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Índice
Introdução............................................................................................................3
Bibliografia.........................................................................................................34
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Patentes de Matéria Biológica
Introdução
E ste trabalho tem como objecto uma questão bem actual, premente e,
de certo modo, uma das que apresenta contornos mais indefinidos e
suscita ampla reflexão nos campos jurídico, biomédico e ético. A patenteação de
matéria biológica e a aplicabilidade das patentes, enquanto forma particular de
propriedade (assunto a que dedicaremos a nossa atenção mais tarde), a seres
vivos abre, contudo, questões de ordem mais vasta, que se relacionam com o sis-
tema comercial e industrial, ou seja, num sentido mais lato, problemas de ordem
económica. As questões científicas estão, obviamente, implícitas.
O desenvolvimento actual das biotecnologias trouxe, para a Humanidade,
enormes vantagens, deixando divisar as grandes potencialidades da tecnociência
e abrindo um campo de intervenção ao Homem que, para algumas correntes, o
aproxima demasiado de Deus - ou de um deus. A realidade é que, desde a desco-
berta da existência e a decifração das funções do ácido desoxirribonucleico (ADN)
e do aparecimento de técnicas que permitem manipulá-lo, com a emergência da
engenharia genética, os cientistas foram capazes de cada vez mais longe, em
movimentos cada vez mais ousados, na direcção de práticas cujas consequências
não são imediatamente divisáveis, nem exclusivamente científicas. Assim, numa
brevíssima cronologia, é já em 1944 que uma equipa de cientistas mostra a impor-
tância do ADN para veicular a informação genética.
Em 1953, Crick e Watson apresentam a estrutura em dupla hélice da molécu-
la de ADN, enumerando as bases que compõem os nucleótidos (adenina, citosina,
guanina e timina)1. O código genético que medeia entre genes e proteínas é desco-
berto por Ochoa e Nirenberg, nos anos 60. A engenharia genética propriamente dita
nasce com as técnicas de recombinação artificial de ADN, em 1973. «O princípio da
engenharia genética é transferir um gene estranho para uma célula hospedeira, a
fim de que a proteína codificada pelo gene seja aí sintetizada»2; as técnicas usadas
para proceder à transferência são múltiplas, cada vez mais sofisticadas, à medida
que se intervém em espécies mais complexas. Os casos mais recentes e mediáti-
cos estão ainda bem presentes, como seja o caso da célebre ovelha Dolly, da gata
1
Como seria de esperar, é completamente impossível, neste trabalho, tecer quaisquer conside-
rações de ordem científica. A nossa orientação preferencial é a ética e a moral, relativamente às
patentes - não abdicando, contudo, de alguns esteios conceptuais.
2
MISSA, J.-N. e PINSART, M.-G., «Engenharia Genética», in HOTTOIS e PARIZEAU, 1998:187.
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Artur Alves
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Oschinsky e Hottois 1998:39-43 (entrada «Aplicabilidade de Patentes a Seres Vivos»).
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Patentes de Matéria Biológica
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Artur Alves
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Patentes de Matéria Biológica
Temos aqui, portanto, duas definições bem claras e sucintas daquilo que
se refere quando falamos de patente. Percebemos, deste modo, porque é esta
considerada o modo mais eficaz de proteger uma invenção. É um regime con-
cebido para proteger a indústria e os inventores, orientado para a atribuição de
benefícios e compensações pelo investimento em pesquisa e desenvolvimento,
ou seja, tende a premiar o inventor e fabricante de um determinado produto ou
processo. Confere, na prática, o direito exclusivo de uso, ou monopólio, de um
determinado objecto patenteado, a uma dada entidade que requer a patente, ne-
gando a todos os outros o direito de fabricar, usar ou vender tal invenção. Tem um
período de tempo limitado e não é renovável, o que significa que, tendo em conta
o processo burocrático exigido para a obtenção de uma patente, no termo desse
período, o objecto se torna passível de uso público. Na realidade, de modo a obter
uma patente, o requerente tem de entregar uma descrição da invenção que per-
mita a um técnico da área recriá-la e usá-la - no entanto, o Estado encarrega-se
de se certificar que ninguém tem o direito de o fazer, para além do requerente.
Estes direitos exclusivos constituem uma enorme vantagem para o inven-
tor e fabricante, uma vez que não só lhe dão a propriedade intelectual sobre o
4
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Documentação, vol. II (1993-1994), Presidência do
Conselho de Ministros, Lisboa, INCM, Maio 1995, pg. 98.
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Artur Alves
produto, como lhe permitem auferir lucros substanciais a partir da sua comercialização
monopolista. Assim, verificamos que as patentes funcionam como um incentivo para
actividades que possuam as características que exigem para a sua concessão: a acti-
vidade inventiva e a aplicação industrial. Ou seja, o investimento em produtos novos é
generosamente remunerado pelas leis que regulam as patentes, justificando, assim, a
atracção que a obtenção de patentes origina. Isto é verdade em todos os campos da
actividade industrial, mas assume, neste trabalho, particular interesse na biotecnolo-
gia; também aqui, as patentes dão o incentivo necessário para arriscar avultados inves-
timentos privados na indústria. Aliás, os lucros que este sistema permite são normal-
mente tidos como justificados por políticos, economistas, empresas e investigadores,
devido à grande produtividade e contínuo desenvolvimento de empresas dessa área.
Quanto maior é a novidade e originalidade do produto ou processo desenvolvido, maio-
res são os riscos assumidos no investimento, mas é também maior o proveito e a pos-
sibilidade de obter uma patente muito vantajosa. E, claro, a utilidade é essencial e fácil
de compreender, até por uma lógica puramente económica de alocação de recursos.
A repetibilidade é, por si só, extremamente relevante na medida em que é o factor que
determina a capacidade de produção ou aplicação industrial. A ciência é construída a
partir das regularidades, nas quais tende a instalar máquinas.
Compreendemos facilmente que, em vista do bem público e tendo em conta
um “direito natural”, o Estado concede estas patentes (por períodos limitados, habi-
tualmente entre 15 e 20 anos), contanto que cumpram estes requisitos. Ainda que,
tradicionalmente, fossem concebidas e concedidas para objectos inanimados, os esta-
dos alteraram as suas disposições legais e políticas - estamos a pensar no caso dos
Estados Unidos da América - de modo a poder responder às solicitações constantes
das novas empresas da área das biotecnologias, que procuravam, a partir dos anos
70, modos de rentabilizar a sua pesquisa, por um lado e, por outro, responder a uma
crescente solicitação por parte de uma sociedade progressivamente medicalizada. De
facto, a procura de produtos de cariz biotecnológico alarga-se com o crescimento da
cronicidade das doenças, problemas ambientais e novas doenças incuráveis, que de-
positam uma pressão acrescida sobre os sistemas de saúde públicos e privados. É
como se, actualmente, a ciência já não pudesse limitar-se a procurar na Natureza os
seus recursos, mas se visse impelida, devido aos meios fantásticos de que passa a
dispor, a elaborar os instrumentos vivos com que tem de trabalhar. Para alguns, trata-
se de mais um aprofundamento da Ciência que já não pode deixar de ser tecnociência;
para outros, é um passo cuja medida o Homem não pode aferir com segurança.
De notar que, como afirma Enrique Marín Palma, a ideia de patente vem acom-
panhar a concepção de que era necessário proteger os inventos enquanto forma de o
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por imperativos e razões perfeitamente justificáveis, uma vez que o desenvolvimento das bio-
tecnologias tem mostrado a sua utilidade para a Humanidade. Ainda que as suas maiores
promessas (terapêutica genética alargada às doenças hoje incuráveis, para as doen-
ças genéticas, no campo da transplantação, testes genéticos, clonagem e intervenção
nas linhas somática e germinal) ainda façam parte do futuro, podemos afirmar que,
pelo menos a avaliar pelos números do USPTO, um longo caminho foi já percorrido,
em que as disposições legais e o modo de fazer ciência se influenciaram mutuamente,
de forma a conseguir um equilíbrio sempre frágil. Tal equilíbrio consegue-se, quase
sempre, com alguns atropelos às considerações éticas consideradas relevantes ou
indispensáveis por sectores menos liberalizantes, ou mais conscienciosos.
Os problemas apresentados pela comercialização (cuja essência não nos com-
pete, aqui, colocar em causa) são múltiplos, mas todos relacionados com esta orien-
tação das pesquisas e produção para a obtenção de lucros (recordemo-nos que mes-
mo o trabalho dos investigadores do National Institute of Health dos EUA - entidade
estatal - é sujeito a patentes de modo a, de acordo com os responsáveis, rentabilizar
a pesquisa e financiá-la), o que justifica o uso da instituição da patente. Esta, como já
vimos, tem como objectivo, entre outros, o estímulo da continuação das pesquisas e
desenvolvimento de novos produtos e processos.
Mas diversos autores nos alertam para os problemas éticos e jurídicos suscita-
dos pela patenteação de matéria biológica, como uma das dimensões específicas do
problema mais vasto da comercialização destes produtos. De alguns desses proble-
mas apercebemo-nos quando falamos das patentes. Há autores que afirmam haver a
possibilidade de uma propriedade pública do património genético, mas esta hipótese
revela-se como apenas parcialmente alternativa, porque fica aquém do objectivo (lou-
vável, aliás) de estímulo à actividade inventiva e científica. Apesar de tudo, a engenha-
ria genética ainda não está a tornar realidade os vaticínios apocalípticos de alguns, e
é de crer que trará grandes vantagens para a Humanidade. Aliás, com o actual estado
da questão, não é realista pensar que se possa dar uma alteração radical do actual
modelo. Na realidade, «Las empresas biotecnológicas existentes y las que a un ritmo
frenético comenzaron a aparecer, denotaban el terreno multimillonario que se pre-
sentaba como seguro para la inversión de sus capitales»7, o que constitui o melhor
incentivo possível para uma acção agressiva e impossível de parar.
Tal como acontecia com as parcerias e joint- ventures que neste campo organi-
zavam empresas e institutos de investigação ou laboratórios. O horizonte último desta
cooperação é sempre a obtenção de exclusivos (leia-se patentes) para produzir um
7
«Patentes de Materia Viva», CAMBRÓN, A., 1998:169
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Patentes de Matéria Biológica
(...) a more contextual and two- way approach, which does not only examine the manner in
which a specific technology is embedded in (and is influenced by) specific moral, cultural
or religious values (which may be questioned), but also the manner in which technology is
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Artur Alves
transforming important moral and cultural values (which may raise new moral questions).8
Só com esta nova estratégia se pode passar para uma nova forma de avaliar o
sistema, tal como ele está - sem que se ponha na mesa a possibilidade de um corte
radical com ele, como já foi acima referido.
A patenteação levanta questões morais muito importantes. Operou um corte ex-
tremo com o modo de ver o mundo e a acção humana, graças à engenharia genética.
A subsistência de visões metafísicas das formas de vida faz com que, ao discutir este
problema, nos deparemos com a sacralização, religiosa ou não, da vida e da matéria
biológica. Assim, um argumento frequente refere-se aos receios de redução da vida a
mero problema de composição química; os materialistas afirmam, porém, que a vida
em si não é o objecto da patente, mas sim compostos químicos. Na mesma linha de
sacralização da vida, argumenta-se afirmando que patentear matéria biológica obede-
ce a uma falta de reverência pela vida, mas não nos parece, tal como acontece com
Nils Holtug, que isso seja muito diferente de possuir animais. Relativamente ao bem-
estar e ao problema do sofrimento, falaremos mais adiante, no capítulo dedicado à
questão específica das formas de vida que podem ser objecto de patente. Obviamente,
o facto de ser possível patentear matéria biológica faz-nos ver a vida, como fenómeno,
de um ponto de vista diferente.9
Os debates desenham-se principalmente em torno da patenteação de genes
mas, de um modo geral, há pouco de definitivamente admitido neste campo, muito
embora se continuem a adoptar os procedimentos normais das patentes. Procura-se
justificar moralmente o sistema de patentes, a aplicabilidade destas a formas de vida,
a patenteabilidade do ADN e, particularmente, do material genético humano, a própria
patenteação de invenções (a que já nos referimos) e a avaliação dos efeitos da própria
patenteação. Do campo técnico- legal ao religioso e lógico, passando pelo ambiental,
nem sempre estão directamente relacionados com os efeitos os argumentos utilizados.
A avaliação da tecnologia e da moral subjacente é multidisciplinar e incide sobre to-
dos, ou quase todos, os aspectos do processo que desemboca no pedido de patente,
pondo em causa, segundo Hoedemaekers, os princípios que orientam a pesquisa, a
investigação e desenvolvimento, a patente, o fabrico, os testes, a publicidade e marke-
ting, o uso apropriado e as consequências ou implicações sociais. Em qualquer uma
destas fases, directamente relacionadas com a comercialização dos produtos biotec-
8
HOEDEMAEKERS, 2001:274.
9
Seguimos aqui de muito perto HOLTUG, Nils, «Creating and Patenting New Life Forms», in A Com-
panion to Bioethics (ed. Helga Kuhse and Peter Singer), Blackwell Companion to Philosophy, Grã-
Bretanha, 1998, pgs 206-14.
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Patentes de Matéria Biológica
Note-se que, tal como é preconizado pelo autor, dá-se primazia à aná-
lise ético-moral e não à consideração dos efeitos ou à imposição de princípios
apriorísticos ao processo. Esta concepção é ideal para a tomada de decisão e
discussão dos processos, sendo, portanto, particularmente indicada para os de-
bates alargados, orientados ou não para a definição de políticas. De qualquer dos
modos, aqui se encontram sintetizadas as principais preocupações e perplexida-
des relativas à patenteação de matéria biológica em geral. É nestas dimensões
que nos vamos basear para, nos próximos capítulos, tornar a nossa análise mais
pormenorizada.
Há ainda algo a que não nos referimos mas que, por lhe encontrarmos par-
ticular interesse, não queremos deixar de apontar: as relações Norte- Sul na bio-
tecnologia. Na realidade, verificamos que os países em vias de desenvolvimento,
onde de encontra uma grande biodiversidade, constituem enormes reservatórios
potenciais de genes. No entanto, o que acontece é que, como em muitas outras
áreas, estes são recursos que só podem ser explorados em grande escala pelos
países desenvolvidos, do Norte. O facto de nestes se estar a desenvolver a ten-
dência a usar as patentes como forma de protecção pode levar a que a biodiver-
sidade dos países do Sul seja “apropriada” e aproveitada em favor das empresas
biotecnológicas, não possuindo os primeiros, em contrapartida, a capacidade e
recursos quer para concorrer, quer para comprar os novos produtos postos à dis-
posição. É aquilo que Renée Vellvé classifica como «(...) un conflit très grave entre
le statut des ressources génétiques comme patrimoine commun de l’humanité
10
HOEDEMAEKERS, 2001:283.
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In GROS e HUBER (Org.), 1992:499.
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CE
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CNEV, 1995:98.
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à sua evolução actual, bem como aos motivos de ordem económico- financeira que presi-
dem ao uso da patente por parte dessa indústria, como forma de proteger as suas ob-
tenções e investimentos. Parece-nos também estar plenamente consciente da função
reguladora e fiscalizadora dos Estados e administração, reafirmando a utilidade das
patentes para a protecção jurídica, bem como a necessidade de harmonizar definitiva-
mente o conjunto contraditório de legislações nacionais em vigor com as definições e
disposições dos tratados internacionais. Isto com finalidade comercial e de eficácia do
funcionamento do mercado interno europeu, em clara concorrência com os Estados
Unidos e Japão; está bem presente na exposição de motivos da directiva a intenção
de incentivar o desenvolvimento das vantagens que pode apresentar a engenharia
genética para a agricultura, para o ambiente, para a economia e para a saúde. Sem
esquecer, claro está, a salvaguarda das disposições internacionais relativas à protec-
ção da saúde pública, segurança, ambiente e da diversidade biológica e genética, bem
como das normas éticas e deontológicas.
Na exposição dos considerandos vemos ainda os problemas relativos ao uso e
patenteabilidade da matéria biológica humana; sobretudo, tenta-se impedir a possibi-
lidade ou veleidade de apropriação de algo mais do que elementos isolados do corpo
humano, identificados e purificados por processo externos, i.e., técnicos. Num plano
mais vasto, também as patentes de matéria biológica não humana são, ainda que de
um modo mais moderado, sujeitos a condições, entre as quais se destaca, numa linha
de protecção dos países em vias de desenvolvimento, a exigência de localização geo-
gráfica da procedência da matéria a patentear. Reafirma-se a relevância dos conceitos
de ordem pública e bons costumes, devido ao alcance das invenções biotecnológicas
- aplicando-os, de facto, às temáticas da clonagem humana e da intervenção na linha
germinal do Homem. Os problemas relacionados com os Direitos Humanos, sofrimen-
to animal e derrogação de direitos de patente são também referidos.
Após os considerandos, a Directiva propriamente dita é exposta em cinco capítu-
los. O primeiro indica as regras de patenteabilidade, em que se dá a seguinte definição
de matéria biológica, crucial para este trabalho: «“Matéria biológica”, qualquer matéria
que contenha informações genéticas e seja auto- replicável num sistema biológico»13.
Os artigos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º são relativos ao que é ou não patenteável, sendo os três
últimos uma forma de definição negativa, que inclui as espécies no seu estado natural
e o Homem, bem como as invenções contrárias aos bons costumes e ordem pública
que não são considerados patenteáveis, a saber:
13
Directiva n.º 98/44/CE, Cap. I, art. 2.º, n.º 1, a).
18
Patentes de Matéria Biológica
14
Idem, Cap. I, art. 6.º, n.º 2.
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Capítulo III:
Patenteação de Microorganismos, Plantas e Animais
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Patentes de Matéria Biológica
relativa ao uso a dar à matéria biológica descoberta. Assim, como afirma Marín
Palma,
15
Op. cit., pg. 174.
17
A União Europeia possui, pelo menos desde 1990, directivas regulatórias concernentes à
libertação de microorganismos no meio ambiente, visando o seu controlo e restrição.
21
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I.e., um gene causador de uma predisposição para o desenvolvimento de cancros.
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CNECV, 1995:115.
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Capítulo IV:
Patentes de Matéria Biológica Humana
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categoria não é permitido, pelo que está excluída a possibilidade de efeitos nefastos
em larga escala - o que não significa que este aspecto não seja digno de uma avalia-
ção moral séria.
Habitualmente, na escala molecular, é interdita a hipótese de patentear genes ou
proteínas no seu estado natural, por serem especificamente “partes do corpo humano”,
o que já não acontece quando são purificadas e isoladas, ou seja, quando a patente
versa sobre genes humanos sintetizados e modificados. Os genes, enquanto moléculas
orgânicas complexas, são tão patenteáveis como qualquer outro composto químico. O
seu estatuto especial advém-lhes de serem produtos naturais. O direito de patentes
tem, neste ponto específico, a vantagem de exigir a inventibilidade e novidade.
Seria, contudo, a este nível que se desenrolaria uma das maiores controvérsias
da genética humana: a intervenção sobre a linha germinal e/ou sobre a linha somática.
A primeira refere-se à manipulação genética dos gâmetas humanos, de modo a alterar
as características dos genes de que são portadores e, assim, poder eliminar defeitos
genéticos ou melhorar as características genéticas a transmitir à descendência por um
determinado indivíduo; se tem vantagens, no número de intervenções necessárias e
no melhoramento da espécie humana quer através da erradicação de doenças genéti-
cas, quer pela manipulação das características directa ou indirectamente controladas
pelos genes, possui a desvantagem moral de ser uma prática de natureza eugénica
e, como tal, injusta e condenável an sich. As intervenções sobre a linha somática sur-
tem efeitos apenas sobre o indivíduo em que são realizadas, destinando-se a corrigir
defeitos ou predisposições genéticas para determinadas doenças (como o cancro, por
exemplo). Têm a vantagem de não serem permanentes, uma vez que não se transmi-
tem para os descendentes e, logo, permitirem inflexões no modos de tratamento com
o avanço da ciência. Os riscos são, na nossa opinião, bem menores, quer para o futuro
desenvolvimento da ciência (por eliminarem património genético que não se conhece
a fundo, e que pode provar ser útil), quer para a Humanidade (por não se conhecerem
os efeitos que poderá vir a ter, em qualquer das gerações futuras afectadas pela in-
tervenção da engenharia genética num antepassado). Assim, a redução da incerteza
científica revela-se como o critério mais seguro a utilizar.
O mesmo parecem pensar os autores consultados, que condenam vigorosa-
mente as intervenções sobre a linha germinal do ser humano, seja sob que pretexto
for. Aliás, mesmo as intervenções e manipulação da linha somática só são admitidas
em caso de absoluta necessidade terapêutica. Igualmente, todos os processos de ma-
nipulação da linha germinal estão afastados do horizonte da patenteabilidade, ou seja,
não é possível, legalmente, intervir sobre o património genético futuro da Humanidade.
A nível celular, as considerações a tecer são de outra ordem. É corrente patentear
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Patentes de Matéria Biológica
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Artur Alves
e de produtos humanos (sangue e gâmetas) é um mercado que, até agora, tem vivido
muito do voluntarismo e da solidariedade, mas pode ser “contaminado” exactamente
pelo factor comercial. Como refere Gilbert Hottois20, este é um problema que se situa
no cruzamento entre os bens públicos (notavelmente no uso de órgãos de cadáveres
e na sua disposição ao uso público), comuns e universais, a necessidade de estrutu-
ras de mercado para assegurar a eficácia máxima no processo e as reivindicações
religiosas e morais de sectores menos liberais da sociedade. Aliás, alguns movimen-
tos religiosos (por exemplo, Testemunhas de Jeová) recusam, pura e simplesmente,
a “contaminação da pureza do corpo humano” de um Homo Dei pela intrusão de ele-
mentos estranhos.
Também neste caminho podemos encontrar a questão da doação de órgãos e
cadáveres para investigação, tão antiga como a própria Anatomia. Aqui, podemos per-
ceber que a questão se coloca, não na solidariedade para com outro indivíduo (que,
habitualmente não se conhece, permanecendo em abstracto como um bem que se
faz à comunidade em geral, ou um serviço que se presta, dependendo da perspectiva
mais ou menos sacralizada), mas para com a investigação científica e o seu potencial
de desenvolvimento futuro. Esta última é uma forma de solidariedade mais indirecta,
com consequências perversas no caso de uso indevido dos itens para pesquisa. Isto
não é de pouca monta, uma vez que qualquer parte do corpo humano usado em inves-
tigação tem de ser legalmente adquirido, pelo menos à luz do Direito vigente. No en-
tanto, se imaginarmos um rim oriundo de um qualquer canto obscuro de um país como
a Índia (em que a extracção de órgãos sem consentimento se tornou, há vários anos,
um crime inconcebivelmente habitual nas grandes urbes como Nova Delhi e Calcutá),
posteriormente vendido e transportado rapidamente para uma clínica privada de uma
país mais desenvolvido, onde tem como destinatário um indivíduo doente com posses
e poder, percebemos como o tráfico se pode desenrolar ilegalmente sem barreiras de
maior. É contra este problema que é necessário transformar algumas disposições e
práticas normais, em virtude da imoralidade deste tipo de exploração do ser humano.
È com este tipo de práticas perigosas e completamente imorais que lidamos no campo
das biotecnologias. Apesar de tudo o que se diz, é de facto com vidas humanas que
se trabalha.
Quanto ao corpo humano como um todo, a literatura é unânime em condenar
veementemente a sua patenteação ou apropriação sob qualquer forma. É John Har-
ris21 quem melhor nos descreve os perigos de interferir com o genoma humano de
20
«Solidarité et disposition du corps humain» in Parizeau, M.-H. Les Fondements de La Bioéthique,
«Sciences, Éthiques, Sociétés», Bruxelas, De Boeck- Wesmaek, 1992, 199 pgs., pgs. 103-19.
21
No seu livro Supermán y la Mujer Maravillosa, de 1992 e traduzido para castelhano em 1998.
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Patentes de Matéria Biológica
modo a criar seres humanos transgénicos. Ainda que se pudesse criar e patente-
ar, por absurdo, uma nova raça de seres humanos, resistentes a graus mais ele-
vados de poluição atmosférica ou de radiação, sabemos que isso não resolveria
problemas atmosféricos, mas teria como consequência o abandono das grandes
preocupações ambientais - o que teria graves consequências para os seres hu-
manos “normais”. A criação de quimeras e híbridos humanos traria graves con-
sequências para a sociedade; basta pensar na polémica suscitada por questões
como a clonagem e a eugenia (um horizonte implícito na intervenção sobre os
seres humanos como um todo) para termos uma ideia do quão caótico seria este
procedimento, mormente nos seus efeitos.
Hoje em dia, contudo, todas as disposições em vigor colocam categori-
camente de lado a mera ideia de criar seres humanos transgénicos ou de poder
patentear tal feito. Aliás, se não se colocasse este limite, seria impossível, com ar-
gumentos lógicos e retóricos, defender a impossibilidade de patentear uma forma
de vida (humana) que, na realidade, não existe na Natureza. Qualquer conside-
ração acerca deste assunto cairia no demasiado óbvio, mas penso que devemos,
ainda assim, tentar analisar os grandes princípios que presidem a esta proibição.
Em primeiro lugar, considera-se a patenteação de seres humanos con-
trária à ordem pública e bons costumes, fazendo parte daquelas invenções cuja
comercialização é terminantemente proibida. Obviamente, estas são ideias alta-
mente subjectivas, mas por isso mesmo é que devemos considerá-las como ne-
cessárias. Como foi dito, não há razão para, face à possibilidade de patenteação
sobre animais, plantas e microorganismos, impedir um passo em frente. Só que
este passo, como podemos verificar pelo estado da técnica, seria sempre maior
do que a capacidade de compreensão e previsão.
Em segundo lugar, temos a dignidade humana, que justifica a invio-
labilidade do seu corpo. Com o advento da bioquímica, as fronteiras entre
a vida e a matéria foram esbatidas, e hoje compreende-se que não há, fun-
damentalmente, diferenças entre os genes humanos e genes de uma planta
(muito embora o próprio conceito de gene humano já acarrete considerações
acerca de funções específicas do genoma humano e do ser humano). A dig-
nidade do genoma humano e do Homem é-lhes conferida pela razão huma-
na. Contudo, não é isso que está em causa. O que se passa é que, de todas
as coisas do mundo, apenas o Homem como um todo é sujeito de dignidade,
passível de avaliação e estatuto ético, muito embora as partes destacáveis do seu
corpo possam desfrutar, como equaciona Remédio Marques22, desse estatuto de
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Biomédico, Coimbra, Coimbra Editora, Junho de 2001, 154 pgs., pgs. 97-108.
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Patentes de Matéria Biológica
Considerações Finais
Neste curto mas, espera-se, claro trabalho, tentou-se dar uma perspectiva
geral do estado da questão da patenteação e da atribuição de patentes sobre
matéria biológica. Apesar de toda a pesquisa levada a cabo, estamos conscien-
tes que, dadas as limitações inerentes a este tipo de trabalho, acaba por não ser
possível ir tão longe como desejaríamos na problematização e análise; contudo,
o método adoptado parece-nos o melhor para apresentar o problema nas suas
linhas gerais, tanto mais que, dedutivamente, descemos gradualmente, ao longo
de quatro capítulos, no âmbito dos objectos ou subtemas a ter em consideração.
A vantagem decisiva é a de que, assim, pudemos “arrumar”, de uma forma preli-
minar ainda que cuidadosa, não o tema (não nos arrogamos tal capacidade) mas
a apresentação dos resultados das nossas pesquisas.
Tendo, agora, uma perspectiva mais documentada sobre o problema, não
podemos deixar de nos sentir tranquilizados pela prudência que tem marcado
a atribuição de patentes e a legislação sobre patenteação em vigor nos países
desenvolvidos. As preocupações e agitações prematuras acerca das patentes de
matéria biológica, nomeadamente humana, são de molde a deixar um rasto de
desconfiança - por vezes mal fundamentada - relativamente à biotecnologia. Ali-
ás, parece-nos que a evolução, tendo em conta o desenvolvimento da engenharia
genética e da biotecnologia, foi a mais vantajosa possível para todos, e que o
mecanismo da patente tem vantagens inestimáveis neste campo, não só para as
empresas com objectivos lucrativos, mas também para a comunidade, que assim
vê salvaguardada a segurança da sua saúde devido à ilegalização de métodos
não patenteados. Os limites ético- morais e jurídico- legais impostos são neces-
sários e salutares, apesar de tudo o que é dito por liberais e “fundamentalistas”.
Apesar de não nos incluirmos no grupo dos entusiastas indefectíveis da
engenharia genética, podemos considerar que há mecanismos que, não sendo
perfeitos (as patentes deixam muito a desejar no que se refere ao equilíbrio Nor-
te- Sul), permitem uma supervisão estatal e da sociedade em geral sobre as acti-
vidades da biotecnologia. Não ignoramos, contudo, que esta tem aplicações que
não se limitam ao campo da biomedicina e saúde humana. Ainda recentemente,
segundo noticiava o jornal The Weekly Standard, George Poste, um responsável
da equipa do Pentágono dedicada ao estudo e controlo do bioterrorismo, apela-
va ao secretismo de alguma investigação biotecnológica, para passar a ter uma
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vantagem sobre os novos inimigos (os Rogue States, agora designados como “esta-
dos terroristas” ou, de forma mais maniqueísta, “Eixo do Mal”, pela equipa de George
W. Bush) no campo da guerra química e biológica. Percebemos, assim, a inevitabili-
dade de a ciência ter este tipo de aplicações, se é que nos tínhamos esquecido. Após
os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, muito haverá a esperar deste campo,
principalmente se quisermos fazer face aos nossos piores receios a às ameaças do
terrorismo internacional. Sem querer cair no maniqueísmo fácil, ou mesmo no alar-
mismo generalizado, pensamos que convém estar preparado para enfrentar grandes
problemas neste campo, com a agravante de não ser possível, em sede de debate no
espaço público, impedir um certo “consenso do medo” em torno da aceleração da in-
vestigação biotecnológica de mecanismos que permitam aumentar as probabilidades
de fazer face a um ataque biológico23. Isto significa que, no futuro, aquilo que a biotec-
nologia criou vai ter de ser enfrentado por ela, o que é mais uma razão para confiar-
mos nas suas potencialidades sem nunca permitir a sua completa autonomia - leia-se,
abandono aos mecanismos de mercado (a morte é sempre um mercado vasto).
O mais recente livro de Fukuyama, Our Posthuman Future, é dedicado à enge-
nharia genética. Prevê-se, apocalipticamente, que os avanços neste campo da ciência
vão ameaçar a nossa humanidade. O mais provável é que eles a vão redefinir, mas
para tal será necessário que algo mude, nomeadamente a natureza, segurança, con-
fiança e aplicabilidade de técnicas ainda por testar ou inexistentes. Lembremo-nos
que, por cada novo processo ou possibilidade que surgir, haverá inúmeras coisas a ter
em conta antes da sua aplicação e da sua escolha. Para além do mais, não nos parece
que a “loucura humana” possa avançar, neste campo, para a maior das incertezas, que
decerto estará de mãos dadas com a intervenção genética sobre a natureza humana
- algo que ainda está para definir com exactidão.
As disposições sobre as patentes são, de certo modo, reconfortantes. Tal como
está, esta área do Direito vai permitir a evolução e desenvolvimento da indústria bio-
tecnológica e, com isso, trazer inúmeros benefícios para a prestação de cuidados de
saúde, em primeiro lugar (principalmente a nível clínico e terapêutico, tal como já antes
tinha feito, e continua a fazer, com a reprodução medicamente assistida). A perspectiva
de medicamentos e testes genéticos, com potencial para resolver muitos problemas
que actualmente atormentam a Humanidade, são apenas a ponta mais visível dos
benefícios a que não podemos virar costas. Entre estes contam-se ainda as poten-
cialidades a nível da resolução de problemas ambientais e alimentares, os benefícios
23
Pode argumentar-se que não é líquido que as redes de terrorismo internacional tenham acesso a
produtos tão letais. Mas pensamos que o risco é demasiado grande, mormente se considerarmos a
facilidade de manipular, transportar e usar algo tão mortífero como o antraz, por exemplo.
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Patentes de Matéria Biológica
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Artur Alves
Bibliografia
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