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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas

O CONCEITO DE RISCO NA MODERNIDADE REFLEXIVA:


UMA NOVA FORMA DE DESCARACTERIZAÇÃO DO
TRÁGICO?

Texto a ser apresentado para a obtenção de créditos na disciplina


Teorias da Sociedade da Política e da Natureza – Prof. Hector Leis e Selvino
Assmann – Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas

Aluno: Cláudio Luis da Cunha Gastal

Florianópolis
Julho de 2008

1
1- INTRODUÇÃO
Neste trabalho procurarei sistematizar uma aproximação entre pares conceituais de
origens diversas, buscando neles um elemento comum presente na articulação entre as
noções de natureza humana e condição humana. Em termos lacanianos poderíamos dizer
que trataremos da relação entre os registros do real e do simbólico. Por um lado
procuraremos abordar o registro do real em suas relações com a contingência e, por
conseguinte com a dimensão trágica, e por outro procuraremos vincular o registro do
simbólico com a escotomização ou banimento da percepção do trágico. Acreditamos ser
possível observar-se desdobramentos destes registros em pares conceituais que surgem em
outras áreas não psicanalíticas, desdobramentos esses que podem concretizar-se em pares
como Natureza e humano, Eros e Tânatos, esfera pública e esfera privada, indivíduo e
sociedade, técnica e política, potência e impotência, controlar o mundo ou reconhecer a
exposição à contingência.
Após, através de autores que desenvolveram a idéia de modernidade reflexiva e de
sociedade de risco (Beck, Giddens e Lash), mas centrando a argumentação em conceitos
de Beck , dos quais um dos elementos fundamentais é o conceito de risco procurarei abrir
questões, de modo mais específico, sobre como esta modernidade estaria lidando com tais
questões, e se tais modos de lidar são uma possibilidade algo novo, ou uma
reapresentação do mesmo em um nível diferente de uma espiral, cujo elemento central
poderia ser a escotomização do trágico.
Longe de pretender chegar a uma síntese totalizadora, me proponho a deixar abertas
questões. Sei que esta última frase hoje em dia beira o lugar comum, mas não podemos
deixar de nela perceber, quem sabe, um elemento fundamental das dualidades da
modernidade: a síntese totalizadora é uma forma de racionalidade a qual tem intrínseca o
ideal iluminista de uma razão onipotente que introduz uma clivagem entre o que – a
princípio chamemos – de mundo natural e mundo humano. Deixar abertas questões
pressupõe uma cautela quanto a essa razão onipotente e, por conseguinte, reconhecer a
possibilidade de limitação do poder dessa razão. Portanto, deixa aberta uma brecha ao
Incompreensível e ao contingente. Pressupõe, pois, talvez, a impossibilidade de grandes
sínteses totalizadoras.
.

2
2- A NATUREZA E O HUMANO: TRANSCENDÊNCIA E IMANÊNCIA DO
TOTALMENTE OUTRO
Uma constatação é inegável. Constatação de que vivemos sob o signo do
absolutamente incognoscível. Por que o Ser e não o Não Ser? Nossa compreensão não
consegue transcender o entendimento de que o Não Ser seria mais compreensível que o
Ser. Ser é absoluta gratuidade, puro excesso, total contingência. Uma importante
contribuição de Lacan é designar esse Ser como o registro do Real, o qual em parte se
identifica com a Natureza. Como algo que prescinde do simbólico, que existe por si, sem
nome. Como algo absolutamente fora da esfera humana, constituída pelo simbólico: “ ...
aqui se pressupõe que a estrutura da linguagem vem revestir e possibilitar ao homem via
o plano do simbólico um acesso à natureza, que em si é inapreensível e inominável, lugar
de um silêncio ruidoso”1
Que esse ser seja designado como Deus, ou como uma natureza de ordem
absolutamente diversa da humana, é uma questão já do simbólico. O essencial é que ele é
sempre o totalmente Outro em relação ao humano. De alguma forma, o Mistério.
Brüseke2, analisando as concepções místicas sobre o Ser, recupera o conceito do
numinoso de Rudolf Otto para designar esse totalmente outro. O numinoso enseja
sentimentos de medo, de terror, de encanto, de plenitude. Força de desígnios
desconhecidos cujo reconhecimento seja talvez também o reconhecimento da dimensão
trágica e do desamparo fundamental do homem. A visão desse absolutamente Outro como
uma força divina transcendente talvez não seja tão inquietante quanto a sua percepção
como uma natureza imanente. Nietzsche ao prenunciar a Morte de Deus priva o homem
da redenção cristã do entregar-se e dissolver-se na transcendência e o joga aqui nesse
mundo, face a face com a natureza, portadora imanente desse totalmente Outro:
“O mais importante dos recentes acontecimentos – o fato de ‘que Deus está
morto’, de que a fé no Deus cristão está enfraquecida, começa já a projetar na Europa
suas primeiras sombras (...) – para que possa saber o que vai afundar, agora que está
minada essa fé, tudo que se erigia, se apoiava, se vivificava: por exemplo, toda nossa
moral européia. (...) Com efeito, nós, filósofos e “espíritos livres” frente à nova de que
“o Deus antigo está morto” sentimo-nos iluminados por uma nova aurora, nosso coração

1
MAURANO, Denise. O Trágico Revisitado. Corpo Freudiano do Brasil. Disponível em:
http://www.corpofreudiano.com.br/txt24.htm. Acesso em 08 jul. 2008.
2
BRÜSEKE, Franz. A Técnica e os Riscos da Modernidade.Florianópolis: Editora da UFSC. 2001.

3
transborda de reconhecimento, de espanto, de apreensão, de expectativa... Enfim o
horizonte nos parece livre, admitindo mesmo que não esteja claro – ... O mar abre-se
novamente diante de nós e talvez nunca tenha havido um mar tão “pleno.”3

E isso nos coloca frente a duas opções: defrontar-se com angústia, primeira reação
inevitável, a qual é a dimensão do trágico, ou negar essa angústia e “naturalizar” de modo
neutralizador a Natureza dentro de um código simbólico possibilitador do conhecimento
científico sobre a mesma. A ciência, embora não dê conta do mistério, traz em si a
promessa de que é só uma questão de tempo a razão humana dissolver o mistério; o que é
uma forma de dizer que o mistério não é mistério, que não há mistério. De que o
totalmente outro já não é mais totalmente Outro. Que é uma natureza desprovida do
sagrado, do mistério, do numinoso, mas antes algo domesticado pelo simbólico e
transformado em objeto passível do controle humano
A modernidade seguiu na segunda direção, seja pela ciência, seja pelos rumos que
tomaram a maior parte das religiões, que cada vez mais se afastaram do místico e
estabeleceram formas simplificadas de lidar com o sempre permanente mistério do bem e
do mal – atributos de um mesmo totalmente Outro. , que é o que de alguma forma nos diz
Galimberti4,5 .
O desenvolvimento da ciência e da tecnologia que dessacralizou o mundo teria
nele implícito um projeto de domínio dessa natureza, de uma vivisseção do mistério.

3- A TÉCNICA E A POLÍTICA ENQUANTO VISÕES DIFERENTES DO


TOTALMENTE OUTRO.
Se a técnica e a ciência tem um projeto de domínio da natureza, de compreensão e
controle de suas supostas leis, de ordenamento sem angústia do mundo, de resposta ao
desamparo humano, de tranquilização pela previsibilidade e controle, a política, enquanto
dimensão da ação humana, recoloca o imponderável, o imprevisível, o não controle. A
insinuação de vivemos em um mundo cuja previsibilidade da conseqüência de nossos atos
nos foge6. E aqui reintroduz, embora sob véus, o totalmente Outro. Aquilo que acaba

3
NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. São Paulo: Hemus, 1981. p.343
4
GALIMBERTI, Umberto. Psiche e Techne: O ser Humano na Idade da Técnica. Tradução realizada por Selvino
Assmann das paginas 33-48 do original Psiche e techne. L’uomo nell’età della técnica. Roma; Feltrinelli. 1999.
5
GALIMBERTI, Umberto. Os rastros do Sagrado. O Cristianismo e a Dessacralização do Mundo.São Paulo:
Paulus. 2003.
6
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10ª. Ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária. 2007.

4
sempre por nos escapar, que desafia o sentimento de que o mistério é de nosso alcance. A
imprevisibilidade da dimensão política contrapõe-se em outro nível, também, com a
esfera da ciência e da técnica. A razão instrumental, que visa alcançar objetivos práticos, é
obstaculizada pela ação política. E disto decorre uma hegemonia da ciência e tecnologia
na gestão do mundo, em detrimento da política. Novamente nos vemos frente a uma
desvalorização e banalização do totalmente Outro, da dimensão trágica.

4- A ESFERA PÚBLICA E A ESFERA PRIVADA


No entendimento de Hannah Arendt7, a esfera pública, antes dimensão privilegiada da
ação humana, foi transformada, por sua invasão pela esfera privada, num espaço não mais
do político, mas sim do social. A sociedade passaria a ter a função de prover aos seus
membros aquilo que antes a esfera privada provia. Dessa forma, a dimensão imprevisível
do político tornou-se um espaço proporcionador do provimento de necessidades. De
segurança, de minimização da imprevisibilidade e da possibilidade de desamparo.
Conjuntamente a constituição subjetiva do sujeito transformou-se também, deixando de
ser um membro da polis, um sujeito da ação, da possibilidade do heróico, exposto à
contingência, e tornando-se um membro frágil da sociedade.
Aqui é inevitável que aproximemos o político do trágico e tomemos o sujeito
político como um sujeito potente, que sabe do imprevisível, mas que encontra em si a
potencia de viver esse imprevisível corajosamente.
Agamben8 toca nesse ponto de modo especial, embora dentro de outra perspectiva,
ao nos falar que o homem reduzido à vida nua, a situações limites, ao perder totalmente a
proteção do estado, ao estar radicalmente nessa condição é que a potência de ser ou a
potencia de ser não exposto ao totalmente Outro, na fronteira entre o maldito e o sagrado.
Talvez seja aí é que podemos entender sua frase “... ter uma faculdade significa ter uma
privação”.9 O entendimento dessa frase passa pela assimilação de duas afirmações
posteriores de Agamben no mesmo texto: “ A grandeza – mas também a miséria- da
potência humana reside no fato de ela ser, também e sobretudo, potência de não passar

7
ARENDT. Hannah. Op. Cit.
8
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer- O Poder Soberano e a Vida Nua I. Belo Horizonte: Editora da UFMG. 2007
9
AGAMBEM, Giorgio. A Potência do Pensamento. p.2. Tradução de Selvino Assman do original La Potenza Del
Pensiero. In: La potenza del pensiero. Saggi e conference. Macerata. Neri Pozza Edit. 2005, pp 23-287.

5
ao ato, potência para as trevas.”10 E “ O homem é senhor da privação, porque, mais do
qualquer outro ser vivo, no seu ser, ele é entregue à potência.”11 A exposição à vida nua,
uma forma da experiência trágica, creio, permite o encontro dessa potência. Embora me
pareça existirem diferenças entre o conceito de potência em Agamben e a “vontade de
potência” de Nietzsche, é impossível não pensar em similaridades. Em “Para Além do
Bem e do Mal”, Nietzsche, ao falar da “felicidade de rebanho em pasto verde”nos diz:
“ Nós, os seus inversos, que abrimos um olho e uma consciência para a
pergunta: onde e como até agora a planta ‘homem’ cresceu mais vigorosamente em
altura, pensamos que isso aconteceu, toda vez, sob condições inversas, que, para isso, a
periculosidade de sua situação tinha antes de crescer até o descomunal, sua força de
invenção e de disfarce (seu ‘espírito’...) desenvolver-se sob longa pressão e coação até o
refinado e o temerário, sua vontade de vida ser intensificada até a incondicionada
vontade de potência: -nós pensamos que dureza, violência, escravidão, perigo na rua e
no coração, ocultamento, estoicismo, artimanha e diabolismo de toda a espécie, que tudo
o que há de mau, terrível, tirânico, tudo o que há de animal de rapina e de serpente no
homem serve tão bem á elevação da espécie “homem” quanto o seu oposto...”12

Creio que podemos entender em dois sentidos tal frase de Nietzsche: por um lado
a raiz ambígua do homem, partícipe da natureza, deste outro não simbólico, do qual
somos parte, que se faz através de nós e ao mesmo tempo somos nós; mas um nós
diferente deste nós-rebanho da civilização ocidental. Um nós exposto ao trágico pela
imanência do transcendente em nossa própria natureza. Por outro lado podemos entendê-
la mais próxima ao conceito de vida nua de Agamben, onde o trágico se expressa pelo
desamparo. Mas, em ambas, o trágico está presente. Poderíamos, pois, seja em Agamben,
seja em Nietzsche, ver a origem da potencia na vivência trágica.
Em contraposição, o sujeito social, o membro do rebanho, ao abdicar de sua
potencia em favor do estado, ao tornar-se um ser dependente, afasta-se do trágico em prol
da segurança, ficando exposto ao domínio e à manipulação pelos aparatos de estado e
técnico científicos (cada vez mais próximos).
Dessa forma, a esfera pública moderna, uma esfera fundamentalmente social,
escotomiza novamente o totalmente outro e arroga a si o poder de satisfazer as
necessidades de uma humanidade pacificada como rebanho.
Os mecanismos biopoliticos de controle encontram aqui o espaço para seu
surgimento, pois na arregimentação dos corpos enquanto estruturas naturais passiveis de
10
AGAMBEM, Giorgio. Op. Cit. p. 4
11
AGAMBEM, Giorgio. Op. Cit. p. 4
12
NIETZSCHE, Friedrich. Para Além do Bem e do Mal. São Paulo.:Abril Cultural. Col. OS Pensadores. pp 275-276.

6
controle, anulam esse Outro da natureza que é constituinte desses próprios corpos. A
biopolitica de certa forma pode ser interpretada como uma forma de constante
reinterpretação simbólica dentro de parâmetros científicos ou técnicos do totalmente
Outro. O corpo é decifrado em seu mistério pela medicina, e o asseguramento da defesa
contra a imprevisibilidade é do âmbito do totalmente humano. A regulamentação desse
pulsar do totalmente outro é anulada e codificada, canalizada. A doença, a loucura, a
sexualidade, os comportamentos considerados disrruptivos. A ciência que possibilita o
discurso biopolítico se constitui como defesas em relação a esse totalmente outro.
Foucault, em sua Historia da Loucura13, assinala claramente essa concepção, ao nos
mostrar que as primeiras concepções da doença mental na era pineliana consideravam a
loucura justamente como a irrupção de uma natureza selvagem dentro do espírito
humano; e mais, o quanto isso se constituiu em importante aspecto do projeto iluminista
de constituição do sujeito enquanto sujeito da razão. O louco, não enquadrável dentro do
sujeito da razão, era esse Outro, Outro a ser excluído para os limites entre o urbano e o
rural, entre a civilização e a natureza, eterno navegador da nau dos insensatos, morador do
mundo extra-humano, embora encravado no social, dos manicômios.
A esfera publica moderna, constituída enquanto social, constrói constante e
incessantes muros em relação ao totalmente outro, esse outro plenamente imanente numa
natureza a-humana, vizinha, muito próxima, perigosa, necessitando de constante
vigilância e codificação. Talvez um dos grandes méritos de Freud tenha sido a provocar
uma fissura no sujeito racional, talvez nas próprias bases e propósitos da ciência – mesmo
que se considerasse membro dessa ciência.

5- EROS E TÂNATOS
Freud certamente causou escândalo ao colocar na superfície da sociedade vitoriana
a questão da sexualidade. Contudo algo mais profundo talvez tenha causado tanto rechaço
à psicanálise. Algo mais profundo mesmo que outro conceito inquietante: o do
inconsciente. Alguns autores abordam que o descentramento da razão iluminista; do
homem racional, não mais, a partir da psicanálise, visto como portador de livre arbítrio,
mas sim em muito determinado por desejos inconscientes, enquadra-se dentro de outros
13
FOUCAULT, Michel. A História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Editora Perspectiva. Col. Estudos.
1978.

7
grandes descentramentos, como os provocados pela teoria evolucionista de Darwin, ou da
determinação da história humana por forças econômicas, evidenciada por Marx. Mesmo
reconhecendo que todos tem em comum uma quebra da onipotência da razão iluminista e
da proeminência desse sujeito iluminista dentro da Criação, o que implica uma alusão a
algo Outro, mesmo que vaga, há de se pensar se Freud não foi de uma radicalidade maior
que Darwin ou Marx.
Freud opôs Cultura e Natureza de modo irreconciliável14, no sentido de que, onde
há uma, não há a outra. O mundo cultural só é possível pela repressão ou sublimação dos
instintos humanos de conservação do ego. O instinto de conservação da espécie, que
levaria a formação do mundo cultural, embora com a mesma base em Eros que os
instintos de conservação do ego, acabariam por se opor. E o resultante dessa oposição
seria o que denominou de “O mal estar na cultura”. Contudo não conseguia compreender
essa oposição sem um outro elemento interferente. E, para tal, postulou que o homem
porta em si, além do Eros, instinto de Vida, tânatos, instinto de morte, o qual seria o
energizador agressivo dos instintos do ego. Mas, creio que a repercussão dessa
conceitualização de uma dualidade instintiva fundamental no homem, de instinto de vida
e instinto de morte, coloca de modo imanente, não na sociedade, mas no interior do
próprio homem, esse totalmente Outro. O homem porta dentro de si, a partir de Freud, e
principalmente após a postulação do instinto de morte, o mistério, o incognoscível, a
imanência desse totalmente Outro. Como falamos acima ao nos referirmos a Lacan, o
homem porta em si um significante sem significado. Isso implica que em um nível
profundo estamos irrevogavelmente expostos ao desamparo e ao contingente, por mais
que a civilização possa ter se organizado em formas sociais e estruturado mecanismos
biopoliticos escotomizadores e neutralizadores desse totalmente outro. Talvez aqui resida
uma das grandes contribuições freudianas. É significativo que grande parte do
desenvolvimento da psicanálise tenha se dirigido no sentido da construção de uma
psicologia do ego e abandonado em muito as questões referentes às pulsões. É como se
isso representasse uma neutralização desse potencial disrruptivo da psicanálise.

6- O SENTIDO DO TRÁGICO

14
FREUD, Sigmund. El Malestar em la cultura. Obras completas. Vol. III. 4ª ed. Madri: Biblioteca Nueva. 1981.

8
Pergunto-me o quanto o sentido do trágico não é outra coisa que não esse
defrontar-se do homem com a absoluta contingência do existir, esse defrontar-se com um
abismo niilista e nessa experiência radical descobrir sua potência. Potência trágica porque
uma solidão sem deuses, porque o pulsar parte de si próprio, porque o fluxo da vida nele,
particularmente nele, jorra. Jorra, queira ou não. Fluxo de força, que contém medo, terror,
encanto e plenitude, qual o numinoso. Defrontar-se com o absolutamente outro em
completa solidão, sem técnica, sem ciência, sem religião, sem apaziguadores, e mesmo
assim ter coragem de afirmar a própria existência. De alguma forma é assim que entendo
Nietzsche. O trágico não pode fugir à experiência do medo e do perigo. Da consciência da
vulnerabilidade. Contudo ele nos trás, através da imanência imediata do Mistério, o
contato com o próprio mistério, e a possibilidade de reconhecê-lo em nós, agindo por
si,mas ainda assim , por meio de nós, ou mesmo como nós. O trágico abre possibilidade,
creio, para o retorno de uma visão monista do mundo, contraposta ao dualismo cartesiano.
Mas o trágico, assim visto, é uma experiência exclusivamente individual. Leva-me
a pensar que a atualização dessa potência, opositora por excelência do espírito de rebanho
e do domínio técnico-cientifico intrínseco à modernidade , só é possível através desse
âmbito do individual, da experiência singular, já que o verdadeiramente político sucumbiu
frente ao social. E isso também faz parte do trágico.
Contudo o trágico e sua vinculação com a possibilidade de potência, de escolha,
entre potência-de-sim e potência-de-não, de liberdade, talvez seja a única possibilidade de
uma ética nos dias atuais15 , e de uma reabertura para a política.
Contudo, parece que tudo conspira para uma cegueira coletiva em relação ao
trágico e para uma entrega passiva da própria vida para os mecanismos de poder, para
uma procura de falsos refrigérios e para uma mera busca de segurança. Contudo essa
entrega também é para a ciência e para tecnologia, fontes supremas da busca de controle
do totalmente Outro, base do trágico. Mas, quando esse mundo científico-tecnológico
começa a dar mostras dos seus limites e não mais poder proporcionar a prometida
onipotência, mas, muito mais, causando situações onde o sentimento de impotência volta
a rondar, observamos a introdução do conceito de Sociedade do Risco.

15
ASSMANN, Selvino. O ser humano como problema – Por um humanismo trágico e cristão. In: ROCHA, Maria
Inês. Humanismo e Direitos. Passo Fundo: Berthier. 2007

9
6- A SOCIEDADE GLOBAL DE RISCO E ALGUMAS REFLEXÕES FINAIS.
Opondo-se ao conceito de pós modernidade, alguns autores, como Beck16,
Giddens17 e Lash18 afirmam estarmos ainda na modernidade, embora em uma
modernidade tardia, chamada por eles de modernidade reflexiva, a qual tem por
característica central o risco, pelo quê também é denominada de Sociedade do Risco.
Algumas colocações elucidativas de Beck19 são as seguintes:
“Risco é um conceito moderno. Pressupõe decisões que tentam fazer das
conseqüências imprevisíveis das decisões civilizacionais decisões previsíveis e
controláveis”.
“ ‘Sociedade de risco’ significa que vivemos em um mundo fora de controle. Não há
nada certo além da incerteza”.
“Esta palavra (risco) é também utilizada para referir-se à incertezas não
quantificáveis, a riscos que não podem ser mensurados. Quando falo de ‘sociedade de
risco’, é nesse último sentido de incertezas fabricadas. Essas verdadeiras incertezas,
reforçadas por rápidas inovações tecnológicas e respostas sociais aceleradas estão
criando uma nova paisagem de risco global”.
“Não sabemos se vivemos num mundo algo mais arriscado que aquele das gerações
passadas. Não é a quantidade de risco, mas a qualidade do controle ou- para ser mais
preciso – a sabida impossibilidade de controle das decisões civilizacionais que faz a
diferença histórica”.

16
BECK, Ulrich. “A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva”. Em: BECK, Ulrich;
GIDDENS, Anthony e LASH, Scott. Modernização reflexiva (Política, tradição e estética na ordem social
moderna). São Paulo, Editora da Universidade estadual Paulista, 1997.

17
GIDDENS, Anthony. “ Risco, confiança, reflexividade”. In: BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony e LASH, Scott.
Modernização reflexiva (Política, tradição e estética na ordem social moderna.) São Paulo, Editora da
Universidade estadual Paulista, 1997.
18
LASH, Scott. A reflexividade e seus duplos: estrutura, estética e comunidade. In: BECK, Ulrich; GIDDENS,
Anthony e LASH, Scott. Modernização reflexiva (Política, tradição e estética na ordem social moderna). São
Paulo, Editora da Universidade estadual Paulista, 1997.
19
BECK, Ulrich. Incertezas fabricadas - Entrevista com o sociólogo alemão Ulrich Beck. Amai-vos. Disponível em:
http://amaivos.uol.com.br/templates/amaivos/amaivos07/noticia/noticia.asp?cod_noticia=7063&cod_canal=41 .
Acesso em 08 jul. 2008.

10
Podemos observar claramente que o conceito de risco desenvolve-se como uma
tentativa de resposta à crescente impossibilidade da ciência e da técnica de exercer sua
função preconizado na aurora da modernidade, de controle da sociedade e da natureza.
Mais do que isso, das conseqüências da própria ciência e tecnologia no sentido de
incrementar o descontrole. A sociedade reflexiva é aquela que percebe esse descontrole e
procura dar respostas a ele, ao contrário da modernidade clássica, a qual ainda se faz
presente, onde tal preocupação inexiste. A reflexividade “Trata-se de um processo no
qual são postas em questão, tornando-se objeto de ‘reflexão’, as assunções fundamentais,
as insuficiências e antinomias da primeira modernidade”20. Com a crescente falência das
instituições tradicionais (ciência, governo) em controlar o risco, os indivíduos passam a
arcar com a necessidade de avaliar e orientar-se entre os riscos sociais. E de organizarem-
se politicamente fora o sistemas políticos tradicionais, naquilo que Beck denomina
subpolítica. Contudo não fica claro em Beck o quanto isso transcenderia a capacidade
leiga e qual seria ainda o papel dos “sistemas especialistas”, ou peritos. Mas Beck indica
mais claramente a direção política com a consequente necessidade, também, de novas
instituições, de novas formas de relações internacionais solidárias e cooperativas.
Bastante lúcido nos parece o comentário de Guivant21 de que o diagnóstico de Beck
acerca da modernidade tardia é claro e preciso, contudo suas propostas são vagas e
inconsistentes.
Mitjavila22 nos adverte da expansão rápida co conceito de risco, que cada vez mais
vem codificando as incertezas e perigos da contemporaneidade, e do quanto vem se
tornando um dos mais importantes dispositivos biopolíticos da atualidade. A autora
analisa que não somente as grandes ameaças globais enquanto tais são abrangidas pelo
conceito de risco. A crescente fragmentação dos mecanismos tradicionais de coesão da
modernidade, na medida em que fortalecem um sentimento de orfandade dos indivíduos
levam a individualização solitária (não a uma individuação), e a uma conseqüente maior
responsabilização individual pelas conseqüências dos atos, conseqüências essas que
ultrapassariam em muito, em termos causais, o nível do indivíduo. Ao transpormos isso
20
- BECK, Ulrich. A sociedade global do risco- Um diálogo entre Danilo Zolo e Ulrich Beck. João Pessoa: Prim@
Facie.. ano 1, n. 1, jul./dez. 2002. p.1
21
GUIVANT, Júlia. A Teoria da sociedade de risco de Ulrich Beck: entre o diagnóstico e a profecia. Estudos
Sociedade e Agricultura, 16, abril 2001: 95-112
22
MITJAVILA, Myriam. El Riesgo como instrumento de individualización social. Cap. IV, p.91-108. In: BURKÚN,
Mario e KRMPOTIC, Cláudia. El Conflicto Social y Político. Buenos Aires: Prometeo.. 2006.

11
para mecanismos e instituições sociais observar-se-ia que ao invés de âmbitos solidários
de decisão reflexiva, o que se tem é uma formação de uma rede de agentes mediadores e
controladores desses riscos, seja em termos individuais, seja em termos sociais mais
amplos. Nos termos de Mitjavila, o risco tornou-se um meio de arbitragem social através
da avaliação do grau de risco.
Creio que a crise da modernidade, ao evidenciar a impossibilidade das instituições
que criou de controlarem a sociedade e a natureza, trouxe de novo à baila o conceito do
trágico. Mas de modo mais grave, pois não na periferia ou dentro de muros, mas no
próprio seio da modernidade.
Seria o conceito de risco uma nova forma de escotomizar e neutralizar o trágico?
De tentar refletir e propor soluções para a brecha moderna por onde se insinua o trágico,
reforçando, ao invés de questionar os próprios mecanismos da modernidade que a
levaram à crise que ensejou o conceito de modernidade reflexiva?

6- UM ADENDO: NATUREZA HUMANA E CONDIÇÃO HUMANA

Pelo visto acima interrogo-me se não é possível se pensar que a natureza humana
não seria da dimensão do trágico, e se a condição humana não decorre dos modos pelos
quais os homens lidam com esse trágico. Escotomizar o trágico teria assim uma
característica de fugir da natureza humana e construir no registro exclusivamente
simbólico um mundo “artificial”, o qual artificializaria o homem e a própria natureza,
sendo pois, um elemento central da técnica e da ciência. Criar-se-ia uma potencia
tecnológica artificial, canalização talvez pífia, da potencia humana individual, a qual é do
registro do Real, pertencente à dimensão trágica.

REFERÊNCIAS

ASSMANN, Selvino. O ser humano como problema – Por um humanismo trágico e cristão. In:
ROCHA, Maria Inês. Humanismo e Direitos. Passo Fundo: Berthier. 2007.

AGAMBEM, Giorgio. A Potência do Pensamento. p.2. Tradução de Selvino Assman do original


La Potenza Del Pensiero. In: La potenza del pensiero. Saggi e conference. Macerata. Neri
Pozza Edit. 2005, pp 23-287.

12
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10ª. Ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária.
2007.

BECK, Ulrich. A sociedade global do risco- Um diálogo entre Danilo Zolo e Ulrich Beck. João
Pessoa: Prim@ Facie.. ano 1, n. 1, jul./dez. 2002. p.1

____________. “A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva”. Em:


BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony e LASH, Scott. Modernização reflexiva (Política, tradição
e estética na ordem social moderna). São Paulo, Editora da Universidade estadual Paulista,
1997.

____________. Incertezas fabricadas - Entrevista com o sociólogo alemão Ulrich Beck. Amai-
vos. Disponível em:
http://amaivos.uol.com.br/templates/amaivos/amaivos07/noticia/noticia.asp?cod_noticia=7063&c
od_canal=41 . Acesso em 08 jul. 2008.

BRÜSEKE, Franz. A Técnica e os Riscos da Modernidade.Florianópolis: Editora da UFSC. 2001.

FOUCAULT, Michel. A História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Editora Perspectiva.
Col. Estudos. 1978.

FREUD, Sigmund. El Malestar em la cultura. Obras completas. Vol. III. 4ª ed. Madri: Biblioteca
Nueva. 1981.

GALIMBERTI, Umberto. Os rastros do Sagrado. O Cristianismo e a Dessacralização do


Mundo.São Paulo: Paulus. 2003

GALIMBERTI, Umberto. Psiche e Techne: O ser Humano na Idade da Técnica. Tradução


realizada por Selvino Assmann das paginas 33-48 do original Psiche e techne. L’uomo nell’età
della técnica. Roma; Feltrinelli. 1999.

GIDDENS, Anthony. “ Risco, confiança, reflexividade”. In: BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony
e LASH, Scott. Modernização reflexiva (Política, tradição e estética na ordem social moderna.)
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