciso que se funde em
causa legal. Contra as outras disposições, cabe ao testador plena liberdade. O perdão do art. 1.597 constitui
disposição positiva.
1. PERMISSÃO DE GRAvAÇÃO. Aos testadores é permitido gravar com restrição de poder as deixas
testamentárias ~, até, as quotas dos herdeiros necessários (art. 1.728). Resta saber se tal possibilidade ocorre quanto
aos usufrutos e fideicomissos. Nenhuma dúvida quanto às substituições, porque o substituto é herdeiro, como teria
sido o instituído, se não tivesse faltado. Mas faltou e o substituto o é, no lugar do deficiente. Nada obsta a que o
testador clausule os bens, se o instituído primo toco fôr o herdeiro, e não os clausule, se se operar a substitu7çâo,
ou a que os clausule nesse caso e não naquele.
Se o testador tiver clausulado bens de usufruto, ter-se-á de interpretar a verba segundo as regras estudadas sob o
art. 1.666, porque o usufruto é personalissimo (art. 717). Aqui, a alienabilidade deve entender-se quanto ao
exercicio e quanto à cessão ao nu-proprietário. Urna vez aceito o usufruto que o testador disse “inalienável”’,
entende-se que não pode ser extinto pela cessão ao nu-proprietário (única que o art. 717 permite), nem cedido o
exercício. A imnenhorabilidade é perfeitamente admissível e concerne aos proveitos (utilidades e frutos).
4.PLURALIDADE DE FIDUCIARIOS. Se forem dois ou mais os fiduciários, nada obsta a que o testador clausule
o que deixa a um ou alguns e não clausule o que deixa aos outros. Pode ordenar a combinação que mais lhe
agradar.
6. PROLE EVENTUAL. A figura do ad. 1.718 também é suscetível de clausulação. Os bens serão inalienáveis
desde a abertura da sucessão, porque a prole eventual não é fideicomissária, e sim pleno herdeiro, conforme foi
dito. Se ficar demonstrada a ineficácia, ter-se-á de indagar se a causa da inalienabilidade foi objetivamente fundada
(por afeição àcoisa, como a fazenda, a casa de morada) ou subjetivamente (devido aos herdeiros, à prole eventual).
No primeiro caso, os que recolherem a herança tê-la-ão gravada; no segundo, recebê-la-ão sem cláusula.
7. LEGADO Á TÉRMO E SOB CONDIÇÃO. Nos legados a têrmo e nos condicionais, será possível clausular o
bem no caso de ir ao legatário, ou de ir a outro legatário, ou ficar ao herdeiro, ou no caso de ficar a qualquer
onerado.
Nos legados sucessivos, o primeiro, o segundo, e os demais, podem ser indistintamente clausulados ou não.
8.INALIENABILIDADE DOS BENS TESTADOS. A inalienabilidade dos bens testados pode subsistir para o
nomeado e para aqueles que herdar a fidÚcia ou o direito do fideicomissério; porém não valerá quando, extinto o
fideicomisso, os herdeiros do fiduciário ou do fideicomissário receberem os bens.
A inalienabilidade dos bens do herdeiro da fidúcia (para o distinguir do herdeiro do ex-fiduciário com a
propriedade plena) não constitui dissimulação da figura pro!bida pelo artigo 1.789, porque só há, na linguagem da
lei, dois graus: uma fidúcia, se bem que, no mesmo grau, diferentes sujeitos, e uma só resolução. A situação é
inconfundível com a inalienabilidade para duas vidas, O testador disse: “Deixo a A e seus herdeiros, passando a E
quando tiver 40 anos”; a verba é de fidúcia herdável. Se adiante diz “inalienável o bem durante a fidúcia~~, ou
‘‘não podendo A, nem seus herdeiros, alienar’’, vale a clausulação; porque vige, até que B complete 40 anos: a
morte de A, no interregno, não altera a fidúcia, nem obriga à figura da inalienabilidade para duas vidas.
Dir-se-á o mesmo quanto às verbas do seguinte teor:
“deixo a A, passando a E, por morte de A; se B premorrer. será herdável o fideicomisso”; “deixo a A, passando,
findos 20 anos, a E, herdável o direito dêsse”. Não há fideicomisso de duas fidúcias: A é o único fiduciário; E
receberá, ou não receberá e irão os bens aos seus herdeiros. Se E renuncia, nenhum direito terão os herdeiros dele,
porque se estabeleceu a herdabilidade, e não a substitztíção (o que é também possível). Se E morre antes de A, ou
antes dos 20 anos os seus herdeiros sucedem no seu direito. A fidúcia continua a mesma com o grau unico até a
morte de A”, ou “findos os 20 anos
9. EXTINÇÃO DO FEICOMISSO. Extinto o fideicomisso. tudo muda. O fiduciário não é mais fiduciário; ou
morreu, ou perdeu os bens pela resolução; ou se tornou plena a sua propriedade. O fideicomissário já não o é: ou
morreu, sem herdabilidade do seu direito, ou os bens lhe vieram, e é pleno proprietário, e não mais fideicomissário.
A clausulação que apanhasse a propriedade dele e a dos seus herdeiros após a extinção do fideicomisso teria
composto a inalienabilidade de duas vidas, além da fidúcia. Violaria o art. 1.789.
18.DÚVIDA QUANTO A CLÁUSULA. Sempre que o testador disser que é inalienável a herança fideicomissária,
entender-se-ão inalienáveis direito e bens. Se disse bens, na dúvida quis referir-se a bens e direito.
Se o testador escreveu a cláusula, depois de frisar que um ou alguns bens têm, para êle, “valor especial de ligação à
família, ao passo que os outros não têm”, e há dúvida quanto a ser àqueles ou a todos que se refere a cláusula de
restrição de poder, o que se há de assentar é que só aqueles são inalienáveis e impenhoráveis, ou só inalienáveis a
estranhos.
Se o testador disse que não quer que saia da família a propriedade de algum bem ou de alguns bens, não fêz
inalienável a membros da família o que deixou.
CAPÍTULO XVIII
DESERDAÇÃO
1.CLÁUSULA DESERDATIVA. Diz o Código Civil, artigo 1.741: “Os herdeiros necessários podem ser privados
de sua legitima, ou deserdados, em todos os casos em que podem sere excluídos da sucessão”. E no art. 1.742: “A
deserdação só pode ser ordenada em testamento, com expressa declaração decausa A privação da herança aos
herdeiros legítimos não-necessários não é deserdação, porque somente depende da livre vontade do testador. Não
se exige causa para isso. A deserdação, sim, há de ter causa, como ocorre, embora em virtude de ação proposta por
outrem que o testador, com a indignidade. (No direito alemão, acertam os juristas que evitam chamar Enterbung à
simples exclusão, que é Ausschliessunq.) O herdeiro legitimo não-necessário somente herda porque não houve
cláusula testamentária que o excluisse, ou dispusesse dos bens que êle herdaria, O testamento é que importa, razão
por que se diz intestada a sucessão legítima não-necessária. A necessária, essa, é imposta pela lei; não só conforme
a lei, como a legítima não-necessária. O testamento é apenas o meio para que o decujo deserde, isto é, invoque
alguma causa de deserdação e manifeste a vontade com o enunciado de fato, sujeito a prova posterior, quando
aberta a sucessão. Não há, no sistema jurídico brasileiro, figura jurídica de que lance mão o decujo para pré-excluir
a sucessão pelos herdeiros legítimos não-necessários. Éles só ocupam o lugar de herdeiros se o testador não dispôs
de todos os bens, ou se o decujo não testou. O que se há de frisar é que os herdeiros legítimos necessários também
são herdeiros legítimos e herdam se o decujo não testou quanto a todos os bens da porção disponível, ou se não
dispôs em testamento.
Se o decujo dispôs de todos os bens, que iriam aos herdeiros legítimos não-necessários, fêz o que lhe era dado fazer
como quisesse. No caso de os herdeiros legítimos serem necessários, há a porção disponível. Se de todos os valôres
que nela cabem dispôs o testador, não excluiu os herdeiros legítimos, porque, então, êles somente herdariam na
falta de disposições testamentárias. Tudo se passa, em caso de disposição integral, como se o herdeiro renunciasse:
não foi herdeiro o que teria sido herdeiro legítimo.
2. SUCESSÃO E DESERDAÇÃO. No Tomo LV, §§ 5.631 e 5.632, tratamos da deserdação, que se prende à
sucessão necessária, porque só se deserdam herdeiros necessários. Os herdeiros legítimos não-necessários são
afastados sempre que se dispõe dos bens que lhes seriam atribuidos, ex lege, se não houvesse deixas que os
atingisse. Privar o herdeiro legítimo da herança, ou privar das heranças os herdeiros legítimos, se não há a
necessariedade, resultante das regras jurídicas típicas, não é deserdar.
Mas, ao lado dessa particularidade, que se inclui na sucessão legítima (aliás, na sucessão legitima necessária) há
o veículo, digamos assim, com sue se chega a deserdar, a cláusula testamentária, “com expressa declaração de
causa”. Através do testamento é que pode haver deserdação, e só-mente através dele.
Dai têrmos de volver ao assunto, sem repetição estrita do que fôra dito ao cogitarmos da deserdação no Tomo LV,
§§ 5.631 e 5.632.
O testador de modo nenhum precisa apontar a causa (aliás, o motivo) por que excluiu da herança o herdeiro
legítimo não-necessário ou os herdeiros legítimos não-necessários. A deserdação, essa, tem de ter causa. Há de
haver, no testamento, a declaração da causa, e o herdeiro instituído ou aqueles a quem aproveite a deserdação há de
provar a veracidade da causa. A exclusão por indignidade tem características de que falamos no Tomo LV, §§
5.600-5.608, e concerne à sucessão em geral.
Quando o testador dispõe de tudo de que poderia dispor, os herdeiros legítimos não herdam (o que pode acontecer
éque sejam herdeiros testamentários ou legatários). Ai não houve exclusão. Em verdade, diante da lei que daria
direito a essas pessoas, o que se dá é pré-exclusão.
3. DIREITO ROMANO. Herdeiro é o filho, o sutis. Tudo mais vem depois, inclusive o testamento. Talvez a
deserdação seja anterior a êsse; era preciso deserdar, para que o testamento pudesse existir. No comêço, o
automatismo do filho que sucede ao pai no culto e no poder. Deserdado O suus, vem, após, a instituição. O pater
famílias impede o direito do filho, abscidit jus filil. A instituição é initium et caput totius testamenti; mas
pressupõe a ~eserdação. Os sui têm a qualidade de herdeiro; é preciso tirá-la. A exheredatio anteposta à instituição
operou para todos os graus. Se o foi ab un&tS persona, o testamento seria inexistente. Assim devemos ler a L. 3, §
2, D., de tiberis eL postumis heredibus instituendis vei exheredafldis, 28, 2. A referência à exheredatio post aditam
heredit atem significa: não vale a deserdação, porque, então, é impossível; o testador quis nulamente, pois
encontraria herdeiro ab intestatO. No texto de POMPÔNIO, a passagem de quaedam enim até habebunt deve ter
sido interpolação.
Qualquer que seja a sociedade, no comêço o que se vê éa passagem automática dos bens aos filhos. Daí, em Roma,
ter o pater familiaR de instituí-lo ou deserdá-lo (sucessão iformalmente necessária). No carnê ço, há mais
continuidade familiar, orgânica, que sucessão. Depois o suus, ou é herdeiro abintestato, ou ex testamento, ou
deserdado.
A deserdâção não pode ser condicionada a qualquer acontecimento; porque tem de preceder a tudo (L. 3, § 2, D.,
de liberis et postumis heredibus institzwtidis vel exheredandís, 28, 2). Certo, dependia da eficácia da instituição
mas sem condição, porque, se assim não fôsse, não valeria (L. 77, D., de div ersis regtius iuris antiqui, 50, 17).
Tudo mostra que a deserdação era logicamente pressuposta pela instituição. Nem a deserdação nem a instituição
eram patrimoniais.
4. FUNDAMENTO. ~,Qual o fundamento da deserdação? Não deveria ser uma pena; à alma contemporânea só
serviria a alegação de não caber a sucessão necessária quando, com a morte do decujo, o herdeiro não precisa, é um
desligado da família, de que não deve receber proveitos. Mas verdade é que o Código Civil manteve o caráter
odioso de pena, reflexo assaz compreensível do individualismo estacionário do direito das sucessões.
5. DESERBAÇÃO PARCIAL. O Código Civil brasileiro não fala em deserdação parcial. Donde dizer-se que o
sucessível ou herda, ou não herda. Mas o alemão também não falou; e nem por isso a doutrina deixou de admiti-la
(F. HERZPELDER, Erbrecht, J. v. Staudingers Kommentar, V, 988).
~ de perguntar-se se a deserdação pode ser parcial; e.g., quanto a dois terços da quota necessária; quanto às frações
da quota necessária que corresponda aos dois prédios da cidade de São Paulo, o deserdado terá apenas a pensão de
x cruzeiros (HORAz KRASNOPOLSKI e BRUNO KAFKA, Lehrbuch dos Õsterreichischen Privatrechts, V, 230).
O pai ou outro ascendente, que deserda algum descendente, pode fazer-lhe legado <MANUEL DE ALMEIDA E
SOUSA, Notas de uso prático e críticas, III, 843 s.). O que não se lhe permite é deserdar sob condição, ou com
têrmo 7 MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, III, 842). Isso não significa que não possa o testador, que tem dúvida
sôbre a causa de deserdação, subordinar a eficácia da cláusula deserdativa à prova, ou à confirmação, ou à
permanência do que foi alegado (e.g., “deserdo B, porque me disseram que teve relações sexuais em minb%a casa,
em que mora, mas se isso fôr provado”; “deserdo C, que está acusado, em juízo criminal, de ter-me, no es curo,
ofendido fisicamente”; “deserdo O, se, na verdade, me injuriou gravemente, na reUnião de tal lugar”>.
Também vale a cláusula deserdativa em que o testador disse deserdar o descendente, ou o ascendente, se até a sua
morte não houver retirado as injúrias graves.
A deserdação do direito moderno concerne aos herdeiros a que toca a porção necessária, e tem de ser com expressa
declaração de causa (art. 1.742). Não é simétrica à instituição, como em Roma; o testador pode deserdar, sem
instituir.
6. PERDÃO DA CAUSA DA DESERDAÇÃO. A lei brasileira não inseriu regra jurídica sôbre o perdão. Resta
saber se, perdoada a ofensa ou injúria, cabe aplicar-se a pena. (Na lei brasileira, a deserdação é pena e como pena
temos de raciocinar.) Quando se trata de causa de indignidade, a lei exige o ato autêntico ou o testamento (art.
1.597). ,Quid iuris, nos casos dos arts. 1.744 e 1.745?
A simples reconciliação do testador com o deserdado não invalida a deserdação (M. A. COELHO DA ROCHA,
Instituições de Direito Civil português, § 854). ~E nos casos de atos concludentes do perdão, do esquecimento?
Mais: o testador, depois de fazer o testamento deserdativo, adianta a quota ou parte da quota necessária? ~O
perdão é um ato jurídico em sentido estrito (PETn KLEIN, fie Rechtshandlungen im engereu Sinne, 117 5.; MAx
NADLER, Regriff, juristische Natur und rechtl. Beh,andlung der Verzeihung, 43 s.; EDUARD FREUDENEERO,
fie Verzeihung nach. den Bestimmungen des .8GB., 4 s. e 23 s.), ou simples fato (WALTER REHDANS, Begrif 1.
.iuristische Natur und rechtl. Beh,andlung der Verzeihung, §§ 8 s.), que não precise de outras exigências para
existir? A. MÁNICK (WillenserkWrung und Willensgeschãft, 297 s. e 629) entendia que não é, sequer, declara $o
de vontade. No caso do art. 319, II, não seria simples fato: exige, por exemplo, o agente capaz; não estaria
perdoado o adultério, se o cônjuge inocente, louco, coabitasse com o culpado. No caso do artigo 1.597,
evidentemente. Se admitirmos que pode haver perdão ao deserdado nos casos dos arts. 1.744 e 1.745, em ato
autêntico ou testamento, a situação é a mesma. De modo que o problema se restringe ao perdão tácito, ou expresso,
fora de ato autêntico ou testamento.
a)Se pode haver perdão expresso, sem ser com as formalidades do art. 1.597, que só se refere ás causas
enumeradas no art. 1.505, e se cabe o perdão tácito (que a doutrina alemã admitiu, se bem que a lei, § 2.337, não o
tenha dito), temos de raciocinar com o ato jurídico, que infirmaria a disposição, como se dá com o testamento
posterior inconciliável (art. 1.747, parágrafo único).
b)Se não há perdão ato jurídico fora das formas do art. 1.597, temos de apreciá-lo como fato. Sendo fato, êle
atuará: a) como elemento de interpretação para se ajuizar da veracidade e da gravidade da injúria; b) como indício
contrário a outros indícios; o) para a invocação da pressuposição ou da cláusula rebus sic stantibus; d) como
elemento complementar na prova do Erro do testador. Tal o domínio típico do fato.
Parece-nos que a solução brasileira é a do caso b), mas trata-se de fato que corresponde à ação jurídica stricto
sens/t de PETER KLEIN. O testador pode perdoar por ato autêntico, ou testamento, nos casos do art. 1.595 e nos
dos arts. 1.744 e 1.745; fora disso, constitui matéria de fato, porém de fato com consequências jurídicas.
Em todo o caso, o assunto não se esgota com a solução que demos. ~ Quid iuris, se o testador, depois de fazer o
testamento deserdativo, nomeia, em codicilo, o deserdado? Ora, seria absurdo deixar de considerar invalidada (in
firmada, artigo 1.747, parágrafo único) a deserdação: seria admitir que exercesse a função de testamenteiro o
deserdado, quando, examinadas as duas situações, elas são flagrantemente incompossíveis; entre o texto do
codicilo, em matéria sôbre a qual o codicilo pode dispor (art. 1.653), e o texto do testamento anterior, há
contradição, choque, incompatibilidade, portanto é o caso do art. 1.747, parágrafo único. Se tal caminho não
tomarmos, teremos ferido a vontade do testador, contra o que nos ordena o art. 1.666. Donde têrmos de dizer: a
nomeação do deserdado para testamenteiro, em testamento posterior ou codicilo, induz ter-se infirmado a
deserdação. O mesmo raciocínio far-se-á para a nomeação de inventariante, que gere coisas suas e só
excepcionalmente coisas dlheias. De qualquer modo, está infirmada a deserdação. Não podemos fazer o mesmo
raciocínio para as causas do art. 1.595, porque o artigo 1.597 é decisivo: o codicilo só terá o efeito do art. 1.597, se
fôr por ato autêntico.
7. DEIXA AO DESERDADO. Pode acontecer que a nomeação do deserdado para quota pequena ou legado em
testamento posterior seja sem infirmação da deserdação. Basta, para isso, que o diga o próprio testador, ou
convincentemente resulte do testamento. É o que aconteceria quando, no mesmo testamento, o testador deserdasse
alguém e o nomeasse herdeiro testamentário ou legatário. Aqui, ainda poderá suceder que o testador diga: “Deserdo
a A pela causa x dos arts. 1.744 e 1.745 (art. 1.595), mas, como só a êle, que é honesto em matéria de dinheiro,
posso confiar o cumprimento do meu testamento e a segurança dos meus outros filhos menores, lego-lhe tanto, e
nomeio testamenteiro e inventariante”. O vulgar é que sejam incompossiveis a deserdação e a deixa, ou, com
maioria de razão, a testamentaria e a inventariança; porém, aí, foi o próprio testador que pôs ao vivo os seus
sentimentos, que cindiu a situação afetiva do herdeiro. Ou n’eM pas seulement ce qu’on est surtout; e o duro, o
violento, o ofensivo dos artigos 1.744, 1, e 1.745, 1, pode ser um impoluto, um homem de rija honestidade
peduniária. Os homens boníssimos, amáveis, diz-nos a psicologia contemporânea, são pecuniàriamente fracos.
O fato, por mais grave que seja, que se não subsumir nos arts. 1.744 ou 1.745, não pode ser causa de deserdação.
Em todo o caso, os inciso~ 1 e II dos arts. 1.744 e 1.745 são assaz amplos. O que não se admite é a interpretação
analógica. Assim, o casamento da filha sem o consentimento do pai não é injúria a êsse. Nem o é o pedido de
interdição dêsse (F. HERzFELDER, Erbrecht, J. v. Staudirgers J≤ommentar, V, 990). Se o pai nega consentimento
ao filho para casar, ou para outro ato, ou pede a interdição dele, o filho não pode, por êsse fato, deserdá-lo. Questão
grave será se o filho intenta contra o pai uma das ações dos arts. 394 e 895, a favor de outro filho do decujo. O
pedido, em si, não constitui injúria grave, máxime se vitoriosa a ação. Se foi julgada improcedente, é questão de
fato saber se houve ou não o animus iniuriandi.
A declaração deve ser especial e compreensível, concreta: não basta a citação do artigo da lei, ou do inciso, salvo se
isto é suficiente, na espécie, para caracterizar (cp. LUDWIG ScHIFFNER, Pflichtteil, Erbenausgleichung und
sonstigen gesetzlichen Vermdchtnisse, 74). Mas, para que a indicação da causa seja especial e, pois, suficiente, não
é preciso narrar os fatos (Orno WARNEYER, Kommentar, II, 1801).
10. NULIDADE DA DESERDAÇÂO. A deserdação é nula, se nulo o testamento; anulável, se êsse ou a disposição
o é. Poderá ser nula ou anulada, sem o ser o testamento, nos casos em que as disposições testamentárias o são, sem
que se eive de nulidade absoluta ou relativa o testamento que as contém.
A deserdação supõe ato reprovável ao deserdado. Exige-se que, ao praticá-lo, seja responsável (F. LEoNHARD, em
GEORO FROMMHOID, Kommentar zum RGB., 516) : o louco que fere o pai, ou o injuria, a filha imbecil que se
prostitui, ou o filho ou pai demente que pratica os atos dos arts. 1.744, IV, e 1.745, III, ou sucessível louco, que
desampara o pai ou descendente nos casos dos arts. 1.744, V, e 1.745, IV, não podem ser deserdados.
Por outro lado, agora objetivo, 1. o ato praticado em legitima defesa e em estado de necessidade não pode ser
invocado como causa de deserdação (Orno WARNEYER, Kominentar. II, 1299).
Se bem que os casos dos arts. 1.744, 1 e II, e 1.745, 1 e II, correspondam a conceitos de crimes, não é preciso, para
o efeito deserdativo, que tenha havido decisão penal (Orno WARNEYER, Kommentar, II, 1299).
O érro quanto à pessoa ou quanto ao fato, que constitui causa legal, anula a deserdação; mas, se é quanto ao fato,
melhor será impugnar a prova que o herdeiro legitimo, o instituído ou a pessoa interessada terá de fazer da
veracidade da causa (art. 1.743, parágrafo único).
11.~,PODE O DESERDADO HERDAR EM VIRTUDE DE TESTAMENTO? Há dois casos: a) Testamento
anterior. Se a causa da deserdação coincide com a da indignidade (arts. 1.744, pr., 1.745, pr., e 1.595), não há
questão: provado o fato, estará excluído o herdeiro testamentário, como estaria o legitimo. O próprio legado não
poderá cumprir-se (art. 1.595). Se não coincide, isto é, se constitui um dos casos especiais do art. 1.744 ou 1.745,
cabe a solução de se interpretar a deserdação posterior como infirmação do testamento anterior (art. 1.747,
parágrafo único). Presunção hominis. b) Se, no mesmo testamento, em que deserda alguém, o testador contempla o
deserdado, a pena não deve prejudicar o benefício: assim como o testador podia perdoar no caso da indignidade,
desde que o fizesse por ato autêntico ou testamento, pode fazê-lo no próprio testamento, ou não o fazer e
contemplar em parte.
Ora, se pode nos casos em que a deserdação coincide com a indignidade, a fortiori nos enumerados pelos arts.
1.744 e 1.745.
Pode ser feita a deserdação para o caso de vir o herdeiro a ser culpado de algum dos atos dos arts. 1.744 e 1.745,
até a morte do testador? Assim (A. SCHMIDT, Das formelie Recht der Notherben, 164; JOSEPH UNGER, Syst
em, VI, 854) ; e não se pode falar de ato depois da morte do testador, porque, à abertura da sucessão, o direito do
herdeiro se concretizou (A.SCEMIDT, Das formelte Recht der Notherben, 164 s.; JOSEPH UNGER, System, VI,
854). Aliter, quanto ao instituto da indignidade.
14.DISSIPAÇÃO. A dissipação não foi posta entre as causas de deserdação. Isso prova o retrógrado caráter de
vindita que têm os arts. 1.741-1.745 do Código Civil. O Código Alemão II, 8, § 16, 18, consagrava a ezheredatio
bona mente, tirada do direito comum, que a recebera do romano (E. RoSENEERO Die Enterbung in guter Absicht,
1 s.). O Código Civil alemão, § 2.888, dedicou-lhe excelente regra jurídica.
16.HERDEIROS DOS HERDEIROS; CESSÃO DOS DIREITOS. O direito de propor a ação para provar a causa
não é personalíssímo; passa aos herdeiros do beneficiado. Também não o é o do deserdado para impugnar a
deserdação. Um e outro são cessíveis.
18.RENÚNCIA E PERDÃO. ~É renunciável o direito de deserdar? Claro que o contrato seria nulo: violaria a
liberdade de testar (A. SCHMIDT, Das formelte fcecht der Notherb eu, 166), contravindo o art. 1.089. Igualmente,
a promessa de não deserdar (CHR. Fa. VON MÚHLENBRUCH, em CHR. FR. VON GLÚCK, Ausfiihrliche
Erlituterirng der Pandecten, XXXVII, 186). Mas é possível o perdão (art. 1.597), se livre.
19.CLÁUSULA TESTAMENTÁRIA E PARTE DE CLÁUSULA. A deserdação pode ser parte de uma cláusula
testamentária, ou constar de duas ou mais cláusulas, que se completem, ou se repitam, ou se refiram a duas ou mais
causas de deserdação.
A explicitude é elemento indispensável. Se, por exemplo, o testador falou de algum ato do herdeiro necessário, que
exprobrou, sem se referir a deserdação, ou sem exprimir tal vontade, não se pode considerar suficiente o que disse.
Se há a declaração de vontade, explícita, mas omitiu o nome, sem que isso crie indeterminação da pessoa, tem-se
por existente e válida. Na prova, que o interessado fizer, há de estar o nome.
Quanto à causa, pode o testador só aludir à figura, que conste do texto legal, de modo que a prova é que há de
precisar qual foi o ato causador da deserdabilidade.
O ato-causa, que o testador menciona, foi, e não podia deixar de ser, anterior à feitura do testamento, de jeito que a
prova de ato posterior é impertinente, salvo como confirmativo.
O testamento há de ser válido e válida a cláusula deserdativa. Se, por exemplo, houve pressão do outro herdeiro, ou
de terceiro, para que o testador lançasse a cláusula, a violência dá causa à anulabilidade.
Se a causa que o testador invocou não é, pelo sistema jurídico brasileiro, inserta como causa de deserdação, a
disposição não tem qualquer eficácia. Se foram mencionadas duas ou mais causas, e só uma o é, ou se só algumas o
são, a nulidade da cláusula omissiva não atinge a outra cláusula, ou as outras cláusulas.
A interpretação de cláusula deserdativa há de ser estrita. A causa há de ser determinada e verdadeira, razão por
Que se tem de exigir a prova, que há de ser, sempre, em juízo. Os meios de prova são quaisquer, conforme os
princípios
gerais; e o deserdado pode fazer a contraprova. Não afasta a deserdabilidade a referência dêsse a qualquer motivo,
que, em direito, não retire a causa deserdativa.
O testador pode no testamento somente inserir a cláusula de deserdação, isto é, não nomear herdeiros, nem
legatários. Então, há a sucessão legítima, pelos herdeiros necessários, se os há, ou pelo herdeiro necessário, se só
há um, ou pelos herdeiros legítimos, inclusive o Estado.
O testador pode ter deixado as provas da causa, quer com algum interessado, quer em cofre, quer em simples
menção do ato judicial (e.g., ação criminal por injúria, ofensas físicas, tentativa de morte, denúncia caluniosa,
adultério como fundamento de desquite). O interessado aproveita o que se pro
-vou, e pode ser o próprio Estado, que tenha o interêsse, como sucessível legitimo.
O deserdado, enquanto não se faz prova da causa deserdativa, fica em posição de simples acusado. Todavia, pode
propor ação declaratória da falsidade da causa ou da inadmissibilidade da deserdação perante a lei. Se o deserdado
faleceu após o testador, a legitimação para tais ações têm-na os seus herdeiros ou legatários.
Discutiu-se, em caso de deserdação, se herdam os descendentes do deserdado. A propósito da exclusão, há o art.
1.599:
“São pessoais os efeitos da exclusão. Os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se êle morto fôsse (art.
1.602)”. Não há igual regra jurídica no tocante à deserdação. Daí terem alguns juristas e juizes sustentado que os
descendentes do deserdado não herdariam, porque a representação não poderia ocorrer. Ora, seria estender-se aos
descendentes e aos filhos de irmãos o que havia de ser pessoal: a pena. Contra isso sustentamos que o art. 1.599
tem de ser interpretado como relativo à exclusão e à deserdação. Certa, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a
10 de julho de 1950 (A. .J., 97, 45; -cf. Tomo LV, § 5.632, 5).
Se não se prova a causa da deserdação, tem-se de atender à quota necessária de que foi deserdado sem a
superveniência da prova. Reduzem-se as deixas testamentárias que ofenderiam o direito sucessório do herdeiro cuja
deserdação ficou sem efeito. Não se diga que, com isso, ficam nulas as disposições testamentárias que
prejudicariam a legítima necessária. Não há, aí, invalidade, êrro em que incorreu a 2,a Câmara Cível da Côrte de
Apelação do Distrito Federal, a 5 de abril de 1927, confirmando sentença da 1~a instância. O caso é de redução das
disposições testamentdria>s (Código Civil, art. 1.727 e §§ 1.0 e 2.0), e não de invalidade. Não se confunda como
ser inválido o ser ineficaz.
Se o deserdado morre após o testador, os seus descendentes têm o direito que caberia ao deserdado se deserdado
não tivesse sido. São personalíssimos os efeitos da deserdação.
O testador pode ter deserdado o descendente e os descendentes ou alguns ou algum descendente dêsse. Por outro
lado, o deserdado pode deserdar o descendente ou os seus descendentes ou alguns deles. Aí, a sucessão nada tem
com a do testador, porque há de constar do testamento do deserdado. Na sucessão do ascendente deserdante, só
êsse pode deserdar o descendente, ou alguns ou todos os descendentes do deserdado.
21.REvOGAÇÁO DA CLÁUSULA DESERDATIvA. Se advém. outro testamento em que se não reproduz nem se
alude à cláusula de deserdação, essa foi revogada. Todavia, se terceiro testamento revoga o segundo, tem-se de
averiguar se permaneceu, ou não, a vontade do testador manifestada no primeiro testamento. O perdão é sempre
revogável. Pode ocorrer que o terceiro testamento mantenha, ou não, a cláusula de deserdação.
Se o testador dispôs dos bens que estariam na quota necessária sem precisar que deserdara, deserdação não houve.
O favorecido ou outro interessado não pode fazer prova da. causa de deserdação, que não fôra objeto de cláusula
deserdativa.
Se o testador, no nôvo testamento, diz que fôra alguém injusto em atribuir ao deserdado atos que êle não cometera,
é de supor-se que um dos atos foi aqueles a que no testamento anterior se referiu como causa da deserdação.
Se advém sentença em que se julga não ser descendente do testador a pessoa deserdada, de nenhuma deserdação se
há de cogitar porque não existiria quota necessária.
1.INEFICÁCIA DA CLÁUSULA DESERDATIVA. Diz o Código Civil, art. 1.748: “Ao herdeiro instituído, ou
àquele a quem aproveite a deserdação, incumbe provar a veracidade da causa alegada pelo testador (art. 1.742) “. E
no parágrafo único:
“Não se provando a causa invocada para a deserdação, é nula a instituição, e nulas as disposições, que prejudiquem
a legitima. do deserdado”.
2. CORRESPONDÊNCIAS. Cp. Código Civil alemão, § 2.886, g•a alínea; português revogado, arts. 1.881 e
1.882;
espanhol, arts. 850 e 851; argentino, art. 3.746; austríaco, § 771; suíço, art. 479.
4.SITUAÇÁO OBJETIVA, PENDENTE A PROVA. ~ Com quem ficam os bens antes da sentença que julga
provada a deserdação?
A.J. GOuVEIA PINTO (Tratado regular e prático dos Testamentos e Sucessões, 6•a ed., nota 121, 151 s.) entendia
do seguinte modo: “declarando o testador a causa, pertence ao herdeiro instituído prová-la, como é expresso na
Ord. cit., § 2; mas, em quanto se entra neste exame, o filho é quem deve estar na posse dos bens, porque sempre se
presume sem culpa, e deve-se-lhe por conseqúência a legítima”.
TEIXEIRA DE FREITAS, à nota 27 ao art. 1.013 da Consolidação das Leis Civis, escrevia: não é aceitável a nota
de A. 3. GouvEIA PINTO sôbre ficar a herança na posse do deserdado, enquanto o herdeiro instituído prova a
causa da deserdação. Não se segue dessa minha discordância, que a herança deva ficar na posse do herdeiro
instituído, porquanto a mesma Ord. também diz: “se o herdeiro instituido no testamento quiser haver a herança
fiquem os respectivos bens da herança em depósito, na posse do inventariante, ou de outrem, até que se decida o
litígio da deserdação”.
A respeito, professou CLóvís BEvILÁQUA doutrina singular (Código Civil comentado, VI, 206). Referindo-se à
solução de TEIXEIRA DE FREITAS, disse êle: “Devemos segui-la por ser conforme a razão e se ajustar com~ o
disposto no art. 507, parágrafo único, do Código”. É o texto que diz: “Entende-se melhor a posse que se fundar em
justo título; na falta de título ou sendo os títulos iguais, a mais antiga. . . “. ,Que é que isso tem com a questão?
Absolutamente nada.
Os textos que devem decidir são os arts. 1.572, 1.741 e 1.748. Duas situações podem ocorrer aos herdeiros
necessários: a) Serem acusados de indignidade e propor-se a ação contra êles. b) Terem sido deserdados pelos
ascendentes ou descendentes, devendo ser provada a causa da deserdação.
São situações inconfundíveis, por isso mesmo que inconfundíveis os dois institutos.
Perante o art. 1.572 a solução há de ser a seguinte: o indigno, enquanto não fôr decretada a indignidade, tem a sai-
sina, decretada, será afastado da posse, resolutivamente, por efeito da sentença que ataca a relação jurídica
caracterizada pela saisina. O deserdado não a tem, se fôr provada a causa; teve-a, se cair a prova.
A questão levantada por TEIXEIRA DE FREITAS só tem sentido quanto aos efeitos estranhos ao art. 1.572, que
fica pôsto de lado como elemento de solução. O terceiro, antes da coisa julgada, não pode opor a verba deserdativa.
Restam os arts. 1.741 e 1.743, no que pode constituir efeito da situação pendente. Tais efeitos são os da defesa
possessória da vocação a inventariança e da intervenção nos atos do inventario.
a) Pendente a ação para provar a deserdação, estaria o deserdado privado da inventariança injustamente, se cair a
prova, pois o art. 1.574 acautela os herdeiros necessários contra a atribuição da posse e administração a outrem;
justamente, se fôr provada a causa.
Deve produzir tal efeito a verba deserdativa? Entendemos que sim. Mau ato do testador. Porém produziu efeitos. A
outra situação seria inconsequente.
b)Pendente a ação, estará o deserdado afastado dos atos do inventário, venda de bens, etc.? Entendemos que sim.
Porque, quer no caso da letra a), quer no da letra b), a suspensão da alienação dos bens e de outros atos fica
dependente do pedido do interessado, na ação que torne litigiosa a herança. Deferido, suspende-se o inventário e
são vedados os atos de disposição.
c)Resta a defesa possessória. e o deserdado pessoa que esteja em situação de suspensão e a que se devam conferir
podêres para os atos destinados a conservar os bens ou direitos, a propósito dos quais aguarda decisão? Sim; o
terceiro não lhe poderia opor a verba deserdativa cuja causa ainda não se provou. Aqui, êle recebeu, efetivamente
(ex hypothesi!), a posse dos bens, e defende-a. Defende-a; se não fôr provada a causa da deserdação, agiu no seu
próprio nome. Se fôr provada, terá sido gestor de negócios.
Em conclusão: pendente a ação, o deserdado não pode ser inventariante nem intervir no processo, salvo para as
medidas de protesto e ressalva, como pedir que conste dos alvarás ainda não estar provada a sua deserdação.
No revogado Código Civil português, dizia o art. 1.881:
“Sendo contestada a exatidão da causa da deserdação, incumbe a prova dela aos interessados em que essa
deserdação se verifique”. Comentando, interpretou JOsÉ DIAS FERREIRA (Código Civil portugues anotado, IV,
256 s.) : “Mas ~quem entra de posse da herança até à decisão judicial do pleito, são os herdeiros legitimários em
nome da lei, que lhes garante as legitimas, ou os interessados na deserdação em nome da vontade do testador,
expressada no testamento? Entram logo de posse os interessados na deserdação, visto que são os deserdados que
têm obrigação de intentar a ação, e de figurarem de autores para darem sem efeito o testamento, art. 1.8.84, ou
porque não se declare a causa da deserdação, ou porque não é legítima, ou porque não se prova. A velha ordenação
também não indicava expressamente quais deviam ficar de posse durante o processo da deserdação, nem a quem
incumbia propor a respectiva ação, se ao herdeiro instituído, se ao herdeiro deserdado”.
Lê-se no Código Civil português de 1966, art. 2.166: “1. O autor da sucessão pode em testamento, com expressa
declaração da causa, deserdar o herdeiro legitimário, privando-o da legítima, quando se verifique alguma das
seguintes ocorrências: a) Ter sido o sucessível condenado por algum crime doloso cometido contra a pessoa, bens
ou honra do autor da sucessão, ou do seu cônjuge, ou de algum descendente, ascendente, adotante ou adotado,
desde que ao crime corresponda pena superior a seis meses de prisão; b) Ter sido o sucessível condenado por
denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas; e) Ter o sucessível, sem justa causa, recusado
ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge os devidos alimentos. 2. O deserdado é equiparado ao indigno para todos os
efeitos legais”. E no art. 2.167: “A ação de impugnação da deserdação, com fundamento na inexistência da causa
invocada, caduca ao fim de dois anos a contar da abertura do testamento”.
No Brasil, a ação não é só do herdeiro instituído, ou daquele a quem aproveite a deserdação, porquanto o art. 178, §
9•O, IV, cogita dessa e da ação do deserdado para impugnar
r
4<
Á
§ 5.846. PROVA DA VERACIDADE DA CAUSA ALEGADA 263
a deserdação. Tal duplicidade também não ocorre no direito suíço, onde ao deserdado cabe impugnar a deserdação
(artigo 479, alínea 2.~)• Na Suíça, o ônus da prova obedece, aí, ao princípio geral (II. KUHN, fie Beweislast
insbesondere im schweizerzschen Zivilgesetzbuch, 98). No direito argentino (ar. tigo 3.746), a ação cabe aos
herdeiros e não ao deserdado (cp. Novela 115, c. 3, Código de Nápoles, art. 851, da Luisiana, art. 1.616). Contudo,
não devemos tirar do art. 178, § 99, IV, razão para só se darem à deserdação efeitos posteriores à sentença passada
em julgado, porquanto, no capitulo que comentamos, o ônus da prova está evidentemente com os interessados, e
não com o deserdado.
Na jurisprudência, decidiu-se o seguinte: uma vez declarado por testamento excluído da herança um dos herdeiros,
cabe ao herdeiro instituido, ou aos interessados, pleitear a sua exclusão por ação ordinária para provar a causa da
deserdação, bem assim ao deserdado para impugná-la. A prescrição da ação é de quatro anos, a contar da abertura
da sucessão. A posse da herança, não cabendo ao deserdado, nem também ao herdeiro instituído, pois êsse pode
não provar a legalidade da deserdação, decide-se com deixá-la ao inventariante (2.~ Câmara Cível da Côrte de
Apelação, 5 de abril de 1927).
Mas ~quem deve ser o inventariante? Se há herdeiros necessários não deserdados, toWtur quaestio. Se não os há?
tSe o deserdado ou deserdados eram os únicos herdeiros? Haverá instituidos na porção disponível. Êsses terão
direito à inventariança, se para ela não foi nomeado, pelo testador, o testamenteiro. Não estará excluído de tal
vocação o instituído para a porção disponível e para a parte do deserdado. Demais, se o testador distribuiu toda a
herança em legados e deserdou os herdeiros, instituindo a estranho, ~quem será o inventariante? O acórdão negou
vocação ao deserdado e ao instituído no lugar daquele. Não há outros herdeirok Será inventariante o testamenteiro
(art. 1.579, § 3.0). O instituído, se fôr o nomeado para a testamentaria, exercerá como tal a inventariança, e não na
qualidade de herdeiro instituído.
5.ÔNUS DA pROvA. Cumpre não confundir o ônus da prova na ação de deserdação e na de impugnação da
causa deserdativa (arts. 1.743 e 178, § 99, IV>, com a de nulidade absoluta ou relativa da deserdação, e. g., as que
se fundarem na. nulidade formal do testamento, na incapacidade do testador ou no érro. Nessas, o ônus cabe aos
autores da ação, e não aos beneficiados pela deserdação. Aqui, é de todo importante distinguír o êrro, o dolo ou a
coação das causas falsas ou inexatas.
6.NULIDADE E INEFICÁCIA DA CLÁUSULA DESERDATIvA. Quando fôr nula ou não provada a deserdação,
nulas serão as instituições e legados feitos com a porção de que teria sido deserdado o herdeiro. Para que seja nula,
basta: a) que tenha. sido feita sem declaração de causa; b) com declaração de causa que não esteja inserta na lei; e)
se não inteligível ou invenc’ivelmente contraditória
7.DIsPOSIÇÕES QUE cABEM NA PARTE DISPONÍVEL. Valem todas as disposjçôes que couberem na parte
disponível. Mas há casos de interpretação:
a)Se o testador deserdou a A e nomeou “no lugar de A” a E, a instituição de E será nula, se cair a deserdação.
b)Se o testador deserdou a A e nomeou B e C seus herdeiros, caída a deserdação, E e C sOmente herdam a porção~
disponível.
c)Se o testador deserdou a A e nomeou E e C herdeiros, distribuindo legados que absorvem a quota disponível, sem
que o testador tenha excluído a possibilidade de haver bens escapos ao cumprimento dos legados, E e ~C são
herdeiros do que restar. Na hipótese, nada resta, porém a afirmativa de serem herdeiros tem importância para o caso
em que algum dos legatários renuncie o legado ou por outra razão tenha êsse da ficar aos herdeiros.
d)Se o testador deserdou a A e nomeou a E e C, dizendo que da sua parte disponível vai dispor totalmente e
conjunta-mente em legados, E e C não são herdeiros.
8.EFICÁCIA DA DECISÃO SOBRE A PROVA DA DESERDAÇÃO.
À deserdação, porque depende da prova e da decisão, falta a eficácia imediata à morte do testador. A saisina ocorre,
embora sob a ameaça de ter sido para outros sucessores, e não para o herdeiro necessário deserdado, se o julgado
torna definitiva a cláusula deserdativa.
Enquanto não há a decisão sôbre a deserdação, tem-se de considerar que o deserdado recebeu, automàticamente, a
propriedade e a posse dos bens, conforme a quota necessária. Com a eficácia do julgado que considerou provada a
causa deserdativa, ao deserdado nunca foram a propriedade e a posse. A eficácia sentencial é ex tunc. Nenhuma
responsabilidade lhe cabe na qualidade de herdeiro; mas tem de restituir o que lhe fôra, o preço do que vendeu e
prestar indenização dos danos. que causara com a sua situação transitória e com a sua administração.
A reconciliação, ou o perdão do testador, somente pode afastar a eficácia da cláusula deserdativa se expressa em
nôvo testamento, ou no próprio testamento em que se pusera a cláusula. Discute-se se o perdão ou outro ato que
retire a cláusula deserdativa pode constar de ato autêntico que não seja o testamento. A resposta afirmativa funda-se
em interpretação analógica do art. 1.597 do Código Civil, relativo a indignidade.
É preciso que tenha capacidade para testar, no momento do perdão, ou de outro ato cancelativo, quem o assina.
A deserdação é inconfundível com a chamada “exclusão de partilha” em que o testador, por serem herdeiros
legítimos necessários ou não-necessários os que tem, dispõe que algum deles ou alguns deles não recebam da
metade disponível, ou da metade disponível sOmente recebam fração mínima, O testador, no tocante à porção
disponível, podia estabelecer que toda fosse a alguém, ou a estranho, de modo que, com o afastamento do herdeiro
legítimo, mesmo necessário, é afastamento dentro dos limites da disponibilidade. Para a cláusula de não herdar
alguém, no que toca à metade disponível, ou ao todo da herança, se não há herdeiros necessários, nenhum
obstáculo há. O herdeiro legítimo não-necessário pode ser mencionado para que de modo nenhum seja chamado à
herança. Não é preciso que se aluda a motivo, provado ou não. Se apontou motivo (não se fale, aí, em causa legal
ou causa) e êsse é falso, isso não importa, porque se afastou o sucessível; mas a cláusula foi manifestação de
vontade fundada em êrro e cabe a anulação. Idem, se houve coação.
1. AÇÕES DA DESERDAÇÃO. O Código Civil refere-se a três ações: a) A do interessado em pleitear a exclusão
do herdeiro (ação de indignidade). O) A do herdeiro instituído ou daquele a quem aproveite a deserdação, para
provar a causa dela, e) A ação do deserdado para a impugnar (art. 178, § 9,0, IV).
Duas concernem à deserdarão e são de propositura contrária uma, propõe o beneficiado pela deserdacão, e outra, o
deserdado. Ambas prescrevem em quatro anos, contado o prazo da abertura da sucessão.
2.DESERDAÇÁO DOS DESCENDENTES POR ASCENDENTES. Diz o Código Civil, art. 1.744: “Além das
causas mencionadas no art. 1.595, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes: 1. Ofensas
físicas. II. Injúria grave. III. Desonestidade da filha que vive na casa paterna. IV. Relações ilícitas com a madrasta
ou o padrasto. V. Desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade”.
3.CORRESPONDÊNciAS. Código Civil português revogado, art. 1.876; de 1966, art. 2.166, 1; Código Civil
alemão, § 2.333; espanhol, art. 853; aitentino, art. 3.747, e outros.
4.CAUSAS DE DESERDAR. Só existem as seguintes causas de deserdação dos descendentes pelos ascendentes:
a) Se tiverem sido autores ou cúmplices em crime de homicídio voluntário, ou tentativa dêsse, contra a pessoa de
cuja sucessão se trata. Exemplo: o filho ~feriu o pai, e êsse, sabendo fatal o ferimento, deserda-o; ocorrida a morte,
deu-se o crime de homicídio, que existiu antes da deserdação, se bem que ainda se não houvesse consumado a
consequência esperada.
b)Se a acusaram caluniosamente em juízo, ou incorreram em crime contra a sua honra.
c)Se, por violência ou fraude, a inibiram de livremente dispor dos seus bens em testamento ou codicilo, ou lhe
obstaram a execução dos atos de última vontade.
d)Se incorreram em qualquer dos atos do art. 1.744.
As três primeiras causas coincidem com a indignidade, a cujo capítulo nos reportamos. Tratemos das implícitas no
artigo 1.744.
5. OFENSAS FÍSICAS. As ofensas corporais, a que se refere a lei, não precisam ser graves, nem duras, para que
se autorize a deserdação com fundamento no art. 1.744, 1. Não se supõe a dor. Nem o grande perigo, ou, sequer, a
possibilidade disso. Só se supõe o ato intencional, que constitua o mau trato corporal.
Os pressupostos para a deserdabilidade dos ascendentes pelos descendentes tinham de apresentar diferenças quanto
aos pressupostos para a deserdação dos descendentes pelos ascendentes. O Código Civil primeiro inseriu as regras
jurídicas sôbre êsses, por parecerem os que mais ocorrem. Não importa o grau. Desde que o descendente ou o
ascendente é herdeiro necessario cabe a deserdabilidade se os requisitos se compõem.
A incapacidade absoluta, por loucura, afasta a possibilidade de se pensar em ofensa física, injúria grave, ou
qualquer outra causa de deserdação. Os mesmos, que seriam condenáveis. pela legislação especial (e. g., conforme
o Código de Menores), não podem ser privados da quota necessária por ofensa física, injúria grave ou qualquer
outra causa de deserdação.
A ofensa física pode ser sem gravidade, porque a lei não falou de grave ofensa física. A manifestação de desafeto,
falta de respeito ou ódio pode estar em qualquer ofensa física. Não é ofensa física o castigo moderado, que o
ascendente exerceu contra o descendente, nem o ato de legítima defesa. Se contra ato do ascendente que não foi
irregular ou excessivo, não há a dirimente.
Para que se átenda à causa legal de deserdação, não é preciso que tenha havido condenação criminal.
Não basta a ameaça de algum dos atos de que cogita a lei como causa legal de deserdação.
A ofensa física pode ter sido por terceiro, se quem o ordenou foi o sucessível, ou se foi êsse que deu causa
(provocação, excitamento, intriga, como, por exemplo, se a ofensa física, feito por C, terceiro, foi devida a carta em
que E, sucessível, comunicou a C, com verdade ou mentira, que A era amante do cônjuge de C).
A simples ameaça de ofensa não constitui causa suficiente para a deserdação; mas pode, em certos casos, ser, só
por si. injúria grave.
6.INJÚRIA GRAVE. Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 88, § 5, era causa de deserdação o filho ou a filha
“doestar de palavras graves e injuriosas, maiormente em lugar público, onde o pai ou mãe com razão se
envergonhem”. Acrescentava: “E ficará em arbítrio do Julgador, se as tais palavras foram graves, ou leves”.
ANTÔNIO RIBEIRO DE Liz TEIxEIRA (Curso de Direito Civil Português, II, 293: “A gravidade do delito cresce
na razão do número de deveres, que se ofendem:
e como cada um é obrigado a respeitar a honra e estimação pública de cada um, a injúria verbal feita pelo filho a
pai, ou mãe, é sempre grave, pois, além do dever já referido, que é geral e constitui a injúria simples, ofende o
outro dever especial do filho, que manda honrar seu pai e mãe, portanto, medida bem, esta injúria é sempre grave
Mas a lei refere-se à. gravidade procedente em si mesma da significação das palavras empregadas, gravidade, que
deixa à apreciação do Juiz”.
A injúria grave, e não a injúria leve, é causa legal de deserdação. A injúria grave há de ser ao testador. Não basta a
injúria grave ao cônjuge do testador, nem a descendente, ou ascendente dele. Não é de exigir-se a prova em
processo criminal, nem ter havido a queixa ou denúncia pelo deserdante.
A despeito de ter de ser feita pelo sucessível a injúria grave/injuria gravemente quem entrega a jornais ou revistas
dados que são classificáveis como de injúria grave.
7.DESONESTIDADE DA FILHA. Que desonestidade é esta? Os autores do Código Civil conheciam a dúvida e
não a varreram. As Ordenações Filipinas, livro IV, Titulo 88, §§ 1 e 2, vindo de longe, diziam: “Se alguma filha,
antes de ter vinte e cinco aros, dormir com algum homem, ou se casar sem mandado de seu pai”. Compreendia-se
então. Ainda assim, PASCOAL JosÉ DE MELO FREIRE, com a alta visão jurídico-social que o caracterizou, leu
isso de modo mais humano e mais cristão (Institutiones Inris Civilis Lusitani, 1H, 61) : “fuso minorennis vita
meretricia, vel publicus concubinatus”. M. A. COE-1110 DA ROCHA (Institucôes d8 Direito Civil português, §
355), outra visão segura, adotou-lhe o alvitre. MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, corno sempre, discorreu.
TEIXEIRA DE FREITAS 6 FELICIO Pos SANTOS não cogitaram disso. O Projeto revisto, art. 2.107, foi que
trouxe à balha tal fundamento. Ao comentar a lei, CLóvís BEVILÁQIJA (Código Civil comentado, VI, 208) saiu-se
com esta tirada: “A desonestidade da filha é unia grave injúria ao ascendente, que mantém a família na atmosfera
da honra e do recato”. E nada mais, O que se entende por desonestidade não disse.
No texto há a noção de residir com o pai, noção que perturba qualquer raciocínio sensato. Se o pai sómente pode
deserdar a filha que morava com êle, então o que se quis punir foi, tão-só, o desrespeito. Sinal de um
patriarcalismo impiedoso. Se o pai não pode deserdar a filha cocote, ,‘que é que tem por fito o art. 1.744,
Analisemo-lo.
A desonestidade da filha que vive na casa paterna, ou materna, envolve desrespeito ao ascendente. O texto só se
refere a filha, mas tem-se de entender qualquer descendente do sexo feminino. Um dos pressupostos necessários
para que haja a deserdabilidade é morar na casa do ascendente, sem que se haja de exigir a morada permanente. O
ato desonesto não é só de meretrício. Basta ter relações sexuais na casa do ascendente onde mora, por muito ou por
pouco tempo.
Os pressupostos são excluidos se há alegação e prova de que havia conhecimento e anuência do ascendente.
Surgiu o problema do casamento da filha com a pessoa com quem tivera relações sexuais. Falou-se, com base em
SAMUEL STRYK e MANUEL ATIVARES PÊGAS, em purga da mácula de desonra; outros juristas, como
MANuEL RIBEIRO NETTO, negavam o efeito purgativo, porque seria apenas para a filha. e não para o pai e as
pessoas que também moravam na casa. A solução certa é a primeira, quer o casamento tenha sido antes da feitura
do testamento, quer depois, desde que antes da abertura da sucessão.
E sem relevância saber-se qual a idade da filha, se fêz dezesseis anos.
A cépula por violência ;de alguém não pode ser tida como mácula de desonra.
A ocorrência de atos idênticos terem sido praticados por outras pessoas, mesmo descendentes do testador, na
mesma casa, não exculpa. Nem os maus hábitos do testador.
O art. 1.744, III, só se refere a “filha”. Havemos de entender que o ascendente, avô ou bisavô, ou trisavô, rode
deserdar a neta, a bisneta ou a trineta.
O primeiro defeito da lei é só se referir à mulher. À vida de desonra tanto se pode dar a mulher quanto o homem.
Por isso, o Código Civil alemão não distinguiu, vida sem honra e sem costumes, contra a vontade do testador (§
2.333, 5) : o filho bêbedo, o “facadista” inveterado, o vagabundo sórdido, a filha dissoluta. O segundo consiste na
imprecisão, no vago do conceito, a contrastar com a exigência insólita de viver na casa do pai: “filha que vive na
casa paterna”. Se não vive no lar do pai, se não está a partilhar do seu confôrto, não importa ao legislador
desumano e incoerente, que seja a mais vil das prostitutas. Capitalismo, moral curta, são coisas que andam sempre
de parelha, puros na aparência e nauseantes nos recessos.
Lei má, incoerente, sed lex. Como tal temos de interpretá-la.
a)O consentimento do ascendente exclui a aplicação do art. 1.744, III. a) A desonestidade da filha não pode ser
alegada pela mãe que vive da mesma maneira e não se opôs à vida dissoluta. É a primeira restrição, que a doutrina
alemã fêz ao texto do ~ 2.383, 5. Cedo, a vida má do ascendente pode não ser escusa do descendente, mas, para-
isso, é preciso que haja decidida e insofismável oposição daquele à vida semeíhante dêste. Se não se opôs, não
pode invocar. Máxime, se, no comêço, houve consentimento. ~ Aí, o consentimento é fato e não negócio jurídico?
Não tem caráter de negócio jurídico. o que desde logo afasta a questão, ventilada nos escritores, de ser ou não
negócio dependente de recepção, empfangsbedjjrftiges Rechtsgeschiift. Como no caso do Código Civil, art. 819, 1,
o absolutamente incapaz não pode estarem causa, mas a razão disso provém de não haver consentimento
(pressuposto de fato), e não de ser juridicamente incapaz. Assim, quanto à conclusão, PETER RLEIN (Beitrag zur
Lehre von den Rechtshandlungen “im engeren Sinne”, Sonderabdruck aus d. Oesterr. Zentralblatt, 28, 13 s., e fie
Rechtshandlungen im engereu Sinne, 114), contra O. OPET e W. VON BLUME (Das Familienrecht, nota 9 a).
Consente na imoralidade da filha o que a prestigia em tais atos, o que emprega ou permite agentes provocadores.
Trata-se, pois, de ação com efeitos jurídicos. PETER RLEIN (fie Rechtshandlungen im engeren Sinne, 114)
chamou a isso ação juridica no sentido estreito.
b) O consentimento pode ser anterior ou posterior ao fato (T. ENGELMANN, Familienrecht, J. v. Staudingers
Kommen-. ta’r, IV, 7•a~g•a ed., 660). Mas cumpre não confundir consentimento posterior e perdão: o
consentimento exclui, subjetivamente, a maldade do ato; o perdão supõe a maldade (C. DAvmsoN, Das Rech.t der
Ehescheidung nach dem BOI?., 87; A. B. SCHMIDT e A. FUCHS, Famulienrechi und Vormundsehaftsreeht, nota
3 a). Se a deserdação foi posterior ao consentimento, não opera; se ao perdão, em si mesma constitui prova de não
se haver perdoado, o) O consentimento a um fato não se contagia a outro; mas pode havê-lo geral (PETER KLEIN,
fie Reehtskandlungen im engereu Sinue, 107, Beitrag zur Lehre von den Rechtshandlungen “im engereu Sinne”,
Sonderabdruck aus d. Oesterr. Zentralblatt, 28, ‘7;
C.DAvIDSON, Das Recht der E heseheidung nach. devi EGI?., 26; diferente, II. WALTER, Das Recht der
Ehescheidung nach devi BOI?., 42). d) tPode ser revogado o consentimento? Ponto delicado, aqui e no art. 319, 1.
Argumenta-se~ quem uma vez consentiu no mal de outrem, não deve, depois, exprobrá-lo. Estamos em pleno
mundo dos dados morais. Na rica literatura alemã, a opinião dominante é a da revogabilidade em qualquer tempo, o
que supõe a ciência do exprobrado, assim no caso do art. 819, 1, como no que estudamos (PETER KLEIN, Die
Rechtshandtungen im engeren Sinne, 112 s., Beitrag zur Lehre vou den Rechtshandlungen “im engeren Sinne”,
Sonderabdruck aus d. Oesterr. Zentrcdblatt, 28, 12; CAiu, CROME, System, IV, § 559, nota 13, 223; T.
ENGELMANN, Familienrecht, 1. v. Staudingers Komment ar, IV, 7A~S.a ed., 660). Porém achamos isso um tanto
simplista, sem a suficiente percepção dos dados morais. É preciso descer ao exame da sinceridade dêsse
ascendente. Que fito teve êle? ~ A que ideal nôvo se deve tal mudança de pensar? São situações graves, que o art.
1.744, III, com certo impudor, ousou criar, e) É preciso que tenha havido sério consentimento, porque, se há alusão
sem crer no consentimento, não há consentimento.
b) A desonestidade, a que se alude, é a escandalizante, notória; porque seria imoral que o pai quisesse, após a
morte, a devassa na vida da filha. Tal insensatez aberraria do juízo perfeito, com o qual se devem achar os que
testam. Depende do meio, do conceito de escândalo moral no círculo em que vivem pai e filha. Se nasce a essa um
filho e o avô o acolhe em casa, sem revolta perdurável contra a filha, não pode invocar o escândalo. Se êsse filho
existe, o avô o acolhe piedosamente e o trata como se legítimo fôra, mas mantém protesto ao proceder da filha, a
lei dura lez permite deserdá-la. Felizmente, melhores e menos brutais que o legislador brasileiro são os pais; e,
quando juiz, nunca vimos, no ato de última vontade, o pai que viesse trazer aos tribunais, para desviar, sem cura
dos males, a fortuna, a vida intima da filha. Para tal gente, não foram improfícuos vinte séculos de vida cristã. Por
mais puro, o mais puro dos homens, que fôsse êsse pai, no momento de deserdação, pelo só ato que a lei lhe
permite, estaria infringindo o preceito de Cristo: quem de nós fôr sem pecado... Certa vez, um pais quis na
Alemanha, deserdar a filha que se entregara ao homem com quem esperava casar; o Tribunal não reputou suficiente
a causa, e um dos argumentos principais foi o seguinte: casada a filha. estaria legitimada a criança (OTTo
WARNEYER, Kommentar, II, 1800). Ora, no caso da promessa de casamento, há um criminoso, e não queiramos
que a vitima seja novamente vitima da dureza do pai.
8.RELAÇõES ILÍCITAS COM A MADRASTA OU o PADRASTO. As Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 88,
§ 10, mencionavam como causa deserdativa “se houve afeição, ou ajuntamento carnal com a mulher de seu pai, ou
com a sua manceba, que consigo tinha em casa manteúda e governada; e o mesmo dizemos da filha, que
semelhante ajuntamento tiver com o marido de sua mãe, ou seu barregão que a tivesse consigo em casa manteúda”.
ANTÔNIO RIBEIRO DE Líz TEIXEIRA (Curso de Direito Civil Português, II, 296) lia-o como o devera ler:
“O comércio impuro do filho com a mulher do pai, ainda que não seja consumado, e pare na afeição tendente a
ofensa da pudicícia é causa de deserdação; dando-se a mesma razão para a mãe poder deserdar a filha, que assim
procede com o seu padrasto”. O Código Civil somente fala em relações ilícitas e madrasta e padrasto. Pergunta-se:
a) quais são as relações ilícitas, a que os arts. 1.744, IV, e 1.745, III, se ref erem? b) ~as relações com a barregã ou
o barregão, conforme os têrmos das Ordenações, não constituem ofensa?
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10.DESERDÂÇÃO DOS ASCENDENTES POR DESCENDENmS. Diz o Código Civil, art. 1.745:
“Semelhantemente além das. causas enumeradas no art. 1.595, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos
descendentes: 1. Ofensas físicas, li. Injúria grave. III. Relações ilícitas com a mulher do filho ou neto, ou com o
marido da filha ou neta. IV. Desamparo do filho ou neto em alienação mental ou grave enfermidade”.
11.CORRESPONDÊNCIAS Código Civil alemão, § 2.334; Codígo Civil português revogado, art. 1.878; espanhol,
artigo 854; argentino, art. 8.748; suíço, art. 477.
12.CONTEÚDO DA REGRA JURÍDICA. As causas dos ns. 1 e II, são idênticas às do art. 1.744; as dos ns. III e
IV correspondem, mutatis mutandis, às do art. 1.744, IV e V.
Mas não se leve a identidade verbal a ponto de envolver a identidade conceitual: o respeito, a deferência dos
descendentes aos ascendentes, é mais forte que a dêstes àqueles. No próprio regime, acertado, eficaz, de filhos
amigos, em vez de filhos servos, subalternos, sem autonomia, fonte de um sem conto de dobrezes educacionais, de
revoltas, o dever de não. ofender, de não injuriar, é mais forte nos filhos do que nos país.
O art. 1.745, III, provém do Projeto revisto, art. 2.108, onde também se previa o caso das relações com a concubina
do filho ou neto ou com o mancebo da filha ou neta.
§ 5.848. flestino do quinhão do deserdado
1.OMíSSÃO DO CÓDIGO CIvIL. - O Código Civil não possui regra jurídica expressa. Os elementos para a
discussão são os seguintes~ a) a representação supõe a morte do representado (art. 1.620) e o representante
somente pode herdar o que o representado herdaria se vivesse, se o deserdado não premorreu ao testador, falta o
primeiro elemento, se vive e foi deserdado, falta o segundo; b) o art. 1.599 só se refere à indignidade caso em que
os descendentes do excluído sucederiam como se êle fôsse morto. A lei suíça facilitou a solução: pôs o art. 541, que
corresponde (e é o que mais corresponde ao nosso art. 1.599) e quanto à deserdação reproduziu, mutatis mutandis,
o preceito legal, referindo-se, porém, na 8? alínea, explicitamente, à quota necessária Código Civil suíço, art. 478,,
3a alínea: “fie Nachkommen des Enterbten behalten ihr Pflichtteilsrecht, wie wenn der Enterbte den Erbfall nicht
erlebt hãtte”.
No Código Civil alemão, § 1.924, a sucessão da linha reta é regida como ostá no art. 1.604 do Código Civil
brasileiro; e não há o artigo que existe no Código suíço. Situação, pois, igual à do direito brasileiro.
2.QUESTõES QUE SURGEM. O art. 1.604 dá o princípio positivo da sucessão na linha reta descendente, o
princípio negativo de que, se há algum descendente vivo, os descendentes dêste não podem vir à sucessão. A
existência de pessoa intermédia entre o hereditando e o descendente, necessariamente descendente mais próximo,
impede que o descendente mais remoto salte o mais próximo e recolha a herança. Tal a regra. Mas há exceção. No
caso de renúncia da herança, se o renunciante é o único do seu grau, ou se todos os do grau renunciam, os filhos
poderão vir à sucessão, por direito próprio e por cabeça. No caso de indignidade, os descendentes do herdeiro
excluído sucedem como se êle morto fôsse. Dois casos aí estão, em que, viva a pessoa intermédia, se dá a sucessão.
Se o indigno morreu antes do hereditando, o art. 1.599 não se aplica; rege-se a sucessão pelo art. 1.604. ~E no caso
de deserdação do herdeiro? Se morreu antes da abertura da sucessão, não há dúvida: a despeito da interpretação
literal, errônea, dos arts. 1.620 e 1.923, o testamento já encontra o direito (art. 1.604) dos descendentes do que teria
sido deserdado, se vivesse; deserda-se quem vive. ~Se o deserdado vive e foi feita a prova? Aqui, surgem as
seguintes soluções: a) a deserdação implica deserdação dos descendentes do deserdado; b) a deserdação faz supor
que o testador exclui os descendentes do deserdado; e) a deserdarão não supõe a exclusão dos descendentes do
deserdado e opera-se a sucessão legitima, salvo disposição contrária do testador; d) a deserdação não pode ter o
efeito de excluir os descendentes do deserdado, herdeiro necessário, que é, do testador.
3.PROBLEMA JURÍDICO NO DIREITO ALEMÃO. Na Alemanha, o § 1.924, ao falar da sucessão na linha reta
descendente, diz que o descendente vivo exclui os que, por intermédio dele, são parentes do defunto. A êste
lebender Abkàmmlin.q apegaram-se os que pretenderam a solução a) ou b). Mas Guoirn FROMMHoID mostrou o
que isso representa de ríspido literalismo, aliás já infirmado duas vêzes, pela própria lei, no caso da renúncia da
herança e no da indignidade.
A solução e) foi a de E. HEYMANN (Die Grundziige des gesetzlichen T,Jerwandten~Erbreehts rtach dem RCB.,
53 s.), fundada em que a sucessão legítima deriva da presumida vontade do testador. Antes, ER. MOMMSEN no
seu projeto (Entwurf eznes Deutschen Reiehsgesetzes ilber das Krbreckt nebs Motiven, § 497), seguiu a mesma
orientação ou, talvez, a solução
d). A solução d) é a de GEORO FROMMHOLD (Ober das gesestzliche Erbrecht der Abiçõmmlinge des Enterbten,
Archiv flir Ejirgerliches Recht, 12, 309), a quem se deve o mais notável estudo sôbre o assunto. Fôra a do relatório
do redator do direito das sucessões; a de O. EXER (Zum Erbrecht des EGE.. Árckiv fúr liuirgerliches Recht, III,
200). Já 4. A. GRUCHOT (Preussisefles Erbrecht, III, 60 s. e 224 s.) achava que no direito prussiano a diversidade
de opiniões terminara a favor do descendente do deserdado. O Código Civil saxônico, § 2.599, tinha o deserdado
como morto antes do decujo.
4.PROBLEMA JURÍDIco No DIREITO BRASILEIRO. No Brasil, nos trabalhos preparatórios, não vemos dados
para que se repute excluído o descendente de deserdado; nem para que se tenha a deserdação como excludente do
direito necessário do descendente mais remoto. Deu-se o mesmo na Alemanha.
Além disso, a solução d) é a que corresponde à consciência jurídica (FR. MOMMSEN, Entwurf eines Deutschen
Reiehsgesetzes úber das Erbreekt nebst Motiveu, 143 e 475; GEoRG FROMMHOLD, Uber das gesetzliche
Erbrecht der Abkõmmlinge des Enterbten, Arehiv fuir Riirgerlichcs Rechts, 12, 315) do nosso tempo. Vamos além:
é contra as nossas convicções morais, psicológicas, jurídicas e econômicas; portanto, não se compreende, que a
culpa da pessoa intercalar corte os lacos morais, psicológicos, económicos, do avô com o neto, o bisneto, ou mais
remoto descendente; em suma, que se desliguem os vínculos jurídicos do sangue. O ascendente, humanitatis causa,
deve ter mais dó do neto, filho do deserdado, que dos outros; e a biologia não autoriza a lesar os filhos do
deserdado por um mal, talvez raro na família. Os deveres são iguais, ou, talvez, maiores, porque o descendente do
deserdado dificilmente tem nêle bom pai. O homem que comete os atos dos arts. 1.595, 1.744 e 1.745 deve ser mau
para os filhos e só isto se há de presumir. ~ Que cuidado paterno podem os filhos esperar daquele que matou o pai,
ou o abandonou em caso de alienaçao mental ou grave enfermidade? Ora, se tais descendentes correm maior risco
de desamparo, ~por que lhes agravar a situação, eliminando-os da herança do avô? Tudo leva a crer que sejam os
mais necessitados (fundamento econômico). Os deserdados dos arts. 1.744 e 1.745 correspondem, púr identidade,
nos atos mais graves, aos indignos do art. 1.595; portanto, nada justifica que o descendente do indigno do ato mais
grave (parricídio, por exemplo) seja tratado com a benevolência que não merece o deserdado por injúria (arts.
1.744, II, e 1.745, II) ou outro ato dos arts. 1.744 e 1.745 (fundamento jurídico). Ocorreu o mesmo raciocínio, no
direito alemão, a GEORO FROMMH•OLD (Uber das gesetzliche Erbrecht der Abkõmmlinge des Enterbten,
Arckiv fúr Rúrgerliches Reeht, 12, 315). Basta pensar-se um pouco, com isenção, para se ver o absurdo de se
presumir que o decujo quisesse, com a deserdação, eliminar toda a estirpe, ou de que a lei acedesse nisto.
Podemos raciocinar como GEORO FROMMHOLD (Uber das gesetzliche Erbrecht der Abkõmmlinge des
Enterbten, Arehiv fúr Biirgerliehes Reckt, 12, 316) concluiu o seu estudo: a despeito do art. 1.604 (lá êle citou os §§
1.938 e 1.924, 3? alínea), podemos pensar, sem artigo de lei que faça ao descendente deserdado o que os arts 1.589
e 1.599 fizeram, respectivamente, ao do renunciante e ao do indigno. Se o testador deserdou, sem nada dispor, a
parte da herança vai aos herdeiros legítimos (arts. 1.574, 2.~ parte, e 1.678). Ora, aí, o que decide é o parentesco, e
a deserdação do filho não apaga o laço entre êle e o descendente do deserdado. Riséa-se, quanto à sucessão, êsse, e
não os descendentes dêsse. A deserdação é, então, sem efeito, wirkungslos; a sucessão obedece a regra geral (E.
HEYMANN. Die Grundziige des gesetzlichen Verwandten-Erbreckts nach. dem EGE., 53; GEORG
EROMMHOLD, tber das gesetzliche Erbrecht der Abkõmmlinge des Enterbten, Archiv fúr Ruirgerlicites Recht,
12, 309). A analogia com a indignidade é evidente.
Se persiste o parentesco, persiste o direito à sucessão; se persiste o direito à sucessão, é por fôrça de lógica,
necessário.
5.SOLUÇÃO DO PROBLEMA. Tal é a solução, que corresponde, não só é consciência jurídica, como também
aos princípios da lei.
Como a deserdação só se refere a herdeiros necessários, aqui se esgota a questão. Nasce, porém, outra, no tocante
ao art. 1.599, quanto a descendentes de indignos herdeiros legítimos não-necessários.
6.DESERDAÇÃO PLURAL E DESERDAÇÃO EM DOIS OU MAIS GRAUS. O testador pode deserdar o filho e
deserdar o neto ou bisneto, ou só o filho e o bisneto, ou, prevendo que lhe premorra o filho, deserdar o neto, ou
bisneto, deserdação só eficaz se fôr chamado à sucessão êsse descendente. Trata-se de deserdação em graus
diferentes, o que de modo nenhum se confunde com a deserdação plural, como a dois filhos B e C, acusados da
mesma causa de deserdabilidade, ou de causas diferentes de deserdabilidad e.
Os testadores não podem estar certos de que, ao falecerem, os deserdados vivem, ou se, falecendo êsses antes deles,
são chamados filhos ou netos dos deserdados. Por isso, a herdabilidade basta para a deserdabilidade.
Se A tem três filhos, E, C e D, que têm filhos ou netos, a deserdação de 13 e de C deixa em lugar de 13 e C os
filhos ou netos deles. Pode ocorrer que a causa de deserdação exista para E e o filho de E; mas, uma vez que E
pode premorrer a A, pode A deserdar a E e ao filho de B, ou só ao filho de E.
Se A deserdou o filho E e êsse deserdou E, o neto de A, seu filho, pergunta-se se E’ herda de A. Respondeu
negativa-mente CARLOS MAXIMILIANO (Direito das Sucessões,5ª ed., 152), para quem se A exclui da partilha o
seu filho E e êste tem dois descendentes, C e O, e deserdou C, o neto O recolhe toda a parte de E na sucessão de A.
Aí, há confusão da deserdação do filho e do neto por A com a deserdação do filho por A e do neto, filho de C, por
C.
CAPITULO XIX
4.FORMA DOS TESTAMENTOS. . É o de que cogita o Código Civil, para as espécies que admite. As leis
processuais podem acrescentar outras formalidades, mas a violação de tais formalidades secundárias não tem o
efeito de eivar de nulidade. Só as regras jurídicas da lei civil, uma vez postergadas, surtem tal efeito. Assim,
também, na Alemanha (W. ESSLINCER, Der R’rbschein nach dem Búrgerlichen Gesetzlncehe fiir das Deuteche
Reieh, 9) . Um dos exemplos é a falta do sêlo, se tiver de haver, que pode obrigar à multa ou revalida cão, porém
nunca leva à conseqdência de invalidar o testamento (cf. A. ESCHER, Das Erbrecht, Kommentar zum
sckweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 88). Onde os Estados exigem o sêlo ou o papel selado, a falta de sêlo ou o uso
de outro papel não atinge o ato de testar, e a pena pecuniária é o máximo que pode ocorrer (P. TrOE, Das Erbrecht,
Kommentar zum Sehweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 824)
As formas ordinárias de testamento têm a mesma eficácia. Revoga-se testamento público, ou disposição contida em
testamento público, mediante testamento cerrado ou particular, ou em virtude de cláusula inserta no testamento
cerrado ou no testamento particular. Revoga-se testamento cerrado ou testamento particular, ou cláusula que
daquele ou dêsse conste, com testamento público, ou cláusula de testamento público, como ocorre, sem qualquer
discriminação, se o testamento antenor é cerrado, ou particular, e o posterior, particular, ou cerrado.
Não importa quais sejam as circunstâncias, de tempo ou de lugar, em que se faz o testamento de forma ordinária. É
verdade que mais fácil é a falsidade ou a falsificação de um que de outros; porém isso é sem relevância, porque
apenas concerne à prova do que aconteceu.
5.NOME E TESTAMENTO. Os atos jurídicos não dependem do nome que se lhes dê. Mais se deve atender aos
intuitos do declarante do que às expressões usadas. Repugnaria à ordem social o estrito nominalismo, e só onde a
lei, excepcionalmente, dá valor decisivo, essencialidade, à denominação de um ato, é que se pode exigir a
prevalência essencial da forma, como se dá, nos nossos tempos, com os cheques. Em regra, pelo dizer-se de uma
espécie o escrito, não deixa de ser daquela de que realmente é. Nem, pelo deixar de se nomear, perde o caráter que,
ainda sem nome, efetivamente bem. Compareceu, há mais de quarenta anos, o disponente ao tabelião e fêz as suas
declarações testamentárias, que o notário, sem razão plausível, chamou:
“Escritura de declaração de herdeiros” (cf. nosso Tratado dos Testamentos, 1, 236). Mas o ato, que só poderia ser
testamento, apresentava todas as formalidades exigidas aos testamentos públicos no direito de hoje (Código Civil,
art. 1.632) e no anterior (TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação das Leis Civis, art. 1.054) . Mandamos, corno
Juiz da Vara da Provedoria e Resíduos, que se cumprisse. Em escritura pública (portanto, com a forma exigida aos
testamentos para valer), satisfeitos os requisitos (e. g., testemunhas, declaração pelo próprio), tal
negócio jurídico, ainda que se não proclame testamento, testamento é. Essa a razão para se permitir a escritura
pública de revogação, que contenha as formalidades dos testamentos, ainda que não se diga: “testamento”, nem se
redija como se testamento fosse. Bastaria dizer-se que se “revoga~~ o testamento do dia tal, ou que se revogam
todos os anteriores.
4.ESCRITA DO TESTAMENTO. A regra é escrever-se com a mão. Mas ao escrito particular basta ter sido “feito e
assinado” (Código Civil, art. 135) ; ao testamento público, só “assinado” (art. 1.632, IV); ao cerrado, só “escrito” e
“assinado” (art. 1.638, 1, II) ; ao particular, só “escrito e assinado” (artigo 1.645, 1). Não se fala em mão, nem em
próprio punho.
O Código Civil alemão e o Código Civil suíço usam a expressão adjectiva eigenhdndig, que, pela formação, vale o
nosso “de próprio punho”. Mas, lá, e a despeito disso, não se dá tão restrito significado à palavra. O que é preciso é
que a escrita e a assinatura sejam atividade gráfica do próprio testador (F. RITCEN, Biirgerliches Gesetzbuch, 438)
. Portanto, existe e vale:
se, para escrever, o testador empregou caneta especial, em dedeira, em que enfiou um dedo; ou se escreveu com os
pés, ou com a bôca. A exigência é dermográfica. Outrossim, se os movimentos da mão são insuficientes, vale a
escrita feita pelo próprio testador com o auxílio de quem lhe segure o braço (A. WEISSLER, Das deutsche
Nachlassverfakren, 158; W. BROCK, Das eigenhlíndige Testament, 90, s.), desde que o determinador seja o seu
mover e a escrita se mantenha característica. Não assim, se o testador passar a ser mero instrumento, e o outro
“escrever”, com a mão do testador (E. RITGEN, V, 488) ; ou se fôr usado pepal decalco, ou outro expediente, que
desindividualize o testamento. Testar é função personalissin’.a. Se no testamento hológrafo outra mão intervém e se
mostra haver colaborado, o problema é mais sutil. Na França, o auxílio material, vulgar nos paralíticos e nos quase-
cegos, ora é aceito, ora não. No fundo, a verdadeira jurisprudência é a seguinte:
oart. 970 do Código Civil francês estatul que o testamento particular há de ser escrito pelo testador, mas isso com o
fim da autenticidade. Assinatura e escrita provam a proveniência. Se a participação não exclui a reconhecibilidade
da letra e da firma, vale a cédula. Foi o testador quem escreveu. A reconhecibili dade é pressuposto necessário e
suficiente. Vai-se mais longe:
otestamento hológrafo, copiado, pelo testador, de algum modêlo, que lhe forneceram, não deixa, por isso, de valer
(Lion,. 28 de março de 1904) . “Nous pensons donc”, diz, a respeito, R. SAX~ATIER (Testament olographe écrit
avec le concours d’une main étrangêre, Révue trimentrielte de Droit civil, 22, 811) “que M. PLANIOL est victime
d’une confusion quand il écrit que l’aide matérielle apportée au de cujus vicie ou non le testament, suivant que le
testament est ou nou lkEuvre spontanée et réflé chie du testateur”. Não, há duas questões: a colaboração material
tem limite, que a reconhecibilidade traça; a colaboração espiritual, essa, depende do grau de atuação se exprime a
vontade do testador, ainda formulada por outrem, entra no mundo jurídico, mas deixa de valer se anulável por dolo,
simulação, coação ou êrro.
5. TESTAMENTO EM DOIS OU MAIS EXEMPLARES. Para maior segurança, pode o testador fazer dois ou
mais exemplares do testamento. Nada Ibo obsta. Podem ocorrer diferenças, e, ai, servem de elementos
interpretativos, um ao outro ou aos outros. Somente há revogação de outro ou de outros da mesma data se por outro
meio, ou pelo próprio contexto, se conhece a vontade do testador, ou não tinha o primeiro à mão quando fêz o
segundo, e só por isso não o rompeu (E. RITGEN, BiLrgerlichCS Gesetzbuoh, V, 439, b).
6.LINGUA ESTRANGEIRA público redige-se em língua ou artificial. O testamento nacional: o Código Civil brasi
leiro não admite intérpretes. O testamento cerrado e o particuJas, conforme se exporá, podem ser em língua
estrangeira, viva, morta, ou artificial. Não é nulidade empregar-se mais de uma língua, desde que se trate,
realmente, de um testamento. Redigido numa, vale a disposição que se redigiu em outra.
Quanto aos testamentos que podem ser escritos pelo testador (o cerrado e o particular), é livre redigi-los eta língua
estrangeira, ou, até, artificial, e os caracteres (mas precisa, se particular o testamento, de ser entendido pelas
testemunhas, arg. ao art. 1.649) podem ser os da língua em que redigiu as disposições, ou de outra origem. Não é
nulidade grafar-se com caracteres russos, hebraicos, gregos, o que se concebeu em alemão, francês, espanhol ou
português (E. RITGEN, Burgerlicites Gesetzlnwh, ~V, 488), desde que foi sério o ato de fazer o testamento. Há
circunstâncias que podem aconselhar ao testador tal expediente dissimulador. Como poderiam indicar a um
Brasileiro, que soubesse grego, russo ou árabe, redigi-lo numa dessas línguas. A exigência de ser o testamento
paíticular escrito, todo, pelo testador, não implica que só empregue uma língua. Pode empregar mais de uma, ou
uma, e mais de um alfabeto. Em testamento redigido em língua nacional, vale, por exemplo, disposição ou a parte
da disposição que se grafe com caracteres exóticos.
Pode ocorrer que o testador seja culto, possa ler, porém não possa compreender perfeitamente a língua. Exemplos:
se testa, por testamento público, necessàriamente em língua nacional, e não a entende bem; se testa, por testamento
cerrado, ou particular, preferindo a língua do lugar, que mal sabe. Ê preciso que entenda a língua a ponto de saber o
que dispôe e poder exprimir-se (insustentável, a respeito, a opiniso de 11. JASTROW, Forntu.larbuch und
Notariatsi’etht, 1, 176) . O Código Civil que admite o testamento cerrado em língua estrangeira, escrito pelo
testador, ou a rôgo (arts. 1.638, 1, e 1.640), desde que testador e redator conheçam a língua em que se redige, ou
particular, hológraf o, se as testemunhas a compreendem não admite que intérpretes intervenham no testamento
público: “as declarações do testador serão feitas na língua nacional” (ad. 1.632, parágrafo único) . De modo que o
estran geiro, que não sabe escrever, ou não pode escrever, e não Cunheça a língua do Brasil, para ditar as suas
declarações de última vontade, somente pode usar o testamento cerrado, procurando, para isso, pessoa que o escute
e redija, escrevendo, a seu rôgo, o que ditar. Não é preciso que as testemunhas saibam a língua em que se escreve o
testamento; porque, nessa espécie, só assistem à entrega ao oficial e basta ao testador saber dizer ao oficial
claramente, que aqueles é o seu testamento e quer que o aprove. ~ Tem de ser lido ao testador o auto de aprovação
(art. 1.638, IX), traduzindo-o, como intérprete, para que o declarante entenda, a pessoa que o escreveu a rôgo e,
talvez, o assine, se o testador não souber ou não puder assinar? Volveremos a isso. Se o estrangeiro não sabe ler,
nem fala a língua do Brasil, a situação é assaz embaraçosa. Não pode testar por instrumento público: não pode
prestar as declarações em língua nacional (art. 1.632) ; não pode fazer por testamento cerrado:
não sabe ler (art. 1.641) ; nem por testamento particular: não se admite que outrem o escreva (art. 1.645, 1). Tal
estrangeiro recorre ao consulado do seu país. Cf. Tomo LVII.
1.PRESSUPOSTOS 1W REFERÊNCIA Á DATA E AO LUGAR. Os testamentos têm de ter data e lugar. Há atos
jurídicos inter vivos que também o exigem, e nem por isso são sempre nulos. Porque a indicação não influi,
ordinâriamente, de modo essencial, no conteúdo do negócio jurídico. Deve ocorrer o mesmo com os testamentos. t
Que importância essencial tem saber-se qual o lugar e o dia em que o testador~ dispôs sôbre os seus bens
os que até lá tiver para depois da morte? A data é de mister, já o dissemos; a falta, junta a outras circunstâncias,
pode induzir falsidade, falsificação, nulidade, porém só por si não inutiliza o testamento. A lei fêz bem em não lhe
reconhecer essencialidade; e, quando, a propósito de obrigações convencionais (Código Civil, art. 135), não o
exigiu, foi porque atendeu a muitos casos de tais obrigações em que é uso, ou pode ocorrer, não se porem a data e o
lugar. As sentenças alemãs, que se citam, e nas quais se declararam nulos, por falta de data exata, os testamentos,
fundaram-se, erradamente, ~•m direito francês, proceder assaz absurdo, por ser de um Código Civil posterior, que
se considerava de forte dose científica, e não como compilação de leis antigas (E. HÓLDER, Das Datum des
eigenhãndigen Testaments, Jherings Jahrbucher flir die. Dogmattk, 50, 277 s.; ELiicn DANZ, Die Auslegung der
Rech,tsgeschíif te 1, 108 s.). Enfim: é um dos requisitos dos testamentos particulares e cerrados a declaração do
lugar em que foi feito; porém não é essencial: nos testamentos cerrados, a data e o lugar serão os da aprovação
(arts. 1.638, VI-IX, e 1.643), porque essa é auto do oficial público e, quanto ao lançamento no livro, o Código Civil
exige que o oficial lance lugar, dia, mês e ano em que foi aprovado e entregue, circunstâncias que podem ser
diferentes; nos particulares, há de se querer que haja, no texto, a data, mas a lei não o exigiu expressamente. Certa
vez, na Alemanha, se decidiu que era nulo um testamento hológrafo, em que o testador não cogitara do lugar em
que escrevera. Mas as críticas ao julgado foram fortes: se prevalecesse tal doutrina, não seria possível redigir-se
testamento em trem, ou em lugar das montanhas, ou dos sertões, onde estivesse perdido o testador. Por outro lado,
há muitas vilas e cidades com o mesmo nome, e teria de ser nulo o testamento em que se não declarasse ô
Município ou Estado a que pertencia. Demais, o sentido das palavras não resulta só da letra do documento, porém
das circunstâncias que cercaram a declaração de vontade. Restam os testamentos públicos, aos quais a lei exige a
data. Mas o lapso pode ser do oficial dos testamentos, pelo hábito, que todos têm, de receber os escritos ou minutas
particulares e lançá-los, depois, ao livro, e lê-los na ocasião da assinatura, procedendo, quando preciso, às
corrigendas. Deixou em branco a data do mês ou o próprio mês; talvez, estando em fins de dezembro, o próprio
ano. Seria nulo, só por si, e sem outras circunstâncias, o testamento. Seguramente não. Quanto ao lugar, se, no
texto, se alude à vivenda do testador, ou à casa da rua tal, sem se dizer o número, entende-se que foi na casa que as
circunstâncias explicam (ERICH DANZ, file Auslegung de?- ReehtsgesehÉif te, § 31, 7) . O mesmo raciocínio há
de ser feito quanto ao testamento particular. Entende-se inserta a data, se há a designação “data como acima”, e,
antes, figura uma data (H. F’uTzsdnE, Zei Jahre Zivilgesetzbueh, 78, P.Tuoa, Das Erbrecht, Kommentar zum
Schweizerisehen Zivilgesetzbuch, 327) -
4.EXPRESSÀO DA DATA. Pode a data ser expressa em qualquer dos modos inteligíveis, a fortiori se usado pelo
testador ou pelo grupo em que vivia. Assim, tem-se de atender àdata vulgar, digamos oficial, com o dia, mês e ano;
a feita em algarismos, romrnãos ou arábicos, ou da língua do testador; em forma de fração; as abreviações decimais
dos anos (30 em vez de 1930 ou XXX), como frisa II. WILKE (Erbrecht, nota 4 d ao § 2.231) ; em qualquer outro
calendário, exemplos “Paimarum”, “Pentecostes”, “São João”, principalmente, pelos positivistas, no Brasil, o
calendário de Augusto Comte; as fixações a partir de determinados fatos, 90 anos após a República, 50.0 ano de
vigência do Código Civil (F. RITGEN, Búrgerliches Gcsetzbuch, 489), no dia do meu sexagesimo aniversário
(GEORG FROMMHOLD, Erbreokt, 2 b; E. RÔLDER, Das Datum des eigenhãndigen Testaments, Jlzerings
Jcthrbiicher flir die Dúgmatik, 50, 808), no dia do nascimento do meu filho Antônio, cinquenta dias depois da
debandada das fôrças comandadas pelo general IX. É possível, portanto, datar indiretamente, aludindo-se a fato
anterior, cuja data o testador conhece (o caso do aniversário), ou não conhece, tendo apenas contado os dias após
algum, que lhe lembra, porém infixável pelo calendário, O último caso é vulgar nas guerras: perde-se o fio dos
dias. Não se usa exprimir em letras os números (FRANZ LEONHÂItD, Erb’recht, 881) Mas, se as circunstâncias
mostram que o testador empregava tal expediente, tem-se de atender, pois que é (na espécie, como em geral) mais
seguro.
Pode vir no comêço, no fim e também no texto das declarações (W. BROCK, Das cigenhàndige Testarnent, 86 s.).
Assim no Brasil, como alhures. Tratando-se de testamento público ou cerrado, a data escrita pelo oficial terá de
obedecer à lei do Estado a que pertence. Mas seria sacrificar-se o fundo à forma, por mera troca de lugar, admitir-se
que se ferisse, em sua validade, o testamento. Nunca nos deve esquecer o caráter instrumental que tem o tabeliâo.
Aliás, declarado nulo, responde êsse.
Muitas vézes surgem testamentos particulares dentro de sobrecartas, cosidos, ou lacrados, e datados por fora. Se
dentro não há outra data, tem-se de considerar a do testamento, salvo prova em contrário.
2.CARACTERES DA ESCRITA. O testador pode escolher os caracteres da sua escrita. Não é de mister que os da
assinatura sejam os mesmos usados na redação do testamedo. Pessoa que usasse os caracteres gregos, russos,
hebraicos, góticos, na grafia do nome, poderia, com éles, assinar o que noutra escrita, ou r.a mesma, testou.
1. LETRAS E ALGARISMOS. Quantias e quotas podem ser em algarismos. Não é de mister o emprêgo de
palavras em letras (FRANZ LEONHÂmo, Erôrechi dos BGR., 381; A. ESCIJER, Das Erbrecht, Kommentar zum
sekweizerisehen Zivilgesetztuck, 88)
1.TESTAMENTO E REQUISITOS. São caracteres essencialmente constitutivos dos testamentos (não exclusivos,
porque há outros atos que os exigem) a personalidade, a revogabilidade e a solenidade. Em conjunto, nenhum ato
jurídico apresenta tão nítidos e necessários os três caracteres. Que êle é meramente pessoal deriva do seu conceito e
do Código Civil, artigo 1.626. Do mesmo princípio resulta a livre revogabilidade que o caracteriza: revogável é o
mandato, mas pôde ser irrevogável; a revogabilidade do testamento é inderrogável. Que é solene e quais as
solenidades, dizem-nos os arts 1.629-1.663. Foi reportando-se ao requisito de solenidade que a definição de M. A.
COELHO DA ROCHA (Instititições de Direito Civil português, § 673) atendeu ao caráter de ato solene. As
solenidades testamentárias são, pois, ad solennitatem, e não ad probationem: a falta é insuprível. Dai o problema
que surge, se um testamento fôr destruído ou extraviado.
2.TESTAMENTO E REVOGAÇAO, NO DIREITO ROMANO. No Direito Romano, morto o testador, sem ter
revogado o testamento, subsistia êsse, ainda quando tivessem sido despedaçadas as tábuas. Tal o direito civil. Mas,
se continuava a valer inre czvili, não ocorria o mesmo jure praetorio: completamente destruidas, deliberadameilte
pelo testador, ou contra a sua vontade, não concedia o Pretor aos herdeiros inscritos a bonorurt possessia (L. 1, D.,
quando dies legatorum vel fideicommissorum oedat, 37, 2) . Operada, consulto, a destruição, dava-se a exceptia
doU a quem obteve, ab intest ato, a bartorum possessio. contra o herdeiro testamentário, que pretendesse, jure
civiti, a herança. Quanto aos legados, se a destruição foi voluntária, negavam-se as ações aos próprios legatários (L.
1, § 3, D., de lãs quae in testamento delent’ur inducuntur vel inscribuntur, 28, 4)
3.Exm.AvIO E DESTRUIÇÃO Do TESTAMENTO NO DIREITO CONTEMPORÂNEO. No século XVII,
discutiu-se na França a questão da prova testemunhal para reconstituir testamento hológraf o que se extraviara. O
Parlamento de Paris, a 23 de junho de 1650, admitiu a prova. Ainda hoje se decide que, sendo certo ter existido e
fortuitamente ter sido destruido o testamento, podem ser provadas por testemunhas as disposições de última
vontade. Com isso não se infirma a lei da exigência da escrita na feitura dos testamentos (Grenoble, 6 de agôsto de
1901). Se o testamento foi desfeito por terceiro, houve delito na supressão e pode ser condenado a perdas e danos o
responsável (Cassação, 11 de junho de 1882) . Destruído, presume-se-lhe a regularidade formal (8 de dezembro de
1902). No direita italiano, havia quatro opiniões diferentes: a que negava, de modo absoluto, a admissibilidade da
prova; outra, que só a aceitava se houvesse culpa (violência, dolo) e, no caso fortuito ou de fôrça maior, se o
herdeiro ou legatário não deu causa ocasional à perda (CESARE LOSANA, Successioni testam entarie, nota ao art.
804) ; sem a última distinção, G. BTJNrVA (Delie Succes sioni legiltime e testamentarie, 104), E. RICCI (Corso
teoricopratico di Dirítto civite, III, n. 24) ; outros só admitem a exceção da admissibilidade se houve propósito do
herdeiro ou legatário, por entender~se renunciada a sucessão (V. VITALI, Delia Suecessioni testamentarie e
legiltirne, 1, n. 217) . Hoje, a regra é permitir-se a reconstituição, e à crítica de se tratar de escrita ad essentzam, e
não ad probatianem, responde-se que outros atos há, de igual natureza, com os registos civis, que também se
reconstituem. Ia-se além, citava-se a Lei italiana de 2.0 de julho de 1919, que regulava a recomposição de atos e
repertórios notariais nos territórios ocupados por inimigos ou danificados por operações de guerra (VínoRio
POLACCO, Delie Suecessionz, 171) . A prova, inclusive presunções, no caso de supressão delituosa, recai sôbre o
intrínseco e o extrínseco. No direito alemão, também se admite a reconstituição do testamento destruído ou
extraviado por acaso, ou Por culpa de terceiro (E. ENDEMANN Lehrbuch, III, 294). A respeito, diz o art. 510,
alínea 2,a, do Código Civil suíço: “Wird die Irkunde durch Zufaíl oder aus Verschulden Anderer vernichtet, se
verliert die Verfúgung unter Vorbehalt der Ansprtiche auf Schadenersatz gleichfalls ihre Gúltigkeit, insofern ihr
Inhalt nicht genau und vollstãngid festgestellt werden kann”. Na edicão francesa: “Lorsque l’acte est supprimé par
cas fortuit ou par la faute d’un tiers et qu’il n’est pas possiMe d’en rétablir exactement ni intêgralement le contenu,
le testament cesse d’être valable; tous dommagesontéres demeurent réservés”. A. EsCRER (Das Erbrecht,
K.ommentar zum schweizerisci:en Zivil,qesetzbuch, III, 96, 97) figurou vários casos de terceiro culpado. e de
acasos. A destruição é qualquer: laceração, rompimento, fogo, lançamento na água corrente. Mas o simples fato de
atirar longe não basta para a revogação perfeita. Se contra a. vontade do testador foi isso (e só se pode presumir a
de conservar), é de tentar-se a reconstituição. Assim, se virou a. lâmpada e se queimou o testamento, morrendo em
seguida o testador, ou se, perto da morte, ao queimar papéis, inadvertidamente queimou a cédula testamentária (cf.
EUGÊNE CURTI -FORRER, Commentaire, 404).
4.DIREITO CIVIL BRASILEIRO. O Código Civil nada diz sôbre a reconstituição das cédulas, O art. .1.749 toca,
de longe, o assunto. Aliás, omite êle, a respeito de outros atos, a chamada prova equivalente (cf. art. 180, V,
diferente do art. 80, 1). Mas seria absurdo levar a conseqúências extremas o conceito de forma ad essentiam. Ações
anulam escrituras, ~,por que excluir-se a possibilidade de, por elas, se obter a ressurreição do ato que o caso
fortuito ou a fôrça maior ou o crime de outrem materialmente destruiu? Seria gravíssimo para a ordem pública e
estariam feridos de morte atos como os pactos ante-nupciais, as adoções, os contratos constitutivos ou transíativos
de direitos reais acima de determinado valor (art. 134) e os assentos de óbitos e de casamento (art. 195). Queimado
o cartório, perdida a certidão, ~. que se havia de fazer? A solução brasileira tem de ser no sentido do que
poderíamos chamar o direito comum dos povos. Com as duas guerras mundiais e as conseqúêntes invasões,
evidenciou-se a importância do problema jurídico da destruição e do extravio dos testamentos.
Não mais se teve dúvida sôbre a reconstituição por meio de testemunhas e presunções. Elemento probante de valor
foi, particularmente, o depoimento do notário perante quem se fizera, ou, até, em cujas mãos se depositara o
testamento hológraf o. Na França, invocou-se o Código Civil francês, art. 1.348, 4,0, que permite reconstituir-se o
instrumento: “Au cas oh lo créancier a perdu le titre qui lui servait de preuve littérale, par suite d’un cas fortuit,
imprévu et résultant d’une force majeure”. Aplicação forçada, porque: a> Admitido que se tratassem, sob
4-
omesmo princípio, testamentos e atos enLre vivos, seria tornar-se possível a reconstituição de cédula extraviada ou
destruída, em vida do testador, o que importaria conseqtiências absurdas. (Escrito testamentário não é probatório,
mas constitutivo de direito.) b) O art. 1.348, 4,0, somente poderia ser invocado se o interessado provasse a
destruição por determinado caso fortuito ou de fôrça maior. Ora, se, no momento da morte, existia o testamento, ou
se o testador não revogou o que fêz e morreu nessa crença, deve subsistir o testamento, qualquer que seja a causa
de desaparição ou de aniquilamento:
a exigência da prova de caso fortuito ou de fôrça maior ofenderia os direitos dos herdeiros e legatários. No direito
francês, portanto, erra a jurisprudência (Chambre de Requête, 12 de junho de 1882 e 15 de novembro de 1926) em
aplicar aos testamentos os arts. 1.341 e seguintes do Código Civil francês (E. SAVATIER, Possibilité de
réconstituer un testament détruit et de la rendre efficace, Révvc trimestrielie de Droit Civil, 26, 241) . O que se quis
foi chegar a consequências práticas, prover a necessidade de reconstituir os atos. Mas, então, ~por que a hipocrisia
de critério legal concernente a atos de tão diversa natureza? A verdade está noutro ponto: a rúconstituibilidade é
princípio geral de direito, que não vem formulado nos Códigos Civis e ao qual o Código Civil suíço dedicou
criteriosa alínea (art. 510, alínea 2~a)• Testamento extraviado, ou destruído, em vida do testador, somente pode ser
reconstituido se fica provado que o testador ignorava o extravio ou a destruição, e cria, ao tempo da morte, deixar
testamento. Ou se, ao tempo de saber, estava louco. Reconstituido o testamento, os interessados têm a ação de
petição de herança, e não só a de ressarcimento do dano contra o autor do extravio ou da destruicão.
6.PROVA DA ACIDENTALIDADE ‘OU ATO DE OUTREM. O Onus da prova compete, em regra, a quem pede a
reconstituição. Se uma coisa se há de presumir é que foi o testador que deu fim ao testamento. ~ lição geral do
direito: no francês (BATiDRY-LACANTINERIE et COLIN, Traité théorique et pratique de droit civil. Des
donations Entre vil a et des testaments, II, 386; K. 8. ZACHAIIIAE-LINGENTHAL, CARL CROME, Ifandbuch
des franzõsischen Rechís, IV, 490) ; no direito austríaco, W. BROCR (Das eigenhdndige Testament, 106), no direito
suíço, A. ESCHER (Das Erbrecht, I<ommentar zuni schweizerischen Zivilge~ setzbueh, III, 97) e no alemão, F.
ENDEMANN (Lehrbuch. des Biirgerlichen Rechts, III, 294). Mas ~se o testamento se achava em mão d’e outrem?
Não poderia ser a mesma a presunção (L. PFAFP u. E. HOFMANN, Kommentar, II, nota ao § 722):
só se há de presumir que não foi o testador que o destruiu. Por isso mesmo, havendo nota do testador, nos seus
papéis, de que se acha em lugar certo o testamento, em poder de outrem, tem de admitir-se a ação de reconstituição,
que nada tem que ver com a de ressarcimento pelos danos. A presunção de estar revogado o testamento destruido
ou dilacerado pelo testador resulta: no Código Civil alemão, do § 2.255, alínea 2•a; no brasileiro, do art. 1.749,
defeituosamente redigido como restrito ao testamento cerrado; no direito suíço, que não tem presunção expressa
em lei, das regras gerais sôbre prova (P. TuoR, Kominentar, III, 343)
1.FORMAS TESTAMENTARIAS NO CÓDIGO CIVIL. Diz o Código Civil, art. 1 .629: “Êste Código reconhece
como testamentos ordinários: 1. O público. II. O cerrado. III. O particular”. O Projeto primitivo, no art. 1.801,
dizia: “Éste Código reconhece como testamentos ordinários: 1.0 O público, escrito por tabelião; 2.0 O cerrado ou
místico; 3.~ O hológrafo nu particular”. E o Projeto revisto, art. 1.966: “O testamento ordinário é de quatro
espécies, a saber: a) público, ou feito por tabelião; b) cerrado, com instrumento de aprovação; e) particular, ou
escrito pelo testador; d) nuncupativo, ou feito de viva voz”. Mas a Câmara dos Deputados excluiu o nuncupativo.
Note-se que o Projeto primitivo chamava místico ao testamento cerrado, o que, usado em escritores daqui e dalém-
mar, constituía errada terminologia jurídica. Fêz bem o Projeto revisto em corrigir-lho.
2.TEMPOS PRIMITIVOS. Na tribo, o homem não poderia pretender que a sua vontade prevalecesse, menos ainda
depois da morte. Tal o direito de todas as organizações primitivas: o nulium testarnentum de LiCITO, quanto aos
Germanos, vale para todas elas. Ainda hoje, antes o dissemos, o direito hindu. Já sob a influência das idéias
inglêsas, que o modificaram, o poder testamentário não passa do direito que rege as doações entre vivos (Tagore
vorsus Tagore, L. R. Sel Ind., 64; WEST and J. G. BÚHLER, A Digest of Hindu Law ol Inferitanto, Partilion, and
Adoption, 1, 182). Compreende-se que o antigo Egito o tivesse recebido dos Helenos sob os Ptolomeus
(E.RÉvILLCUT, Les l?apports historiques ot légaux dos Quintos et des Egyptiens, 118) : Amásis não quis o testar,
que Siion intentara. Os Egípcios tinham o expediente de inventariar o que havia na casa, submetendo-o ao dia
(autoridade régia), que o aprovaria para o efeito de se operar a sucessão, loro anima, e outros, que serviam, na falta
dele, a tais fins. Assaz subordinados a leis, todos os povos passam pelos mesmos pontos. São os ciclos.
3.FORMAS INICIAIS DOS TESTAMENTOS ROMANOS. GAIO -falou de duas maneiras de testar: o testamento
calatis comitiís, em tempo de paz, em dias fixos do ano, diante da assembléia das cúrias (já falamos do valor
legislativo do ato), e o testamento in prooinctu, feito em guerra, ‘antes de começar o combate, perante o exército.
Em suma: ambos perante o povo. Melhor: perante o grupo social, ali, mais largo, representado pelas cúrias; aqui,
devido às circunstâncias, perante a fôrça armada. Sabemos qual é a lei cíclica da evolução social (Introdução à
Sociologia Geral, 242), fácil compreendermos os indícios-religiosos do instituto: no testamento calatis cornitiis, o
testador declarava a sua vontade perante os comitia calata, submetidos à autoridade religiosa, quiçá pelo próprio
grande pontífice, ou, em nome dos pontífices, pelo noz sacrorum.. Para Til. MOMMSEN (Rõmisclto Chronolo pio,
241 s.), os dias seriam 23 de março e 24 de maio, momentos de reunião forçada dos comicios. Mas não
surpreendeu que se objetasse, sem razão, serem assaz próximos. Não foram fixados para isso. O ato do testamento
não poderia ter tal importância. Com o tempo, foi descorando o caráter religioso-político, portanto, legislativo do
testamento comicial. Caiu em desuso antes de findar a República. Há documento: em processo de 605 de Roma já
se supõe só existirem o testamento por aos et libram e o in prooinotu. No testamento de guerra, o povo armado é
mais testemunha que o dos comícios. Donde se quis inferir que só se introduziu quando a legislatividade do
testamento comicial já se havia apagado. No tempo, portanto, em que não era de mister a derrogação solene da lei
geral de sucessões. As XII Tábuas traziam disposições relativas aos legados. LUDWIG MITTEIS, (Rômisofles
Privatrockt, 1, 81), e com êle PAUL VINoGRAUOFF. lêem o texto de Ulpiano itti logassit super pecunia tutolave
surte rei ita iws oslo, como se considerasse disposições auxiliares do testamento os legados e tutelas, restringindo
os legados à pocunia. Certo, não seguiríamos a teoria de EDWARD CUQ, de E.EHRLICH e de OTTO LENEL,
que fazem o sistema testamentário derivado dos lo gata, nem a explicação puramente política (PIETRO
BONFANTE, Stonia ‘doí Dinitto romano, 159) da heredis institutio (parece-me roiigioso-polítioa e só mais tarde
político-jurídico-econômica, no sentido confirmador do ciclo social)
mas o legassit do texto prováveimente se referia à deixa, e não ao legado no sentido estreito, que, hoje, é o sentido
técnico. O testamento, que veio constituir o segundo modo ordinário de testar, foi o testamento por aos ot libram: a
pessoa que dispõe, aliena o patrimônio, nas formas da emancipação, com a balança e o pedaço de metal, perante o
libnipons, as cinco testemunhas, em proveito de terceiro, o familao em pior. Donde o número 7, que várias vêzes
encontramos nas formalidades testamentárias, e o 5, de que ainda nos não libertamos. A principio, o familiae
empior exercia o papel verdadeiro de quem herda. Depois, passou a mero figurante, com a notificação por escrito
ou oral do verdadeiro herdeiro instituído. A explicação sociológica dêsses fatos, já a expusemos longamente, na
Introduçdo à Sociologia Coral. Além das duas formas do testamento por aos eI libram dos tempos históricos, vem
a eliminação, pelo Pretor, de tudo quanto era, ao seu tempo, inútil e obsoleto: a supérflua reminiscência da
nianoipatio familirte, a própria nutuntpoitio, De que só restava o nome. No testamento pretoriano, o que e essencial
é o escrito e a apresentação às testemunhas.
4.TESTAMENTOS NO DIREITO POSTERIOR ROMANO. Além do testamento perante sete testemunhas e por
declaração perante o tribunal, o direito canônico permitiu terceira forma, perante o pároco e duas testemunhas.
Quase nada se exigia ao “contrato de herança”. Mas GUSTAV HARTMANN (Zur Lo/ao vou dou ErbvertrÉigo’n,
44 s.) e OTO STOBBE (Handbuch. dos deutschen Privatrechís, V, § 311, V) opunham-se a isso, no direito comum
alemão, e seria, certamente, inadmissível que à instituição irrevogável não se exigissem formalidades especiais (J.
CII. HASSE, Rhoinisches Museum 11 Jurisprudouz, II, 291).
O testamento romano tinha as sete testemunhas, oral (testamentum por nuncupationom), provàvelmente com
referência a documento tido por terceiro (J. A. SEUFFERT, Archir, 19, 243), nunca sem a leitura (CITa. FR. vON
MÍIHLENBRUCH, em CUR. ER. VON GLÚCK, Ana fiihrlieho ErlÉiutorung der Pandeetou, 35, 13 a.), ou
mediante escrito, mostrando às testemunhas, subscrito pelo testador em presença delas, e por elas subscrito e
sigilado em presença do testador. Era indiferente que o tivesse escrito, ou não, o testador. Justiniano estatuiu que,
pelo menos, o nome do herdeiro fôsse da mão do disponente (L. 29, C., de tosta-mentis: quemad’rn’o dum
tesíamenta ordinantur, 6, 23; § 4, 1., de tostamontis ordinandis, 2, 10), porém êle mesmo o revogou (Nov. 119, c.
9). Podia fechar-se e a assinatura ser posta no envoltório (L. 21, C., 6, 23) . Esc,yito pelo testador, era dispensável a
assinatura, uma vez que dissesse tê-lo escrito (L. 28, § 1, C., 6, 23). A aposição da data não era necessária (PH. E.
HUSCHKE, Jurisprudentiae Anteiustinianea, 527; Cita. FR. VON GLÚCK, A usf ii frUe/te L’rWuíorung dos
Pondo eteu, 34, 468 s.). Era requisito a unitas actus: havia de ser feito sem interrupção (L. 21, § 3); mas, se,
durante a feitura, o testador ou alguma testemunha saía por exigências corporais, uma vez que não demorasse
muito, se não feria a imitas (L. 28, pr.). Se uma delas adoecia, podia chamar-se outra. Quanto ao testamentunt
perante o tribunal, podia ser oral ou com referência a escrito, que se entregasse (Cita. FR. VON GLÚCE, 34, 188).
Não era de mister a subscrição pelo testador. Se era cego, devia ler-se-lhe
1
§ 5.855. FORMAS TESTAMENTÁRIAS -o documento entregue, expediente assaz plausível (S. A. SEUPFEIa,
Ã4rchiv, 1, 855). Se, vendo, não sabia ler, surgiu a questão (Cna. Fa. voN GLÚCE, 34, 47 s.; A. F. J. THIBAUT,
tTber Testa-mente der 5chriftunkundigen, Archiv fúr dio civilistiache Pra-xis, VI, 226; R. vON HOLZSCIIUHER,
Thoorio imã Casuistilo, II, § 143, nota 7, e J. A. SEUFFERT, Archir, VIII, 273; 21, 242). Sêbre o assunto, G. L.
WINKLER. O juiz autenticava o testamento, fôsse oral, ou fôsse em documento apresentado, mas é digno de notar-
se que se não exigia a aposição da data no protocolo, pelo menos é o que se supêe, e o que foi julgado no direito
comum (J. A. SEUFEERT, Árchiv, 39, 117). Era inadmissível a declaração por meio de mandatário. O tribunal
podia enviar deputação ao lugar em que se achasse o testador (Cita. FR. VON GLÚCK, 84, 189).
Vejamos a origem de tais testamentos romanos: 1) a) O testamento privado procedeu do testamento por aos ot
libram e do pretoriano; b) O testamento nuncupativo foi simplificação daquele. Eliminou-se-lhe a manciloatio e
com ela se foram (PAUL FitÉDÉRIC GIRARD, Mainwi élémeutairo ‘de Droji romftifl, 809) o libripens e o eniptor
fanviliao (donde, em vez de sete, cinco testemunhas) ; mas a Constituição de 439 (Theodósio e Valentiniano)
restaurou o número sete, com o carater de simples testemunhas. o) Por escrito apresentado pelo testador, chamado
testamentnm tripartitidas e criado em 439 (Nov. Theod., 16, 1), teve no próprio nome as origens: o concurso das
testemunhas; a unitas actua do testamento comicial, que o por aos ot libram manteve; o número sete do pretoriano,
e a exigência dos signa das testemunhas; a subscrtpto pelas testemunhas e pelo testador, ou por elas e oitava
pessoa, o subsoriptor, se o testador não podia escrever. O próprio nome triparlitum narra-lhe a história. 2) O
testamento público tinha duas formas: a) Apud acta condituifl, reconhecido, porém não introduzido pela
çonstituiçãO de Theodósio e de fionório, em 413, fazia-se perante o magistrado judicial, ou perante as autoridades
municipais (E. C. vON SAvIGNY, Susíeis, 1, ns. 27 e 28) . LUDWIG MITTEIS (Reichsretht imã Vollcsroeht, 95, n.
4) cria-o de origem helênica, o que a papirologia confirma (Pap’z jr. Oxyr., 106, do ano 135, e 107, do ano 123).
b)Tostamentitm princ*pi oblatuim, que se entregava a guarda do príncipe, e cuja estrutura é assaz compreensível.
Mas da origem helênica não se tire que as formalidades fôssem essenciais no direito grego. Nesse, o ar que se
respirava era sempre de mais liberdade. A lei ática mais espiritural que a romana:
solenidades duras, imprescindíveis, seriam prisões, que repugnariam à alma grega. O que era essencial na Grécia
consistia naquilo a que, mais cedo ou mais tarde, arrebentando os grilhóes históricos, havia de chegar: a vontade do
testador. Só nas origens se vê a exigência da presença do archonte (FUSTEL DE COULANGES, Nouvelios
recherchos, 136) . Na época dos oradores, as formalidades são aconselháveis, porém não exigidas por lei. No
direito canônico, as facilitações a favor da Igreja foram amplíssimas. As disposições em benefício dela não
precisavam de rigor de forma; e a prática estendeu a regra jurídica da Decretal às fundações, ‘discutindo-se, então
(CHR. FR. voN MTJHLENBRUCH, 42, 131 5.; R. VON HoLzscIiuani, Thcorie uná Casuistile, II, § 138, n. 2), os
limites da aplicação extensiva.
5.ORIGENS DE FORMAS DO DIREITO HODIERNO. O testamento cerrado lembra o que h;via no direito
romano, porém são diferentes as solenidades. Tinha o direito romano o testamento nuncupativo, verbal, ao tempo
da morte, que, depois, se proibiu. Os testamentos públicos, que houvemos das Ordenaçóes, criou-se no uso das
nações, e bem assim o particular (MANUEL ÁLvARES PÊGAS, Commentaria ad Ordinationos Regni
Portugaliae, IV, 241, 89-65). Em 1512, ao tempo, em Portugal, das Ordenaçóes Manuelinas, o imperador
Maximiliano adotou expressamente na sua pátria (SAMUEL STRYK, D.3 Canto lis testamentorum, 15, § 45) o
testamento público, como o da Ord. do Livro IV, Titulo 80. Nem êsse, nem o particular necessàriamente hológrafo,
foram de fontes romanas: e quase sempre é impróprio buscarem-se elementos naquele direito para se resolverem
problemas. Cumpre, porém, advertir em que os Alemães, muito antes de Maximiliano, já tinham o testamento
público (A. HEUSLER, Institutiouen dos deutsehen Privatrechts, 647) . Há documentos de 1265 e 1295
(GUDENUS, Sylloge variorum diplomatariorum, s. 618 e 628; TR’OUILLAT, Monuments, II, n. 278) . Conforme
se há de ver, o direito romano não conheceu a exigência ordinária da holografia.
6.DIREITO ANTERIOR AO CÓDIGO CIVIL URASILEIRO. Além das formas que hoje tem o Código Civil
brasileiro (póNico, cerrado, particular) e as especiais dos arts. 1.656-1.663, havia no direito anterior o tratamento
especial ou privilegiado, permitido aos doentes em perigo de morte, nuncupativo, perante seis testemunhas, que
ouvissem e entendessem a disposição (Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 80, § 4.0) . Pela praxe, tinha-se a
forma testamentária de mão comum, com o qual testavam, conjuntivamente, marido e mulher, no mesmo papel e
para o mesmo ato (ÁLVARO VALASCO, Consultatilvo et Decisionum, 21) . Os pressupostos de validade eram os
mesmos dos outros testamentos, porque, em verdade, so havia de nôvo o elemento da conjuntividade. Se
simultâneo, era livre a revogação. Se recíproco e correspectivo, cumpria atender àdistinção, conforme diremos a
propósito do Código Civil, artigo 1.630, que hoje explicitamnte o proibe. Os codicitos tinham maior extensão que
hoje. As ordenações Filipinas, Livro IV, Título 86, pr., definiam-nos como “disposição de última vontade sem
instituição de herdeiros”. Os pactos sucessórioss eram proibidos (Livro IV, Título 70, §~ 3 e 4). Excetuavam-se: os
que versassem sôbre herança de terceiro, se consentidos por êsse, mas sem que êsse perdesse a faculdade de mudar
de vontade (JORGE DE CABEBO, Praticarum Observationum, 1, d. 164, n. 5); quando contivessem doaçoes para
casamento determinado, ou se houvesse estipulado em contratos antenupciais (Lei de 17 de agôsto de 1761, § 8;
MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, Notas de uso prático, II, 509; COELHO DA ROCHA, Instituições ‘de
Direito Civil português, § 781) . Mas havia controvérsias sutis.
7. DIREITO INGLÊS. O direito inglês não tem o contrato de herança. Mas (é assente) cabem disposições sôbre
sucessão nos marriago settiements (contratos nupciais), que mais se prendem ao direito de família (WILLIAMS,
Persolial Property, 16.~ ed., 506). Desde o Neío WiivoAct de 1837 que se pode testar sôbre móveis e’ imóveis. A
forma do testamento é a escrita e a Seção IX do Act de 1837 dá as regras basícas. “It shall te signed at the foot or
end thereof by the testator or by some other person in his presence and by his direction; and such signature shall be
made or 5cknowledged by the testator in the presence of two or more witnesses present at the sarne time and such
wítnesses shall attest and shall subscribe the will in the presence of the testator, but no form ot attestation be
necessary”.
Nenhum testamento ou codicilo vale, se não reúne os seguintes requisitos: a) ser escrito; b) ter, embaixo, a
assinatura do testador, ou de outra pessoa, que o assine em sua. presença e por sua ordem; e) tê-lo assinado o
testador, ou reconhecido a assinatura, em presença de duas ou mais testemunhas, que ao mesmo tempo assistam e
atestem, subscrevendo, em presença do testador, o testamento ou codicilo. Se’ satisfaz tais exigências, existe e vale,
e pode valer ainda que, pelos seus têrmos, não pareça constituir testamento (Goods o)’ Mor gan, 1866; Ferguson-
Davie versus FergusonDavie, 1890; Goods o)’ Slinn, 1890) : “may be valid as such, notwithstanding that it does not
in terms purport to be a testament”. O Witls Act Amendment Act de 1852 referiu-se ao “embaixo do testamento”,
foot or ená, e a respeito foi estabelecido que não é necessário terem as testemunhas apôsto, ao mesmo tempo, as
suas assinaturas (Brown versus Skirrow, 1902) e nenhuma forma de atestação é necessária, mas é de’ vantagem
prática dizer-se que as formalidades do art. 9 do Wills Áct de 1837 foram observadas. Uma simples marca pode’ ser
suficiente assinatura, seja do testador, seja das testemunhas; porém não um sinête (mark: no caso Go’ods o)’ Rio
witt, 1880; soai: no caso Smith versus Evans, 1751) . É preciso que as testemunhas tenham visto, ou estivessem em
posição de ver o testador assinar; ou, se lhes declarou o testador reconhecer sua assinatura, é preciso que tenham
visto ou estivessem em posição de ver a assinatura reconhçcida (Daintree versus Butcher, 1888; Brown versus
Skirrow, 1902). Não é necessário que as testemunhas soubessem que era um testamento o ato, cuja assinatura elas
atestaram (Keig’win versus Keigwin, 1843; Wright versus Sanderson, 1884) “It is immaterial that the witnesses did
not know that the docum.ent, of which they were attesting the signature, was a testament”.
É personalissimo o ato de testar: ninguém pode dar a outrem podêres para fazer por si o testamento, mas isso não
impede fazer dependente de acontecimento, inclusive da adesão de outrem, a validade do ato testamentário, “but
he can mate the validity of his testament dependent upon a contin.gency, and such contingency may be the approval
of another person”. Quando um testamento ou um codicilo se refere a atos já existentes, porém que não satisfazem
as exigências do Wills Act de 1837, art. 9, considerando-os como parte, tais atos serão em virtude da referência
incorporados ao testamento ou ao codicilo, se fica provado que êles são os referidos (Allen versus Maddock, 1858;
Goodso)’ Smart, 1902; University College versus Taylor, 1908) . Quando um testamento é conf irmado (reposto em
vigor, ropnbiished) por um codicilo, aplica-se a mesma regra jurídica quanto aos atos elaborados entre a data da
feitura do testamento e a do codicilo, mas é de mister que o codicilo os considere atos existentes, ou que o
testamento, “interpretado como feito na data do codicilo” (constrlted as being executed o;t the date o)’ the
exec’tctiofl o)’ tive codicifl, os considere como documentos existentes (Go’ods o)’ Laíly Truro, 1866; Durham
versus Northen, 1895; Goods o)’ Smart, 1902). Quando um codicilo existe ao mesmo tempo que um testamento,
deve ler-se como se fizesse parte dêste (opinião de Lord HARDwícx, no caso Fuíler versus Hooper, 1750). Mas, se
não se encontra o testamento, ou se não podem ser provadas, ao tempo da morte, as disposiçôes dele, e só se
encontra o codicilO~ só êste produzirá efeitos (Goods o)’ Clements, 1892) . Costuma-Se chamar codicilo ao
testamento anexo, que supõe a existência de um testamento principal; porém, perante a lei, não há nenhuma
distinção entre um testamento e um codicilo (W. 5. HOLDS WORTII, A Digost, V, 1.240) . Note-se a diferença
para com O Código Civil brasileiro, art. 1.651. Se um testador confirma o seu testamento, ficam confirmados
(atendidos, é de ver, os têrtios da confirmação) todos os codicilos que dele dependem e não foram anteriormente
revogados (Coods o)’ De La Saussalf e, 1873; Green vorsus Tribe, 1878) . Está claro que o ato confirinativo precisa
ter os requisitos ordinários (W. 5. HOLDSWORTH, em EDWARD JENXS, A Digost o)’ Euglish Civil Laio, 129).
O direito inglês reconhece ao soldado que está em serviço militar ativo, e ao marinheiro po mar, a faculdade de
dispor dos seus bens, real e personal estate (Wills Act, 1837, art. 11; Wills - Soldiers and Sailors - Ad de 1918, art.
3), oralmente, ou por escrito, sem as exigências ordinárias. É livre a revogabilidade do testamento. Não pode o
testador, por convenção, ou ‘por qualquer outro meio, privar-se dêsse direito (VuniOr’S Case, 1610). Continua
revogável ad uutnm ainda que encerre cláusulas obrigacionais. O direito inglês segue a êsse respeito solução assaz
compreensível: dá-se a revogação, ficando às partes lesadas as ações fundadas no inadimplemento do contrato
(Robinson versus Ommanney, 1883; Ro Pariciu, 1892)
8.TESTAMENTO NO DIREITO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Existe nos Estados Unidos da
América a pluralidade da legislação do direito civil. Em certos Estados-membros há codificação. Noutros, não:
rege o direito comum, que, excetuada a Luisiana, constitui a substância dos próprios sistemas codificados.
Obrigatório o Common Law, até que outra legislação se seguisse, compreende-se a unidade de fato, de que, a
despeito da multiplicidade constitucionalmente possível, partiram os Estados-membros.
Ainda hoje, não é difícil, no essencial, dizer-se qual o di-direito norte-americano dos testamentos, desde que se
apontem as legislações excetuadoras. O que logo chama a atenção é a singular tolerância quanto às formas
testamentárias. Admite-se a homologação dos próprios testamentos hológrafos, escritos por outrem. Mais: a
jurisprudência admitiu testamentos escritos a máquina, assinados pelo testador, O que tem capital importância, no
direito norte-antericamo, em matéria de testameuto, é a assinatura do testador. Daí a necessidade de ser a
autenticidade dela verificada e garantida pelas testemunhas, cujo número varia segundo os Estados-membros. O
testador assina diante delas (é a regra geral e ordinária), declarando que o documento contém as suas últimas
vontades. Em seguida, assinam as testemunhas em presença do testador e uma das outras, declarando que isso se
observou. Devem indicar os endereços, sob pena, em alguns Estados-membros, de serem multados. Também de
grande importância é a attestation clause, que tem por fim dar aos terceiros interessados a prova de que a lei
testamentária foi observada. Os executores testamentários, os legatários, donatários, credores e interessados na
sucessão levam à Côrte competente o pedido de homologação. Citam-se interessados e testemunhas, arguidas essas
sôbre os fatos que devem conhecer. Se, por morte, ausência, ou incapacidade, de uma ou de algumas, não se
procede ao interrogatório, devem os ‘interessados justificar o que seja de mister quanto à escrita do defunto.
Seguem-se a formalidade do depósito e do registo,e, após um ano de depósito, a entrega aos interessados. Se há
ausentes ou desconhecidos interessados na sucessão, citam-se, sendo imobiliária a sucessão, o General Attornoij,
ou um administrador público, em se tratando de sucessão mobiliária.
Homologado o testamento, dão-se aos executores as cartas testamentárias, com que procedem à liquidação. Se o
executor, cidadão norte-americano, reside no estrangeiro, deve dar caução. Quanto às nulidades, os Estados Unidos
da América são assaz zelosos no apurar a influência ilegítima, undue influente. No Estado de Nova lorque, que
pode servir de tipo, o testamento deve ser escrito e assinado o testador, mas assinatura é qualquer marca, que a
possa substituir. As testemunhas assinam junta ou separadamente, em alguns Estados-membros, sem a presença do
testador. As testemunhas indicam o domicílio. Não precisa ser lacrado o testamento. Só se admite testamento
nuncurativo confirmado depois por escrito, a soldados e marinheiros em serviço ativo e quanto à sucessão
mobiliária. Se o testamento não foi devidamente assinado e atestado, a Côrte considera-o nulo. Mas aqui, em se
tratando de requisitos de fundo, os tribunais norte-americanos são assaz propensos à conversão:
sabida a vontade do testador, evitam que a ignorância, em maneira de direito, destrua o que êle realmente quis. Se
há parte viciada por interpolações, não se há por isso de negar validade ao ato (aliás, assim também havemos de
julgar no Brasil) . Às vêzes, o que não vale como testamento vale como ato entre vivos. Mas vemos o elemento de
uma cláusula nula tornar nulo o todo, por inadmissível concepção da indivisibilidade do ato testamentário. No
Distrito de Colômbia, o testamento deve ser escrito e assinado pelo testador, ou por alguém em sua presença.
Atestam-no e subscrevem-no, em sua presença, duas testemunhas. No Estado do Cobrado, há o testamento
nuncupativo, reduzido a escrito e atestado. No Estado de Connecticut, o testamento deve ser escrito e assinado pelo
testador, subscrito, em su~ presença, por três testemunhas. São admitidos os testamentos regularmente feitos noutro
Estado-membro ou no estrangeiro, segundo as leis em vigor no lugar da feitura. São nulos os legados a favor do
marido ou da mulher de uma das testemunhas, salvo se são herdeiros do testador. Fazem-se o depósito e o registo
na Côrte do lugar em que residia o testador. Se essa o entende útil, ordena a notificação pública ou individual das
interessadas. No Estado de Delaware, o direito é do tipo do Estado de Nova lorque. Quanto aos testamentos
nuncupativos, há limite de objeto; por isso, não se testa além de determinada quantia, O depósito e o registo fazem-
se na Côrte do domicílio do testador ou do lugar em que se acham os bens. No Estado de Elórida, só se faz
testamento público perante três testemunhas, durante a última doença do testador. O prazo é de seis meses após a
declaração, salvo se, nos seis dias da feitura, foi reduzido a escrito e jurado perante a autoridade judiciária. No
Estado de Illinois, o testamento redigido e homologado noutro Estado-membro pode ser executado no lugar de
Illinois em que o testador, no momento da morte, possuía bens imóveis. No Estado de Indiana, só se podia testar,
nuncupativamente, até cem dólares. Os testamentos feitos noutro Estado-membro ou no estrangeiro podem ser
depositados e executados em Indiana. Na Luisiana, admitem-se três formas testamentárias: o testamento fechado, o
nuncupativo, que exigem notário e testemunhas, e o hológrafo, todo escrito pelo testador, datado e assinado por êle.
Vale o testamento estrangeiro, mas são exigíveis as provas de autenticidade. No Estado do Maine, o testamento
deve ser escrito e assinado em presença de três testemunhas. No de Maryland, escrito, assinado, selado pelo
testador, e atestado por duas testemunhas. Para as gentes do mar e os soldados em serviço ativo, permite-se o
testamento nuncupativo quanto a móveis e sôldo. O testamento de pessoa originária de Maryland, ainda que resida
fora, no momento de testar ou de Jalecer, tem de seguir as leis estaduais, para que se homologue. No Estado de
Massachussets, o testamento há ser escrito e assinado pelo testador, atestado, em sua presença, por três
testemunhas. Feitos fora de Massachussets, deve observar-se a lei do domicílio do testador. Soldados em serviço
ativo e marinheiros no mar testam oralmente quanto aos móveis. O beneficiado e o seu cônjuge podem ser
testemunhas. Em Minesota, só há nuncupatividade para soldados em serviço ativo e marinheiros no mar. Feitos
quaisquer testamentos fora de Minesota, uma vez escritos e assinados pelo testador, valem, se observaram as leis
estaduais ou as do domicílio do testador. No Estado de Mississipi, admite-se o nuncupativo, feito no domicílio do
testador, durante a moléstia, ou no lugar em que residia nos últimos dez dias, salva se contraiu a doença fora do seu
domicílio ou se morreu em viagem de volta, de longo curso. Mas o objeto não pode ser senão bem móvel. Se
excede de determinada quantia, têm de assiná-lo duas testemunhas. O prazo para a homologação é de seis meses.
Se as declarações foram reduzidas a escrito nos seis dias, é prorrogável o prazo. A lei do Mississipi proibe legados
a corporações religiosas ou puramente de caridade. Porém os bens móveis podem ser legados para obras de
caridade, se não tiverem ligação com congregações religiosas; e os imoveis, ou produto deles, podem ser
destinados a fins de caridade e religião.
No Missuri, adota-se a atacabilidade do testamento até cinco anos após a homologação. As regras jurídicas são as
da maior parte dos Estados-membros. No Estado de New .Tersey, além das regras gerais, os testamentos devem ser
f echados. O processo de homologação faz-se perante a jurisdição ordinária ou perante o Surtogato, mas, se
intervém questão de validade, declara-se incompetente o Surro gato, que remete as partes à Côrte dos Órfãos,
Orphaus Court. O testamento do estrangeiro, que dispõe de imóveis, deve ser redigido e homologado segundo as
leis estaduais. Na Carolina do Norte, além ‘das exigências gerais, há o requisito da escrita de próprio punho e o ser
necessário que se encontre nos papéis do testador, ou em mãos do depositário. O testamento nuncupativo, se
excedia de duzentos dólares, exigia a presença de duas testemunhas, durante a última moléstia, ser feito na própria
habitação do testador, salvo se morrer em viagem ou fora do domicílio. O prazo de atestação é de seis meses. No
Estado de Ohio, o testamento pode ser escrito ou dactilografado, se feito durante a última moléstia do decujo.
Nuncupativo, deve ser apresentado por escrito nos dez dias seguintes às declarações verbais do testador, assinado
por duas testemunhas não beneficiadas. Somente valem os legados de beneficência, pelo testador que deixou
descendentes ou filho adotivo, se feitos um ano, pelo menos, antes da morte do testador. As ações contra o
testamento só se exercem até um ano após a aprovação, porém o prazo não corre contra os menores, os ausentes, os
alienados e os prisioneiros. No Estado de Pensilvânia, vale o nuncupativo feito durante a última doença do testador.
Na Virgínia, deve ser escrito e assinado pelo testador; se não foi todo escrito por êle, tem de ser atestado por duas
testemunhas que afirmem achar-se nas condições legais. Como era de prever (nosso Sistema de Ciência Positiva do
Diroito, 1, 204 s.; Introduçdo à Politica Ciontífica, 189; crescente simetria interna do grupo, com integração dele,
cf. Introdução à Sociologia Geral, 153 e 235), opera-se nos~ Estados Unidos da América um movimento a favor de
um national-code, dos Uniform Stato Lctws (GEoRG MERILL, An American Civil Code, American Law Review,
1, 603; C. T. SEER. MANN, Roman Law in the Modern Worid, 1, 339), assaz mais fácil de fazer-se do que se
supõe, porquanto, se a Luísiana possui Código Civil de influxo francês e espanhol, é bem verdade que o common
lv» atua fortemente (ROSCoE POUND, The Spirit o>’ tite Common Lv», 2: “but the fundamental common-law
institutions, supremacy of law, case law and hearing of causes as a whole in open court, have imposed themselves
on a French code and have made great portions of the law Anglo-American in all but name”). Em 1922, fundou-se
o Amerícan Law Institato, cujos serviços foram notáveis. A conferência nacional ou Uniform Síate Lv» interessou-
se pela uniformidade testamentária. Conselho aos norte-americanos que testam no Brasil: a legislação brasileira
não permite retirar dos cartórios, em que se arquivam, os testamentos, e as Côrtes americanas não dariam o pro
bate sem o ori~inal, de modo que a solução óbvia éescreverem em dois exemplares o ato testamentário. Em todo o
caso, informa LÉoN VIROLET (GuMe pratique de Droil suecossoral angiais ci américain, 182) que na França se
recorreu ao seguinte expediente: depesita-se na França o testamento, fotografa-se, o cônsul dos Estados Unidos da
América certifica a conformidade da peça, legaliza-a, e, expedida, as Côrtes americanas aceitam a fotografia, como
sucedâneo do original testamentário.
l.TESTAMENTO NO DIREITO FRANCÊS. Nas circunstândas normais, o Código Civil francês reconhece três
testamentos, ditos ordinários: o hológrafo, o autêntico ou notariado, e o que o art. 969 chama “forme mystique”.
Desde a Ordenança de 1735, art. 1, que se proIbiu o testamento verbal ou nuncupative. Quaisquer declarações
verbais, feitas pelo decujo, seja para dispor, seja para modificar o testamento escrito, nenhum valor podem ter,
ainda que as confessem os herdeiros: contra êles não pode ser feita a prova. O art. 968 proibe os testamentos
conjuntos ou mútuos, proibição, hoje, absoluta, porém que o não era na Ordenança de 1735, art. 77, que a
introduziu. O testamento hológrafo deve ser todo escrito pelo testador, assinado por êle, habitualmente com o
nome e o prenome; mas basta a assinatura de que costuma servir-se, e que lhe marca, por bem dizer, a
personalidade. Um bispo, por exemplo, pode assinar com as iniciais e o nome da cidade episcopal. Deve ser
datado, com a indicação precisa do dia, mês, e ano, em que se testou. Nesse ponto, segue o Código Civil francês a
velharia da essencialidade da data (art. 970) : “Le testament olographe ne sera point valable, s’il n’est écrit en
entier, daté et signé de la main du testateur: il n’est assujetti à aucune autre forme”. Data falsa e data incompleta
acarretam nulidade, se bem que a jurisprudência belga (contra, F. LAURENT, Principes de Droit Civil français, 18,
n. 202) não desse tal conseqUência à antedata e à pós-data. Seria nulo o testamento sem a indicação do dia:
e. g., “feito em outubro de 1969”. Pode ser escrito em papel não selado: só se tem de pagar a multa, na ocasião do
registo. Épermitida a forma de carta. Bem assim, a escrita a lápis, no todo, ou em parte (Besançon, 6 de junho de
1882), a redação com intervalos de tempo, com várias datas, ou uma, final, que se aplique ao conjunto (Caen, ii de
agôsto de 1866; Cassação, 18 de abril de 1882), em fôlhas separadas, desde que siga, ininterrupta, a escrita, datada
a última. Se a data de uma delas é falsa, com auxílio das outras pode-se retificar (Cassação, 30 de fevereiro de
1889) . O testamento por ato público, define o art. 971, “est celui qui est reçu par deux notaires, en présence de
deux témoins, ou par un notaire, en présence de quatre témoins”. As regras jurídicas são as da Lei de 25 do ventoso
do ano XI, completadas pelas que dá o Código Civil francês. Deve ser ditado pelo testador ao notário que o escreve
(artigo 972) ; portanto, não se admite que o notário o escreva fora da presença do testador, como faz com es outros
atos jurídicos,e depois o leia, para apanhar as assinaturas. ConseqLiencias: o mudo não pode usar da forma
autêntica (Nancy, 8 de janeiro de 1903) ; o notário não pode copiar o projeto ou minuta, que outrem ou o próprio
testador lhe haja entregue (Caen, 17 de novembro de 1884); o notário não pode fazer sugestões de qualquer
natureza, se bem que possa argúi-lo para melhor colhêr as suas intenções, e adverti-lo quanto às ilegalidades e
contradições. Mas deve o notário reproduzir as próprias incorreções de linguagem e as impropriedades de
expressão. Há de ser lido ao testador em presença das testemunhas. E de tudo faz-se menção expressa (art. 972) .
Assinam-no o notário, as testemunhas e o testador. Se êsse declara que não sabe ou não pode assinar, mencionar-se-
á isso expressamente, consignando-se, no ato, a causa de tal impedimento (art. 973). Atendendo ao analfabetismo
das províncias francesas, o art. 974, parte 2•a, estatui: “néanmoins, dans les campagnes, ii suffira qu’un des deux
témoins signe, si le testament est reçu par deux notaires, et que deux des quatre témoins signent, s’il est reçu par un
notaire”. O testamento secreto, a que o Código Civil francês chama testamento mistico, pode ser escrito pelo
testador, ou por outrem, sem que o assista qualquer testemunha: o que é preciso ser testemunhado é a apresentação
ao notário, fechado e lacrado, ou para que o feche e lacre, com a declaraçáo de que aqueles é o seu testamento (art.
976). Segue-se o ato de subscrição, correspondente à aprovação do direito brasileiro. Se o testador não sabe, ou não
bode assinar, ao ato de subscrição será chamada mais uma testemunha, declarando-se isso (art. 977) . As
testemunhas hão de ser, pelo menos, seis (art. 976). Os que não sabem, ou não podem ler, não podem usar do
testemunho secreto. Em casos excepcionais, o direitofrancês reconhece os testamentos privilegiados, o
testamentomilitar, arts. 981-984, o testamento em tempo de peste, artigos 985-987, o testamento no curso de longa
viagem marítima,arts. 988-996 (retocados ós arts. 981-984, 985 e 986, 988-998pelas Leis de 17 de maio de 1900,
de 28 de julho de 1915 e de8 de junho de 1898), e o testamento feito no estrangeiro, artigo 999.
11.TESTAMENTO NO DIREITO ITALIANO. A Itália (Código Civil de 1865) conhecia o testamento hológrafo,
no qual não intervinham testemunhas (se interviessem, não haveria nulidade: abzmdans cautela, e abundans
cautela non nocet). As formalidades eram muito simples: a) ser escrito por inteiro, do próprio punho do testador
(qualquer palavra de outrem, inserta na cédula, atingiria a sua validade, se de acôrdo com o testador; não assim, o
que se introduzisse contra a vontade dêste) ; b) conter a data, isto é, dia, mês e ano, ou indicações equipolentes
como “no dia do meu trigésimo aniversário”; c) assinatura, entendendo-se a de que usa o disponente, inclusive o
pseudônimo com que é conhecido em sociedade. Data e subscrição também haviam de ser do próprio punho. Podia
ser em carta (AGOSTINHO RAMELLA, La Corrispondenza in materia civile e commercia.le, 428-430) .
Discutiu-se se a data podia vi r após a assinatura, O art. ‘775 primeiro falava daquela, mas era de aceitar-se que a
inversão não constitua nulidade. Além disso, o próprio artigo dizia que “la sottoscrizione deve essere posta alla fine
delie disposizioni”, e data não é disposição (VlrrOiuo POLACCO, Deile Successioni, 1, 175). O testamento
notarial ou era público ou secreto. Intervinham no testamento notarial: o notário ou notários, quatro testemunhas no
primeiro caso, duas se dois os notários. Se dois, era preciso que não fôssem parentes ou afins em linha reta, ou do
terceiro grau na colateral. O testador declara, não dita as declarações; mas podia ditar, pôsto que não no dissesse o
Código Civil. O Código Civil francês, art. 972, exige que o próprio notário o escreva: não assim o italiano, bastaria
que o notário dirigisse a redação (VITToRIo POLACCO, Deile Successioni, 1, 183) . O notário ou um dos dois
procederia à leitura integral do ato. Se fôsse surdo o testador, leria êle mesmo; se também não pudesse ler,
interviriam cinco testemunhas. Deviam assinar o ato o testador, o notário ou os notários e as testemunhas. Se o
testador não sabia ou não podia assinar, devia declarar a causa que lho vedasse, e o notário mencionaria isso. O
testamento secreto devia ser subscrito pelo testador ou por outrem. Se escrito pelo testador, devia ser assinado por
êle no fim das disposições. Escrito, no todo, ou em parte, por outrem, devia ser subscrito pelo testador em cada
uma das meias fôlhas. Razão disso: evitar-se o intercalamento de páginas. O que lêsse, porém não soubesse ou não
pudesse escrever, leria o testamento, declarando-se isso. Seguia-se a entrega ao notário, na presença de quatro
testemunhas, e do testador, com a declaração de que aqueles era o seu testamento. Se não no subscrevesse, diria
que foi lido, e acrescentaria a causa de não lançar a assinatura. A cédula deveria ser fechada. O notário lançaria o
ato de recebimento. Tudo isso devia fazer-se uno contextu. Além dêsse testamento, o direito italiano reconhecia: a)
o testamento em local de peste ou outra moléstia contagiosa, sem efeito após seis meses de haver cessado a
moléstia, ou de ter saido do lugar o testador; b) o testamento em alto mar; e) o testamento em tempo de guerra,
feito por militares ou pessoas
•que servissem nas expedições. O marítimo perdia eficácia três meses depois de ter o viajante, ou marinheiro,
descido em pôrto em que pudesse testar por forma ordinária. Bem assim, o militar.
da No Código Civil italiano (1942), os arts. 587-712 tratam sucessão testamentária: das disposições gerais, nos
artigos 587-590; da capacidade de dispor por testamento, no art. 591; da capacidade de receber por testamento, nos
arts. 592-600; da forma testamentâria, nos arts. 601-623. As formas ordinárias de testamento são o testamento
hológrafo e testamento por ato de notário. Êsse ou é público ou secreto (art. 601). O testamento hológraf o deve ser
escrito por inteiro, datado e subscrito a mão, pelo testador (art. 602, alínea 1ª). A subscrição deve ser ao fim das
disposições. Se não indica o nome e cognome do testador, todavia é válida quando designa cori certeza a pessoa do
testador (alínea 2)9. A data deve conter a indicação do dia, mês e ano. A prova da não-verdade da data é admitida
somente quando se trata de julgar da capacidade do testador, da prioridade de data entre testamentos ou de outra
questão que se haja de decidir com base no tempo do testamento (alínea 3)9. O art. 603 cogita do testamento
público; os arts. 604 e 605, do testamento secreto. O art. 606, da nulidade do testamento por defeito de forma. O
art. 607, da validade do testamento secreto como hológraf o. O art. 608, da retirada do testamento secreto ou do
hológraf o. Os artigos 609-619, dos testamentos especiais. Os arts. 620-623 são sôbre a publicaçâo dos testamentos
hológrafos e dos testamentos secretos.
1.DIREITO .ANTERIOR. Diz o Código Civil, art. 1.630: “O proibido o testamento conjuntivo, seja simultâneo,
recíproco ou correspectivo”. No direito reinícola não havia textos sôbre os testamentos de mão comum. Alguns
praxistas queriam que deles pudessem usar os cônjuges e os irmãos. Mas verdade é que ANTÔNIO DA GAMA
(Decisiones Supremi Senatus Lusitaniae. dec. 231) somente se referia aos cônjuges. E foi ANTÔNIO DA GAMA,
no dizer de M. A. COELHO DA ROCHA (Instituições, 573), quem primeiro tratou da matéria em Portugal.
Portanto, em 1578, época em que se publicaram as Decisiones, elaboradas por ordem do rei Dom Sebastião. Diz a
ementa da decisão n. 231:
“De validitate testamenti mariti et uxoris, quod manu propria mariti scriptum fuit, et se ipsum haeredem scripsit”.
Não estava nos textos reinícolas, porém estava na praxe. Aliás, em Portugal, a lei visigótica (L. 6, V, Tít. 2)
consignava-o; daí, com certeza, a exceção. Dos Germanos foi que imitaram os povos tais testamentos. Na
península, há documentos do século XIII. Aos cônjuges, sempre se permitiram, por influência dos povos nórdicos,
provàvelmente, desde as invasões. ÁLvÂRo VALASCO. (Co-nsultationum et Decisionum, ao rerum iudicatarum
in Regno Lusitaniae, 1, 20-23), P. J. DE MELO FREntE (Institutiones. III, 5. § 36), MANUEL DE ALMEIDA E
SOUSA (Dissertação VII, em Coleção de Disserta ções Jurídico-práticas, 196 s.) e M. A. COELHO DA ROCHA
(Instituições, 573), além de ANTÔNIO DA GAMA. atestam a usual incorporação ao direito português. Eram assaz
reverenciados os livros de SAMUEL STRYK (Disputatio, Opera Omnia, XI, disp. 26), F. C. HARPPRECHT
(Diss. de testamentis correspectivis) e G. G. HEINÊCIO, nos elementos de direito germânico. O Código Civil
brasileiro considera conjuntivo o testamento que hoje proibe; espécies dele, o simultâneo, o recíproco e o corres
pectivo. No testamento simultâneo, há a disposição de ambos numa só: os dois testadores testam, e dizem a mesma
coisa. Exemplo: A e E instituem herdeiros a C; legam a casa da rua do Ouvidor a D, a da rua do Rosário a E. No
testamento recíproco, cada um é herdeiro ou legatário do outro. No testamento correspectivo, além da
reciprocidade, faz-se causa de dispor a favor do outro testador o ter sido instituido por êle. Não é preciso que seja
feito no mesmo ato, “sive uno eodemque actu, sive actibus separatis, eo modo conficitur, ut vel ex verbis ipsarum
expressis, vel valde urgentibus circumstanciis appareat, quod altera persona nou aliter de suis bonis ita
diaposuisset, quam si etiam altera de suis facultatibus ordinatam voluntatem, vel adhuc ordinandam, immutatam
reliquerit, si altera ex post facto eam revocet, illa etiam ah altera pro reco cata haberi debeat” (E. C.
HARPPRECHT, Disputationes, 38, 9). Eram longas e sutis as disputas.
No direito brasileiro, não se tem o testamento nuncupativo ou oral, nem a carta de consciência, nem a cláusula
codicilar.
Foi proibido o testamento conjuntivo ou de mão comum, feito pelos cônjuges, em que se instituíam herdeiros. Se
um vinha a testar de modo diferente, ou com revogação do testamento de mão comum, o outro era atingido no que
concernta ao ato do outro cônjuge.
A proibição, explícita no art. 1.630 do Código Civil, não se estende aos atos dos cônjuges, que em testamentos
separados e sem a ligação vedada se beneficiam reciprocamente. Ai, a reciprocidade é apenas ocasional, a despeito
dos entendimentos prévios. Nenhum deles -se privou da liberdade de testar. Se um revoga a cláusula de liberalidade
ao outro, o que o outro dispusera persiste, sem qualquer repercussão do testamento posterior. ~ êrro dizer-se, no
direito brasileiro, por influência da jurisprudência francesa, que, “se dispôs Lívio a favor de Públio e êste em prol
daquele únicarnente, a morte do primeiro torna caduco o testamento do soberano”. O que ocorre é que ninguém
pode herdar se não está vivo à abertura da sucessão.
Quanto à lei pessoal, o testamento conjuntivo em que testaram cônjuges sujeitos à mesma lei permissiva, ou a duas
leis permissivas, é cumprível em Estado que o proiba a quem está sujeito à sua lei. Em direito intertemporal, a
superveniência da proibição não atingiria os testamentos conjuntivos que foram feitos ao tempo em que eram
permitidos, se com a regra jurídica vedativa só se cogitou de forma. Mas o que mais acontece, nos sistemas
jurídicos, é a concepção da regra jurídica de repulsa como regra jurídica concernente ao fundo, e não àforma. E é
isso o que se dá no sistema jurídico brasileiro, a despeito de estar no Capítulo Das formas ordinárias do testamento
o art. 1.630 do Código Civil.
Quando surgiu o Preussisches Alígemeines Landrecht (II, 1, arts. 486 s.), os juristas portuguêses, prestos,
apegaram-se a êle, para cortar, cerce, algumas questões, principalmente quanto à revogação. O direito que se
acolheu em Portugal e no Brasil foi o seguinte: a> revogabilidade ad nutum do testamento simultâneo, subsistindo
o outro que se não revogou (ÁLvARO VALASCO, Consqdtationum et Decisionum, 21 s.); 14 no testamento
recíproco e no correspectivo, havia de procurar-se o fim da retribuição: revogado um, sem o conhecimento do outro
testador, tinha-se como revogada a disposição dêsse a favor daquele, mas não no resto (Preussisches Alígemeines
Landrecht, II, 1, art. 486) ; não se presumia ânimo de revogar naquele dos testadores, que, sem desconstituir o
testamento, apenas fêz algumas alterações nos legados ou disposições secuildArias; porém, quando dessas
alterações resultasse algum prejuízo às vantagens concedidas ao sobrevivo, deviam nessa parte julgar-se atingido
(II, 1, arts. 487 e 488) ; definitivamente separados os cônjuges, revogava-se, ipso facto, o testamento (II, 1, art.
489) ; morto um dos testadores, se o sobrevivo aceitava, era de presumir-se a correspectividade (II, 1, art. 492).
2.PROIBIÇOES NOUTROS SISTEMAS JURÍDICOS. O Código Civil francês, art. 968, o revogado Código Civil
italiano, artigo ‘791, e o de 1942, art. 589, o espanhol, 669, o português anterior, 1.758, e o de 1966, art. 2.181, o
argentino, 3.618, o chileno, 1.003, o uruguaio, 781, o mexicano, 3.246, e outros, proibiram tais testamentos. Vemo-
los no austríaco, no alemão e no venezuelano, de que oportunamente se falará.
Proibe o Código Civil, no art. 1.630, que se teste conjunta-mente com outrem; isto é, em conjunto espacialmente,
ou em conjunto temporalmente, ou em conjunto intencionalmente. Onde há reciprocidade e correspectividade, há
intenção de testar em conjunto. Não é preciso que se dê simultânea’inente a identidade ou continuidade espacial.
Dois testamentos podem ser em atos diferentes, de datas diferentes, mas recíprocos ou correspectivos. Tudo está na
maneira de testar, no intuito das declarações. Érro é interpretar-se a proibição como só vedativa de testamentos
materialmente de mão comum, testamentos em que A e 13, no mesmo papel e ao mesmo tempo, testam. Êrro
também é julgá-lo vedativo de todos os testamentos que se lavrarem no mesmo papel, talvez na mesma lousa, ou
no mesmo livro de tabelião. É preciso que se aponte o que constitui nocividade, para que se tenha o v~rdadeiro
conteúdo do art. 1.630.
Alguns escritores querem que o fundamento de se proibir seja o da revogabilidade: se juntos, dilacerado, ou
destruído um, revogar-se-ia o testamento do outro. Mas, tanto não é êsse o fundamento, que não valeriam os
testamentos conjuntos feitos no tabelião, atos que ficam no livro, e cada um, separadamente, sem inconveniente,
poderia revogar. Não atribuamos à lei razão ingênua. O que ela afasta tem alcance mais sério. Nada justificaria
vedar-se que, na mesma fôlha dobrada de papel (uma pessoa de um lado, e outra de outro portanto, separadamente)
testassem dois casados, irmãos, ou amigos, suposto que nenhum laço captatório ou de contemplação da mesma
pessoa existisse nesse dúphce porém não conjunto testamento. Cada um escreveu e assinou o seu, com as
testemunhas do ato. A fortiori, em se tratando de livro de família, ou canhoto, em que os testamentos sejam escritos
de um lado (inseparável) e de outro lado (separável),para ser levado ao “cumpra-se”. Nada impede que se lancem
em sgguida um do outro, com autônomas formalidades. A conjuntividade seria material e de mera continuidade.
Digamos, com F. ENDEMANN (Lefirbucli, III, 480), conjuntividade exterior. A questão de saber se os atos
aproximados (talvez, por circunstâncias especiais, ajustados) constituem ou não espécie proibida, não pode deixar
de ser quaestio facti: podem ser testamentos conjuntivos, ou, simplesmente, dois testamentos individuais. Mais:
para que seja proibida a correspectividade, não é preciso que seja bilateral. Sim, mas, na espécie, só o ato que a
tem pode ser, nessa disposição, invalidado. Não poderia invalidar o ato limpo de outrem. Se, porém, há ainda com
o pressuposto da unilateralidade da correspectividade necessidade de ato material, ou alusão no outro, a
invalidade contagia-se.
3.TESTAMENTOS ESCAPOS À PROIBIÇÃO. O Código Civil não proibe: a) Que, sem qualquer combinação
dos cônjuges, ou dos testadores, não casados, ainda em atos da mesma data, os dois ou mais testadores instituam
herdeiros ou legatários a mesma ou as mesmas pessoas. Pessoas que vão viajar podem querer que os interêsses
fiquem regulados, intuitu mortis. Nada obsta, por exemplo, a que marido e mulher testem a favor dos filhos, ou de
alguém, que ambos sem concêrto ou dependência queiram beneficiar. 14 Que A, sem qualquer dependência do
ato de B, que o contemplou no testamento, no seu contemple a 13. ~ preciso que haja reciprocidade intencional: a
coincidência ocasional não basta. No mesmo ato, tem de presumir-se a intencionalidade. Fora, não. A reciprocidade
das disposições é fato que ordinàriamente acontece, pela própria ordinariedade do caráter recíproco das afeições.
Se a retribuição não é fundada no testamento do outro, não há correspectividade: se A diz “deixo a minha fortuna a
B, em retribuição do que tem sido para mim a sua amizade, que até se desvela em garantir o meu futuro com um
seguro sôbre a vida”, o ato que se retribui não é testamento, ou deixa testamentária; a verdadeira cawsa é a afeição;
demais, ex hypothesi, a generosidade é de 13, que não teve o intuito de obter de A o ato testamentário. Falta, pois, a
con.sensuum correspectivitas, de que fala F. C. HARPPRECHT. O juiz tem de interpretar os dois atos, com o
auxilio das circunstâncias, para verificar se foi, ou não, atingida a disposição proibitiva do art. 1.680. Há corres
pectividade e, pois, não vale a deixa ou a substituição (porque o art. 1.630 incide a respeito de todo o direito
testamentário> : a) se dizem os testadores que, no caso de um deles revogar, ou mudar, em parte, o testamento, o
seu ou a cláusula correspectiva fica revogada; 14 se a mulher, casada em segunda núpcias, tem uma filha, e a
institui herdeira, substituindo-lhe o filho do marido, para que ou porque êsse, instituindo o filho, fêz a filha dela
substitui-lo (G. A. STRUVE, Syn~tagma, iurisprudentiae secundum ordinem Pandeetarum, ex. 32, t. 42) ; c) se o
testador disse: se meu irmão (ou outrem), no seu testamento, constituir fideicomisso em favor de meus filhos, aqui
fica disposto em favor dos seus (JOA. DOM. PEREGRINUS, De Fideicommissis praesertim wniversalibus
frcquentissimus, 12a ed., art. 88, n. 30). Mas, se o testador escreve: “temo que B, testando, não se lembre de D, que
ficaria, por nossa morte, em má situação; por isso, se, morto E, D não tiver herdado, será ela minha herdeira (ou
legatária) “, não há nenhuma correspectividade, e vale a instituição ou legado.
6.INDEPENDÊNCIA INTENCIONAL. A principal ratia teqts da regra jurídica vedativa é evitar que algo se tolha
na livre expressão da vontade, que é essencial ao testamento. Por isso, proibe as disposições recíprocas in praevio
consensu mutuo, e a dita “perigosíssima” correspectividade testamentária. No zêlo da liberdade testamentária,
impede, igualmente, a vontade concertada de instituir terceiro. Pelo fato de ser ordinàriamente em ato autônomo,
independente, o testamento, inclui-se na proibição algo que parece obstar à própria conjuntividade, espacial ou
temporal, de ordem puramente material e incidente. Já se viu que isso criaria, apenas, elemento de presunção,
auxiliar, porém não suficiente, na interpretação de haver ou de não haver laço intencional recíproco ou
correspectivo. Em verdade, o principal, o decisivo, é êsse laço intencional, que passaria a existir e a desnaturar o
testamento, negócio jurídico unilateral essencialmente revogável, inserindo-lhe o que caracteriza a contratualidade
e existe in contractibus vel aliis negotios inter vivos. Por isso mesmo: a) pode ser explicada e, pois, inoperante a
simultaneidade (a duobus uno actu ordinatum) ; b) a reciprocidade meramente ocasional (aqui, a simultaneidade,
duo simul una carta, criaria fortíssima presunção de direito) não poderia ter o efeito invalidante e a razão já foi
apontada: haveria. a ordinariedade do laço recíprocó nas afeições, isto é, a reciprocidade de fato, e não de
consenso; e) o serem os testamentos em diferentes atos, ou em diferentes datas, não exclui a possibilidade de existir
o laço intencional: assim, se bem que lançados em escritos diferentes (públicos, cerrados, ou particulares), ou, até,
em diferentes tabeliáes, de diferentes lugares, ou nações, os testamentos não deixam de ser recíprocos ou
correspectivos, quando as circunstâncias persuadam disso(F.C. HARPPRECRT, Diss. de testamentis correspectivis,
Tiisp. 38, t. 33).
7.ExTENSÂÇ~ DA INCIDÊNCIA A regra jurídica incide em todo o direito testamentário: herança, legado,
substituíções, ~nodus. Às vêzes, só a disposição testamentária é recíproca ou correspectiva, e não todo o
testamento. Há de apurar-se a captação de que fala o art. 1.667, 1, do Código Civil. Se em benefício de terceiro,
dá-se a condição captatória, que o mesmo artigo proibe, e corresponde à proibição geral do testamento simultâneo.
No próprio codicilo, pode haver conjuntividade proibida (F. C. HARPPRECHT, disp. 38, t. 29).
A regra jurídica proibitiva, pressuposto de validade intrínseca para os testamentos regidos, no fundo, pelo direito
brasileiros, apanha quaisquer formas testamentárias, porque delas independe: o fundamento principal, conforme já
se viu, é o laço intencional. As considerações que foram feitas a respeito da simultaneidade e da independência de
intenção expressa, valem para todas as formas testamentárias inclusive para os testamentos especiais. Por isso, não
invalida, de si só, o ato testamentarío, o fato de dois militares, ou irmãos ou cônjuges, ou parentes, ou simpleff
amigos, ou companheiros estando ambos a morrer, feridos, ou apenas em pleno combate, ou na iminência disso,
transmitirem, uno aciu, a duas testemunhas as vontades ultimas. Se ocorre que o contemplado seja um só e não
haja razão para se suspeitar do concêrto volitivo, valem os testamentos nuncupativos (art. 1.66a). Se um deles
convalesce do ferimento, ou volve da guerra, subsiste integralmente o do outro. Em compensação, pode haver
reciprocidade ou correspectividade proibida entre testamento público feito em terra e outro, por forma especial, em
alto mar, em plena batalha, ou pelo moribundo ferido em guerra, ou em outra emergência.
12.TESTAMENTO BERLINENSE. Chama-se testamento berlinense (Rerliner Testament) o que constitui, com a
praxe prussiana, a forma fundamental do testamento conjuntivo:
“Nós, cônjuges, nos instituimos herdeiros um ao outro; nossas filhas, bem como seus descendentes, herdarão de
nós o que da herança restar por morte do sobrevivo”. Segundo a praxe, constituía-se como Vorerbe, herdeiro
instituído, o viúvo, e sucessor, Nacherbe, a filha ou filhas. O testamento do § 2.269, alínea 13, toma o acervo
hereditário como unidade, e costuma-se chamar testamento conjuntivo alemão. Ainda boje cumpre que se atendam
as características e efeitos do Berliner Testanzent, porque certo regionalismo empregava, caprichosamente, a
expressão Berliner. No testamento alemão puro, o sobrevivo éo único herdeiro do que resta ao tempo da sua morte.
Sôbre
o Rerliner Testament, cf. F. ENDEMANN (Lekrbuck, III, 49. 493), GÉZA 1(íss (Zur juristischen Xonstruktion der
korrespektiven Verfúngungen im gemeinschaftlichen Testament, Archiv flir Ehirgerliches Redil, 25, 180),
HEINnCH MERSMANN (Die praktische Verwendbarkeit des Berliner Testaments, Archiv lar RUrgerliches Recht,
37, 271 s.) e KANOLDT (Pflichtteilsanspruch, Are/ti» flir Riirgerliches Redil, 40, 262 s.). A questão do testamento
berlinense continuou a interessar juristas e notários, considerando-o HEINRICH MERSMANN (Die praktische
Verwendbarkeit des ll3erliner Testaments, Archi» fiir Elirgerliches Recht, 37, 272) assunto que toca o cerne da
família alemã. Tem-se o § 2.269 como criador de presunção de unidade, contra a concepção germânica do
casamento, e das relações dos cônjuges entre si e com os filhos. (O testamento conjuntivo evolveu com a
comunhão de bens.)
8.CONTRATO DE HERANÇA NO DIREITO ALEMÃO. No direito alemão, tratou-se do assunto do direito das
sucessões, porém com o nome revelador, Erbvertrag (§§ 2.274-2.302), e com extraordinária minúci a e precisão
técnica. Só pessoalmente se pode dispor pelo contrato de herança (§ 2.274). Se bem que permitido a qualquer
pessoa (Protolcoile, V, 872), quase só se usa entre noivos ou entre casados. As disposições mortis causa podem ser
de ambos, ou de um só dos figurantes, onerosas ou gratuitas, recíprocas ou a favor de terceiro. Não se considera
contrato de herança, no sentido do Código Civil alemão: a) o que recai sôbre a herança não aberta de outrem (§
812), porque êsse é nulo; b) a disposição pela qual um ou ambos os figurantes se obrigam a fazer, a não fazer, a
revogar, ou a não revogar disposição ‘nurtis causa (§ 2.802), porque também énula; c) a renúncia da herança,
conforme o § 2.846, que o Código Civil alemão permite em vida do decujo aos parentes e cônjuge dêsse, ainda
quanto às legítimas; d) o contrato pelo qual um dos figurantes promete ao outro efetuar, após a morte dêsse,
determinada prestação a terceiro, porque não há, aí, contrato de herança, mas contrato ou estipulação a favor de
terceiro, válido na Alemanha como no Brasil. Cp. Código Civil alemão, § 380, 23 parte, e Código Civil brasileiro,
arts. 1.098-1.100 (RONRAD I{ELLwIG, Die Vertrãge auf Leistung au Dritte, 623 s.; LUDWIG SCHIFFNE.R,
Der Erbvertrag nack dem RGR., 95). O conteúdo pode ser instituição de herdeiro, legado ou modus (§ 1.941, 13
alínea; § 2.278, 23 alínea). Domina plena liberdade: aceitação de parte a parte, ou não; ser contrato bilateral ou
unilateral: recíproco ou a favor de terceiro. O princípio é que o disponente isto é, aqueles cuja sucessão é objeto de
contrato não pode fazê-lo por intermédio de outrem (§ 2.274). Alguns atos exigem a mesma personalidade de
feitura (§§ 2.282, 2.284, 2.290 e 2.296). Mas o figurante, que não dispõe, pode fazer-se representar, poú
mandatário, ou pelo representante legal e nada obsta a que a outra parte ou aceitante seja pessoa jurídica (GUSTAV
MÀRKER, Die Nachta.ssbeIzandlung, 199; H. JA5TROW, Formularbuch, II, 309). Se os figurantes contraentes
forem muitos, e um só o disponente, juridicamente há tantos contratos quantos forem êles, mas o ato é um só (cp.
LunwíG SCrnFFNER, Der Erbvertrag nach dem RGB., 48 e 62). Dá-se o mesmo se a multiplicidade fôr de
disponentes. O incapaz de negócio ou de exercício não pode fazer contrato de herança (§ 2.275). Se falta a
capacidade, é nulo o contrato: a aprovação ulterior ou ratificação pela própria parte, tomada capaz, não apagaria o
vício original (Motive, V, 846; E. STROHAL, Das deutsche Erbrecht, 851). Mas há exceção (§ 2.275, alínea 23) :
“Um cônjuge pode, como disponente concluir, com o outro, contrato de herança, ainda quando limitada a sua
capacidade de negócio. Precisa, nesse caso, do consentimento do seu representante legal; em sendo êsse tutor, é de
exigir-se a aprovação pelo juízo de tutela”. A alínea 83 estatul que a mesma 23 alínea incida quanto aos noivos.
Originou-se da II Comissão, atendendo à freqúência de tais contratos. Entende-se que a qualidade de casado ou de
noivos não se exige ao contemplado, porque a lei não pressupõe gratificação recíproca (11. JASTROW,
Formularbuch, 1, 192, nota 8) . No caso de representante tutor, se o juízo de tutela não homologa, é nulo o contrato
(F. ENIEMANN, Lehrbuch, III, 687) . Se o contrato só institui herdeiro para o caso da morte de um cônjuge, só a
êsse é exigida a capacidade: o outro pode ser menor-e não estar representado (E. ENDEMANN, Lehrbuch, III,
638). Só se faz perante o juiz, ou o notário, com a presença simultânea das duas partes (§ 2.276) . Mas o que
apenas é figurante, sem dispor, pode representar-se. Pode ser por declarações orais (protocolo) ou pela entrega de
escrito, com o testamento judicial (§§ 2.288-2.245). São regras jurídicas comuns aos dois institutos. Se unilateral,
um declara ou’ entrega o escrito, e outro apenas anui: a referência do § 2.276 aos §§ 2.288 e 2.241, ~, é inexata (F.
ENDEMANN, Lehrbuch, III, 688). Mas, se bilateral, não: cada um declara o que quer, ou entrega o seu escrito,
quiçá cada um escolhe a forma que lhe convém (LUDWTG SCHIFFNER, Der Erbvertrag nach dem BGB., 116 s.),
mas havia quem não distinguisse, e permitisse a simples anuência, ainda que bilateral (E. STROHAL, Das
deutsch,e Erbrecht, 853; F. RITGEN, Ruirgerli,ches Gesetzbuch, V, 519) e excluissem, sem razão, a forma oral
para um e a escrita para o outro (GUSTAV MXRKER. Die Naehlassbehandlung, 201; GEORG FROMMHoLD,
Erbrecht, nota 1 ao § 2.275). Se, no caso do § 2.275, alínea 2•a ou 83, tem de intervir representante, a presença dele
não éobrigatória: só o é para os figurantes (HEINRICH WTLKE, Erbrecht, nota 1 ao § 2.275), outra opinião, a de
E. MEXSCHEIDER (Die letzwilligen Ver fiigungen, 203). Do § 2.276 tira-se que as formas dos testamentos
hológrafos, maritimos, militares ou de lugares insulados, não servem ao contrato de herança. Os escritos entregues
podem ser dois ou um só. Mas a entrega de
escrito não se pode admitir, se o contrato de herança é incluso em contrato de casamento (§ 1.434), em contrato de
adoção (§ 1.750, alínea 23), ou no chamado contrato de renúncia de herança (§ 2.348), porque prima a forma de
cada um dêsses (E. JAsmow, Formularbnch, 1, 195, nota 8 a, 196, nota 9). Se todas as partes não entendem o
alemão, pode ser feito em língua estrangeira, desde que todos os intervenientes a saibam (§ 2.245). Mas, se uma
parte sabe alemão, chamar-se-á intérprete a quem não sabe, conforme o § 2.244 (J. HOEM, Das Erbrecht des
BGB., 226; E. JASTROW, Formularbueh um! Notariatsrecht, 1, 185; contra: LUDwIG SCHIFFNER, Der
Erbvertrog nach dem BGB., 117). Se o contrato de herança está em comum com outro contrato, também não incide
o § 2.245 (ato em língua estrangeira), porque o § 2.245 é especial e o seu processo inaplicável a atos entre vivos (E.
RITGEN, liuirgerliches Gesetzbuclz, V, 521). O ato há de ser fechado, como a propósito dos testamentos (§ 2.246),
subscrito e depositado, salvo se os figurantes não no quiserem, entendendo-se que o não querem se o coxitrato de
herança está em comum com outro ato (§ 2.277) . Cada um dos figurantes terá o seu certificado de depósito. A
retirada do depósito, só os dois figurantes podem pedir (Motive, V, 319). Não importa revogação (o que sucederia
ao testamento), porque o depósito é voluntário (Motive, V, 341; Protolcolie, V, 409). O que se permite aos
figurantes é que não se feche e deposite:
a lei não lhe faculta querer uma coisa, e não outra (E. JASTROW, Pormularbuch und Notariatirecht, 1, 197; F.
RITGEN, Bitrgrlicites Gesetzbuch, V, 522; cp. GEORG FROMMHOLD, ErbrecLt, nota 1 ao § 2.277) . No
contrato de herança, cada um dos dois figurantes pode dispor; mas, contratualmente, as disposições somente podem
ser instituição de herdeiros, de legado, ou de modo (§ 2.278). Se ambos dispõem, presumem-se-lhes dependentes,
uma da outra, as disposições inseridas (§ 2.298). Mas, se um só dispõe, discute-se se há contrato de herança ou
disposição “mortis causa”. Tem importância a questão, pela possibilidade, no último caso, de revogação. Pela
primeira solução, o 1 Projeto; a II Comissão suprimiu, sem excluir a possibilidade, mas sim para deixar livre a
interpretação (Prato kolle, V, 402, 458) A função interpretativa é livre; todavia, em geral, se há interêsse do outro
figurante em jôgo, ou, se estipulada a favor de outrem a disposição de um dos figurantes, toca a êsse a revogação,
pelo interêsse que tem na cláusula, e isso pesa na interpretação (cp. LunwíG SCHIFFNER, Der Erbvertrag nach
dem RUE?., 75, e KONRAD HELLWIC, Die Vertràg auf Leistung tua Dritte, 616) . Se o figurante do contrato, que
tem de intervir na revogação, é incapaz, faz-se preciso que figure e consinta o representante lega!, bem assim (E.
ENDEMANN, Lehrbuch, III, £45) para revogar (o § 107 não é invocável) . Talvez, se sob tutela, o juízo especial
(§ 2.290, alínea 33, 13 parte) . A revogação pode ser parcial ou total. Tratando-se de legado ou eneargo, basta
testamento, com o consentimento que é irrevogável do outro figurante (§ 2.291). Tudo que o contrato contém e
não é instituição de herdeiro, legado ou encargo, não se considera contratual; portanto, tem-se por perfeitamente
revogável. Corresponde ao § 2.270, alínea 33, relativo ao testamento conjuntivo. Exemplos: a nomeação de
testamenteiro, as normas para partilha da sucessão legítima, a exclusão de herdeiro, tudo que concerne a direito de
família.
~aplicável o § 140 do Código Civil alemão, sôbre se converter negócio jurídico, quando é de presumir-se que o
disponente o queria na forma válida se conhecesse a nulidade. Sim, acentuou F. RITGEN (Rúrgerliches
Gesetzbuch, V, 525). Porém não tem a conseqúência de firmar, como queria KONRAD HELLWIG (Die Vertràge
auf Leistung an Dritte, 603), a teoria de GUSTAV HARTMANN. KONRAD EELLWIG (602) e RONRAD
CoSACK (Lehrbuch des deutschen Rúrgerlicheu Rechts, II, 724 s.) sustentavam a conversibilidade em cláusula
testamentária, como derivada, diretamente, do caráter paratestamentário do contrato de herança: a teoria de
GUSTAV EARTMANN, na plenitude da sua aplicação.
Quanto às liberalidades e aos encargos convencionais, incidem, por analogia, as regras jurídicas relativas às
liberalidades e encargos de última vontade (§ 2.279). E o § 2.077, de que já se falou, também rege o contrato de
herança entre cônjuges, ou entre noivos, ainda quando o beneficiado seja terceiro (§ 2.279, alínea 23). Cumpre,
porém, notar-se que se trata de aplicação analógica, que lhe não tira o caráter contratual (F. ENDEMANN,
Lehrbuch des deutschen Rúrgerlichen Reohts, III, 628). Se o testador revoga o testamento, com que revogara o
legado, vale êsse (E’. RITCEN, BitrgerlichE3S Gesetzlntch, ¾543). Se é certo que se não aplicam os §§ 145-158 e
305-319, não se pode dizer o mesmo dos §§ 155 e 157 (E’. RITGEN, BiirgeYlich~BS Gesetzbtwh, V, 525). Quanto
à alínea 2.8, cumpre advertir-se que os ~§ 2.077 e 2.279 não são juvocaveis com a extensão do § 2.268, relativo ao
testamento nuncupativo. Se, no contrato de herança, os cônjuges, que se instituiram reciprocamefite herdeiros,
dispuseram que, em caso de morte do sobrevivente, a sucessão se devolveria a terceiro, ou instituiram legado
executável em tal tempo, dá-se aplicação analógica do ~ 2.269 (cf. § 2.280).
Pode ser anulado, por pedido do disponente, o contrato de herança, se feito por êrro, ou rebns aio atantibus, ou nos
mais casos do §§ 2.078 e 2.079. Mas, para a anulação com fundamento no § 2.079, é preciso que o herdeiro
necessário exista na época em que se quer pedir anulação (§ 2.281, alínea l.~j. Se o disponeilte, após a morte do
outro contraeflte, quer anular disposição a favor de terceiro, deve declará-lo ao juízo de sucessão, que o comunicará
ao terceiro (§ 2.281, alínea 2.~). São causast invocáveis os defeitos de vontade, as mudanças de circunstâncias e a
violação das legítimas. O direito de anulação pelo testador é personalissimo. Exceto no caso do § 2.282, ~linea 2.8
não pode ser exercido por intermédio de outrem, nem se transmite aos herdeiros. Após a morte do testador, só as
pessoas mencionadas no § 2.080 podem pedir anulação do contrato, com fundamento nos §§ 2.078, 2.279 e 2.285
(F. RITGEN, Bitrg crU-cites Gesetzbu.ch, V, 529) . O credor do disponente não tem qualquer direito de anulação
(LUDWIG SCRTEFNER, Der Erbvertrag nach clern 5GB., 151, nota 12). ~ interessante notar-se. que, no caso
de dolo, não é preciso que o outro figurante conhecesse ou devesse conhecer o dolo do terceiro, para que se possa
pedir a anulação (E. RITOEM, Búrqerliches Gesetzbuoh, V, 528) ;. o § 123, alínea 2.8, não se aplica ao contrato
de herança. O pedido de anulação não pode ser feito pelo representante do dísponente. No caso de capacidade
restrita, não precisa do consentimento do representante legal para o pedido. Se o disponente é incapaz, o
representante legal pode pedir a decretação da nulidade, com aprovação do juízo de tutela. O pedido de anu-lação
deve ser feito por ato judicial ou notarial (§ 2.282). Por parte do disponente, o prazo para o pedido é de um ano. No
caso de anulablidade por ameaças, começa a correr do momento em que cessa a coação; nos outros casos, do dia
em que se conheceu a causa de anulação. Aplicam-se por analogia as disposições dos §§ 203 e 206, relativas à
prescrição (§ 2.288, alíneas 1.~ e 2a1 No caso do § 2.282, alínea 2.8, se o representante legal não pediu em tempo a
invalidação, pode pedi-la, pessoalmente, o disponente, como se não tivesse tido representante legal (alínea 8.~) -
Trata-se de prazo preclusivo. Conta-se segundo os §§ 187, alínea lA e 188, alinea 2?. Se o dísponente apenas tem
capacidade limitada e poderia anular sem representante legal, corre contra êle o prazo. O § 2.283 somente
éinvocável para a anulação pedida pelo disponeflte pelas outras partes, o prazo preclusivo é o dos §§ 121 e 124;
para as pessoas do § 2.080, o do § 2.082 (E. RITCEN, Búr.qerlichús Gesetzbueh, V, 530) . Mas essas pessoas do §
2.080 não podem, com fundamento nos §§ 2.018 e 2.079, pedir a anulação, se já extinto o prazo para o disponente
(§ 2.285) : se ainda vigora, é outro prazo que lhes corre (Motive, V, 325)
Só o disponente, pessoalmente, pode ratificar o contrato de herança anulável. No caso de capacidade restrita,
exclui-se a ratificação (§ 2.284) . O § 144 é aplicável (Protokolle, 1, 886) . Após a ratificação, é inatacável o
contrato de herança, mas a ratificação pode ser atacada. Quanto ao caso do § 2.275, alínea 2.8, a opinião é pela
irratificabilidade (LUDWIO SCHIF~ NER, Der Erbvertttig nach dem SOB., 156, contra I-IEINRICH WILKE,
Erbrecht, nota 2 ao § 2.275).
O contrato de herança não restringe ao dísponente o direito de dispor dos seus bens por ato jurídico entre vivos (§
2.286). I’~ão era assim antes do Preussisclies Alígemeifles Landrecht, 1, 12, § 624, e do Código Civil saxônico. Os
§§ 2.287 e 2.288 prevêem casos de abuso do direito: no caso de doação lesiva do herdeiro contratual, pode êsse, ao
se lhe devolver a herança, exigir a restituição, segundo as regras jurídicas do enriquecimento injustificado, ação
que prescreve em três anos a partir da abertura da sucessão (§ 2.287). Se o disponente destruiu, desviou ou
prejudicou o objeto de legado convencional, impossibilitando a prestação, o objeto será substituído pelo seu valor
(§ 2.288, alínea 1?). Se o testador alienou ou gravou o objeto, com intenção de lesar, o herdeiro é obrigado a
buscar-lhe o objeto ou a desonerá-lo, aplicando-se, por analogia, o § 2.170, alínea 2.8, a tal obrigação. Se a
alienação ou gravaçflo foi feita a título de doação, o beneficiado tem, se não pode obter a indenização pelo
herdeiro, o direito do § 2.287 contra o donatário (§ 2.288, alínea 2.~). fl preciso notar-se que o § 2.288 não é
simples regra jurídica de interpretação (F. RITGEN, Riirgerliches Gesetzbuck, 540). Após a morte do outro
figurante, pode, por testamento, em virtude do § 2.297, suscitar a resolução do contrato de herança. O contrato de
herança, bem como qualquer disposição contratual particular, pode ser atingido por outro contrato, em que figurem
as pessoas que concluíram aqueles. Mas isso não pode dar-se após a morte de uma delas. Tal contrato só
pessoalmente pode ser feito pelo que dispôs da sua sucessão. No caso de capacidade restrita, não precisa do
consentimento do representante legal. Se a outra parte se acha sob tutela, é de mister a homologação do tribunal.
Dá-se o mesmo se sob o pátrio poder, quer se trate de contrato passado entre cônjuges ou entre noivos (§ 2.290,
alíneas 1a.. 3ª) A forma é a do contrato de herança (§ 2.290, alínea 43).
a forma do contrato imposta à resoluçâo: por isso, se o contrato de herança se fêz em contrato de casamento, entAo
basta a forma dêsse. O contratê de herança feito entre cônjuges pode ser desfeito por testamento conjuntivo deles,
aplicáveis, por analogia, as disposições do § 2.290, alínea 3•a (§ 2.292). No § 2.298, o Código Civil aiem&o
conferiu ao disponente a faculdade de resolução do contrato de herança, se se reservou tal direito na convenção (§
2.298>. Pergunta-se se não se choca tal dispositivo com o caráter obrigatório do contrato de herança, mas há, aí,
evidentemente, o influxo do testamento. Não se trata de condíçãoo resolutiva, aliás admissível. Não precisa figurar
no contrato, pode ser em suplementar. Nio se confunde com a reserva de dispor diferentemente, em declarações
posteriores. Também é possível resolver-se a disposição contratual nos casos em que o beneficiado perderia a
reserva, se é herdeiro com direito a ela, ou se o fOsse (§ 2.294, cf. §§ 2.383-2.385)
A doutrina adverte: é preciso que a causa seja posterior ao contrato de herança; se anterior, não cabe a distinção de
ter sido, ou não, conhecida do disponente (F. RTTGEN, Rurgertiches Gesetzbuoh, V, 548; LUDwIG SCHIFFNELI,
Der Erbvertrag nack dem BGR., 178). Se era desconhecida, pode ser usada a ação de anulação fundada nos §§
2.281 e 2.078, alínea 2•a Se a disposição correspondia à obrigação contraída, perante o disponente, pelo
beneficiado, de prestações periódicas, ou de sustento daquele, pode ser resolvida se, antes da morte do disponente,
fôr anulada a obrigação (§ 2.295). A resolução só se exerce pessoalmente; para ela, o que tem capacidade restrita
não precisa do consentimento do representante legal: opera-se por declaração ao outro figurante e faz-se judicial ou
notarial-mente (§ 2.296). Pode fazer-se por testamento, aplicáveis, no caso do § 2.294, as regras jurídicas do §
2.386, alíneas 2A~4.a. (§ 2.297). Mas, revogado o testamento, revive o contrato de herança. Se, no mesmo
contrato, disposiçôes contratuais forem concluídas pelos dois figurantes, a invalidade de uma tem como
conseqfiência a ineficácia de todo e contrato (§ 2.298, alínea l•~) Trata-se de regra jurídica de interpretação:
presume-se, legalmente, a dependência e correspectividade das disposições. Não se confundam invalidades como
advento de eondiçôes, têrmos, repúdios, morte do beneficiado (LUDwIG SÇHIFFNn, Der Erbvertrag nãoh dem
RGR., 188). Também não aplica ao que é disposição unilateral, se bem que o § 2.298 fale em “ineficácia de todo o
contrato”. Se, em contrato da alínea lA do § 2.298, se reservou a resolução, feita para um, tem o efeito de destruir
todo o contrato, O direito de resolução extingue-se com a morte do outro contraente. Mas o sobrevivente, se
renuncia ao benefício, pode resolver, por testamento, a sua disposição (§ 2.298, alinea 2.~)• Cada contratante pode,
no contrato de herança, dispor tudo que poderia em testamento. Será como se um testamento fôra. Pode desfazer as
disposições, em contrário do que acontece quanto às disposições contratuais. Se por outro conttrato, ou pelo uso do
direito de resoluçio, se tira eficácia a contrato de herança, a disposiçâo perde-a no que ngo se tenha de admitir que
outra era a vontade do disponente (§ 2.299). Os §§ 2.259-2,263 e 2.278 aplicam-se à abertura do contrato de
herança, mas as regras jurídicas do § 2.273, partes 23 e ga, só no caso de dep6sito (§ 2.800)
4.CONTRATO flE HERANÇA NO DIREITO suíço. O COUtrato de herança só se faz na forma do testamento
público (Código Civil suíço, art. 512, alínea 1?): aos figurantes declaram a vontade, simultâneamente, ao oficial
público; assinam o ato perante êle, na presença de duas testemunhas (alínea 2.~). A teoria de GUSTAV
HARTMANN não prevaleceu; mas, se bem que não se trate de negócio duplo (Doppelgesúhdft), de um lado é
regido pelas regras jurídicas sôbre contratos (Código Suíço das Obrigações de 1911, art. 1 s.), e de outro, pelas das
disposições de última vontade: negócio jurídico bilateral para o tempo da morte (A. ESCHER, Das Erbrecht,
Komme’ntar, III, ‘72 s.). A sinrultaneidade, de que se fala na alínea 2•a do art. 512, não significa que tenham os
figurantes de dizer ao mesmo tempo, mas imediatamente um ao outro (A. ESCHELI, III, 101), talvez por simples
declaração de aceitar (cf. Código Civil suíço, art. 500), como nos atos entre vivos (P. TUoR, Kommentar, III, 848) .
Para o caso de língua estrangeira, procede-se como nos testamentos públicos. O Código Civil não trata do depósito
do contrato de herança: a doutrina decide que, feito em dois exemplares, pode ficar com os figurantes; salvo se a
legislação cantonal exige que se deposite (E TUOR, Kommentar, III, 850) . t necessário haver a maioridade
(Código Civil suíço, art. 468) do disponente: 20 anos (arts. 14 e 15), e ser o figurante capaz de discernímento (art.
16). Excluem-se da capacidade de contrato sucessório, como disponente, e.g., e louco e o ébrio. Se sob tutela, A.
ESCRER (Das Erbrecht, gominentar, III, 26) não admite representação, por se tratar de assunto sucessório
(EUGEN HUEER, System und Gesehichte des Sehw eizerischen Privatreehts, II, 322). Também nesse sentido,
P.TuoR (Koinmentar, III, 101) Aliás, parece-nos frágil a opinião contrária de EUGÊNE CURTI-FORRER
(Comnwfltaive, 369), que vê nas marginais dos arts. 498 e 512 distinção explícita entre os testamentos e os
contratos de herança. Os figurantes, por cOfl,VCflçaO escrita (diferença notável em relação ao direito alemão, §
2.290, e achamos pouco coerente), podem, se querem, resili-lo (art. 513, alínea 1•~)• Em todo o caso, a convenção
escrita deve ser assinada, ainda que a lei não o diga (1’. TUOR, Kommentar, 512) . Se, após a conclusão do
contrato de herança, o herdeiro, ou o legatário, se torna culpado de ato que importaria deserdação, o disponente
pode anular (antilar, anfechten) a instituição ou legado (art. 513, alínea 2ª).
Essa “anulação” (o texto alemão disse “einseitige Aufhebung”, revogaçao unilateral que é melhor expressão) faz-se
numa das formas prescritas para os testamentos (art. 513, alínea 33).
Se o motivo fôr anterior, há a ação de anulação por êrro (artigo 469), como por violência, ou dolo (E. TUOR,
Kommentar, .351) . A ignorância do motivo anterior não autoriza a ação do art. 513, alínea 33. Aqueles, a quem o
contrato de herança confere a faculdade de reclamar prestações entre vivos, pode resili-lo, de acôrdo com o direito
das obrigações, se não foram executadas ou garantidas, como se convencionou, as prestações <art. 514) . A lei não
disse a forma. Se o herdeiro ou legatário não sobrevive ao disponente, caduca o contrato de herança (artigo 515:
“est resilié”, expressão imprópria; no texto alemão está: “so fãllt der Vertrag dahin”). Todavia, salvo cláusula em
contrário, os herdeiros do premorto podem reclamar a repetição do enriquecimento ao tempo da morte (art. 515,
alínea 23). A alínea 13 é de natureza dispositiva (E. TUOR, Kommentar, V, 358) . (O art. 516 está fora do lugar, no
Código Civil suíço: nada tem com a forma dos atos para a morte; édireito sôbre conteúdo: “As liberalidades por
testamento ou contrato de herança não se rompem (“so wird nicht aufgehoben”, “ne sont point annullées”), se,
depois, diminui a faculdade de dispor do seu autor: mas cabe a redução”.)
2.LÍNGUA ESTRANGEIRA E LEGISLAÇÃO ESTADUAL. O testamento tem de ser escrito em língua nacional
(Código Civil, art. 1.632, parágrafo único). Se um Estado-membro manda que se junte tradução, devidamente
assinada pelo testador e autenticada, cominada a pena de nulidade. Não há nulidades de atos jurídicos fora do
Código Civil. É isso que leva a afirmar-se ser inoperante a cominação de nulidade. Mas a legislação estadual pode
dizer que faltará fé pública ao oficial quanto a atos de estrangeiros que saibam escrever se êsses não-escreverem,
após o apanhado do oficial em língua nacional, o que êles declararam, vertido na própria língua. Éxaminadas as
circunstâncias, não é de excluir-se a possibilidade de ser formalidade essencial, em certos casos. Outra questão é a
dos governos de fato e as nomeações de oficiais.
3.GOVERNOS “DE FACTO” E TESTAMENTOS. Às vêzes, os governos são, para uns, de facto, e para outros,
de iure. Êste énão só o que devia estar no poder e não está (MOUNTAGTJE BERNARD, Nc7etrality of reat fintam
during Ameriean civil War, 108), como também o que está no poder e, embora em situação discutida, devia estar.
Surge, então, a questão jurídica sôbre o direito ao cargo. A própria subida pode não ser normal:
ogovêrno de facto pode ascender normalmente na aparência, por maquinações; e o de direito ter precisado de
insurreições ou revoltas. A solução que temos de esperar é matéria puramente de direito constitucional: é, ou não,
de qua-estio iuYZS. Respondido isso, parte-se a questão: ato testamentário praticado perante oficial, nomeado pelo
govêrno estadual de facto, e cabendo a apreciação ao juiz brasileiro, do mesmo Estado-membro, ou de outro
(direito civil e interestadual) ; ato testamentário, praticado perante o juiz ou oficia] de outra nação, nomeado pelo
govêrno de facto (geral ou local), cabendo a apreciação ao juiz brasileiro (direito internacional privado)
Aqui só nos interessa a primeira parte. Da outra, adiante se há de tratar. A validade ou udo-validade do ato de
nomeação épreliminar, mas preliminar que pode associar-se a outras. Primeira distinção: governos gerais e locais.
Se a autoridade do govêrno é geral, se estende por todo país, deu-se substituycão completa do poder, é para o juiz
interno como para govêrno de iure. Assim, revolução unitanista, ou federalista, com a uniformização das leis de
jurisdição, de ofícios públicos, e res pectivas nomeações, que se alastrasse e dominasse o país, nomeando tabeliães,
escrivães, juizes, criaria a figura do govêrno de facto generalizado e os atos teriam de ser e deveriam ser
respeitados. Os testamentos feitos perante tais oficiais valeriam, sem discussão, e o juiz deve reputá-los válidos,
ainda quando nova revolução reimpusesse o govêrno estável anterior, o chamado govêrno de jure. Não
coexistiriam. Existiriam, um após outro. A decisão do nôvo govêrno restaurado que considerar sem efeito as
nomeações não pode ter a conseqúência de invalidar os testamentos das pessoas que falecerem antes de vigorar tal
solução nova. A regra é que os governos de jure sejam intolerantes com os de facto: tudo que antes se fêz éilegal.
Há, pois, limite, algo como constituiçáo superposta aos governos nascidos ou não das Constituições, que autorizam
os juizes a velar pelo interêsse público, estabelecendo justo critério nas apreciações concretas. Trata-se de análise
de relações, de princípios superiores, de induções, que também se permitem nas questões de direito intertemporal
constitucional.
Se a questão da validade dos testamentos feitos perante oficial nomeado pelo govêrno de facto tivesse de resolver-
se pelos decretos reconhecedores, ou não, dos atos do govêrno anterior, todas as nomeações seriam nulas; todos os
testamentos, nenhuns. É preciso considerar o quantum despótico da Política (= ‘7), e reduzi-lo ao do Direito (xx 4).
Seria mais do que injusto: seria aceitar a su.spens’io da vida de um povo, a não-testabilidade por ato público. Há
limitações que nascem das relações para com outros países e dos cidadãos com a ordem social (govêrno de facto,
ou não) . Valem as dividas contraídas, quiçá os tratados, as escrituras entre particulares e os testamentos. Ou o nôvo
govêrno diz que valem, e então tollitur quaestio. Ou nada estabelece, e devem entender-se válidas, por presunção,
as nomeações. Ou diz que não valem. Aqui, o juiz pode obrigar os próprios governos de facto ao reconhecimento,
os dirigentes a que observem as leis. Tal o procedimento americano, após a guerra de Secessão. A justiça paira; as
revoluções e governos de facto são fenômenos pauticos. A Constituição das Repúblicas do Salvador, art. 69, de
Honduras, art. 99, da Venezuela, art. 104, e do Peru, art. 10, declararam nulos os atos dos governos de facto. Mas
revolução geral de ordinário revoga a Constituição, o que dá no mesmo:
há Constituição de facto. Em todo o caso, restaurada a ordem constitucional, vêm os decretos, e os juizes dêsses
países costumam só considerar válidos os atos que os decretos permitem Essa não é e não pode ser a solução
brasileira. ~ Se o govêrno de facto fôr local? Para o caso dos testamentos e no sistema federativo do Brasil, o
govêrno de todo um Estado-membro, o govêrno que está, de facto, no Poder, sem coexistir, de facto com outro, é
govêrno geral. Valem, portanto, as soluções que demos aos casos ocorridos sob govêrno geral. Aos governos
locais é inabluível a coexistência. Tais os das guerras civis. Há atos de um e atos de outro, atos do vencido e atos
do vencedor. que pode ser o de facto como o de’ inre. Aliás, o vencedor, com o critério político, considera-se, a si
mesmo, de iure. Se o vencedor discrimina os atos seus que valem e es que não valem, praticados durante a guerra,
cria problemas graves. O govêrno de iure não poderia ter tal procedimento, O que disputava o poder legal, durante
a luta, reconheceu a soberania de facto coexistente (não é a mesma coisa que lhe reconhecer a beligerância, que só
tem efeitos quanto ao direito penal) : o juiz interno também deve dar aos atos o valor jurídico e as consequências,
que lhes caberiam, e.g., leis novas de organização judiciária, nomeações de oficiais públicos. A regra jurídica tem
de ser a seguinte: se o vencedor é o de iure, devem-se considerar válidos todos os atos de conformidade com a lei e
pendente a disputa do podei; se o vencedor é o de facto, desde o dia em que começou a existir, a co-existir (ex
hypothesis). Restam os atos do govêrno de facto vencido e os do govêrno de inre que foi inteiramente destruido e
para sempre:
a)Atos do govêrno de facto vencido: se o govêrno de inre lhe reconhece os atos, corta-se a questão; se o govêrno dá
regras jurídicas a respeito, cabe ao direito intertemporal. No Brasil, a questão do govêrno de facto local,
coexistente, com duração e estabilidade, pode provocar a intervenção federal: o ato explícito do govêrno de iure
vencedor, considerando nulos os atos jurídicos perante oficias nomeados pelo govêrno de facto, duradouro, e os do
próprio executivo federal ou do legislativo, não escapam à apreciação do juiz. Se houve passagem do cartório ao
nôvo oficial, exercício ‘efetivo, prática de atos de fé pública, é preciso afirmar-se a validade dos atos testamentaros
perante êle praticados. Se o govêrno legal não reconheceu, de modo nenhum, a coexistência de facto, ainda que,
efetivamente. algumas cidades ou zonas estivessem sob o poder passageiro dos revolucionários, o juiz deve em
princípio aplicar as leis como se só um govêrno existisse, para evitar a imprudência de dar ao Direito a mobilidade
da Política. Mas: a) Se o govêrno regional de facto permaneceu, com estabilidade (caso dos Estados do Sul, na
guerra civil americana), cabe a lição do juiz FIELD, no caso Horn versus Lockhart (1873), que argumentava,
decisivamente: “A existência de estado de insurreição não desatou os laços de sociedade, nem suprimiu a
administração civil e a aplicação regular das leis. Era preciso manter a ordem, aplicar os regulamentos de polícia,
fazer respeitar os contratos, celebrar os casamentos, regular as sucessões e a transferência dos bens, como em
tempo de paz”. b) Se o govêrno vencedor afirma a ilegalidade de todos os atos do govêrno de facto, sem os
distinguir, ainda assim o juiz deve entrar na apreciação, reduzindo às necessidades jurídicas o critério político: as
circunstâncias ordinárias da vida e é o caso dos casamentos e dos atos testamentários não devem sofrer com as
mobilidades do processo político de adaptação social, nem o govêrno salvo caso de diferença radical que diga com
a ordem pública pode querer o prejuízo dos particulares. Ainda em se tratando de formas testamentárias novas
(isso, no Brasil, não caberia, porque a legislação é federal), cumpriria atender ou poder alegar que houve atos cuja
responsabilidade não assume. Mas o juiz examina as circunstâncias para verificar se a não-validade é admissível.
Após a guerra da Independência, os tribunais americanos reconheceram o poder legislador dos Estados-membros a
partir de 4 de julho de 1776, e não do Tratado de 1783.
b)Atos do govêrno de iure vencido. O vencedor, govêrno de facto, vai considerar-se de iure. Mas as considerações
de que os habitantes contavam com a vitória da situação jurídica contra a situação de facto (ainda que,
politicamente, partidários da revolução) e de que o govêrno federal interviria pela restauração (o que se supõe, pela
Constituição da República) bastariam para afastar a possível invalidação: seria querer-se que o fenômeno político
negasse o próprio juiz apreciador do caso, negasse o Direito, fôsse, no passado, desfazer o que juridicamente se
estabeleceu: o sinal de Política é (para o futuro) e não ~ (para o passado) ; por isso mesmo, as leis não retroagem, e
o que está feito fica (Política é 2; Direito, 1), e só muda para os casos futuros (PONTES DE MIRANDA,
Introdução à Sociologia Geral, 235 s.).
As Constituições estaduais fixam o poder legislativo dos Municípios. O que êles podem fazer tem as sós
consequências que teria, se feito pelo Estado-membro. De modo que as questões são as mesmas.
1.TESTAMENTOS E CRIMES. Atos particulares, documentos privados, ou não, os testamentos, devido à sua
significação e importância, são pelas leis penais considerados, indistintamente, atos públicos. Ficção legal, que o
caráter do ato justifica. Talvez seja resquício da função legislativa que se exercla’nos próprios testamentos não
públicos. Se bem que hológrafo, o testamento particular é como a instituição de patrimônio; mas, hoje, o
fundamento está no fato de ser difícil verificar-se a fraude caligráfica (AMnancIo NEGRI, em P. COCLLO,
Completo Tratato di Diritto Pende, , 1.ª parte, a, 521).
1.FUNÇÃO JURÍDICA DAS FORMAS TESTAMENTÁRIAS. A forma é processo técnico. Nos nossos dias,
não pode ter caráter ritual, mas sim próprio à estabilidade específica. Seria inconsequência (nos tempos de hoje, em
que a inteligência tem finura bastante para reconhecer e discernir os fatos do direito, e para discriminar relações em
sua realidade imaterial) alimentar a superstição dos formalismos obsoletos, que prejudicaram, em vez de servir à
vida. Ora, o Direito, processo social de adaptação, não tem outro fim que o de servir à existência coletiva e
individual. Forma contrária a êsse fim, é forma contrária ao Direito. Quando a lei escrita, ou a praxe doutrinária ou
judicial, que também são fontes de formas, estabelece, para determinados atos jurídicos síricto sensu e negócios
jurídicos (citação, interpelação, casamento, adoção, testamento, hipotecas) determinadas exigências formais, não
tem outro fito senão o de pressupor cautelas, envoltórios, dentro dos quais, conveniente-mente resguardadas as
vontades, se lhes garanta e precise a eficácia. Raro, somente para precisá-la ou restringi-la: quase sempre, para
assegurar-lhe o resultado jurídico que especifica-mente foi querido.
2.EVOLUÇÃO DAS FORMAS JURÍDICAS. Se examinamos a evolução que se operou do formalismo romano à
mentalidade hodierna, vemos que se procedeu a verdadeira crítica das funções das formas, sem qualquer
preconcebida antipatia (pois que a vida moderna criou formas novas), porém no sentido de apreciar a utilidade
social e individual do seu emprêgo. Dai o movimento de diminuição de exigências que apenas atende uma. das leis
evolutivas do Direito. Por isso, no apreciar as formas como processos técnicos, meios, para fins de segurança
jurídica (se garantem, segurança para os que desejam eficácia aos seus atos de vontade; se restringem, segurança
para os outros)~ o direito contemporâneo, como o dos séculos passados, ora atenua o rigorismo da forma como
elemento, exterior e sensível, necessário ao ato jurídico, ora reconhece a legitimidade de novos quadros formais em
~ue se verta e se modele o querer dos homens. De tudo isso havemos de tirar que o invólucro não deve sacrificar os
atos que deve revestir. Se é certo que às vêzes o requisito formal tem por fim delimitar, dificilmente se poderiam,
ainda em tais casos, intrometer considerações de sacrifício do fundo, do ato, de mal compreendida sujeição à forma
solene, seja probatória, seja acauteladora ou normativa (de habilitação, e de processo, de fiscalização) . Também se
tira, não só que as regras jurídicas sôbre forma são suscetíveis de interpretação, com todas as possibilidades dos
modernos critérios de apreciação científica da lei, como, por igual, que ela não deve ir além do fundamento ou do
critério inspirador do processo técnico, que é a forma. Processo técnico não é fim, é meio.
Por outro lado, não se veda ao direito não-escrito estabelecer cautelas, exigir formas a determinados atos, às
habilitações, aos propósitos de publicidade e, se a necessidade o inspira àprova de fatos. Não é a lei escrita a fonte
única do direito, nem se abre ao princípio da multiplicidade das fontes essa exceção.
3.IMPFRATIVIDADE E INTERPRETAÇÃO. As formas testamentárias são de interêsse público; mas isso não
quer dizer que se não possam interpretar os artigos de lei, que fixam os. requisitos essenciais: a) pode a forma,
considerando o efeito~ não ser da máxima importância: quando forma non est magnae importaníiae, considerato
efleciu; b) a exigência formalística cede, onde cessa a razão de se requerer a forma (quando <-es.. sarei causa
forinae adimplendae) ou o fim (juando forma ad aliquem finem eM constituta); c) quando o que se fêz vale o
mesmo (“equipolência”, a que se referiam os juristas lusitanos) : quando actue factus eandem rim hab ei; d)
quando de-~ monstrativa (ad aliquid demonstrandujn requisita).
Em todo êsses casos, pode adimplir-se pelo equivalente: tufo enim potesi adimplere por aequipollens. Não são
palavras de hoje, são velhas palavras, que meia-ciência de alguns ou não compreende ou delas se esqueceu. Outros
elaboravam fórmula mais geral, porém, no fundo, a mesma: nisi tamen sia tutum formam inducens considerei
aliquem eflectum, quja tune si eflectus sequatur omissio for-mae nau vitiat. (Ou: quando forma respicit certum
eflectum, per aequipollens potesi effectualiter canse qui.)
4.INTERPRETAÇÃO DAS LEIS SÔBRE FORMAS TESTAMENTÁRIAS. No caso de o que se teria como
testamento não ter forma, ser imperfeito, não existe o próprio ato. Tal formalismo passou ao direito português e
dominou como princípio. Ainda hoje, atenuado, domina. A falta da forma deixa não completo, é pois inexistente o
ato testamentário (MANUEL FIGUEIRA DE NEGP.nRos, introductio ad ultimas voluntates continens omnia
necessaria ad confectionem Testamenti, 1, 2, c. 1, n. 4) ; mas isso não visava dizer, nem visa, que a lei da forma
não se interprete. A lei da forma é lei como as outras leis. Imperativa, sim, mas as leis imperativas são suscetíveis
de interpretação. O que ela diz, e nisso difere de outras regras jurídicas, é que a falta faz inexistente o ato e o
defeito, ainda mínimo, torna nulo o ato. Mas o que é defeito, di-lo a lei, ou a interpretação. Se aqueles defeito
mínimo é, realmente, defeito, isto é, se tem aquela consequência, di-lo o entendimento do texto legal. O
entendimento não poderia ser o de absurda interpretação literal. As idéias modernas, frutos de evolução da ciência,
e da técnica, encontram pleno apoio em velhos mestres de tempos bem mais maduros no apreciar o valor e o
alcance das leis. Na letra legal está consignada a exigência do elemento exterior e sensivel, da veste material à
imaterialidade do querer expresso, mas, na lição de hoje, como na de ontem, pode satisfazer-se com o igual em
resultados. Se se chega à conclusão de tratar-se de levissirna solenuitas, então nou est sufficiens ad evertenda
suprema defunciorum elo gia.
As regras jurídicas sôbre formas testamentárias são bis cogens. Não pode o testador por vontade sua, declarada ou
não, ou por fôrça das circunstâncias, fugir à observância do que a lei, como forma solene, estatui. Isso não quer
dizer que o íus cogens tenha de ficar sujeito às algemas de inafastável interpretação literal. Éle é co gens, no que
diz, porém não nos meios de se procurar o que êle diz. Tal verdade da ciência, nem sempre a vemos na solução dos
expositores, desaparelhados para a delicada adequação da lei aos fatos da vida. (Nem se confunda isso com o favor
testamenti, que está no Código Civil, artigo 1.666: quando se fala de favor testarnenti, só se cogita do conteúdo. O
mesmo sucede no Código Civil alemão, § 2.084:
WILHELM MANTEY, Das Erfordernis richtiger Datierung holographischen Testaments, Gruchois Beitráge, 43,
642).
Um dos fundamentos da exigência formal é não se deixarem dúvidas quanto ao emprêgo válido das solenidades.
Por isso, a interpretação tem de ser restrita (EMIL JAOOBY, Das cigenhándige Testaríz cmi, 39) . Interpretação
restrita de formas solenes quer dizer interpretação que reduz ao mínimo. Ora, interpretação com tal propósito
limitativo não poderia ser literal: procura o que seja validante dos testamentos, enquanto êsse mínimo de exigência
não prejudica o critério formal. Por onde se vê, claramente, que a solução contemporânea, sôbre ser a dos bons
espíritos dos séculos passados, consulta outros princípios de interpretação das leis e das categorias reais das
nulidades, no submeter o texto imperativo aos depuramentos de crítica esclarecida e sã.
1.LEI DE INTRODUÇÃO AO Cóníco CIVIL, ART. 10 E §§ 1.0 E 2.0. As regras jurídicas sôbre a lei que rege a
sucessão são de grande relevância na vida contemporânea. As relações entre os povos são intensas, correntes
imigratórias continuam e há deslocações para outros Estados que aqueles em que homens e mulheres nasceram.
Ora para negócios, ora para serviços, ora por simples turismo.
Na Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei número 4.657, de 4 de setembro de 1942), estatui o art. 10: “A
sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido,
qualquer que seja a natureza e a situação dos bens”. E o § 19: “A vocação para suceder em bens de estrangeiro
situados no Brasil será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge brasileiro e dos filhos do casal, sempre
que não lhes seja mais favorável a lei do domicílio”. E o § 2.0: “A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula
a capacidade para suceder”.
Afastou-se a lex patriac, que era a lei pessoal conforme o direito anterior. Fêz-se estatuto pessoal o do último
domicílio do decujo. Se era estrangeiro, casado com Brasileira e deixou filhos Brasileiros, o estatuto pessoal não
era e não éo da lex patriae, mas sim o da lei brasileira. Não importa onde era domiciliado o estrangeiro, que morreu
casado com Brasileira ou com filhos Brasileiros.
2.FORMA E “LEX LOCI”. Quanto à forma, há o princípio geral da lex boi. Ao locus regit actum há exceções, que
têm de ser apontadas. Uma delas é concernente ao testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco, ou
correspectivo (Código Civil, art. 1.630). Outra, a dos testamentos militares e marítimos.
O testamento conjuntivo, a despeito de o art. 1.630 do Código Civil se achar entre as regras jurídicas sôbre formas
testamentárias, há de obedecer à lei pessoal do decujo, porque seria absurdo que, proIbindo o Estado do estatuto
pessoal, o testamento conjuntivo, seja simultâneo, seja recíproco, ou seja correspectivo, pudessem duas pessoas que
estão subordinadas a êsse estatuto, ou uma das quais está, testar conjuntivamente. Iria Brasileiro ou iriam
Brasileiros para algum Estado onde se não proIbisse a fim de fazer o testamento que a lei brasileira veda. Não se
pode negar o elemento típico, contenutistico, da regra jurídica que repele o testamento conjuntivo, qualquer que
seja a espécie.
Quanto aos testamentos públicos, é indiscutível que não se pode exigir que os oficiais públicos de Estados
estrangeiros se submetam a lei brasileira, ou que os oficiais públicos do Brasil se submetam a lei estrangeira, no
tocante à forma. Dá-se o mesmo se o testamento é cerrado, e é levado ao oficial público para a formalidade que se
exige.
Há dois problemas: a) o que é que se entende por forma, que a lei do lugar tem de reger; b) se é possível preferir-se
outra lei, isto é, se a lex boci tem necessàriamente de reger, ou se há de reger a lei do lugar se outra (a lei do
estatuto pessoal) não se observou. Ali, haveria necessariedade da lez boci. Aqui, apenas suficiência.
Antes de enfrentarmos as questões, recorramos à história do direito internacional privado quanto à forma.
Desde a Idade Média se admite que o princípio de que a forma do negócio jurídico se há de considerar válida se
obedeceu à lei do lugar. Poucos eram os juristas e aplicadores de leis que faziam restrições ao bens regit actum; por
exemplo, se os negócios jurídicos eram concluídos com a cooperação de oficiais públicos, ou com a autoridade do
Estado, ou dependentes de fonte oficial (H. THÓL, E’inleitung in das deutsehe Privatrecht, § 83). Alguns eram
ainda menos exigentes, como HAUSS (Du Droit privé qui regit les étrangcrs en Belgique, 45 s.).
Havia controvérsias a propósito da abrangência ser de tódas as formas ou só de algumas, bem como sôbre a
obrigatoriedade ou a facultatividade da lez boci actus.
Surgiam divergências no tocante aos próprios fundamentos.
Alguns, como A. VíNNíus, G. PHTLLIPS (Grundsãtze des gemeinen Dcutschen Privatrechís, 1, 192) e 1<. L. W.
VON GROLMAN (tYber obographische und mystische Testamente, 14), perseveraram na teoria dos estatutos,
para que se evitasse a aplicação da lei da pessoa
Para outros, quem quer que pratique atos jurídicos tem de sujeitar-se à soberania do Estado em cujo território se
perfaz. Assim, CER. FRIEDR. VON GLÚCK (Ausfiibrliche Erlduterung der Pandecten, 1, 291), W. A. F. DANZ
(Handbuch des hcutigen deutschcn Privatrechts, 1, § 53) e outros. Por seu lado, L. VON BAR (Theorie und Praxis
des internationalen Privatrcchts, J, 2.~ ed., 340 s.) só a fundava no costume, na communzs opinio segundo CINO
DA PISTOlA, ALBERICO DE ROSATE, PETRUS DE BELLAPERTICA, PAUlo DE CASTRO, RAPH.
FULCOSIUS e PETRUS DE RAvENNA.
A lex boci era tida por inafastável por BARTOIflMEo DE SALICETO, BALDO DE IJaÁLnIs e HÁRTOLO DE
SAxOFERRATO.
Antes de L. VON BAR, a justificação pelo uso estava em muitos. trro seria crê-la de origem romana, como
pretendeu JoH. STEPH. PÚTTER (Auserlese Reehtsfdlle aus allen Thcilen, 1, n. 248).
A regra jurídica tornou-se universal, por ser a de respeito a esfera jurídica de cada território estatal. Todavia, se há
concordância no respeito, não na há no tocante ao conteúdo.
3.CONTEÚDO DA ExPRESSÃO “ACTUM”. Nem quanto àexpressão “actum”, na regra jurídica bocus regit
actum, nem mesmo quanto à distinção entre forma e conteúdo, é pacífica a doutrina. A. NIEDNER (Kommentar
zum E’infúhrungsges’itz,
31) chegou a dizer que nunca o será. A referência explícita à lei do lugar em que se praticaram os atos estava no
Projeto de THEoDoR NIEMEYER (Vorselddge und Matcrialen zur Kodifilcation des internationalen Privatrechts,
240 s.), contra o texto de ALBERT GEBHARD. O influxo foi a opinião de L. voN BAa (Theorie und Praxis des
internationalen Privatrechts, II, 13 5.; Lehrbneh des internationalen Privat- und Strafrechts, 106 s.), bem como o
sistema escolar de Huoo NEUMANN (Internationales Privatrecht in Form cines Gesetzcntwurfs, 85-
-91), isto é, vontade dos figurantes, domicilio, lugar da aceitação.
No art. 11 da revogada Introdução do Código Civil dizia-se que a forma extrínseca dos atos jurídicos, públicos ou
privados, se regeria segundo a lei do lugar em que se praticassem. Na Lei de Introdução do Código Civil (Decreto-
lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942), nada se disse, exceto no tocante à excepcional exigência de forma essencial
(art. 9•O, § 1.0) de modo que temos de primeiro cogitar das controvérsias em tôrno de textos alusivos à forma.
Depois, da interpretação se não há texto alusivo, pois tem de ser pôsto o problema de direito internacional privado,
diante da atitude omissiva.
Se a lei apenas fala de forma, ou de forma e solenidades, como o Código Civil espanhol, art. 11, a discussão há de
ser sôbre o conteúdo da expressão “forma”, ou da outra “solenidades”. Se se refere a “forma extrínseca”, não
caberia discussão quanto ao conteúdo da regra jurídica. Tem-se apenas de indagar quais são as formas extrínsecas e
quais as formas intrínsecas. Tal o que ocorria ao tempo do art. 11 da revogada Introdução ao Código Civil, com o
revogado Código Civil italiano, art. 9, com o venezuelano, art. ~ lª parte.
Quanto ao Código Civil francês, não havia fórmula geral e o texto do Projeto refletiu-se na Lei holandesa de 1829,
artigo 10. No Código Civil saxônico, § 9, a lex boci continuou sendo a preferida, bastando a do lugar dos efeitos. A
Lei de Introdução alemã (Einfiihrungsgesetz), art. 11, inverteu a ordem: a forma de negócio jurídico é determinada
pelas leis que regem a relação jurídica que resulta do negócio jurídico. Basta, todavia, que se observe a lei do lugar
onde o negócio jurídico se conclui. A regra jurídica, que está na alínea 1, segundo enunciado, não tem aplicação a
negócio jurídico que estabeleça direito sôbre coisa, ou que dele disponha.
Na Inglaterra, a regra jurídica bocus regit actum é conforme o Foreign Wills Ad de 6 de agôsto de 1861 e a título
facultativo.
Na Lei federal suíça de 26 de junho de 1891, art. 24, foi dito: “Les dispositions de derniêre volonté, les pacts
successoraux et les donations à cause de mort, sont valables quant àla forme, si celle-ci satisfait au droit du lieu oú
l’acte a été passé ou à celui du canton du domicile lors de la passation de l’acte ou au droit du dernier domicile ou à
celui du canton d’origine du défunt”. O art. 32 estendeu-o às relações internacionais.
Já no Projeto da Convenção da Haia tirou-se a regra jurídica obrigatória e pôs-se a facultativa.
Antes do Código Civil, a regra jurídica que prevalecia na Alemanha era a da lez boci actus, como principal,
permitida a lei in favorem negotii.
Na Lei de Introdução ao Código Civil, o direito brasileiro somente tem hoje a explicitude do art. 9•O, § 1.0:
“Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada,
admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato”.
Apesar da omissão da Lei de Introdução ao Código Civil, o princípio bens regit actum foi acolhido,
implicitamente; e não seria de admitir-se que se desconhecesse o princípio que através dos tempos se assentou. Não
se pode considerar de ordem pública a subordinação da forma à lei brasileira se o conteúdo é regido pela lei
brasileira. O art. 9.~, § 1.”, que abre exceção para os atos jurídicos de “forma essencial” se a obrigação tem de ser
executada no Brasil, ressalvou “as peculiaridades da lei estrangeira, quanto aos requisitos extrínsecos do ato”.
4.TESTAMENTO E “LEX LOCI”. Se o testador, de passagem por outro Estado, testou hologràficamente, como
lhe permite a lei pessoal (e.g., se domicílio no Brasil, cujo sistema jurídico regula o testamento hológrafo), tem-se
de entender que é válido o testamento. O princípio lex boci regit actum não é absoluto, razão por que os figurantes
de contrato podem escolher a lex contractus (cf. ERNST ZITELMANN, Internationale Privatrecht, II, 153).
Também vale o testamento hológrafo, permitido pela lei pessoal, se, feito em Estado que o admite, na feitura se se
observaram exigências extrínsecas da lei local, que a lei pessoal não conhece.
A aplicação da lei pessoal às formas testamentárias não é de grande extensão. Se o ato testamentário é testamento
público, é claro que os oficiais públicos do Estado da lex boci têm de obedecer às regras jurídicas locais sôbre tal
espécie de forma de testamento. Se o testamento é testamento cerrado, a aprovação ou ato semelhante somente
pode ser com observância da lei do lugar em que exerce a função a autoridade aprovante ou conferente.
Se o testamento é hológrafo, a lei pessoal, que o permite, de ordinário não o vede fora do Estado, porque seria
repelir o princípio lez loci regit actum, o que se chocaria com a prática legislativa hodierna. Se a lex loci o veda,
tem-se de coíisiderar que em primeira plana está a lei pessoal. Dai têrmos escrito no Tratado dos Testamentos (1,
373 s.) : “Em se tratando de testamento hológrafo... se a lei pessoal não no veda fora do país e se a leoê frei o
permite ainda quanto às formas da lei do estrangeiro, está visto que valerá na pátria, no país em que foi feito e nos
terceiros. Se a lei do lugar não a permitir, ou, permitindo-a, vedar o uso da forma estrangeira em seu território,
trava-se o conflito de leis. No estado atual do Direito internacional privado, só se há de resolver pela validade no
Estado da lei pessoal do testador e nos terceiros Estados que reconheçam a facultatividade da lex loci.
Se o testamento é conjuntivo e a lei local o permite, podem fazê-los aqueles cuja lei pessoal o admite, ou cujas leis
pessoais o admitem. Se a lei local o proibe, o único meio é o de fazê-lo em consulado, ou perante agente
diplomático com tal competência.
Tem-se de atender a que a regra jurídica locus regit actum é cogente para os atos jurídicos em instrumento público
e facultativa para osCatos jurídicos particulares. Para a obrigatoriedade, de que se falou, é preciso que a lei do lugar
haja estabelecido os pressupostos essenciais de forma. Ficam fora os atos jurídicos que possam ser (ou tenham de
ser) concluídos em consulados ou agências diplomáticas.
A distinção entre formas que o sistema jurídico considera forma (dita “forma extrínseca”) e formas que o sistema
jurídico liga ao direito material.
Se os atos jurídicos em instrumento particular são para efeitos em Estado estrangeiro, tem-se de indagar qual a
atitude do direito estrangeiro, em regra jurídica de direito internacional privado. A lei brasileira não pode reputar
suficiente o que ela exigiu se o Estado estrangeiro, de que depende a eficácia, não se satisfaz com isso. O direito
brasileiro não pode exigir a forma que êle reputa necessária para o testamento feito no Brasil se a lei estrangeira, a
que se há de subordinar o domiciliado no estrangeiro, é menos exigente; ou vice-versa.
O direito estrangeiro, se é o da lei pessoal do decujo, pode retirar o princípio lex boci regit actum.
5. FORMA ESSENCIAL. A lei que reja a sucessão testamentária é que pode dizer qual a forma essencial ou quais
as formas essenciais do testamento. Pode ocorrer que de modo nenhum se considere essencial a única forma da lei
sucessoral, ou se considerem essenciais as formas da lei sucessoral. A essencialidade da forma exigida não afasta,
em princípio, a incidência da loa, boci no tocante aos testamentos fora do Estado da lei pessoal.
6. FORMA EXTRÍNSECA OU REQUISITO EXTRÍNSECO. Os requisitos extrínsecos do ato, a que alude o art.
9•o, § 1.0, da Lei de Introdução do Código Civil, são as “formas extrínsecas”. O que se tem por fito com a
referência à natureza extrínseca da forma foi ressalvar-se, na invocação da bex loci, o que se há de apegar à lei
pessoal.
Assim, o mudo, no direito alemão, fora da Alemanha, pode testar por sinais, se a lei local o permite (HEINRICE
DERNBrntG, Das biirgerliche Reelzt, V, 65, nota 11), conforme resultou do Einfiihrungsgesetz, art. 11, alínea 1•a,
2~a parte. No tocante a testamentos de mudo, o direito brasileiro só o permitiria cerrado, escrito pelo mudo e por êle
assinado, observado o artigo 1.642 do Código Civil.
‘7. ESPÉCIES DE TESTAMENTO: A) TESTAMENTO PÚBLICO. São inconfundíveis, para a observância do
princípio da loa, loci regit actum, as espécies de testamento e os meios exteriores pelos quais elas se compõem. A
lei brasileira exige, quanto aos testamentos públicos, que os lavrem oficiais públicos, e não simples escreventes
juramentados; mas, aí, não é da espécie que se cogita, de modo que o domiciliado no Brasil pode testar por
testamento público perante a autoridade ou pessoa que para isso tenha competência segundo a lei local. Não é de
afastar-se o caso de algum Estado permitir o testamento público sem ser ditado (e.g., somente copiado de minuta) e
apenas lido por outrem, na presença das testemunhas (cf. JOSÉ DIAS FERREIRA, Código Civil português
anotado, IV, 340).
O testador, nos Estados que têm as duas formas públicas, a judicial e a notarial, pode escolher qualquer delas.
Pràticamente, para se saber se, em direito internacional privado, há divergência entre o direito testamentário de dois
Estados, o que mais põe em relêvo a distinção entre a parte intrínseca e a parte extrínseca é questão de existência:
a) ~ Existe, na lei pessoal, o testamento público? Se não existe, ainda pode surgir a questão de ser de ordem pública
a proibição ou a omissão; mas, mesmo se há vedação, é de indagar-se se é de ordem pública, de jeito que
acompanhe o testador nos Estados estrangeiros. b) Se existe, rege a forma a leis loci.
No direito inglês, não há o testamento público recebido ou recebido e aprovado o testamento público. O
testamento. inglês é testamento privado, feito perante duas testemunhas. No Código Civil francês, o art. 999 fala de
poder o Francês testar no estrangeiro pela forma autêntica estrangeira ou pela forma hológrafa francesa: “Un
Français qui se trouvera en pays étranger, pourra faire ses dispositions testamentaires par acte, sons signature
privée, ainsi qu’il est prescrit en l’article 970, ou par acte authentique, avec les formes usitées dans le lieu oú cet
acto sera passé”. Tem-se de admitir que se considere solene o testamento privado inglês, que é o único (HANS
LEWALD, Questions de Droit international des Succes~ions, Reeveil des Cours de l’Académie de Droit
International, IX, 96). No propósito de facilitar a testamentifação dos Franceses, no estrangeiro, a jurisprudência
francesa tem por válido
o testamento do Francês na forma inglêsa (Tribunal do Sena, 11 de março e 6 de dezembro de 1899). Na verdade,
há estado de necessidade, e não atribuição de ser solene.
10. TESTAMENTO NUNCUPATIVO. O Código Civil brasileiro, art. 1.629, reconhece três espécies de testamentos
ordinarios; e depois aponta as formas instrumentais de cada uma. Pergunta-se: ~vale o testamento oral (não
público), feito, pela pessoa cuja lei pessoal é a brasileira, em Estado que o admita? Afirmativamente, A. WEIss
(Traité théorí que et pratique de Droit international privé, IV, 633) e BUZZATI (L’Autorità deile Leggi straniere
relative allo forme degli atti civili, 400 s). Negativamente, P. FioRE (Diritto internazionale pnvato, IV. 205) : a
questão envolve a da existência, ou não, de um testamento; se existe, há sucessão testamentâria~ se não existe, são
chamados os herdeiros legítimos (ou os de outro testamento, digamos). O problema toca à substância do ato
jurídico. A capacidade é o principal requisito da existência e eficácia legal da vontade declarada, porém não é o
único. Assim como é pressuposto intrínseco, para o cego, determinada forma,
também a lei pessoal impõe às pessoas as espécies de testamento que ela reconhece. Tal o pensamento de P.
FIORE (IV, 207).
O argumento a respeito da herança legítima é fraco. No tocante ao outro testamento (o que acrescentamos), é forte.
Mas o problema muda de figura, porque se trata de revogação. Pôsto de parte o problema da revogação por
testamento nuncupativo em Estado que o admita, ao contrário do que se passa no Brasil, cogitemos do testamento
nuncupativo feito no estrangeiro.
Se ambas as leis, a pessoal e a local, não têm o testamento nuncupativo, parte da questão está eliminada. O
testamento não vaie. Resta a espécie do testamento nuncupativo feito em Estado que o admite contra a lei pessoal
do testador.
Depois de condená-lo, a Itália deu validade ao testamento oral do Italiano feito no estrangeiro (P. Frrozzí,
Successione, Digesto italiano, 22, 825 s.). No mesmo sentido, a Alemanha (E’ntsck., VIII, 222). No direito
internacional privado dos dois Estados europeus, o nacional pode testar no estrangeiro, nuncupativamente,
conforme a leis loci.
No direito internacional privado brasileiro, o domiciliado no Brasil não pode testar, nuncupativamente, no
estrangeiro. Tal foi a solução de CLóvís BEVILÁQUA (Código Çivil comentado, 1, 128), porém com fundamento
na incapacidade, questão vencida (FRANZ KAHN, Gesetzeskollisionen, Jherings Jahrbiicher, 30, 48; D.
ANZILoTTI, Studi Critici, 253 s.). Só seria regra jurídica de capacidade se a lei dissesse, por exemplo, que “não
pode fazer testamento nuncupativo o maior de dezoito anos e menor de vinte e um anos
11. “TESTAMENTUM TEMPORE PESTIS CONDITUM”. Entre algumas legislações existe o conflito. No
Código Civil suíço, art. 506, admite-se a espécie nuncupativa, o Nottestament, se há circunstâncias
extraordinárias, que impeçam o decujo de testar de outro modo. Trata-se de forma privilegiada, em oposição às
formas ordinárias do direito suíço (testamento público e testamento hológraf o). O testador declara as suas últimas
vontades a duas testemunhas, a que encarrega de escrever ou de fazer escrever o que ditou. No primeiro caso, uma
delas data o escrito, indicando o lugar, o ano, o mês e o dia, assina-o, e dando-o à outra, para que o assine. Sem
tardança, remete o escrito à autoridade judiciária, afirmando que o testador lhes fêz as declarações, parecendo-lhes
capaz de dispor e mencionando as circunstâncias em que as receberam. No segundo caso, prestam tais declarações
à autoridade judiciária (artigo 507). O testamento oral caduca quatorze dias depois de haver o testador recobrado a
liberdade de empregar as formas ordinárias.
No Código Civil alemão, § 2.252, o prazo é de três meses, se ainda vivo o testador, contados da feitura.
Surgem duas questões principais de direito internacional privado. A primeira, concernente ao prazo, e possível
entre todos os Estados que admitem o testamento nuncupativo, mas discrepam quanto ao prazo. THFODoR
NIEMEYER (Das internationale Prívatrecht des BGB., 115 s.) considerou aplicável a lex loci: tais prazos, sejam
suspensivos, sejam resolutivos, são imanentes à forma. Diríamos, para melhor se caracterizar a questão e limpar de
dúvidas a resposta: suspensivos ou resolu-tivos êsses prazos, concernem à espécie de testamento e, admitida que
seja, a discordância é apenas relativa às formas da espécie. O prazo é o daquela forma por que se optou. Na dúvida,
há o princípio do fflvor testamenti.
Restaria o caso, pouco provável, de uma das legislações permissivas considerar requisito intrínseco, e não
extrínseco, o prazo que estatuiu. Dar-se-ia conflito de qualificação, que só se poderia resolver pela lez fori, se
interessada está na quali-ficação, ou pela qualificação que corresponda à sua solução, se a do Estado do juiz não fôr
interessada.
A segunda questão é a que toca aos Estados que expressamente não admitem qualquer espécie de testamento tem
pore pestis conditum. Se a lei de tal Estado é interessada, trata-se de admissão ou de não-admissão da espécie
testamentária Se a lei de tal Estado não é interessada e os dois ou mais Estados em conflito discrepam quanto à êsse
ponto, a lex fori, pessoal ou não, tem de resolver conforme a lei que coincida com a sua. No caso especial do
Brasil, não se poderia dar ganho de causa a Estado que admita o testamento nuncupativo contra outro que tenha, no
conflito de qualificação, como violadora do requisito intrínseco, ou como contrária à ordem pública, tal espécie
testamentária. Não a proibimos fora, porém não na temos.
Se a lei pessoal não tem o testamento em estado de necessidade, porém não o reputa assunto de lei exterritorial, o
Estado terceiro resolve pela las, loci, pois não houve conflito. Se oEstado em que se fêz o testamento reconhece
que o assunto escapa à lex loci, o Estado terceiro resolve pela lei pessoal.
No caso de testamento extraordinário, o Estado terceiro deve preferir a solução da lei pessoal do testador, se
vedativa; mas, se a local vedar e a pessoal admitir, tem de indagar se essa permite a exceção à lez loci, e não se a lei
do Estado em que se fêz o testamento consente na facultatividade da lei do lugar.
Em boa técnica legislativa, há de haver acolhimento ou maior acolhimento pelo testamento extraordinário em caso
de doença do que pelo nuncupativo ordinário.
14. TESTAMENTO CONJUNTIVO. Excluem tal forma testamentária o Código Civil francês, art. 968, e as
legislações. que nêle se inspiraram (cf. Código Civil holandês, art. 977, espanhol, arts. 669 e 733; argentino, art.
3.618; brasileiro, artigo 1.630; chileno, art. 781; mexicano, art. 3.246; e peruano, art. 706).
~ máxima bocus regit actum rege o testamento conjuntivo, ou é assunto para a lei pessoal? Na jurisprudência
francesa há decisões pró e contra a ler loci, porque, disse-se, a proibição está no Código Civil onde se cogita das
“formas Na doutrina alemã, há quem repute forma (L. VON BAR, Theorw und Prazis des internationalen
Privatrechts, fl, 2a ed., 329; ERNST ZITELMANN, Internationales Privatrecht, II, 154), e éo que sempre ocorre.
Contra, o Reichsgericht, a 24 de abril de 1894.
Quando o Brasil permitia o testamento conjuntivo, a Côrte de Cassação de Florença considerou válido o testamento
conjuntivo feito no Brasil, sendo Italianos os testadores, embora a lei pessoal o proibisse (Código Civil italiano
revogado, artigo 761).
O que rege a admissão ou a repulsa do testamento conjuntivo é a lei pessoal. Ficam duas questões: a) se os testa-
dores podem testar conjuntivamente em Estado que o não reconheça, se a lei pessoal tem tal testamento; b) se, feito
no estrangeiro o testamento conjuntivo, por estrangeiros, a ter fori pode invocar a ordem pública para lhe negar
cumprimento. A questão a) depende, preliminarmente, da forma seguida e permitida: se testamento público, o
oficial público tem de invocar a lei que o proibe; se testamento particular, o Estado da ler loci, a despeito do que se
lê no Código de Havana, art. 148, não está interessado, pois que se trata de duas pessoas cuja lei pessoal é outra, ou
cujas leis pessoais são outras. A invocação de ordem pública internacional seria de sérias conseqúências, de que
adiante falaremos.
No caso especial do Código Civil da Venezuela, art. 824, a conjuntividade é somente forma, de modo que é
aceitável a ler boi. Mas seria preciso que as disposições testamentárias não ofendessem a lei pessoal. Poder-se-ia
tratar de dois testamentos num só. Ao juiz caberia apreciar a espécie, sendo aconseiliável o favor testamenti. Se o
testamento duplo contém reciprocidade ou correspectividade que ofenda a lei pessoal (se bem que a lei
venezuelana o permita), a esfera da ler boci foi excedida, a conjuntividade não é só formal, e não se justificaria
invocar-se o favor testamenti.
15. CONTRATO DE HERANÇA. O contrato de herança éregido pela lei pessoal. Se algo se alega de ordem
pública, a questão desloca-se. Se admissível, a forma é a do actum, se só o Estado estrangeiro o admite. Se ambos o
admitem, a ler boi rege os requisitos extrínsecos, facultativamente.
16. ORDEM PÚBLICA EM MATÉRIA DE FORMA TESTAMENTÁRIA. A ordem pública é medida interna,
invocável contra quem quer que seja ou contra o que se ache no território do Estado interessado.
Se dividimos o conceito em ordem pública internacional e ordem pública interna, temos: a) atos que dependem da
feltura ou efeitos no território; b) atos que seguem a pessott Terminologia, como dissemos no Tratado dos
Testamentos (1, 396), censurável. A regra jurídica bons regit actum é facultativa, de modo que a proibição, por
exemplo, dos contratos de herança, que se façam entre pessoas não sujeitas à lei brasileira, sem consequências no
regime sucessoral do Brasil, não os põe de parte, arbitràriamente, por invocação de ordem pública.
Diga-se o mesmo quanto ao testamento conjuntivo, O Código de Havana, art. 144, incluiu a proIbição do
testamento conjuntivo como de ordem pública internacional, em vez de a reputar, como seria certo, de ordem
pública interna.
A validade do testamento conjuntivo obedece à lei pessoal dos testadores, ou às leis pessoais dos testadores. A
ordem pública não é óbice (Tribunal Departamental da Haia, 19 de fevereiro de 1924). Nem podia deixar de ser
assim: se de acôrdo com a lei pessoal, como é o caso do Código Civil alemão, já se cumpriu a parte testamentária
do cônjuge premorto, seria absurdo deixar-se de cumprir a do segundo, que em vida não revogou o que testara
(nem podia revogar, cf. § 2.271, alínea 2,~) e recebera o que herdou do primeiro falecido.
A interpretação da ler boi, que nada tem com a substância do ato jurídico, para, com invocação de ordem pública,
considerar-se nulo o testamento, que ou se tornou irrevogável pela morte do primeiro, ou constituiu as últimas
vontades de ambos, seria atentado à liberdade das pessoas, com a frágil e falsa argUição de ofensa à ordem pública,
a favor de tal liberdade.
A proibição de testar hologràficamente, se, em geral, éde ordem pública internacional, salvo reconhecimento da
facultatividade aos estrangeiros, é conseqúência regular do caráter não-obrigatório da ler boi (lei pessoal cogente ±
lei local facultativa = permissão).
As formas dos testamentos públicos obedecem, inexcetuadamente, à ler boci: não como limite à facultatividade da
regra jurídica bons regit actum, porém como princípio de ordem pública internacional. Nos consulados, nos navios
de guerra e outros lugares em que a exterritorialidade existe, a ler é que provém da permissão estatal ou da
exterritorialidade, pois que ocupam território de outro Estado.
Quando surgiu a legislação soviética, houve quem a reputasse “bloco legislativo indesejável” (SORéNDORI’, Was
ist heute unter “russisebem” Recht zu verstehen, Douteche Juristcn-Zeitung, 25, 805 s.). E era a opinião mais
generalizada. Mas seria estender demasiado longe a noção de ordem pública a rejeicão de toda unia legislação. Se
há razão para ser invocada, tem de ser dita em cada caso. Em Circular n. 194 do Comissário de Justiça do Povo, de
26 de setembro de 1923, falou-se de inaplicabilidade no estrangeiro. Mas, ainda nesse caso, haveria a questão do
testamento feito na Rússia com as formalidades soviéticas e a de outro, feito, por exemplo, por Brasileiro, com as
formalidades da lei pessoal. Mesmo ao tempo era que ainda não se reconhecera o govêrno soviético neo se poderia
obrigar o Brasileiro a não testar: se utilizou a forma da lei pessoal, fê-lo bem, pois a regra jurídica bocas regit
notam é facultativa; se recorreu à forma do direito soviético, seria solução violenta considerar inválido tal
testamento, sem haver razão do ordem pública. O Estado russo era lã e o Brasileiro, que quis testar, achava-se lá. O
reconhecimento do govêrno é elemento para a _exterritorialidade, mas seria rigor político excessivo excluir-se a
aplicação da ler boi, maximé se outra forma seria impossível, ou perigosa, para o Brasileiro ausente. havia, todavia,
um ponto de significação especial: a sucessão pelo Estado soviético era impossível. Os bens seriam “tens dc
ausentes” e o Estado do juiz recolhe-los-ia. Mas, aqui, incide principio geral de direito sucessoral internacxonal: o
Estado não pode recolher herança em outro Estado, seja a título de herdeiro, seja como sucessor de bens vagos.
Pode herdar testamentàriamente. Assim decidiu, acertadamente, com o Uruguai (Govêrno Uruguaio versas
Fournier, Sena, 11 dc marco de 1899) ; mas, por se tratar de testarnento, diferente a solução quanto ao Estado grego
(caso Zappa, na Rumania).
17.ATO PESSOAL DO TESTAMENTO. O testamento é ato pessoalíssimo. Ninguém o faz por outro; nem
representante, legal ou voluntário, pede fazê-lo em nome do testador, ou pelo testador. O principio é, por bem dizer,
universal. Ainda assim,a possibilidade de conflito de leis sugere que se ponha a questão: ~a exclusão da
representacão (e da presentação) rege-se pela lei pessoal ou pela ler boi? Noutros têrmos: ~ a pessoalidade do ato
é requisito intrínseco ou requisito extrínseco? A lei pessoal é que há de dizer se a proibição da representação foi no
tocante à exterioridade da manifestação de vontade, e então refere-se à forma, que a lei do tempo e a do lugo.r há
de reger; ou se proibiu que se tirasse ao ato mesmo a pessoalidade, e então o extrínseco é regido pela lei do dia da
morte e pela lei pessoal (cf. E. HABICHT, Internationabes Privatreokt, 87). Por exemplo: segundo os §§ 2.238 e
2.064 do Código Civil alemão, o testador tem de entregar o escrito para o testamento público, e isso, pai~a o direito
alemão, é forma, de modo que, em Estado cuja legislação permitisse a entrega por mão de outrem,
o Alemão testaria validamente, preferindo a ler boi (Eiafiihrungsgosetz, art. 11, alínea 2~a, parte 2.~).
A despeito de tal distinção, o Código de Havana, art. 148, considera de ordem pública internacional o princípio que
declara ato pessoalíssimo o testamento. Duplo êrro, porque terri torializou o que não devia ser territorializado e não
atendeu a que, se há a facuitatividade da lex boci e sendo extrínseco o requisito é sem razão de ser a violência que
estabelece a invalidação do ato em que se optou pela lei pessoal.
18. CAsos DE REENVIO. A doutrina do reenvio arareceu na Inglaterra no caso Colher versas Rivaz (Côrte de
Canterbury, 184; LOP.ENzEN, Cases in Confucts of Law, 2•a ed., 827 a propósito dê testamento feito na Bélgica
por Inglês, que ali era domiciliado. A lei belga tinha-o por válido; a lei inglêsa, não; mas a Côrte inglêsa admitiu o
reenvio.
Austríaca, domiciliada em Hamburgo, fêz o testamento na forma do Código Civil alemão, § 2.238, isto é,
entregando escrito ao notário, perante 4uas testemunhas. O pai da herdeira instituída foi uma das testemunhas, o
que, para o sis tema jurídico alemão, é causa de nulidade. A Côrte de Hamburgo só atendeu ao art. 11 do
Einfiihrnngstiesttz; e o Reicltsgericht, a 17 de dezembro de 1912, lho censurou, por ser a lei que rege a relação
jurídica a que rege a forma; se a lei, de que se trata, ignora a regra jurídica bocus regit actam,tem de ser aplicada a
lei do ato, e não a do lugar. O intuito foi o de reenviar.
O reenvio, que, em muitas espécies, valida, para reforçar o favor testamenti, por vêzes o desfaz. No Caso Sanchez,
novaiorquino domiciliado em Paris, com testamento na forma da lei pessoal, o ato jurídico na França foi julgado
nulo, porque havia de seguir a lei francesa (E. POTU, La Question riu flenvoi eu droit international privé, 62).
O problema consiste no seguinte: se a regra jurídica do Estado A considera incidente a lei do Estado B ou C, contra
o que o Estado B ou o Estado C estatui, ~deve aplicar-se a lei do Estado B ou C, ou respeitar-se a lei que o Estado
A teve como a aplicável? Noutros têrmos: ~ respeita-se a lei do Estado A, ou a sua regra de direito internacional
privado? O conflito pode ser positivo ou negativo. Se é positivo, não há outra solução que não seja a da ler fori,
salvo se essa afasta a própria ligação (e.g., Einffthrungsgesetz, art. 28, se os bens se acham fora da Alemanha;
jurisprudência italiana, quanto a imóveis da sucessão do decujo italiano, fora da Itália). Se énegativo, o Estado B
ou C ou D (terceiro) atribui ao Estado A competência que êle não tem: há algo como espécie de direito
supranacional (supraestatal) conforme frisa L. VoN BAR (Rapport, Aunuatre de l’Institut de Droit international,
1900, 155), contra a regra de direito internacional privado do Estado A.
Adversários da teoria do reenvio vêem nela pretexto para estenderem os juizes a própria jurisdição (A. PILLET et
J.-P. NIEox’ET, Manuel dc Droit Internationãl privé, 379). Nos Estados Unidos da América, se J. BEALE (A
Treatise on The Confiict of Laws or Frivate International Law, 77) disse não existir o reenvio, não é o que se tira
do livro Testative Draft, n. 2 Conflict of Laws, do American Law Institut (10).
As Convenções da Haia não admitiram o reenvio. Aliás, se há convenção internacional, com regras jurídicas de
conflito, afasta-se o reenvio.
Os Tribunais italianos resistiram à teoria do reenvio; mas houve exemplos, e.g., caso Kemot (Côrte de Cassação de
Nápoles, 5 de janeiro de 1920) e caso Savage Landorf (Côrte de Apelação de Florença, 23 de janeiro de 1919).
a) A Côrte inglêsa julgou bem, no caso Colher versus Rivaz; aplicou bem a regra jurídica locus regit achem, sem no
dizer e antes de essa se haver afirmado. No fundo, in Iavorem testamenti.
b) Admitida, quase universalmente, a regra jurídica bens regit actum como facultativa, é acertado presumir-se que
se optou pela lei da forma válida. Aqui, não há reenvio; há presunção. Mas, ainda que tal presunção não exista, o
êrro de direito, quanto à forma, pode permitir o julgado vahidante
e) Deve-se sempre reenviar quando a lei estrangeira não diz, claramente, como se há de resolver a questão.
d) Se, no conflito negativo, o testamento satisfaz a uma das leis, impõe-se a presunção de que as leis, não o
prevendo. admitem a solução, ou a escusa do error inris.
Donde: se positivo o conflito, a boi fori; se negativo, e nulo para ambas as leis o testamento, nulo é; se negativo o
conflito, e válido para uma delas, há o favor testamenti, ou a escusa do error inris. Mas, se, nulo para ambas as leis,
pode ser-lhe favorável a facultatividade da regra jurídica bons regit actum, a lez fori não pode deixar de considerar
válido o testamento, a despeito de não o considerá-lo como tal a lei pessoal (caso de quem tem por lei pessoal a de
Estado sem a regra jurídica bons regit actum ou a interpreta como obrigatória). Donde a solução: a facultatividade
da regra jurídica bons regit actutn há de ser atendida, por ser de ordem pública internacional; no Estado do fôro, o
testamento podia ser por uma ou por outra lei.
§ 5.868. DIREITO INTERTEMPORAL E FORMA -Quando a lei veda ao cego o testamento cerrado e o particular,
tal proibição não é limitação da capacidade testameutária (cf. G. EIÇRRORN, Das Testament, 3? ed., 127), e sim
limitação quanto ao uso da forma. Mas pode ocorrer que o Estado a qualifique diferentemente e tal é a qualificação
por alguns Estados; então, se não é admissível que se trate de capacidade, forçoso é que se lhe reconheça o caráter
de intrínseco.
Odireito intertemporal tem de afastar-se da solução corrente para outros casos, pelo exercício que já se supôs do
direito de testar. Sendo subjetiva a razão de mudança, devemos julgar válido o testamento que observou a lei
anterior. À semelhança da regra jurídica sôbre capacidade. Elementos, como êsse, de subjetividade, que não
concernem à capacidade de direito (sempre regulada pela lei do momento da morte), são como se fôssem
limitações à capacidade de exercício, exceções
portanto do principio anteriormente exposto de se reger o extrínseco pela lei do tempo do ato e o intrínseco pela lei
do tempo da morte.
3.TESTAMENTO PÚBLICO E TESTAMENTO CERRADO. O oficial público tem de observar a lei do Estado
que lhe determina as funções. O queé intrínseco rege-se pela lei do tempo. A revogação ou a simples derrogação de
algum artigo de lei, que regulava formalidade essencial (ou que a criara), pode ter conseqúências graves. Na
dúvida, é aconselhável a satisfação do que se exigia.
A Relação de Lisboa, a 23 de abril de 1873, julgou válido testamento cerrado, feito antes do primeiro Código Civil
português, por pessoa que não sabia ler, nem escrever. O Código Civil, hoje revogado, se, no art. 1.764, parágrafo
único, proibia o testamento cerrado aos cegos e aos que não podiam ou não sabiam ler, continha regra jurídica de
direito inter-temporal, tida como satisfatória (art. 1.762). A regra jurídica só se referia às formalidades externas. Dai
a censura de JosÉ DIAs FERREIRA (Código Civil português anotado, IV, 182 si.
4.TESTAMENTO PARTICULAR. O testamento particulàr há de ter a forma da lei do tempo. Na ocasião em que
se fêz, fêz-se bem. Por isso, está feito para hoje e para mais tarde.
§ 5.863. DIREITO INTERTEMPORAL E FORMA São exigências de forma externa no direito brasileiro: a) ser
todo escrito pelo testador; b) ter cinco testemunhas; e) ser lido perante as testemunhas e por elas assinado.
As formalidades posteriores à própria morto (e.g., abertura, se fechado; publicidade; afirmativas das testemunhas)
são as da lei do ato. Trata-se de atos complementares, pois no momento das assinaturas está perfeito o testamento.
5.TESTAMENTO NUNCUPATIVO. O testamento Dura-mente oral não suscita graves problemas de direito
intertemporal. No momento em que morre o testador, quase sempre não se passou longo tempo. Se passou, não tem
eficácia. Os prazos são sempre muito curtos.
Mas pode ter havido lei nova no lapso exíguo.
A forma exterior é a do momento em que se fêz.
Surge o problema da lei nova que proibe o testamento nuncupativo. Tem-se de precisar a qualifição, em direito
intertemporal, como há a qualificação em direito internacional privado. A lei pode dizer: “não valem os já feitos”.
Se o testador podia testar por outra espécie, é razoável a regra jurídica de eficácia imediata. Se não podia, compôs-
se o direito adquirido. Testou como podia e como somente podia. Em todo o caso, tem-se de respeitar a
qualificação pela lei. Se o testador, ao vir a lei nova, não pode testar de outra maneira, não se lhe pode ferir a
liberdade de testar.
6.TESTAMENTO CONJUNTIVO. Antes do Código Civil, a doutrina admitia o testamento de mão comum.
Perguntou-se: morto o testador após a incidência do Código Civil (digamos, em 1917) ~valia o testamento? CLóvís
BEvIUÁQUA (Parecer, Revista Jurídica, 16, 74 s.) considerou-o nulo: “O testamento não se considera um ato
perfeito e acabado, senão quando morrer o testador. Até êsse momento pode ser revogado. E particularmente, o
testamento conjuntivo, se não pudesse ser desfeito pelo testador a qualquer momento, seria um pacto sucessório,
expressamente reprovado pelo direito anterior. Se o testamento não é um ato perfeito e acabado senão desde a
morte do testador, está, forçosamente, submetido à lei em vigor a êsse tempo e não à que prevalecia ao tempo da
sua facção. A lei respeita o ato perfeito, isto é, o já consumado segundo
a lei vigente ao tempo em que se efetuou. Mas o testamento, de que se trata, não pode considerar-se consumado, no
momento em que foi redigido. É da sua essência a revogabilidade, porque é um ato mortis causa, é uma disposição
de última vontade, e a última vontade só é possível determinar quando o testador, com a morte, cesse de querer”, O
êrro vem de C.F. A. KÕPPEN e influiu em CLÓVIS BEVILÁQUA.
Há duas noções que aparecem confundidas: a de revogabilidade, cujos efeitos são no momento da morte e permite
ter-se como sempre refazível o ato testamentário, e o do regramento legal, que é, quanto à forma e à capacidade, o
do momento da testamentificação. Feito o testamento, não há, com a lei nova, de ser atingido.
O testamento conjuntivo não é só forma. Se o fôsse, feito antes da lei que o proibe, valeria ao tempo da morte e
depois. Via de regra, é forma e fundo: contém disposições simultãneas, recíprocas ou correspectivas, o que é objeto
da lei de sucessão, e são apreciáveis no momento da morte do testador; a forma, o extrínseco, há de reger-se pela
lei da feitura, no tempo e no espaço.
Na jurisprudência brasileira, o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 5 de dezembro de 1919, decidiu pela nulidade do
testamento conjuntivo, feito antes do Código Civil (1916), se na vigência dêsse faleceu o testador. Foi escusada a
critica contra tal decisão, crítica que se baseava em estar perfeito o testamento no dia da feitura.
Diante de testamento válido conforme a lei do tempo em que se fêz, a capacidade do testador e o que concerne a
circunstâncias subjetivas só excepcionalmente se rege pela lei antiga.
7.TESTAMENTO DE MILITARES, MARINHEIROS E VIAJANTES DE ALTO-MAR. Rege o princípio tem pus
regit actum: feito, vâlidamente, continua valendo. É diminuto o interêsse das questões, porque, pela exigência
generalizada nos sistemas jurídicos, de prazo de eficácia assaz restrito, de ordinário há a caducidade antes de
qualquer conflito intertemporal.
Doutrinàriamente, se, morto o testador, não se esgotou o prazo, não incide a lei nova. Se, ainda a correr, vivo o
testador, a lei nova o encurtou, não se há de apressar, mesmo na ausência de regra jurídica especial, o prazo que
corria. Mas é de supor-se que tal decurso, o que é o quod plerum que fit, é exigência só imanente à forma. Se a lei
nova proibiu a espécie, não se pode violar o direito adquirido.
No caso de lei nova, que estende o tempo da eficácia, não se pode dizer que dela não se beneficiem os testamentos
cujo prazo ainda não correu.
8.TESTAMENTO “TEMPORE PESTIS CONDITUM”. Com o testamento tem pore pestis conditum dá-se o
mesmo que se disse sôbre o testamento nuncupativo e os especiais. Quanto aos requisitos extrínsecos, rege-os a lei
do momento em que se faz (tempus regit actum). A lei nova vedativa esbarra na circunstância de haver testado o
decujo e já não poder obedecer a nova lei. Tratar-se-ia de efeito retroativo, que se não há de tolerar.
9. CONTRATO DE HERANÇA E DOAÇOES A CAUSA DE MORTE. Rege a forma do contrato de herança e das
doações mortis causa a lei do tempo em que se concluem. A lei nova não pode, retroativamente, destruir a eficácia.
Nem o contrato de herança nem as doações a causa de morte estão sujeitos à lei de sucessão, salvo no que o direito
sucessório tem de preponderar. Por outro lado, não há a revogabilidade plena que caracteriza o testamento. A lex
boi rege a forma (II. HABICHT, Die Einwirlcung des 13GB., auf zuvor entstandene Rechtsverhii.ltnisse, g~a ed.,
767; F. AFFOLTER, Das Intertemporale Reckt, II, 340).
10.CONVALESCENÇA E DIREITO INTERTEMPORAL. ,A lei nova pode convalidar o testamento feito sob a lei
anterior e inválido por defeito de forma? (Afirmativamente, a Ordenança oldemburguesa de 25 de julho de 1814, §
9; A. MAILHER DE CHASSAT, Traité de la Retroactivité des Lois, II, 27; contra, GRANDMANCHE DE
BEAULIETJ, De l’Êtendue de l’Autoritê Lois, 85 5.; J. KALINDERO, De la Non-retroactivité des Lois. 119; V.
VITAL!, La Forma dei Testamento italiano, 157). A jurisprudência é hostil.
Os principais argumentos são os seguintes: a) Argumento contra a convalescença formal: o testamento a que
faltava formalidade necessária, era nulo, e nulo há de continuar.
b)Argumento a favor da convalescença: se o testador, que nulamente testara, sabia-o nulo, mas conheceu a lei nova
e achou não ser preciso (MAILHER DE CHASSAT, II, 29). Réplica ao argumento b) : se o testador não rompeu o
testamento nulo, sabia-o nulo, e não se preocupou com isso, pois conhecia a lei nova (MERLIN, Répertoire, 273).
A convalescença formal seria de couseqúências profundas; e nas leis novas só excepcionalmente há a finalidade de
trazer à vida: o elemento político (a técnica legislativa) estatui para o futuro, porque olha o futuro e regra o futuro).
Por isso:
a) Pode a lei, ao estabelecer algo para o futuro, tratar de atos passados, que a regra jurídica tempus regil actum
submeteu à sua incidência. Por exemplo: “os testamentos feitos no regime anterior, se nulos por falta de tal
formalidade, convalescerão se os testadores declararem ao juízo competente que os mantêm”; “os testamentos,
feitos no regime anterior e nulos por falta da finalidade tal, convalescerão se os testa-dores não declararem o
contrário aos oficiais públicos ou não os romperem”. Aí, a lei para GONNER (Von der rflckwirdenden Kraft eines
neuen Gesetzes auf vorhergegangene Handlungen, Arckiv fijr die Gisetzgebung, 1, 159), MERLIN (Ré pertoire,
273) e 3. KALINDERO (De la ATon-retroactivité des Lois, 119) é imperativa. Devemôs, porém, frisar que há
dispositividade. Trata-se de princípio geral, que estava no Preussisckes Alígemeines Landrecht e T. D. MEYER
(Principes sur des Questions transitoires 13) reformulou. Apanha todo o direito intertemporal Mais:
sociológicamente, resulta dos índices (. 2; portanto, 2 para futuro, pela instabilidade; e 7, de quanto despótico, que
caracteriza a Política).
Surge questão sutil. Se, no intervalo, cai em incapacidade ou impossibilidade de testar o testador, ~há
convalescença? Afirmativamente a Ordenança prussiana de 1814, V. VITALI (La Forma del testamento italiano,
188), que afirmou não caber distinguir-se se a incapacidade começou antes ou depois da lei nova, e F. BIANCrn
(Corso elementare di Codice Civile italiano, 123).
Se a lei sanatória exigia ato positivo para a convalidação e ficar provado que o testador tinha o animus conservandi
e somente por impossibilidade física ou psíquica não providenciou, ou, depois de haver testado e antes de extinto o
prazo da lei nova, caiu em incapacidade, tudo se reduz a dupla interpretação: ou o ato positivo seria formalidade
formal ad essentiam, que se não poderia suprir por outras provas da intenção do decujo, ou a prova da intenção é,
por si, um dos meios de prova de revalidação. Se quem testou tinha, ou não, o intuito de impor como eficaz o
testamento, depende, ai, das provas.
b)Se a lei não exige qualquer ato do testador, por ter considerado contra os princípios gerais o que a lei anterior
estabelecia, valem quaisquer testamentos a que ela se refira. Tal atitude legislativa é rara.
Para a convalidação dos negócios jurídicos, inclusive a dos testamentos, é preciso: a) ou que o ato do figurante seja
reconhecido pelo sistema jurídico como suficiente para o efeito; b) ou que tenha corrido o prazo, se pela lei
considerado convalescente. Se o testador revogou apenas a revogação de um testamento, ou de alguma disposição,
não se trata de convalescença, se o testamento volta a ser eficaz, cf. AUGUST SCHULTZ, Die Konvalescenz des
13GB., 27.)
Quanto às formas testamentárias, só se pode cogitar de convalescença que decorra de princípio superior ao que
regia o negócio jurídico. Por exemplo: eram nulos os testamentos que os testadores fizeram em região inundada,
por só figurarem nêles três testemunhas. Diante dos casos que foram muitos, pode o legislador estatuir,
excepcionalmente: “Os testamentos feitos durante a última inundação, na região tal, ainda que não tenham tido a
assinatura de cinco testemunhas, têm-se por válidos.
O legado, vale êsse (E’. RITCEN, BitrgerlichE3S Gesetzlntch, ¾543). Se é certo que se nao aplicam os §§ 145-
158 e 305-319, não se pode dizer o mesmo dos §§ 155 e 157 (E’. RITGEN, BiirgeYlich~BS Gesetzbtwh, V, 525).
Quanto à alínea 2.8, cumpre advertir-se que os ~§ 2.077 e 2.279 não são invocaveis com a extensão do § 2.268,
relativo ao testamento nuncupativo. Se, no contrato de herança, os cônjuges, que se instituiram reciprocamefite
herdeiros, dispuseram que, em caso de morte do sobrevivente, a sucessão se devolveria a terceiro, ou instituiram
legado executável em tal tempo, dá-se aplicação analógica do ~ 2.269 (cf. § 2.280).
Pode ser anulado, por pedido do disponente, o contrato de herança, se feito por êrro, ou rebns aio atantibus, ou
nos mais casos do §§ 2.078 e 2.079. Mas, para a anulação com fundamento no § 2.079, é preciso que o herdeiro
necessário exista na época em que se quer pedir anulação (§ 2.281, alínea l.~j. Se o disponenlte, após a morte do
outro contratante, quer anular disposição a favor de terceiro, deve declará-lo ao juízo de sucessão, que o
comunicará ao terceiro (§ 2.281, alínea 2.~). São causas invocáveis os defeitos de vontade, as mudanças de
circunstâncias e a violação das legítimas. O direito de anulação pelo testador é personalissimo. Exceto no caso do
§ 2.282, alinea 2.8 não pode ser exercido por intermédio de outrem, nem se transmite aos herdeiros. Após a morte
do testador, só as pessoas mencionadas no § 2.080 podem pedir anulação do contrato, com fundamento nos §§
2.078, 2.279 e 2.285 (F. RITGEN, Bitrg crU-cites Gesetzbu.ch, V, 529) . O credor do disponente não tem
qualquer direito de anulação (LUDWIG SCRTEFNER, Der Erbvertrag nach clern 5GB., 151, nota 12). ~
interessante notar-se. que, no caso de dolo, não é preciso que o outro figurante conhecesse ou devesse conhecer o
dolo do terceiro, para que se possa pedir a anulação (E. RITOEM, Búrqerliches Gesetzbuoh, V, 528) ;. o § 123,
alínea 2.8, não se aplica ao contrato de herança. O pedido de anulação não pode ser feito pelo representante do
dísponente. No caso de capacidade restrita, não precisa do consentimento do representante legal para o pedido. Se
o disponente é incapaz, o representante legal pode pedir a decretação da nulidade, com aprovação do juízo de
tutela. O pedido de anu-lação deve ser feito por ato judicial ou notarial (§ 2.282). Por parte do disponente, o prazo
para o pedido é de um ano. No caso de anulablidade por ameaças, começa a correr do momento em que cessa a
coação; nos outros casos, do dia em que se conheceu a causa de anulação. Aplicam-se por analogia as disposições
dos §§ 203 e 206, relativas à prescrição (§ 2.288, alíneas 1.~ e 2 ª No caso do § 2.282, alínea 2.8, se o
representante legal não pediu em tempo a invalidação, pode pedi-la, pessoalmente, o disponente, como se não
tivesse tido representante legal (alínea 8.~) - Trata-se de prazo preclusivo. Conta-se segundo os §§ 187, alínea lª e
188, alinea 2?. Se o dísponente apenas tem capacidade limitada e poderia anular sem representante legal, corre
contra êle o prazo. O § 2.283 somente éinvocável para a anulação pedida pelo disponeflte pelas outras partes, o
prazo preclusivo é o dos §§ 121 e 124; para as pessoas do § 2.080, o do § 2.082 (E. RITCEN, Búr.qerlichús
Gesetzbueh, V, 530) . Mas essas pessoas do § 2.080 não podem, com fundamento nos §§ 2.018 e 2.079, pedir a
anulação, se já extinto o prazo para o disponente (§ 2.285) : se ainda vigora, é outro prazo que lhes corre (Motive,
V, 325)
Só o disponente, pessoalmente, pode ratificar o contrato de herança anulável. No caso de capacidade restrita,
exclui-se a ratificação (§ 2.284) . O § 144 é aplicável (Protokolle, 1, 886) . Após a ratificação, é inatacável o
contrato de herança, mas a ratificação pode ser atacada. Quanto ao caso do § 2.275, alínea 2.8, a opinião é pela
irratificabilidade (LUDWIO SCHIFNER, Der Erbvertttig nach dem SOB., 156, contra I-IEINRICH WILKE,
Erbrecht, nota 2 ao § 2.275).
O contrato de herança não restringe ao dísponente o direito de dispor dos seus bens por ato jurídico entre vivos (§
2.286). Não era assim antes do Preussisclies Alígemeifles Landrecht, 1, 12, § 624, e do Código Civil saxônico. Os
§§ 2.287 e 2.288 prevêem casos de abuso do direito: no caso de doação lesiva do herdeiro contratual, pode êsse,
ao se lhe devolver a herança, exigir a restituição, segundo as regras jurídicas do enriquecimento injustificado,
ação que prescreve em três anos a partir da abertura da sucessão (§ 2.287). Se o disponente destruiu, desviou ou
prejudicou o objeto de legado convencional, impossibilitando a prestação, o objeto será substituído pelo seu valor
(§ 2.288, alínea 1?). Se o testador alienou ou gravou o objeto, com intenção de lesar, o herdeiro é obrigado a
buscar-lhe o objeto ou a desonerá-lo, aplicando-se, por analogia, o § 2.170, alínea 2.8, a tal obrigação. Se a
alienação ou gravação foi feita a título de doação, o beneficiado tem, se não pode obter a indenização pelo
herdeiro, o direito do § 2.287 contra o donatário (§ 2.288, alínea 2.~). fl preciso notar-se que o § 2.288 não é
simples regra jurídica de interpretação (F. RITGEN, Riirgerliches Gesetzbuck, 540). Após a morte do outro
figurante, pode, por testamento, em virtude do § 2.297, suscitar a resoIuç~o do contrato de herança. O contrato de
herança, bem como qualquer disposição contratual particular, pode ser atingido por outro contrato, em que
figurem as pessoas que concluíram aqueles. Mas isso nâo pode dar-se após a morte de uma delas. Tal contrato só
pessoalmente pode ser feito pelo que dispôs da sua sucessão. No caso de capacidade restrita, não precisa do
consentimento do representante legal. Se a outra parte se acha sob tutela, é de mister a homologação do tribunal.
Dá-se o mesmo se sob o pátrio poder, quer se trate de contrato passado entre cônjuges ou entre noivos (§ 2.290,
alíneas 1a.. 3ª) A forma é a do contrato de herança (§ 2.290, alínea 43).
a forma do contrato imposta à resoluçâo: por isso, se o contrato de herança se fêz em contrato de casamento,
então basta a forma dêsse. O contrato de herança feito entre cônjuges pode ser desfeito por testamento conjuntivo
dêles, aplicáveis, por analogia, as disposições do § 2.290, alínea 3•a (§ 2.292). No § 2.298, o Código Civil
conferiu ao disponente a faculdade de resolução do contrato de herança, se se reservou tal direito na convenção (§
2.298>. Pergunta-se se não se choca tal dispositivo com o caráter obrigatório do contrato de herança, mas há, aí,
evidentemente, o influxo do testamento. Não se trata de condição o resolutiva, aliás admissível. N~o precisa
figurar no contrato, pode ser em suplementar. Não se confunde com a reserva de dispor diferentemente, em
declarações posteriores. Também é possível resolver-se a disposição contratual nos casos em que o beneficiado
perderia a reserva, se é herdeiro com direito a ela, ou se o fosse (§ 2.294, cf. §§ 2.383-2.385)
A doutrina adverte: é preciso que a causa seja posterior ao contrato de herança; se anterior, não cabe a distinção
de ter sido, ou não, conhecida do disponente (F. RTTGEN, Rurgertiches Gesetzbuoh, V, 548; LUDwIG
SCHIFFNELI, Der Erbvertrag nack dem BGR., 178). Se era desconhecida, pode ser usada a ação de anulação
fundada nos §§ 2.281 e 2.078, alínea 2•a Se a disposição correspondia à obrigação contraída, perante o
disponente, pelo beneficiado, de prestações periódicas, ou de sustento daquele, pode ser resolvida se, antes da
morte do disponente, fôr anulada a obrigação (§ 2.295). A resolução só se exerce pessoalmente; para ela, o que
tem capacidade restrita não precisa do consentimento do representante legal: opera-se por declaração ao outro
figurante e faz-se judicial ou notarial-mente (§ 2.296). Pode fazer-se por testamento, aplicáveis, no caso do §
2.294, as regras jurídicas do § 2.386, alíneas 2ª~4ªa. (§ 2.297). Mas, revogado o testamento, revive o contrato de
herança. Se, no mesmo contrato, disposições contratuais forem concluídas pelos dois figurantes, a invalidade de
uma tem como consequência a ineficácia de todo e contrato (§ 2.298, alínea lª) Trata-se de regra jurídica de
interpretação: presume-se, legalmente, a dependência e correspectividade das disposições. Não se confundam
invalidades como advento de condiçôes, têrmos, repúdios, morte do beneficiado (LUDwIG SÇHIFFNn, Der
Erbvertrag naoh dem RGR., 188). Também não aplica ao que é disposição unilateral, se bem que o § 2.298 fale
em “ineficácia de todo o contrato”. Se, em contrato da alínea lª do § 2.298, se reservou a resolução, feita para um,
tem o efeito de destruir todo o contrato, O direito de resolução extingue-se com a morte do outro contraente. Mas
o sobrevivente, se renuncia ao benefício, pode resolver, por testamento, a sua disposição (§ 2.298, alinea 2.~)•
Cada contratante pode, no contrato de herança, dispor tudo que poderia em testamento. Será como se um
testamento fôra. Pode desfazer as disposições, em contrário do que acontece quanto às disposições contratuais. Se
por outro contrato, ou pelo uso do direito de resolução, se tira eficácia a contrato de herança, a disposição perde-a
no que não se tenha de admitir que outra era a vontade do disponente (§ 2.299). Os §§ 2.259-2,263 e 2.278
aplicam-se à abertura do contrato de herança, mas as regras jurídicas do § 2.273, partes 23 e , só no caso de
depósito (§ 2.800)
4.CONTRATO DEE HERANÇA NO DIREITO suíço. O Contrato de herança só se faz na forma do testamento
público (Código Civil suíço, art. 512, alínea 1?): aos figurantes declaram a vontade, simultâneamente, ao oficial
público; assinam o ato perante êle, na presença de duas testemunhas (alínea 2.~). A teoria de GUSTAV
ARTMANN não prevaleceu; mas, se bem que não se trate de negócio duplo (Doppelgesúhdft), de um lado é
regido pelas regras jurídicas sôbre contratos (Código Suíço das Obrigações de 1911, art. 1 s.), e de outro, pelas
das disposições de última vontade: negócio jurídico bilateral para o tempo da morte (A. ESCHER, Das Erbrecht,
Kommentar, III, ‘72 s.). A simultaneidade, de que se fala na alínea 2•a do art. 512, não significa que tenham os
figurantes de dizer ao mesmo tempo, mas imediatamente um ao outro (A. ESCHELI, III, 101), talvez por simples
declaração de aceitar (cf. Código Civil suíço, art. 500), como nos atos entre vivos (P. TUoR, Kommentar, III, 848)
. Para o caso de língua estrangeira, procede-se como nos testamentos públicos. O Código Civil não trata do
depósito do contrato de herança: a doutrina decide que, feito em dois exemplares, pode ficar com os figurantes;
salvo se a legislação cantonal exige que se deposite (E TUOR, Kommentar, III, 850) . t necessário haver a
maioridade (Código Civil suíço, art. 468) do disponente: 20 anos (arts. 14 e 15), e ser o figurante capaz de
discernímento (art. 16). Excluem-se da capacidade de contrato sucessório, como disponente, e.g., e louco e
oébrio. Se sob tutela, A. ESCRER (Das Erbrecht, gominentar, III, 26) não admite representação, por se tratar de
assunto sucessório (EUGEN HUEER, System und Gesehichte des Sehw eizerischen Privatreehts, II, 322).
Também nesse sentido, P.TuoR (Koinmentar, III, 101) Aliás, parece-nos frágil a opinião contrária de EUGÊNE
CURTI-FORRER (Comnwfltaive, 369), que vê nas marginais dos arts. 498 e 512 distinção explícita entre os
testamentos e os contratos de herança. Os figurantes, por convição escrita (diferença notável em relação ao
direito alemão, § 2.290, e achamos pouco coerente), podem, se querem, resili-lo (art. 513, alínea 1•~)• Em todo o
caso, a convenção escrita deve ser assinada, ainda que a lei não o diga (1’. TUOR, Kommentar, 512) . Se, após a
conclusão do contrato de herança, o herdeiro, ou o legatário, se torna culpado de ato que importaria deserdação, o
disponente pode anular (antilar, anfechten) a instituição ou legado (art. 513, alínea 2Y).
Essa “anulação” (o texto alemão disse “einseitige Aufhebung”, revogaçao unilateral que é melhor expressão) faz-
se numa das formas prescritas para os testamentos (art. 513, alínea 33)
Se o motivo fôr anterior, há a ação de anulação por êrro (artigo 469), como por violência, ou dolo (E. TUOR,
Kommentar, .351) . A ignorância do motivo anterior não autoriza a ação do art. 513, alínea 33. Aqueles, a quem o
contrato de herança confere a faculdade de reclamar prestações entre vivos, pode resili-lo, de acôrdo com o
direito das obrigações, se não foram executadas ou garantidas, como se convencionou, as prestações <art. 514) . A
lei não disse a forma. Se o herdeiro ou legatário não sobrevive ao disponente, caduca o contrato de herança
(artigo 515: “est resilié”, expressão imprópria; no texto alemão está: “so fãllt der Vertrag dahin”). Todavia, salvo
cláusula em contrário, os herdeiros do premorto podem reclamar a repetição do enriquecimento ao tempo da
morte (art. 515, alínea 23). A alínea 13 é de natureza dispositiva (E. TUOR, Kommentar, V, 358) . (O art. 516 está
fora do lugar, no Código Civil suíço: nada tem com a forma dos atos para a morte; édireito sôbre conteúdo: “As
liberalidades por testamento ou contrato de herança não se rompem (“so wird nicht aufgehoben”, “ne sont point
annullées”), se, depois, diminui a faculdade de dispor do seu autor: mas cabe a redução”.)
3.GOVERNOS “DE FACTO” E TESTAMENTOS. Às vêzes, os governos são, para uns, de facto, e para outros,
de iure. Êste énão só o que devia estar no poder e não está (MOUNTAGTJE BERNARD, Nc7etrality of &reat
fintam during Ameriean civil War, 108), como também o que está no poder e, embora em situação discutida,
devia estar. Surge, então, a questão jurídica sôbre o direito ao cargo. A própria subida pode não ser normal:
ogovêrno de facto pode ascender normalmente na aparência, por maquinações; e o de direito ter precisado de
insurreições ou revoltas. A solução que temos de esperar é matéria puramente de direito constitucional: é, ou não,
de qua-estio ius. Respondido isso, parte-se a questão: ato testamentário praticado perante oficial, nomeado pelo
govêrno estadual de facto, e cabendo a apreciação ao juiz brasileiro, do mesmo Estado-membro, ou de outro
(direito civil e interestadual) ; ato testamentário, praticado perante o juiz ou oficia] de outra nação, nomeado pelo
govêrno de facto (geral ou local), cabendo a apreciação ao juiz brasileiro (direito internacional privado)
Aqui só nos interessa a primeira parte. Da outra, adiante se há de tratar. A validade ou udo-validade do ato de
nomeação é preliminar, mas preliminar que pode associar-se a outras. Primeira distinção: governos gerais e
locais. Se a autoridade do govêrno é geral, se estende por todo país, deu-se substituycão completa do poder, é
para o juiz interno como para govêrno de iure. Assim, revolução unitanista, ou federalista, com a uniformização
das leis de jurisdição, de ofícios públicos, e respectivas nomeações, que se alastrasse e dominasse o país,
nomeando tabeliães, escrivães, juizes, criaria a figura do govêrno de facto generalizado e os atos teriam de ser e
deveriam ser respeitados. Os testamentos feitos perante tais oficiais valeriam, sem discussão, e o juiz deve reputá-
los válidos, ainda quando nova revolução reimpusesse o govêrno estável anterior, o chamado govêrno de jure.
Não coexistiriam. Existiriam, um após outro. A decisão do nôvo govêrno restaurado que considerar sem efeito as
nomeações não pode ter a consequência de invalidar os testamentos das pessoas que falecerem antes de vigorar
tal solução nova. A regra é que os governos de jure sejam intolerantes com os de facto: tudo que antes se fêz é
ilegal. Há, pois, limite, algo como constituição superposta aos governos nascidos ou não das Constituições, que
autorizam os juizes a velar pelo interêsse público, estabelecendo justo critério nas apreciações concretas. Trata-se
de análise de relações, de princípios superiores, de induções, que também se permitem nas questões de direito
intertemporal constitucional.
Se a questão da validade dos testamentos feitos perante oficial nomeado pelo govêrno de facto tivesse de resolver-
se pelos decretos reconhecedores, ou não, dos atos do govêrno anterior, tôdas as nomeações seriam nulas; todos
os testamentos, nenhuns. É preciso considerar o quantum despótico da Política (= ‘7), e reduzi-lo ao do Direito
(xx 4).
Seria mais do que injusto: seria aceitar a suspensão da vida de um povo, a não-testabilidade por ato público. Há
limitações que nascem das relações para com outros países e dos cidadãos com a ordem social (govêrno de facto,
ou não) . Valem as dividas contraídas, quiçá os tratados, as escrituras entre particulares e os testamentos. Ou o
nôvo govêrno diz que valem, e então tollitur quaestio. Ou nada estabelece, e devem entender-se válidas, por
presunção, as nomeações. Ou diz que não valem. Aqui, o juiz pode obrigar os próprios governos de facto ao
reconhecimento, os dirigentes a que observem as leis. Tal o procedimento americano, após a guerra de Secessão.
A justiça paira; as revoluções e governos de facto são fenômenos pauticos. A Constituição das Repúblicas do
Salvador, art. 69, de Honduras, art. 99, da Venezuela, art. 104, e do Peru, art. 10, declararam nulos os atos dos
governos de facto. Mas revolução geral de ordinário revoga a Constituição, o que dá no mesmo:
há Constituição de facto. Em todo o caso, restaurada a ordem constitucional, vêm os decretos, e os juizes dêsses
países costumam só considerar válidos os atos que os decretos permitem Essa não é e não pode ser a solução
brasileira. ~ Se o govêrno de facto fôr local? Para o caso dos testamentos e no sistema federativo do Brasil, o
govêrno de todo um Estado-membro, o govêrno que está, de facto, no Poder, sem coexistir, de facto com outro, é
govêrno geral. Valem, portanto, as soluções que demos aos casos ocorridos sob govêrno geral. Aos governos
locais é inabluível a coexistência. Tais os das guerras civis. Há atos de um e atos de outro, atos do vencido e atos
do vencedor. que pode ser o de facto como o de’ iure. Aliás, o vencedor, com o critério político, considera-se, a si
mesmo, de iure. Se o vencedor discrimina os atos seus que valem e es que não valem, praticados durante a guerra,
cria problemas graves. O govêrno de iure não poderia ter tal procedimento, O que disputava o poder legal,
durante a luta, reconheceu a soberania de facto coexistente (não é a mesma coisa que lhe reconhecer a
beligerância, que só tem efeitos quanto ao direito penal) : o juiz interno também deve dar aos atos o valor
jurídico e as consequências, que lhes caberiam, e.g., leis novas de organização judiciária, nomeações de oficiais
públicos. A regra jurídica tem de ser a seguinte: se o vencedor é o de iure, devem-se considerar válidos todos os
atos de conformidade com a lei e pendente a disputa do podei; se o vencedor é o de facto, desde o dia em que
começou a existir, a co-existir (ex hypothesis). Restam os atos do govêrno de facto vencido e os do govêrno de
inre que foi inteiramente destruido e para sempre:
a)Atos do govêrno de facto vencido: se o govêrno de iure lhe reconhece os atos, corta-se a questão; se o govêrno
dá regras jurídicas a respeito, cabe ao direito intertemporal. No Brasil, a questão do govêrno de facto local,
coexistente, com duração e estabilidade, pode provocar a intervenção federal: o ato explícito do govêrno de iure
vencedor, considerando nulos os atos jurídicos perante oficias nomeados pelo govêrno de facto, duradouro, e os
do próprio executivo federal ou do legislativo, não escapam à apreciação do juiz. Se houve passagem do cartório
ao nôvo oficial, exercício ‘efetivo, prática de atos de fé pública, é preciso afirmar-se a validade dos atos
testamentaros perante êle praticados. Se o govêrno legal não reconheceu, de modo nenhum, a coexistência de
facto, ainda que, efetivamente. algumas cidades ou zonas estivessem sob o poder passageiro dos revolucionários,
o juiz deve em princípio aplicar as leis como se só um govêrno existisse, para evitar a imprudência de dar ao
Direito a mobilidade da Política. Mas: a) Se o govêrno regional de facto permaneceu, com estabilidade (caso dos
Estados do Sul, na guerra civil americana), cabe a lição do juiz FIELD, no caso Horn versus Lockhart (1873), que
argumentava, decisivamente: “A existência de estado de insurreição não desatou os laços de sociedade, nem
suprimiu a administração civil e a aplicação regular das leis. Era preciso manter a ordem, aplicar os regulamentos
de polícia, fazer respeitar os contratos, celebrar os casamentos, regular as sucessões e a transferência dos bens,
como em tempo de paz”. b) Se o govêrno vencedor afirma a ilegalidade de todos os atos do govêrno de facto, sem
os distinguir, ainda assim o juiz deve entrar na apreciação, reduzindo às necessidades jurídicas o critério político:
as circunstâncias ordinárias da vida e é o caso dos casamentos e dos atos testamentários não devem sofrer com
as mobilidades do processo político de adaptação social, nem o govêrno salvo caso de diferença radical que diga
com a ordem pública pode querer o prejuízo dos particulares. Ainda em se tratando de formas testamentárias
novas (isso, no Brasil, não caberia, porque a legislação é federal), cumpriria atender ou poder alegar que houve
atos cuja responsabilidade não assume. Mas o juiz examina as circunstâncias para verificar se a não-validade é
admissível. Após a guerra da Independência, os tribunais americanos reconheceram o poder legislador dos
Estados-membros a partir de 4 de julho de 1776, e não do Tratado de 1783.
b)Atos do govêrno de iure vencido. O vencedor, govêrno de facto, vai considerar-se de iure. Mas as considerações
de que os habitantes contavam com a vitória da situação jurídica contra a situação de facto (ainda que,
politicamente, partidários da revolução) e de que o govêrno federal interviria pela restauração (o que se supõe,
pela Constituição da República) bastariam para afastar a possível invalidação: seria querer-se que o fenômeno
político negasse o próprio juiz apreciador do caso, negasse o Direito, fôsse, no passado, desfazer o que
juridicamente se estabeleceu: o sinal de Política é (para o futuro) e não ~ (para o passado) ; por isso mesmo, as
leis não retroagem, e o que está feito fica (Política é 2; Direito, 1), e só muda para os casos futuros (PONTES
DE MIRANDA, Introdução à Sociologia Geral, 235 s.).
As Constituições estaduais fixam o poder legislativo dos Municípios. O que êles podem fazer tem as sós
consequências que teria, se feito pelo Estado-membro. De modo que as questões são as mesmas.
1.TESTAMENTOS E CRIMES. Atos particulares, documentos privados, ou não, os testamentos, devido à sua
significação e importância, são pelas leis penais considerados, indistintamente, atos públicos. Ficção legal, que o
caráter do ato justifica. Talvez seja resquício da função legislativa que se exercla’nos próprios testamentos não
públicos. Se bem que hológrafo, o testamento particular é como a instituição de patrimônio; mas, hoje, o
fundamento está no fato de ser difícil verificar-se a fraude caligráfica (AMnancIo NEGRI, em P. CoCLroLO,
Completo TraLtato di Diritto Pende, J~, 1.~ parte, a, 521).
1.FUNÇÃO JURÍDICA DAS FORMAS TESTAMENTÁRIAS. A forma é processo técnico. Nos nossos dias,
não pode ter caráter ritual, mas sim próprio à estabilidade específica. Seria inconsequência (nos tempos de hoje,
em que a inteligência tem finura bastante para reconhecer e discernir os fatos do direito, e para discriminar
relações em sua realidade imaterial) alimentar a superstição dos formalismos obsoletos, que prejudicaram, em vez
de servir à vida. Ora, o Direito, processo social de adaptação, não tem outro fim que o de servir à existência
coletiva e individual. Forma contrária a êsse fim, é forma contrária ao Direito. Quando a lei escrita, ou a praxe
doutrinária ou judicial, que também são fontes de formas, estabelece, para determinados atos jurídicos síricto
sensu e negócios jurídicos (citação, interpelação, casamento, adoção, testamento, hipotecas) determinadas
exigências formais, não tem outro fito senão o de pressupor cautelas, envoltórios, dentro dos quais, conveniente-
mente resguardadas as vontades, se lhes garanta e precise a eficácia. Raro, somente para precisá-la ou restringi-la:
quase sempre, para assegurar-lhe o resultado jurídico que especifica-mente foi querido.
2.EVOLUÇÃO DAS FORMAS JURÍDICAS. Se examinamos a evolução que se operou do formalismo romano
à mentalidade hodierna, vemos que se procedeu a verdadeira crítica das funções das formas, sem qualquer
preconcebida antipatia (pois que a vida moderna criou formas novas), porém no sentido de apreciar a utilidade
social e individual do seu emprêgo. Dai o movimento de diminuição de exigências que apenas atende uma. das
leis evolutivas do Direito. Por isso, no apreciar as formas como processos técnicos, meios, para fins de segurança
jurídica (se garantem, segurança para os que desejam eficácia aos seus atos de vontade; se restringem, segurança
para os outros)~ o direito contemporâneo, como o dos séculos passados, ora atenua o rigorismo da forma como
elemento, exterior e sensível, necessário ao ato jurídico, ora reconhece a legitimidade de novos quadros formais
em ~ue se verta e se modele o querer dos homens. De tudo isso havemos de tirar que o invólucro não deve
sacrificar os atos que deve revestir. Se é certo que às vêzes o requisito formal tem por fim delimitar, dificilmente
se poderiam, ainda em tais casos, intrometer considerações de sacrifício do fundo, do ato, de mal compreendida
sujeição à forma solene, seja probatória, seja acauteladora ou normativa (de habilitação, e de processo, de
fiscalização) . Também se tira, não só que as regras jurídicas sôbre forma são suscetíveis de interpretação, com
tôdas as possibilidades dos modernos critérios de apreciação científica da lei, como, por igual, que ela não deve ir
além do fundamento ou do critério inspirador do processo técnico, que é a forma. Processo técnico não é fim, é
meio.
Por outro lado, não se veda ao direito não-escrito estabelecer cautelas, exigir formas a determinados atos, às
habilitações, aos propósitos de publicidade e, se a necessidade o inspira àprova de fatos. Não é a lei escrita a fonte
única do direito, nem se abre ao princípio da multiplicidade das fontes essa exceção relativa às regras jurídicas de
exigências formais. Tão-pouco ficam imunes os textos escritos às apreciações com que a ciência e a prática
procedem a sua adequação aos fatos da vida.
2.FORMA E “LEX LOCI”. Quanto à forma, há o princípio geral da lex boi. Ao locus regit actum há exceções,
que têm de ser apontadas. Uma delas é concernente ao testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco, ou
correspectivo (Código Civil, art. 1.630). Outra, a dos testamentos militares e marítimos.
O testamento conjuntivo, a despeito de o art. 1.630 do Código Civil se achar entre as regras jurídicas sôbre formas
testamentárias, há de obedecer à lei pessoal do decujo, porque seria absurdo que, proIbindo o Estado do estatuto
pessoal, o testamento conjuntivo, seja simultâneo, seja recíproco, ou seja correspectivo, pudessem duas pessoas
que estão subordinadas a êsse estatuto, ou uma das quais está, testar conjuntivamente. Iria Brasileiro ou iriam
Brasileiros para algum Estado onde se não proIbisse a fim de fazer o testamento que a lei brasileira veda. Não se
pode negar o elemento típico, contenutistico, da regra jurídica que repele o testamento conjuntivo, qualquer que
seja a espécie.
Quanto aos testamentos públicos, é indiscutível que não se pode exigir que os oficiais públicos de Estados
estrangeiros se submetam a lei brasileira, ou que os oficiais públicos do Brasil se submetam a lei estrangeira, no
tocante à forma. Dá-se o mesmo se o testamento é cerrado, e é levado ao oficial público para a formalidade que
se exige.
Há dois problemas: a) o que é que se entende por forma, que a lei do lugar tem de reger; b) se é possível preferir-
se outra lei, isto é, se a lex boci tem necessàriamente de reger, ou se há de reger a lei do lugar se outra (a lei do
estatuto pessoal) não se observou. Ali, haveria necessariedade da lez boi. Aqui, apenas suficiência.
Antes de enfrentarmos as questões, recorramos à história do direito internacional privado quanto à forma.
Desde a Idade Média se admite que o princípio de que a forma do negócio jurídico se há de considerar válida se
obedeceu à lei do lugar. Poucos eram os juristas e aplicadores de leis que faziam restrições ao bens regit actum;
por exemplo, se os negócios jurídicos eram concluídos com a cooperação de oficiais públicos, ou com a
autoridade do Estado, ou dependentes de fonte oficial (H. THÓL, E’inleitung in das deutsehe Privatrecht, § 83).
Alguns eram ainda menos exigentes, como HAUSS (Du Droit privé qui regit les étrangcrs en Belgique, 45 s.).
Havia controvérsias a propósito da abrangência ser de tódas as formas ou só de algumas, bem como sôbre a
obrigatoriedade ou a facultatividade da lez boci actus.
Surgiam divergências no tocante aos próprios fundamentos.
Alguns, como A. VíNNíus, G. PHTLLIPS (Grundsãtze des gemeinen Dcutschen Privatrechís, 1, 192) e 1<. L. W.
VON GROLMAN (tYber obographische und mystische Testamente, 14), perseveraram na teoria dos estatutos,
para que se evitasse a aplicação da lei da pessoa.
4.TESTAMENTO E “LEX LOCI”. Se o testador, de passagem por outro Estado, testou hologràficamente,
como lhe permite a lei pessoal (e.g., se domicílio no Brasil, cujo sistema jurídico regula o testamento hológrafo),
tem-se de entender que é válido o testamento. O princípio lex boci regit actum não é absoluto, razão por que os
figurantes de contrato podem escolher a lex contractus (cf. ERNST ZITELMANN, Intc&rnationale Privatrecht,
II, 153). Também vale o testamento hológrafo, permitido pela lei pessoal, se, feito em Estado que o admite, na
feitura se se observaram exigências extrínsecas da lei local, que a lei pessoal não conhece.
A aplicação da lei pessoal às formas testamentárias não é de grande extensão. Se o ato testamentário é testamento
público, é claro que os oficiais públicos do Estado da lex boci têm de obedecer às regras jurídicas locais sôbre tal
espécie de forma de testamento. Se o testamento é testamento cerrado, a aprovação ou ato semelhante somente
pode ser com observância da lei do lugar em que exerce a função a autoridade aprovante ou conferente.
Se o testamento é hológrafo, a lei pessoal, que o permite, de ordinário não o vede fora do Estado, porque seria
repelir o princípio lez loci regit actum, o que se chocaria com a prática legislativa hodierna. Se a lez loci o veda,
tem-se de coíisiderar que em primeira plana está a lei pessoal. Dai têrmos escrito no Tratado dos Testamentos (1,
373 s.) : “Em se tratando de testamento hológrafo... se a lei pessoal não no veda fora do país e se a leoê frei o
permite ainda quanto às formas da lei do estrangeiro, está visto que valerá na pátria, no país em que foi feito e nos
terceiros. Se a lei do lugar não a permitir, ou, permitindo-a, vedar o uso da forma estrangeira em seu território,
trava-se o conflito de leis. No estado atual do Direito internacional privado, só se há de resolver pela validade no
Estado da lei pessoal do testador e nos terceiros Estados que reconheçam a facultatividade da lez loci.
Se o testamento é conjuntivo e a lei local o permite, podem fazê-los aqueles cuja lei pessoal o admite, ou cujas
leis pessoais o admitem. Se a lei local o proibe, o único meio é o de fazê-lo em consulado, ou perante agente
diplomático com tal competência.
Tem-se de atender a que a regra jurídica locus regit actum é cogente para os atos jurídicos em instrumento público
e facultativa para os fatos jurídicos particulares. Para a obrigatoriedade, de que se falou, é preciso que a lei do
lugar haja estabelecido os pressupostos essenciais de forma. Ficam fora os atos jurídicos que possam ser (ou
tenham de ser) concluídos em consulados ou agências diplomáticas.
A distinção entre formas que o sistema jurídico considera forma (dita “forma extrínseca”) e formas que o sistema
jurídico liga ao direito material.
Se os atos jurídicos em instrumento particular são para efeitos em Estado estrangeiro, tem-se de indagar qual a
atitude do direito estrangeiro, em regra jurídica de direito internacional privado. A lei brasileira não pode reputar
suficiente o que ela exigiu se o Estado estrangeiro, de que depende a eficácia, não se satisfaz com isso. O direito
brasileiro não pode exigir a forma que êle reputa necessária para o testamento feito no Brasil se a lei estrangeira, a
que se há de subordinar o domiciliado no estrangeiro, é menos exigente; ou vice-versa.
O direito estrangeiro, se é o da lei pessoal do decujo, pode retirar o princípio lex boi regit actum.
5. FORMA ESSENCIAL. A lei que reja a sucessão testamentária é que pode dizer qual a forma essencial ou
quais as formas essenciais do testamento. Pode ocorrer que de modo nenhum se considere essencial a única forma
da lei sucessoral, ou se considerem essenciais as formas da lei sucessoral. A essencialidade da forma exigida não
afasta, em princípio, a incidência da loa, boci no tocante aos testamentos fora do Estado da lei pessoal.
6. FORMA EXTRÍNSECA OU REQUISITO EXTRÍNSECO. Os requisitos extrínsecos do ato, a que alude o art.
9•o, § 1.0, da Lei de Introdução do Código Civil, são as “formas extrínsecas”. O que se tem por fito com a
referência à natureza extrínseca da forma foi ressalvar-se, na invocação da bex loci, o que se há de apegar à lei
pessoal.
Assim, o mudo, no direito alemão, fora da Alemanha, pode testar por sinais, se a lei local o permite (HEINRICE
DERNBrntG, Das biirgerliche Reelzt, V, 65, nota 11), conforme resultou do Einfiihrungsgesetz, art. 11, alínea 1•a,
2~a parte. No tocante a testamentos de mudo, o direito brasileiro só o permitiria cerrado, escrito pelo mudo e por
êle assinado, observado o artigo 1.642 do Código Civil.
‘7. ESPÉCIES DE TESTAMENTO: A) TESTAMENTO PÚBLICO. São inconfundíveis, para a observância do
princípio da loa, loci regit actum, as espécies de testamento e os meios exteriores pelos quais elas se compõem. A
lei brasileira exige, quanto aos testamentos públicos, que os lavrem oficiais públicos, e não simples escreventes
juramentados; mas, aí, não é da espécie que se cogita, de modo que o domiciliado no Brasil pode testar por
testamento público perante a autoridade ou pessoa que para isso tenha competência segundo a lei local. Não é de
afastar-se o caso de algum Estado permitir o testamento público sem ser ditado (e.g., somente copiado de minuta)
e apenas lido por outrem, na presença das testemunhas (cf. JOSÉ DIAS FERREIRA, Código Civil português
anotado, IV, 340).
Otestador, nos Estados que têm as duas formas públicas, a judicial e a notarial, pode escolher qualquer delas.
Pràticamente, para se saber se, em direito internacional privado, há divergência entre o direito testamentário de
dois Estados, o que mais põe em relêvo a distinção entre a parte intrínseca e a parte extrínseca é questão de
existência: a) ~ Existe, na lei pessoal, o testamento público? Se não existe, ainda pode surgir a questão de ser de
ordem pública a proibição ou a omissão; mas, mesmo se há vedação, é de indagar-se se é de ordem pública, de
jeito que acompanhe o testador nos Estados estrangeiros. b) Se existe, rege a forma a leis lo ci.
No direito inglês, não há o testamento público recebido ou recebido e aprovado o testamento público. O
testamento. inglês é testamento privado, feito perante duas testemunhas. No Código Civil francês, o art. 999 fala
de poder o Francês testar no estrangeiro pela forma autêntica estrangeira ou pela forma hológrafa francesa: “Un
Français qui se trouvera en pays étranger, pourra faire ses dispositions testamentaires par acte, sons signature
privée, ainsi qu’il est prescrit en l’article 970, ou par acte authentique, avec les formes usitées dans le lieu oú cet
acto sera passé”. Tem-se de admitir que se considere solene o testamento privado inglês, que é o único (HANS
LEWALD, Questions de Droit international des Succes~ions, Reeveil des Cours de l’Académie de Droit
International, IX, 96). No propósito de facilitar a testamentifação dos Franceses, no estrangeiro, a jurisprudência
francesa tem por válido
o testamento do Francês na forma inglêsa (Tribunal do Sena, 11 de março e 6 de dezembro de 1899). Na verdade,
há estado de necessidade, e não atribuição de ser solene.
8. ESPÉCIES DE TESTAMENTO E TESTAMENTO CERRADO.
O que se passa com o testamento cerrado é semelhante ao que se passa com o testamento público. Pode variar de
Estado a Estado o ato de aprovação ou de certo requisito. Ser o direito de um mais rigoroso ou menos rigoroso do
que o de outro. Na feitura, o testamento segue se de mão própria, ou da mão alheia a leis loci.
A lei brasileira não o permite ao cego (Código Civil, artigo 1.637), de modo que os domiciliados no Brasil, que sa
acham no estrangeiro, não podem fazer testamento cerrado. Dá-se o mesmo com quem não sabe ou não pode ler
(art. 1.641). O surdo-mudo tem de escrevê-lo todo e assiná-lo (art. 1.642)
Mais: tem de escrever que aqueles é o seu testamento. São os requisitos intrínsecos.
10. TESTAMENTO NUNCUPATIVO. O Código Civil brasileiro, art. 1.629, reconhece três espécies de
testamentos ordinarios; e depois aponta as formas instrumentais de cada uma. Pergunta-se: ~vale o testamento
oral (não público), feito, pela pessoa cuja lei pessoal é a brasileira, em Estado que o admita? Afirmativamente, A.
WEIss (Traité théorí que et pratique de Droit international privé, IV, 633) e BUZZATI (L’Autorità deile Leggi
straniere relative allo forme degli atti civili, 400 s). Negativamente, P. FioRE (Diritto internazionale pnvato, IV.
205) : a questão envolve a da existência, ou não, de um testamento; se existe, há sucessão testamentâria~ se não
existe, são chamados os herdeiros legítimos (ou os de outro testamento, digamos). O problema toca à substância
do ato jurídico. A capacidade é o principal requisito da existência e eficácia legal da vontade declarada, porém
não é o único. Assim como é pressuposto intrínseco, para o cego, determinada forma,
também a lei pessoal impõe às pessoas as espécies de testamento que ela reconhece. Tal o pensamento de P.
FIORE (IV, 207).
O argumento a respeito da herança legítima é fraco. No tocante ao outro testamento (o que acrescentamos), é
forte. Mas o problema muda de figura, porque se trata de revogação. Pôsto de parte o problema da revogação por
testamento nuncupativo em Estado que o admita, ao contrário do que se passa no Brasil, cogitemos do testamento
nuncupativo feito no estrangeiro.
Se ambas as leis, a pessoal e a local, não têm o testamento nuncupativo, parte da questão está eliminada. O
testamento não vaie. Resta a espécie do testamento nuncupativo feito em Estado que o admite contra a lei pessoal
do testador.
Depois de condená-lo, a Itália deu validade ao testamento oral do Italiano feito no estrangeiro (P. Frrozzí,
Successione, Digesto italiano, 22, 825 s.). No mesmo sentido, a Alemanha (E’ntsck., VIII, 222). No direito
internacional privado dos dois Estados europeus, o nacional pode testar no estrangeiro, nuncupativamente,
conforme a leis loci.
No direito internacional privado brasileiro, o domiciliado no Brasil não pode testar, nuncupativamente, no
estrangeiro. Tal foi a solução de CLóvís BEVILÁQUA (Código Çivil comentado, 1, 128), porém com fundamento
na incapacidade, questão vencida (FRANZ KAHN, Gesetzeskollisionen, Jherings Jahrbiicher, 30, 48; D.
ANZILoTTI, Studi Critici, 253 s.). Só seria regra jurídica de capacidade se a lei dissesse, por exemplo, que “não
pode fazer testamento nuncupativo o maior de dezoito anos e menor de vinte e um anos
11. “TESTAMENTUM TEMPORE PESTIS CONDITUM”. Entre algumas legislações existe o conflito. No
Código Civil suíço, art. 506, admite-se a espécie nuncupativa, o Nottestament, se há circunstâncias
extraordinárias, que impeçam o decujo de testar de outro modo. Trata-se de forma privilegiada, em oposição às
formas ordinárias do direito suíço (testamento público e testamento hológraf o). O testador declara as suas últimas
vontades a duas testemunhas, a que encarrega de escrever ou de fazer escrever o que ditou. No primeiro caso,
uma delas data o escrito, indicando o lugar, o ano, o mês e o dia, assina-o, e dando-o à outra, para que o assine.
Sem tardança, remete o escrito à autoridade judiciária, afirmando que o testador lhes fêz as declarações,
parecendo-lhes capaz de dispor e mencionando as circunstâncias em que as receberam. No segundo caso, prestam
tais declarações à autoridade judiciária (artigo 507). O testamento oral caduca quatorze dias depois de haver o
testador recobrado a liberdade de empregar as formas ordinárias.
No Código Civil alemão, § 2.252, o prazo é de três meses, se ainda vivo o testador, contados da feitura.
Surgem duas questões principais de direito internacional privado. A primeira, concernente ao prazo, e possível
entre todos os Estados que admitem o testamento nuncupativo, mas discrepam quanto ao prazo. THFODoR
NIEMEYER (Das internationale Prívatrecht des BGB., 115 s.) considerou aplicável a lex loci: tais prazos, sejam
suspensivos, sejam resolutivos, são imanentes à forma. Diríamos, para melhor se caracterizar a questão e limpar
de dúvidas a resposta: suspensivos ou resolu-tivos êsses prazos, concernem à espécie de testamento e, admitida
que seja, a discordância é apenas relativa às formas da espécie. O prazo é o daquela forma por que se optou. Na
dúvida, há o princípio do folvor testamenti.
Restaria o caso, pouco provável, de uma das legislações permissivas considerar requisito intrínseco, e não
extrínseco, o prazo que estatuiu. Dar-se-ia conflito de qualificação, que só se poderia resolver pela lez fori, se
interessada está na qualificação, ou pela qualificação que corresponda à sua solução, se a do Estado do juiz não
fôr interessada.
A segunda questão é a que toca aos Estados que expressamente não admitem qualquer espécie de testamento tem
pore pestis conditum. Se a lei de tal Estado é interessada, trata-se de admissão ou de não-admissão da espécie
testamentária Se a lei de tal Estado não é interessada e os dois ou mais Estados em conflito discrepam quanto à
êsse ponto, a lex fori, pessoal ou não, tem de resolver conforme a lei que coincida com a sua. No caso especial do
Brasil, não se poderia dar ganho de causa a Estado que admita o testamento nuncupativo contra outro que tenha,
no conflito de qualificação, como violadora do requisito intrínseco, ou como contrária à ordem pública, tal
espécie testamentária. Não a proibimos fora, porém não temos.
Se a lei pessoal não tem o testamento em estado de necessidade, porém não o reputa assunto de lei exterritorial, o
Estado terceiro resolve pela las, loci, pois não houve conflito. Se
O Estado em que se fêz o testamento reconhece que o assunto escapa à lex loci, o Estado terceiro resolve pela lei
pessoal.
No caso de testamento extraordinário, o Estado terceiro deve preferir a solução da lei pessoal do testador, se
vedativa; mas, se a local vedar e a pessoal admitir, tem de indagar se essa permite a exceção à lez loci, e não se a
lei do Estado em que se fêz o testamento consente na facultatividade da lei do lugar.
Em boa técnica legislativa, há de haver acolhimento ou maior acolhimento pelo testamento extraordinário em
caso de doença do que pelo nuncupativo ordinário.
14. TESTAMENTO CONJUNTIVO. Excluem tal forma testamentária o Código Civil francês, art. 968, e as
legislações. que nêle se inspiraram (cf. Código Civil holandês, art. 977, espanhol, arts. 669 e 733; argentino, art.
3.618; brasileiro, artigo 1.630; chileno, art. 781; mexicano, art. 3.246; e peruano, art. 706).
~ máxima bocus regit actum rege o testamento conjuntivo, ou é assunto para a lei pessoal? Na jurisprudência
francesa há decisões pró e contra a ler loci, porque, disse-se, a proibição está no Código Civil onde se cogita das
“formas Na doutrina alemã, há quem repute forma (L. VON BAR, Theorw und Prazis des internationalen
Privatrechts, fl, 2a ed., 329; ERNST ZITELMANN, Internationales Privatrecht, II, 154), e éo que sempre
ocorre. Contra, o Reichsgericht, a 24 de abril de 1894.
Quando o Brasil permitia o testamento conjuntivo, a Côrte de Cassação de Florença considerou válido o
testamento conjuntivo feito no Brasil, sendo Italianos os testadores, embora a lei pessoal o proibisse (Código
Civil italiano revogado, artigo 761).
O que rege a admissão ou a repulsa do testamento conjuntivo é a lei pessoal. Ficam duas questões: a) se os testa-
dores podem testar conjuntivamente em Estado que o não reconheça, se a lei pessoal tem tal testamento; b) se,
feito no estrangeiro o testamento conjuntivo, por estrangeiros, a ter fori pode invocar a ordem pública para lhe
negar cumprimento. A questão a) depende, preliminarmente, da forma seguida e permitida: se testamento público,
o oficial público tem de invocar a lei que o proibe; se testamento particular, o Estado da ler loci, a despeito do que
se lê no Código de Havana, art. 148, não está interessado, pois que se trata de duas pessoas cuja lei pessoal é
outra, ou cujas leis pessoais são outras. A invocação de ordem pública internacional seria de sérias conseqúências,
de que adiante falaremos.
No caso especial do Código Civil da Venezuela, art. 824, a conjuntividade é somente forma, de modo que é
aceitável a ler boi. Mas seria preciso que as disposições testamentárias não ofendessem a lei pessoal. Poder-se-ia
tratar de dois testamentos num só. Ao juiz caberia apreciar a espécie, sendo aconselhavel o favor testamenti. Se o
testamento duplo contém reciprocidade ou correspectividade que ofenda a lei pessoal (se bem que a lei
venezuelana o permita), a esfera da ler boi foi excedida, a conjuntividade não é só formal, e não se justificaria
invocar-se o favor testamenti.
15. CONTRATO DE HERANÇA. O contrato de herança éregido pela lei pessoal. Se algo se alega de ordem
pública, a questão desloca-se. Se admissível, a forma é a do actum, se só o Estado estrangeiro o admite. Se ambos
o admitem, a ler boi rege os requisitos extrínsecos, facultativamente.
16. ORDEM PÚBLICA EM MATÉRIA DE FORMA TESTAMENTÁRIA. A ordem pública é medida interna,
invocável contra quem quer que seja ou contra o que se ache no território do Estado interessado.
Se dividimos o conceito em ordem pública internacional e ordem pública interna, temos: a) atos que dependem da
feltura ou efeitos no território; b) atos que seguem a pessoa, Terminologia, como dissemos no Tratado dos
Testamentos (1, 396), censurável. A regra jurídica bons regit actum é facultativa, de modo que a proibição, por
exemplo, dos contratos de herança, que se façam entre pessoas não sujeitas à lei brasileira, sem consequências no
regime sucessoral do Brasil, não os põe de parte, arbitràriamente, por invocação de ordem pública.
Diga-se o mesmo quanto ao testamento conjuntivo, O Código de Havana, art. 144, incluiu a proIbição do
testamento conjuntivo como de ordem pública internacional, em vez de a reputar, como seria certo, de ordem
pública interna.
A validade do testamento conjuntivo obedece à lei pessoal dos testadores, ou às leis pessoais dos testadores. A
ordem pública não é óbice (Tribunal Departamental da Haia, 19 de fevereiro de 1924). Nem podia deixar de ser
assim: se de acôrdo com a lei pessoal, como é o caso do Código Civil alemão, já se cumpriu a parte testamentária
do cônjuge premorto, seria absurdo deixar-se de cumprir a do segundo, que em vida não revogou o que testara
(nem podia revogar, cf. § 2.271, alínea 2,~) e recebera o que herdou do primeiro falecido.
A interpretação da ler boi, que nada tem com a substância do ato jurídico, para, com invocação de ordem pública,
considerar-se nulo o testamento, que ou se tornou irrevogável pela morte do primeiro, ou constituiu as últimas
vontades de ambos, seria atentado à liberdade das pessoas, com a frágil e falsa argUição de ofensa à ordem
pública, a favor de tal liberdade.
A proibição de testar hologràficamente, se, em geral, éde ordem pública internacional, salvo reconhecimento da
facultatividade aos estrangeiros, é conseqúência regular do caráter não-obrigatório da ler boi (lei pessoal cogente
± lei local facultativa = permissão).
As formas dos testamentos públicos obedecem, inexcetuadamente, à lex boi: não como limite à facultatividade da
regra jurídica bons regit actum, porém como princípio de ordem pública internacional. Nos consulados, nos
navios de guerra e outros lugares em que a exterritorialidade existe, a lex é que provém da permissão estatal ou da
exterritorialidade, pois que ocupam território de outro Estado.
Quando surgiu a legislação soviética, houve quem a reputasse “bloco legislativo indesejável” (SORéNDORI’,
Was ist heute unter “russisebem” Recht zu verstehen, Douteche Juristcn-Zeitung, 25, 805 s.). E era a opinião mais
generalizada. Mas seria estender demasiado longe a noção de ordem pública a rejeicão de tôda unia legislação. Se
há razão para ser invocada, tem de ser dita em cada caso. Em Circular n. 194 do Comissário de Justiça do Povo,
de 26 de setembro de 1923, falou-se de inaplicabilidade no estrangeiro. Mas, ainda nesse caso, haveria a questão
do testamento feito na Rússia com as formalidades soviéticas e a de outro, feito, por exemplo, por Brasileiro, com
as formalidades da lei pessoal. Mesmo ao tempo era que ainda não se reconhecera o govêrno soviético neo se
poderia obrigar o Brasileiro a não testar: se utilizou a forma da lei pessoal, fê-lo bem, pois a regra jurídica bocas
regit notam é facultativa; se recorreu à forma do direito soviético, seria solução violenta considerar inválido tal
testamento, sem haver razão do ordem pública. O Estado russo era lã e o Brasileiro, que quis testar, achava-se lá.
O reconhecimento do govêrno é elemento para a _exterritorialidade, mas seria rigor político excessivo excluir-se
a aplicação da ler boi, maximé se outra forma seria impossível, ou perigosa, para o Brasileiro ausente. havia,
todavia, um ponto de significação especial: a sucessão pelo Estado soviético era impossível. Os bens seriam “tens
de ausentes” e o Estado do juiz recolhe-los-ia. Mas, aqui, incide principio geral de direito sucessoral
internacional: o Estado não pode recolher herança em outro Estado, seja a título de herdeiro, seja como sucessor
de bens vagos. Pode herdar testamentàriamente. Assim decidiu, acertadamente, com o Uruguai (Govêrno
Uruguaio versas Fournier, Sena, 11 de marco de 1899) ; mas, por se tratar de testamento, diferente a solução
quanto ao Estado grego (caso Zappa, na Rumania).
17.ATO PESSOAL DO TESTAMENTO. O testamento é ato pessoalíssimo. Ninguém o faz por outro; nem
representante, legal ou voluntário, pede fazê-lo em nome do testador, ou pelo testador. O principio é, por bem
dizer, universal. Ainda assim,a possibilidade de conflito de leis sugere que se ponha a questão: ~a exclusão da
representacão (e da presentação) rege-se pela lei pessoal ou pela ler boi? Noutros têrmos: ~ a pessoalidade do ato
é requisito intrínseco ou requisito extrínseco? A lei pessoal é que há de dizer se a proibição da representação foi
no tocante à exterioridade da manifestação de vontade, e então refere-se à forma, que a lei do tempo e a do lugo.r
há de reger; ou se proibiu que se tirasse ao ato mesmo a pessoalidade, e então o extrínseco é regido pela lei do dia
da morte e pela lei pessoal (cf. E. HABICHT, Internationabes Privatreokt, 87). Por exemplo: segundo os §§
2.238 e 2.064 do Código Civil alemão, o testador tem de entregar o escrito para o testamento público, e isso,
pai~a o direito alemão, é forma, de modo que, em Estado cuja legislação permitisse a entrega por mão de outrem,
o Alemão testaria vâlidamente, preferindo a ler boi (Eiafiihrungsgosetz, art. 11, alínea 2~a, parte 2.~).
A despeito de tal distinção, o Código de Havana, art. 148, considera de ordem pública internacional o princípio
que declara ato pessoalíssimo o testamento. Duplo êrro, porque terri torializou o que não devia ser territorializado
e não atendeu a que, se há a facuitatividade da ler boi e sendo extrínseco o requisito é sem razão de ser a violência
que estabelece a invalidação do ato em que se optou pela lei pessoal.
18. CAsos DE REENVIO. A doutrina do reenvio apareceu na Inglaterra no caso Colher versas Rivaz (Côrte de
Canterbury, 184; LOP.ENzEN, Cases in ConfUcts of Law, 2•a ed., 827 a propósito dê testamento feito na Bélgica
por Inglês, que ali era domiciliado. A lei belga tinha-o por válido; a lei inglêsa, não; mas a Côrte inglêsa admitiu o
reenvio.
Austríaca, domiciliada em Hamburgo, fêz o testamento na forma do Código Civil alemão, § 2.238, isto é,
entregando escrito ao notário, perante duas testemunhas. O pai da herdeira instituída foi uma das testemunhas, o
que, para o sis tema jurídico alemão, é causa de nulidade. A Côrte de Hamburgo só atendeu ao art. 11 do
Einfiihrnngstiesttz; e o Reicltsgericht, a 17 de dezembro de 1912, lho censurou, por ser a lei que rege a relação
jurídica a que rege a forma; se a lei, de que se trata, ignora a regra jurídica bocus regit actam,tem de ser aplicada a
lei do ato, e não a do lugar. O intuito foi o de reenviar.
O reenvio, que, em muitas espécies, valida, para reforçar o favor testamenti, por vêzes o desfaz. No Caso
Sanchez, nova iorquino domiciliado em Paris, com testamento na forma da lei pessoal, o ato jurídico na França
foi julgado nulo, porque havia de seguir a lei francesa (E. POTU, La Question riu flenvoi eu droit international
privé, 62).
O problema consiste no seguinte: se a regra jurídica do Estado A considera incidente a lei do Estado B ou C,
contra o que o Estado B ou o Estado C estatui, ~deve aplicar-se a lei do Estado B ou C, ou respeitar-se a lei que o
Estado A teve como a aplicável? Noutros têrmos: ~ respeita-se a lei do Estado A, ou a sua regra de direito
internacional privado? O conflito pode ser positivo ou negativo. Se é positivo, não há outra solução que não seja a
da ler fori, salvo se essa afasta a própria ligação (e.g., Einffthrungsgesetz, art. 28, se os bens se acham fora da
Alemanha; jurisprudência italiana, quanto a imóveis da sucessão do decujo italiano, fora da Itália). Se énegativo,
o Estado B ou C ou D (terceiro) atribui ao Estado A competência que êle não tem: há algo como espécie de direito
supranacional (supraestatal) conforme frisa L. VoN BAR (Rapport, Aunuatre de l’Institut de Droit international,
1900, 155), contra a regra de direito internacional privado do Estado A.
Adversários da teoria do reenvio vêem nela pretexto para estenderem os juizes a própria jurisdição (A. PILLET
et J.-P. NIEox’ET, Manuel dc Droit Internationãl privé, 379). Nos Estados Unidos da América, se J. BEALE (A
Treatise on The Confiict of Laws or Frivate International Law, 77) disse não existir o reenvio, não é o que se tira
do livro Testative Draft, n. 2 Conflict of Laws, do American Law Institut (10).
As Convenções da Haia não admitiram o reenvio. Aliás, se há convenção internacional, com regras jurídicas de
coiíflito, afasta-se o reenvio.
Os Tribunais italianos resistiram à teoria do reenvio; mas houve exemplos, e.g., caso Kemot (Côrte de Cassação
de Nápoles, 5 de janeiro de 1920) e caso Savage Landorf (Côrte de Apelação de Florença, 23 de janeiro de 1919).
a) A Côrte inglêsa julgou bem, no caso Colher versus Rivaz; aplicou bem a regra jurídica locus regit achem, sem
no dizer e antes de essa se haver afirmado. No fundo, in Iavorem testamenti.
b) Admitida, quase universalmente, a regra jurídica bens regit actum como facultativa, é acertado presumir-se que
se optou pela lei da forma válida. Aqui, não há reenvio; há presunção. Mas, ainda que tal presunção não exista, o
êrro de direito, quanto à forma, pode permitir o julgado vahidante
e) Deve-se sempre reenviar quando a lei estrangeira não diz, claramente, como se há de resolver a questão.
d) Se, no conflito negativo, o testamento satisfaz a uma das leis, impõe-se a presunção de que as leis, não o
prevendo. admitem a solução, ou a escusa do error inris.
Donde: se positivo o conflito, a boi fori; se negativo, e nulo para ambas as leis o testamento, nulo é; se negativo o
conflito, e válido para uma delas, há o favor testamenti, ou a escusa do error inris. Mas, se, nulo para ambas as
leis, pode ser-lhe favorável a facultatividade da regra jurídica bons regit actum, a lez fori não pode deixar de
considerar válido o testamento, a despeito de não o considerá-lo como tal a lei pessoal (caso de quem tem por lei
pessoal a de Estado sem a regra jurídica bons regit actum ou a interpreta como obrigatória). Donde a solução: a
facultatividade da regra jurídica bons regit actutn há de ser atendida, por ser de ordem pública internacional; no
Estado do fôro, o testamento podia ser por uma ou por outra lei.
5.TESTAMENTO NUNCUPATIVO. O testamento Dura-mente oral não suscita graves problemas de direito
intertemporal. No momento em que morre o testador, quase sempre não se passou longo tempo. Se passou, não
tem eficácia. Os prazos são sempre muito curtos.
Mas pode ter havido lei nova no lapso exíguo.
A forma exterior é a do momento em que se fêz.
Surge o problema da lei nova que proibe o testamento nuncupativo. Tem-se de precisar a qualifica çdo, em direito
intertemporal, como há a qualificação em direito internacional privado. A lei pode dizer: “não valem os já feitos”.
Se o testador podia testar por outra espécie, é razoável a regra jurídica de eficácia imediata. Se não podia,
compôs-se o direito adquirido. Testou como podia e como somente podia. Em todo o caso, tem-se de respeitar a
qualificação pela lei. Se o testador, ao vir a lei nova, não pode testar de outra maneira, não se lhe pode ferir a
liberdade de testar.
6.TESTAMENTO CONJUNTIVO. Antes do Código Civil, a doutrina admitia o testamento de mão comum.
Perguntou-se: morto o testador após a incidência do Código Civil (digamos, em 1917) ~valia o testamento?
CLOVIS BEVIÁQUA (Parecer, Revista Jurídica, 16, 74 s.) considerou-o nulo: “O testamento não se considera
um ato perfeito e acabado, senão quando morrer o testador. Até êsse momento pode ser revogado. E
particularmente, o testamento conjuntivo, se não pudesse ser desfeito pelo testador a qualquer momento, seria um
pacto sucessório, expressamente reprovado pelo direito anterior. Se o testamento não é um ato perfeito e acabado
senão desde a morte do testador, está, forçosamente, submetido à lei em vigor a êsse tempo e não à que prevalecia
ao tempo da sua facção. A lei respeita o ato perfeito, isto é, o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em
que se efetuou. Mas o testamento, de que se trata, não pode considerar-se consumado, no momento em que foi
redigido. É da sua essência a revogabilidade, porque é um ato mortis causa, é uma disposição de última vontade,
e a última vontade só é possível determinar quando o testador, com a morte, cesse de querer”, O êrro vem de
C.F. A. KÕPPEN e influiu em CLÓVIS BEVILÁQUA.
Há duas noções que aparecem confundidas: a de revogabilidade, cujos efeitos são no momento da morte e
permite ter-se como sempre refazível o ato testamentário, e o do regra~ mento legal, que é, quanto à forma e à
capacidade, o do momento da testamentificação. Feito o testamento, não há, com a lei nova, de ser atingido.
O testamento conjuntivo não é só forma. Se o fôsse, feito antes da lei que o proibe, valeria ao tempo da morte e
depois. Via de regra, é forma e fundo: contém disposições simultaneas, recíprocas ou correspectivas, o que é
objeto da lei de sucessão, e são apreciáveis no momento da morte do testador; a forma, o extrínseco, há de reger-
se pela lei da feitura, no tempo e no espaço.
Na jurisprudência brasileira, o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 5 de dezembro de 1919, decidiu pela nulidade
do testamento conjuntivo, feito antes do Código Civil (1916), se na vigência dêsse faleceu o testador. Foi
escusada a critica contra tal decisão, crítica que se baseava em estar perfeito o testamento no dia da feitura.
Diante de testamento válido conforme a lei do tempo em que se fêz, a capacidade do testador e o que concerne a
circunstâncias subjetivas só excepcionalmente se rege pela lei antiga.
7.TESTAMENTO DE MILITARES, MARINHEIROS E VIAJANTES DE ALTO-MAR. Rege o princípio tem
pus regit actum: feito, vâlidamente, continua valendo. É diminuto o interêsse das questões, porque, pela exigência
generalizada nos sistemas jurídicos, de prazo de eficácia assaz restrito, de ordinário há a caducidade antes de
qualquer conflito intertemporal.
Doutrinàriamente, se, morto o testador, não se esgotou o prazo, não incide a lei nova. Se, ainda a correr, vivo o
testador, a lei nova o encurtou, não se há de apressar, mesmo na ausência de regra jurídica especial, o prazo que
corria. Mas é de supor-se que tal decurso, o que é o quod plerum que fit, é exigência só imanente à forma. Se a lei
nova proibiu a espécie, não se pode violar o direito adquirido.
No caso de lei nova, que estende o tempo da eficácia, não se pode dizer que dela não se beneficiem os
testamentos cujo prazo ainda não correu.
8.TESTAMENTO “TEMPORE PESTIS CONDITUM”. Com o testamento tem pore pestis conditum dá-se o
mesmo que se disse sôbre o testamento nuncupativo e os especiais. Quanto aos requisitos extrínsecos, rege-os a
lei do momento em que se faz (tempus regit actum). A lei nova vedativa esbarra na circunstância de haver testado
o decujo e já não poder obedecer a nova lei. Tratar-se-ia de efeito retroativo, que se não há de tolerar.
10.CONVALESCENÇA E DIREITO INTERTEMPORAL. <‘,A lei nova pode convalidar o testamento feito sob
a lei anterior e inválido por defeito de forma? (Afirmativamente, a Ordenança oldemburguesa de 25 de julho de
1814, § 9; A. MAILHER DE CHASSAT, Traité de la Retroactivité des Lois, II, 27; contra, GRANDMANCHE
DE BEAULIETJ, De l’Êtendue de l’Autoritê Lois, 85 5.; J. KALINDERO, De la Non-retroactivité des Lois. 119;
V. VITAL!, La Forma dei Testamento italiano, 157). A jurisprudência é hostil.
Os principais argumentos são os seguintes: a) Argumento contra a convalescença formal: o testamento a que
faltava formalidade necessária, era nulo, e nulo há de continuar.
b)Argumento a favor da convalescença: se o testador, que nulamente testara, sabia-o nulo, mas conheceu a lei
nova e achou não ser preciso (MAILHER DE CHASSAT, II, 29). Réplica ao argumento b) : se o testador não
rompeu o testamento nulo, sabia-o nulo, e não se preocupou com isso, pois conhecia a lei nova (MERLIN,
Répertoire, 273).
A convalescença formal seria de consequências profundas; e nas leis novas só excepcionalmente há a finalidade
de trazer à vida: o elemento político (a técnica legislativa) estatui para o futuro, porque olha o futuro e regra o
futuro).
Por isso: a) Pode a lei, ao estabelecer algo para o futuro, tratar de atos passados, que a regra jurídica tempus regil
actum submeteu à sua incidência. Por exemplo: “os testamentos feitos no regime anterior, se nulos por falta de tal
formalidade, convalescerão se os testadores declararem ao juízo competente que os mantêm”; “os testamentos,
feitos no regime anterior e nulos por falta da finalidade tal, convalescerão se os testadores não declararem o
contrário aos oficiais públicos ou nao os romperem”. Aí, a lei para GONNER (Von der rflckwirdenden Kraft
eines neuen Gesetzes auf vorhergegangene Handlungen, Arckiv fijr die Gisetzgebung, 1, 159), MERLIN (Ré
pertoire, 273) e 3. KALINDERO (De la ATon-retroactivité des Lois, 119) é imperativa. Devemôs, porém, frisar
que há dispositividade. Trata-se de princípio geral, que estava no Preussisckes Alígemeines Landrecht e T. D.
MEYER (Principes sur des Questions transitoires 13) reformulou. Apanha todo o direito intertemporal Mais:
sociológicamente, resulta dos índices (. 2; portanto, 2 para futuro, pela instabilidade; e 7, de quanto despótico, que
caracteriza a Política).
Surge questão sutil. Se, no intervalo, cai em incapacidade ou impossibilidade de testar o testador, ~há
convalescença? Afirmativamente a Ordenança prussiana de 1814, V. VITALI (La Forma del testamento italiano,
188), que afirmou nao caber distinguir-se se a incapacidade começou antes ou depois da lei nova, e F. BIANCrn
(Corso elementare di Codice Civile italiano, 123).
Se a lei sanatória exigia ato positivo para a convalidação e ficar provado que o testador tinha o animus
conservandi e somente por impossibilidade física ou psíquica não providenciou, ou, depois de haver testado e
antes de extinto o prazo da lei nova, caiu em incapacidade, tudo se reduz a dupla interpretação: ou o ato positivo
seria formalidade formal ad essentiam, que se não poderia suprir por outras provas da intenção do decujo, ou a
prova da intenção é, por si, um dos meios de prova de revalidação. Se quem testou tinha, ou não, o intuito de
impor como eficaz o testamento, depende, ai, das provas.
b)Se a lei não exige qualquer ato do testador, por ter considerado contra os princípios gerais o que a lei anterior
estabelecia, valem quaisquer testamentos a que ela se refira. Tal atitude legislativa é rara.
Para a convalidação dos negócios jurídicos, inclusive a dos testamentos, é preciso: a) ou que o ato do figurante
seja reconhecido pelo sistema jurídico como suficiente para o efeito; b) ou que tenha corrido o prazo, se pela lei
considerado convalescente. Se o testador revogou apenas a revogação de um testamento, ou de alguma
disposição, não se trata de convalescença, se o testamento volta a ser eficaz, cf. AUGUST SCHULTZ, Die
Konvalescenz des 13GB., 27.)
Quanto às formas testamentárias, só se pode cogitar de convalescença que decorra de princípio superior ao que
regia o negócio jurídico. Por exemplo: eram nulos os testamentos que os testadores fizeram em região inundada,
por só figurarem nêles três testemunhas. Diante dos casos que foram muitos, pode o legislador estatuir,
excepcionalmente: “Os testamentos feitos durante a última inundação, na região tal, ainda que não tenham tido a
assinatura de cinco testemunhas, têm-se por válidos.