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Literatura Portuguesa
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Algumas notas sobre Aparição
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Aparição
PAULA
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Literatura Portuguesa Aparição
Assim se inicia e assim termina a narrativa em que o protagonista do acto da escrita é também o
protagonista do labirinto de acções / situações em que voluntaria ou involuntariamente se envolve ou é
envolvido. A grande acção começa por ser uma viagem ao passado, umas vezes mais próximo, outras mais
remoto, outras mesmo imemorial: um tempo imemorial, transcendente.
Verbos como “”lembrar, “recordar”, “rever”, “buscar”, procurar têm como agente uma memória que
percorre caminhjos que nos levam para além da vida: “A minha memória não era memória de nada” (pg.
109).
O momento inicial – uma espécie de preâmbulo – e o momento final, envolvem 25 de memórias. Tanto
o preâmbulo, que contém os temas da obra, como o epílogo estão em itálico para sublinhar o mais
importante, aquilo a que Vergílio Ferreira chama “o tom”.
Nos 25 capítulos compreendidos entre o preâmbulo e o epílogo, o romance é constituído por duas acções:
a secundária – o que se passa na aldeia com a família (acontecimento determinante: a morte do pai), e a
principal – os acontecimentos que a sua presença e a sua palavra vão desencadear em Évora.
A diegese organiza-se ao ritmo do ano escolar: de Setembro até às férias do Natal, Alberto Soares lança a
perturbação nos espíritos predispostos para ela (Ana, Sofia e Carolino). Neste espaço de tempo, há
referências à família do protagonista, à casa paterna e à infância, feitas em rememoração.
No capítulo XI, parte para férias, e até ao capítulo XIII, apresenta questões familiares e metafísicas a
Tomás. O conjunto de capítulos XIV a XXI é importante para o desenrolar dos acontecimentos: a morte de
Cristina e a reacção que provoca em Ana, o início das relações entre Sofia e Carolino e a ruptura deste com o
professor. No capítulo XXII, nova interrupção com as férias da Páscoa e a partida de Alberto Soares em
viagem em direcção ao Norte (pág. 237). Nos últimos 3 capítulos, os acontecimentos precipitam-se: Ana
resolve a sua angústia com a adopção, Sofia desdenha desta solução e assume cada vez mais a sua loucura. A
narração termina com o assassinato de Sofia, que coincide com o final do ano lectivo.
Tal como há duas acções, há duas séries de personagens, em função de dois espaços e vários tempos.
Espaço Físico
- Évora: aparece como uma cidade irreal, fantástica (págs. 26/189)
- A Montanha: é, para Vergílio Ferreira, poética e mística (pág. 133)
Espaço Social
- Bailote – interpretação simbólica: Alberto Soares vê na mão de Bailote uma força transcendente, de
vida e de criação, de domínio sobre a terra;
- Ceifa – denúncia de uma problemática social, mas aborda também uma problemática metafísica:
Alberto Soares sente o sofrimento que atinge os ceifeiros, mas deseja-os abertos a outra discussão da
existência – a busca de captar o mistério de captar a pessoa, ou seja, a plena consciência de si.
TEMPO
a) tempo da escrita: o narrador também é protagonista; logo, quando narra, situa-se no tempo da escrita;
b) tempo da história: quando o narrador narra, quer a acção principal (Évora), quer a secundária (férias);
c) tempo do discurso: consiste em analepses e prolepses – o narrador não narra as acções numa ordem
cronológica
d) tempo psicológico
O NARRADOR
O narrador, em Aparição, tem uma dupla função: apresenta o mundo diegético (da história) e é o
protagonista da história que narra (s textos estão escritos na 1ª pessoa gramatical), sendo assim, um
narrador auto-diegético.
É um narrador em acto de rememoração e de escrita (págs. 24, 25, 27). Evocando o passado, o narrador
recria o mundo diegético, em que teve parte activa, e que o seu problema desencadeou.
O “eu” narrante é o mesmo que o “eu” narrado, porque o que narra é a vivência dos seus problemas e a
repercussão que eles encontraram nas outras personagens.
O autor tem preferência pelo uso da 1ª pessoa, anulando assim a distância entre o narrador e o mundo
narrado; investe na narração toda a sua subjectividade. Apresenta uma problemática e tem uma missão a
cumprir: a de dar conta aos outros da sua descoberta do mistério do “eu”, da condição mortal do homem e
do seu apelo de infinito, da sua miséria e da sua grandeza, num mundo vazio de divindade.
O NARRATÁRIO
Há um pacto entre o narratário e o narrador. Este último recorda-nos a sua função de contar a história
(pág. 44/239) e do acto de escrever, como uma atitude de reflexão da narrativa sobre si mesmo.
A modernidade de Vergílio Ferreira verifica-se nesta dimensão de metanarratividade (interrupção da
história e reflexão sobre o próprio acto de escrever), característica da narrativa contemporânea.
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Literatura Portuguesa Aparição
1) Registos do discurso
- uso frequente da 1ª pessoa gramatical, que revela a preocupação em anular a distância entre o sujeito
narrante e o mundo narrado; o pronome da 1ª pessoa é utilizado também como sujeito e referente (pág. 47)
porque o narrador reflecte sobre o mistério paradoxal (grandeza/miséria) do seu ser. Daqui resulta um
discurso subjectivo pessoalíssimo;
- uso do pronome da 2ª pessoa gramatical, cuja função não é muito diferente da da primeira, na medida em
que o “tu” é necessário para a relação dialogal em que o sujeito se compreende a si mesmo (págs. 46, 147, 95,
35);
- a preferência pelo Presente do Modo Indicativo, que se justifica pela vivência do tempo por parte do
narrador (a anulação do passado e a antecipação do futuro para que fique só um eterno presente) – págs.
271,273.
-
2) Léxico e figuras de estilo
- uso de vocabulário muito próprio: lexemas e sintagmas da ordem do mistério, do alarme, do espanto;
- adjectivação rica que torna o discurso fortemente avaliativo, revelador também da subjectividade do
narrador;
- comparações que contribuem para a visão pessoalíssima da realidade;
- sinestesias – o narrador considera esta figura de estilo muito sugestiva;
- metáforas (muitas vezes, de grande valor simbólico, como “labirinto” e “pedra”);
- hipálages, personificações, alegorias.
3) Sintaxe
- discurso indirecto livre que, por vezes, sugere sobreposição de vozes;
- polissíndetos, que exprimem um pensamento obsessivo e sugerem intensidade emocional;
- construção pessoal reflexa de alguns verbos que normalmente não a têm, que está de acordo com o registo
subjectivo do discurso.
4) Poeticidade do texto: a prosa poética em Vergílio Ferreira decorre do seu sentido do belo, da sua
capacidade de se emocionar e das capacidades estéticas que encontra na língua portuguesa. “Aparição” é um
discurso romanesco sobre a condição humana, ilustrada através duma acção narrativa, mas é, também, um
discurso poético.
TEMAS
1) a oposição vida (grandeza) ≠ morte (miséria)
2) descoberta do “EU”/estupidez e absurdo do Mundo
“(...) o homem primeiramente existe, descobre-se, surge no mundo, e só depois se define. O homem, tal como o concebe o
existencialista, se não é definível, é porque primeiramente não é nada.
Só depois (existindo) será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não
há Deus para a conceber” – Jean-Paul Sartre
O Existencialismo ateu (Alberto Soares é um humanista ateu) baseia-se, assim, nos seguintes princípios:
a existência precede a essência (ou seja, o homem primeiro existe e só depois sabe quem é – é o acto de
existir que conduz à descoberta do ser que existe em cada homem);
ausência de determinismo – o homem é livre; o seu destino é construído por si mesmo (no mundo) e é
independente de qualquer desígnio divino ou de qualquer outra natureza;
o homem é responsável por tudo o que faz; essa responsabilidade estende-se aos outros, uma vez que
aquilo que fizer afectará directa ou indirectamente aqueles que o rodeiam;
a percepção é subjectiva, no sentido em que essa percepção resulta da constatação da própria condição
humana (a percepção objectiva da realidade não é possível, uma vez que o homem é angústia e revela
necessidades e comportamentos que se prendem com a sua situação no Universo);
a solidão marca a existência – a liberdade provoca a solidão (sem Deus, sem valores, o homem é um ser
só)
o homem está condenado a “inventar o homem”, ou seja, a explicá-lo, de acordo com a sua própria visão
da realidade, numa determinada época
Então, só e livre, cabe ao ser humano encontrar razões para a vida, razões para a morte e para o absurdo que
esta representa. O título da obra remete, assim, para o sucessivo milagre que constitui cada “aparição” (a
palavra aparece repetida na obra vinte e nove vezes) na descoberta do “eu”, sendo o objectivo do autor
chamar a atenção para a necessidade do homem se redescobrir, se redimensionar nos limites da condição
humana.
ALBERTO SOARES
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Literatura Portuguesa Aparição
SOFIA
Sofia tem uma face jovem, olhos vivos, "corpo intenso e maleável", mãos brancas e subtis, um maravilhoso
olhar. Mas segundo o narrador, "uma beleza demoníaca, como de uma criança assassina, fulgurava-lhe nos
olhos líquidos, na face branca, na boca ávida e sangrenta" (cap.7). Provocadora e sensual, o seu amor é feito
de entusiasmo, de desespero e de loucura.
Desde criança, se revela difícil, desafiando tudo e todos, as convenções sociais e morais e a própria vida,
tentando o suicídio. A personagem Sofia é aquela que leva até ao fim as consequências de estar no mundo.
Dotada de excessiva energia, preferia o absoluto da destruição. Isto pode observar-se quando a irmã parte o
braço de uma boneca e ela destrói os brinquedos um a um. Sofia é uma personagem lunar, nocturna. Tudo
nela é enigma, com comportamentos, muitas vezes, desconcertantes. O próprio canto, em Sofia, como a sua
personalidade, é, simultaneamente, sedutor e violento. Alberto inicia o seu conhecimento de Sofia pelo
relato do Dr Moura (cap. 3). Começa a dar-lhe lições de Latim. Provocado por ela, envolve-se numa relação
como se fosse "o último amor de dois condenados" (cap.7); mas a relação física cedo implicou um encontro
mais profundo até porque Sofia também descobrira "a vertigem da vida". Sofia, com quem se envolvera
eroticamente representa a tentação do fracasso e a possível negatividade das suas interrogações. E própria
experiência da paixão, de que deve ser responsável (como pensam os existencialistas), traz-lhe surpresas que
não domina. Os momentos eróticos vividos resultam de uma atracção impetuosa e vertiginosa, com
conotações de violência e de perigo do ser que se procura. A relação íntima com Alberto Soares traz para este
a quase marginalização não só na sociedade mas também no próprio liceu. Depois de umas férias, Alberto
toma conhecimento das relações de Sofia com Carolino. Os ciúmes deste acabam em actos de loucura.
Carolino tenta matar Alberto (cap. 19) e, num acto de amor e de violência, acaba por assassinar Sofia (cap.
25) por considerá-la superior, enorme, grandiosa. Sofia pagou com vida a sua ousadia.
ANA
Ana, a filha mais velha do Dr. Moura, revela-se, para Alberto, de uma enorme grandeza. Inquieta, parece, até
certo momento, aceitá-lo e compreendê-lo, embora resista à sua notícia "messiânica". A sua sabedoria seduz o
professor. Ana possui cabelos longos e lisos, face magra, olhar vivo. Está casada com Alfredo Cerqueira, um
homem honesto, prático, mas um pouco grosseiro. Lera dois livros de Alberto e sentira-se tocada pelas
considerações existencialistas que neles se vislumbram. Parece haver uma intersecção entre a verdade de Ana
e a verdade de Alberto. Alberto chega a considerar que Ana também sabe as palavras do abismo.
A angústia perante a fragilidade e limitações da condição humana são para a irmã de Sofia o resultado de
uma experiência: sem possibilidade de ter filhos, sente-se frustrada; e sente-se infeliz e um pouco humilhada
por ver que o marido, Alfredo Cerqueira, gosta de exibir "a sua posse" (cap.9), só tem preocupações de ordem
prática com da herdade e não tem cuidado como se veste ou como fala.
Como não pode ter filhos, Ana revela-se frustrada, transferindo o seu potencial de amor materno para a
Cristina. Com a morte de Cristina, num desastre, transforma o seu comportamento. Ela representa a
angústia metafísica e a integridade, com o regresso ao equilíbrio interior. Consegue encontrar a paz de
espírito quando, tempos depois, adopta os dois filhos do Bailote, que se suicidara.
CRISTINA
Cristina é uma menina de 7 anos, admirável, de cabeleira loura. Tocava o "Nocturno 20" de Chopin
divinamente. Cristina é só arte. É criança e não questiona ainda a vida, revelando, com a sua música, um
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mundo maravilhoso de harmonia. A sua inocência tornará presente "o mundo do prodígio e da grandeza".
Cristina é uma aparição maravilhosa. A sua música tem, para o narrador, o dom da revelação. Morrerá
tragicamente ao regressar de Redondo, mas a sua imagem, a sua música e o silêncio da morte será para
sempre uma amargura, presente na memória de Alberto.
Cristina, dotada de grande pureza, representa mais alguma coisa para além do que a feição humana
permite. Parece não pertencer ao mundo terreno. Através da morte vai possibilitar a Alberto a exaltação
integral da condição humana, "ter a evidência ácida do milagre do que sou, de como infinitamente é
necessário que eu esteja vivo, e ver depois, em fulgor, que tenho de morrer". Cristina e a força mágica da sua
música continuarão vivas na memória de todos. (Cristina, tão jovem, de 7 anos, consegue executar o
"Nocturno 20".
CAROLINO
Carolino, o Bexiguinha, primo do Engenheiro Chico, é também uma personagem importante nesta acção,
quer pelo louco assassinato de Sofia, quer sobretudo pela sua fascinação pela morte como criação.
A Hybris: consiste num desafio que o protagonista realiza, após um momento de crise (krisis = momento de
decisão). Tal desafio pode ser contra a lei dos deuses, as leis da cidade, as leis e os direitos da família ou,
finalmente, contra as leis da natureza.
O Pathos: a sua decisão, o seu desafio, a sua revolta, têm como consequência o seu sofrimento (pathos), que
ele aceita e que lhe é imposto pelo Destino e executado pelas Parcas. Tal sofrimento será progressivo.
O Agon: é o combate ou luta que nasce do desafio e se desenrola na oposição de homens contra deuses, de
homens contra homens ou de homens contra ideias. Pode ser físico, psicológico, individual ou colectivo. O
conflito (agon) é a alma da tragédia.
A Anankê: é o Destino, sombria potestade a que nem aos deuses é permitido desobedecer. É pois, cruel,
implacável e inexorável.
A Katastrophé: desenlace fatal onde se consuma a destruição das personagens. A catástrofe deve vir indiciada
desde o início, dado que ela é a conclusão lógica da luta entre a Hybris e a Anankê, luta que é crescente
(clímax) e atinge o ponto culminante (acmê) na anagnórise.
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Literatura Portuguesa Aparição
Símbolos:
Noite: A noite simboliza o tempo da gestação, da germinação, das conspirações que vão eclodir, à luz do dia,
sob forma de vida. Possui a riqueza de todas as virtualidades da existência. Mas penetrar na noite significa
regressar ao indefinido onde se misturam pesadelos e monstros, ou seja, "as ideias negras". A noite é a
imagem do inconsciente e, no sono da noite, o inconsciente liberta-se. Como qualquer símbolo, a noite
encerra um duplo aspecto: o das trevas onde fermenta o devir e o da preparação do dia de onde nascerá a luz
da vida.
Montanha:
O simbolismo da montanha é múltiplo: advém da altura e do centro. Se é alta, vertical, se se aproxima do
céu, simboliza a transcendência; enquanto centro de numerosas teofanias simboliza a manifestação. Assim,
ela é encontro do céu e da terra, morada dos deuses e símbolo da ascensão humana. (…) A montanha
exprime também as noções de estabilidade, de imutabilidade, de pureza. Por outro lado, as montanhas são
vistas como o símbolo da grandeza e da pretensão dos homens que não podem, no entanto, escapar ao poder
de Deus.
Planície: Simboliza o espaço, a terra ilimitada, a imensidão infinita na qual os deuses Uranianos circulam e
arrastam as almas para a morte.
Sol: O sol é, para muitos povos, uma manifestação da divindade. É o símbolo da fecundidade mas pode
igualmente queimar e matar. O sol é fonte de luz, calor e vida.
Lua: Símbolo dos ritmos biológicos, do tempo que passa, da passagem da vida para a morte. Simboliza
também o conhecimento indirecto, discursivo, progressivo, frio. A Lua, astro das noites, evoca
metaforicamente a beleza e a luz, na imensidão tenebrosa. Mas sendo esta luz apenas o reflexo do sol, a Lua é
apenas o símbolo do conhecimento "reflectido", isto é, o reconhecimento teórico, conceptual, racional.
Música: A música é a ordem do cosmos, a ordem humana, a ordem mental. Ela é a arte de atingir a
perfeição.