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Discursos e modelos femininos:

o público e o privado na sociedade diamantinense de 1890 – 1940

Dayse Lúcide Silva Santos∗

Resumo: O objetivo deste trabalho é entender a relação estabelecida entre o público e o privado, segundo o
discurso veiculado nos jornais de Diamantina, procurando entender a ótica feminina nestes documentos. É fato
que a sociedade moderna se “intimizou” e os padrões que regiam o espaço privado serviam como base para se
entender o espaço público. A discussão sobre a mulher que se insere na relação do público e do privado, em
termos do discurso moralista imposto, denota uma clara tentativa de “modelar”, de “padronizar” o
comportamento individual feminino, escapando à mulher o controle de seu corpo e de seus desejos. Desta
maneira, a resistência feminina que se opera, é em favor da privatização do corpo da mulher, na qual lançava-se
mão de um mecanismo muito eficiente: a moda. Desencadeava-se, porém, um processo de transição dos
costumes, que pode ser interpretado como uma crise nas instituições básicas da sociedade – a família e a igreja.
Este processo exigiu uma melhor adequação das instituições ao novo perfil feminino. Assim, a mulher só
conseguiu modificar o espaço íntimo/privado quando se representou diferentemente no espaço público,
promovendo a necessidade de se estabelecer novos padrões de comportamento social feminino.

Palavras-chave: História Social, Sociologia, Público, Privado, Imprensa, Mulher, Moral.

O presente trabalho busca discutir os padrões privados de comportamento feminino, no


que diz respeito à função social da mulher, segundo as informações obtidas nos jornais,
publicadas semanalmente na cidade de Diamantina, interior de de Minas Gerais, para o
período que se estende de 1890 a 1940.
Um segundo aspecto a ser abordado é a compreensão da forma pela qual os padrões de
comportamento feminino, nos espaços público e privado, se efetivaram, segundo a ótica dos
moralistas que regularmente escreviam para os jornais diamantinenses. Procurar-se-á entender
a forma pela qual se deu a “intimização do espaço público”. Simultaneamente à “intimização”
da sociedade, com uma conseqüente diminuição do espaço público, deve-se entender que, em
se tratando da moral direcionada à mulher, percebe-se uma espécie de “modelagem” do
comportamento individual feminino, tanto no espaço público, quanto no espaço privado. Neste
sentido, a mulher perde praticamente o controle do seu corpo e de seus desejos, pois a intenção
do discurso é homogeneizar o papel feminino, até mesmo na sua expressão mais íntima: o
corpo. Até que ponto, para a mulher, houve a privatização – individuação – de
comportamentos? Esta oposição não estaria então ligada à publicização do comportamento
feminino, lançando mão deste discurso nos jornais como mecanismo condutor da ideologia
dominante?
Pretende-se discutir, por fim, a maneira pela qual a transição dos costumes “tradicional
para o moderno” transcorreram nesta sociedade, e como revelaram a atuação da mulher,
partindo da análise do discurso jornalístico/moralista. Teria então a mulher conseguido maior
privatização quando seguiu as inovações da moda? Até que ponto este processo demonstrou a
necessidade de se repensar a prática das instituições que montavam o discurso moral nesta
sociedade? Qual o papel e a importância social cumprido pelo jornal feminista de 19 (?)

Professora do Departamento de História da FAFIDIA/UEMG e Pesquisadora do Centro de Memória Cultural do
Vale do Jequitinhonha, FAFIDIA/UEMG.
O trabalho tem como eixo temporal o final do século XIX e as quatro primeiras
décadas do século XX, pelo fato de que neste período Diamantina sofreu influência direta da
Belle Époque carioca, produzindo modificações direta nos costumes e padrões morais locais,
bem como uma forte reação conservadora do discurso impresso veiculado na cidade, no que
tange a situação feminina. Desta maneira, a sociedade diamantinense se viu compilada a
buscar e utilizar o jornal como mecanismo de divulgação de idéias tradicionais, em termos de
padrões comportamentais e costumes femininos, pois era necessário modelar o
comportamento da mulher. A sociedade se olhava no espelho através dos jornais que, de uma
forma ou de outra, demonstrava muito bem a imposição discursiva do padrão moral feminino
no espaço privado da casa. Nos ambientes de sociabilidade representavam uma forma da
sociedade se debater e promover modificações em si mesma. (HABERMANS, 1984:58-9)
Neste trabalho utilizou-se cerca de 150 fascículos de jornais, predominantemente o Pão
de Santo Antônio, A Voz de Diamantina, a Idéa Nova e a Estrela Polar. Ainda, em menor
número – pois pouco se encontrou nos fascículos existentes – os jornais: O Município, O
Norte, Voz de Diamantina, Voz Feminina e O Itambé. Todos se encontram arquivados na
Biblioteca Antônio Torres, sob a guarda do IPHAN, na cidade de Diamantina.
De modo geral, os jornais apresentam um conjunto de informações muito variado,
abordando diversos temas da vida social. Tendo em vista a quantidade de informações que os
jornais oferecem, optou-se por trabalhar com os artigos que se referiam à moral cristã e aos
fatores de dissolução desta moral, privilegiando o discurso direcionado à mulher, para então
compreender “o discurso moral impresso e imposto: a privatização do feminino.”

I
Padrões de comportamento feminino

O discurso veiculado nos jornais diamantinenses é essencialmente moralizador e com


base nos costumes cristãos. Como tal, diversas páginas eram gastas para educar a mulher de
acordo com o comportamento “correto” no ambiente privado da casa e nos ambientes de
sociabilidade, como o cinema, a Igreja e a rua. Definiu-se e publicou-se a forma pela qual
deveria ser estabelecida a função social da mulher, o vestuário e a educação feminina.
Os jornais traziam definições acerca da função social feminina, a qual deveria ser
seguida como padrão normatizador do comportamento feminino, tecendo comentários, que ora
aplaudiam, ora repreendiam as atitudes femininas, cristalizando um padrão de comportamento
socialmente aceito.
A função social da mulher, segundo as informações dos jornais diamantinenses, se
restringia à atuação no recôndito familiar, uma vez que da mulher dependia o alicerce da
sociedade e a “felicidade humana repousava na tranqüilidade do lar, sendo alicerce básico da
sociedade”. (Pão de Santo Antônio, 7/09/1924, n 14, ano XVII ). O espaço da casa funcionava
como fornecedor de base para as relações sociais estabelecidas em público, ou seja, o espaço
público se formava de acordo com as regras vigentes na família. Segundo SENNET (1998), a
partir do século XIX, preparou-se a base para a sociedade intimista induzindo as pessoas a
acreditarem que os intercâmbios em sociedade eram demonstrações da personalidade e isto os
levou, obsessivamente, a entender, como os outros e eles próprios, eram na realidade. Institui-
se a ideologia intimista e a aproximação entre as pessoas passou a ser entendido como um bem
moral, levando-as a cristalizar não o que lhes era autêntico, mas sim a desenvolver a
capacidade de representar.
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Neste contexto, a mulher era vigiada constantemente, pois passou a freqüentar diversos
espaços de sociabilidade, como o teatro, o cinema e o baile, projetando as representações
impostas no espaço privado, para o âmbito público. Separou-se os espaços de domínio
feminino e masculino, como bem demonstrou os estudos de SOIHET ao compreender a
proposta burguesa, “referendada pelos médicos, sobre a divisão de esferas que destinava às
mulheres o domínio da órbita privada e aos homens, o da pública. Embora algumas mulheres
mais ricas fossem estimuladas a freqüentar a rua em determinadas ocasiões, nos teatros, casas
de chá, ou mesmo passeando nas novas avenidas, deveriam estar sempre acompanhadas”.
(1997:365).
A imprensa local produziu artigos e mais artigos referendando o espaço de atuação
feminina e masculina. Ao fazer isto, o discurso veiculado foi elaborando uma padronização,
uma modelagem, como a mulher, enfim, deveria ser e se apresentar nos espaços público e
privado.
O discurso jornalístico demonstrava a preocupação na cristalização da função
procriativa da mulher, que pode ser entendida como um prolongamento da concepção do
feminino – e por extensão da família – como alicerce da sociedade, pela via matrimonial, uma
vez que o ideal da mulher mãe deveria ser sempre de dedicação total à vida familiar e de
renúncia a si e aos prazeres do mundo. Segundo D’INCAO, esta redefinição do papel feminino
era considerada a base moral da sociedade, a mulher da elite, a esposa e mãe burguesa, deveria
adotar regras castas no encontro sexual com o marido, vigiar a castidade dos filhos, construir
uma descendência saudável e cuidar do comportamento da prole (1998:230). Um artigo
assinado por uma mulher, no jornal Pão de Santo Antônio, demonstrou o quanto,
aparentemente, este discurso estava arraigado na visão feminina. Claro que é possível duvidar
do gênero do autor do texto. Era costume corrente que as pessoas utilizassem pseudônimos
para escrever artigos em jornais, principalmente aqueles mais “ferrenhos”. Essa dúvida ganha
reforço ao analisar o discurso feminino veiculado no único jornal feminista da época, o qual
deixava patente a participação feminina na sociedade, principalmente na política. Mesmo
assim, vale a pena conferir os seus dizeres:

“ser mãe é renunciar a todos os prazeres mundanos, os requintes do luxo e da


elegância, é deixar de apparecer nos bailes em que a vigila(sic) se prolonga, o espírito
se excita e o corpo se cansa no gozo das valsas; é não sahir por temer o sol, o vento, a
chuva, na desgraçada dependência do terror imenso de que sua saúde sofra e reflita o
mal na criança; é passar as noites num cuidado incessante em sonhos curtos, leves,
com o pensamento sempre preso à mesma criaturinha rósea, pequena, macia, que
suga o sangue, que lhes magoa os braço, que a enfraquece, que a enche de sustos, de
trabalhos e de provações, mas que faz abençoar a ignota providência de a ter feito
mulher para poder ser mãe”. (Pão de Santo Antônio, 19/07/1915, n 9, ano 33)

Este é um discurso essencialmente católico, tendo forte conotação masculina, a qual


predispõe as benções de Deus o trabalho árduo da mãe, circunscrevendo a mulher ao âmbito
familiar, ao mundo de provações e de dedicação extrema à família. A ela deve ser, em
princípio, rechaçado o mundo público, pois ele estava repleto de pessoas “mundanas” e de
atividades que não cabiam à boa mulher, à mulher que se preocupava com a preservação de
sua honra.

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“o primeiro e o principal ensinamento que se deve dar às filhas é o catecismo (...). 2º.
Devem-se-lhes ensinar o serviço doméstico, como se faz um bom prato de comida,
como se lava a roupa bem lavadinha, como se arruma a casa bem arrumadinha (...).
3º. Devem as mães cuidar que as filhas não vão aos bailes nem cinemas (...). Em
quarto, e último lugar, toda mãe não deve permitir às suas filhas essa perda de tempo,
horas tão exageradas, que a ninguém ilude”.
(Pão de Santo Antônio, 17/10/1926, n 15, ano XIX).

Com relação ao vestuário e a educação feminina, segundo o discurso moralista


impresso nos jornais, era necessário cobrar da mulher, casada ou não, um vestuário bem
composto e uma educação bem polida.
Os cuidados com o vestuário e o corpo feminino, consistiam no uso de meias finas, à
proibição do costume de raspar as pernas e fazer as sobrancelhas, usar trajes soltos e longos,
manter o cabelo comprido e andar sempre em tom natural, sem maquiagens, buscando sempre
alcançar o ideal de mulher, estritamente ligado à imagem e a semelhança com a Virgem Maria.
A educação feminina deveria ser rígida, sem muitas liberdades e ter capacidade de
ensinar à mulher o seu lugar na sociedade e principalmente, praticar a moral cristã, que no
momento se apresentava como uma via garantida da preservação da honra da mulher.
Geralmente, os jornais utilizavam de diálogos entre pai e filha, para melhor esclarecer as
normas sociais que deveriam ser seguidas. A linguagem utilizada é figurada, impondo a visão
cristã de vida familiar, na qual procurou-se manter um discurso, direcionado para o espaço
privado, mas, com capacidade de garantir uma padronização do comportamento feminino.

- “Filha, eu preciso abrir teus olhos.


- Olha, moça séria, moça de valor, que honra e preza o seu nome e de seus
pais, não vira coruja, à noite, indo sujar com marrecos, nos cantos e recantos das
ruas, claras ou escuras. Quem se suja às claras, não tem vergonha, e quem procura os
escuros é coruja que, se ainda não a perdeu deseja perder as asas e cair no inferno!...
- Olha, lá! Há prendas nesta vida, que só perdemos uma vez. Considerai bem as
minhas palavras: eu sou teu pai!
- Mas... papai, é preciso que o senhor saiba: os homens, hoje, sabem guardar a sua
honra!...
- Conclusão lógica, logo... É triste uma casa sem filhos, porém mais tarde ainda é uma
casa cheia de filhos malcriados e desobedientes”.
(Voz de Diamantina, 14/07/1946, n 33, ano IX)

A questão levantada em relação a desobediência das moças, demonstrou que, na


realidade, nem todas as mocinhas seguiam, ou desejavam seguir, o padrão moral dominante e,
com isto, contrariavam aos pais em nome do desejo de alcançar a liberdade sobre seu corpo.
Na verdade, esta é uma pista que o discurso deixa transparecer com relação à atuação, cada
vez mais eficaz da mulher, no processo de “transição dos costumes”.

II
O discurso que publiciza o íntimo e homogeneiza
o comportamento feminino

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O discurso jornalístico moralizador, também se preocupou com o “excesso” de
sensualidade que as mulheres vinham demonstrando. Este discurso representava a presença de
um mecanismo desestruturador da ordem moral, por isso ele estava endereçado às mães de
família, responsáveis por sua prole. Talvez este fosse o motivo de se combater “as liberdades
femininas”, empreendendo a padronização do corpo e das atitudes da mulher no espaço íntimo
e público da atuação feminina. Ao se construir esta “modelagem” para o corpo feminino,
operou-se uma publicização do comportamento da mulher socialmente aceitável no ambiente
público e privado, tendo o jornal como o veículo de transmissão eficaz.
O espaço público da Igreja era, por vezes, um local de encontros e de namoros. Este
era essencialmente um espaço de sociabilidade que passava por um processo direcionado à
padronização e adequação do comportamento social feminino aos padrões morais vigentes. O
jornal ‘O Norte” de 1906, relatava o comportamento ideal da mulher nestes locais, lançando
mão da comicidade para alcançar a todos os leitores.

“Depois do terço duas velhas beatas vão seguindo devagarinho pela rua acima, estão
muito embrulhadas nos chales escuros, com o rosário enroscado nas mãos e
conversam baixo. Diz uma dellas:
Ocê reparou aquelle moço de roupa clara que estava quase de costa pr’o altar?
Credo, Deus me perdôe...
São uns damnados estes moços da cidade – responde a outra – a gente pensa que elles
vae na egreja rezar, Qua!
Reza nada, são uns diabos! Não porque é que elles olham p’ra gente, cruz!
O’ia. Vi dizendo que isto chama baleação, cousa de namoro...
Crédo! – exclama a outra beata enrolando mais o chale no hombro – Commigo elles
perde tempo! Não quero mais casar, sou mãe de filhos... (01/01/1906, n 27, ano I)

As diversas reclamações contidas no discurso impresso e imposto nesta sociedade,


evidenciava que os moralistas estavam empenhados na tentativa de padronizar o vestuário e o
comportamento feminino no culto religioso e os outros espaços de sociabilidade – bailes,
rodas de jogos, bares, teatros e etc.. Mas percebe-se que a preocupação maior incidia sobre o
comportamento feminino (e mesmo masculino) na hora da missa:

“Na hora da missa:


No centro estão as senhoras, nas naves lateraes, um exercito de moços, e no
presbyterio um grupo de homens, pertencentes a diversas associações da parochia.
Que péssima impressão!
Ruíram todos os castelos!
Estamos na casa de Deus, ou no <Boulevar de Paris>? (sic)
Vestidos com todo o rigor da moda, tresandando, cosem-se com a balaustrada e dahi,
arrepellando uns poucos fios de buço, atiram, à direita e à esquerda, olhares
expressivos e maganos, e são correspondidos por uma ou por outra, das tantas que
obedecem escrupulosamente a todas as exigências de Paris, e que sabem de cór e
salteado a autographia. (...)
Ah! E não haver quem escorrace do templo, esses sacripantes (sic), que transformam
a casa de Deus em namoriscos”. (Pão de Santo Antônio, 31/08/1911, n 12, ano V)

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Esta tentativa de padronização aponta para o desejo de publicização do comportamento
feminino, pois o discurso jornalístico moralizador objetivava conseguir melhor
comportamento, de forma geral, de todos os que frequentavam os espaços públicos,
principalmente a Igreja. Era necessário utilizar de exemplos errôneos para então padronizar e
reforçar o padrão aceito socialmente, procurando, assim, evitar que o comportamento social
em público fosse diferente do desejado e mesmo que se criasse um outro. Aliás, neste artigo, o
que se observa é exatamente a transição dos costumes com grande participação feminina. Mais
adiante isto será melhor discutido.

O traje feminino em público

Em fins do século XIX e início do século XX, os trajes femininos demonstravam


também uma espécie de representação no espaço público tendo sua base no espaço privado. A
própria noção de “corpo feminino” era uma representação montada para o espaço público.
Percebe-se que o discurso moral buscava homogeneizar o padrão de vestimenta feminina em
público, evitar o “abuso” por parte das mulheres que insistiam em usar

“saias curtas e sem roda


pouco abaixo do joelho
É tal o rigor da moda
Como diz qualquer fedelho

São as blusas transparentes.


São fininhas como um veo.
Carapuças indecentes,
Mesmo à guisa do chapéu.

Um decote exagerado
São as mangas curtas, largas...
Que o progresso avantajado,
Previsões tristes amargas!” (Pão de Santo Antônio, 26/09/1920, n 3, ano XIV)

Esta mesma preocupação homogeneizadora era estendida a maquiagem utilizada pelas


mulheres:

“olhos vivos e pintados,


Rubras faces de carmim,
Collo e braços empoados
Pobres máscaras, emfim”. (Pão de Santo Antônio, 26/09/1920)

Não cabia às mulheres se apresentar no espaço público de “pernas nuas”, com “braços
de presunto”, “vestes colantes”, “lábios a lacre excitando a sensualidade”. (Pão de Santo
Antônio, 13/05/1934, n 32, ano XXVIII).
Com relação ao corpo feminino, este era entendido como um “corpo público”, no
sentido de que a “ele” era devotado normas comportamentais, não abrindo espaço para a
individualização feminina nos espaços de sociabilidade ou no ambiente privado. Ou seja, à
mulher era rechaçado o direito à liberdade sobre seu próprio corpo, seja através do
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comportamento “adequado” – aquele moralmente aceito -, seja através da moda. A liberdade
era, por fim, temida, pois significava colocar em xeque a padronização/publicização feita até o
momento, além de provocar conseqüências mais sérias, como – o que inevitavelmente
aconteceu – a transição dos costumes.
O que se deve discutir, enfim, é que o padrão privado de comportamento feminino,
transbordava para o espaço público, criando uma rede de relacionamentos que insistiam em
compreender a função social da mulher tal qual aquela que regia os padrões do espaço
privado. A partir do momento em que este discurso moral impõe-se através dos jornais, das
pregações religiosas e das autoridades civis e religiosas, o corpo social feminino passava por
um processo de padronização dos comportamentos individuais, no qual a “mulher moderna
tentava o impossível: querer ser homem, quando devia contentar-se com as suas funções...”.
(Pão de Santo Antônio, 27/05/1934, n 34, XXVIII). A década de 30 e 40 apontava para a
insatisfação feminina diante dos padrões morais vigentes, pelo menos no discurso jornalístico
que circulou em Diamantina.
Nos bastidores deste discurso opera-se a “homogeneização e publicização” do
comportamento feminino, tanto no espaço público, quanto no privado. Em conseqüência disto,
a mulher perde o controle de seu próprio corpo e de seus desejos.

A “publicização” e a “homogeneização”

Partindo deste pressuposto, é preciso indagar até que ponto houve realmente a
“privatização” do comportamento feminino nesta sociedade. Ou melhor, postula-se que, para a
mulher ocorreu um movimento inverso à tendência de intimização da sociedade: “ ela” assistiu
a uma publicização de seu comportamento, através de uma padronização no vestuário, nas
reações contra a maquiagem, na sua função de mãe de família que ultrapassava o âmbito
familiar, enfim, no comportamento nos espaços de sociabilidade e da intimidade. Apesar disto,
concorda-se com SENNET, que houve sim uma intimização da sociedade em aspectos gerais,
mas deve-se ressaltar que, em termos do discurso veiculado nos jornais de Diamantina, parece
que houve uma modificação da relação entre o público e o privado, no que tange os padrões
comportamentais femininos, que tanto incomodaram os moralistas no início do século XX,
pois, as mulheres continuaram ”fugindo” às regras impostas e defendidas socialmente nos
jornais.
O discurso moral impresso e imposto na sociedade diamantinense, chegou ao ápice nas
décadas de 20 e 30, período em que o processo de publicização se acentuou e promoveu a
retirada do direito mais privado da mulher, que é a liberdade sobre seu próprio corpo e sua
atuação no meio social. Assim, assistiu-se à publicização do corpo feminino no momento em
que percebeu-se a padronização da moda feminina através da indicação dos trajes permitidos e
à crítica aos trajes indecorosos, segundo a moral vigente. Tudo isto levou a diversas
reclamações nos jornais de um processo que se operava na sociedade: a transição dos
costumes”.

III
A resistência feminina:
a privatização, a moda e o temor da inversão dos papéis sociais.

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Como um movimento paralelo e ao mesmo tempo demonstrando a reação feminina ao
domínio dos padrões morais relacionados à atuação feminina, a década de 20, 30 e 40 assistiu
a um lento processo de modificação dos costumes locais, que significava o desejo de
“privatizar”, segundo a ótica feminina, a sua ação social. Para tanto, era necessário abrir
possibilidades de livre escolha do tipo de moda à qual iriam seguir, do local que iriam
freqüentar ou qual seria a sua companhia. Foi desta maneira que se instaurou, de forma mais
plausível a resistência feminina à padronização de seu comportamento social. Essa
padronização, pelo menos no discurso, fez suscitar reações nos moralistas da “teimosia
feminina” em aderir-se a toda e “qualquer moda” que estivesse em vigor.
Os jornais indicam as dificuldades e as possíveis soluções que os moralistas apontavam
para a sociedade, naquele momento de resistência feminina à publicização dos padrões morais,
na qual estas reivindicavam, segundo esse discurso, maior privatização dos padrões.
Ao avançar os anos 30 e 40, de forma mais acentuada, o discurso jornalístico, através
da ironia, mostrava claros sinais de rendição ao processo de resistência feminina à preservação
dos bons costumes, pois,

“O chic é o desregramento no trajar, nos modos e costumes: é a exhibição do nú pelas


formas plásticas desses vestidos indecorosos, repuxados... é a liberdade franca dos
colloquios nocturnos, pelas praças e ruas, pelos recantos e logares ermos. E o maior
mal é que os pais modernos não se conformam mais em possuir filhas inocentes,
tementes a Deus. Sem nenhum escrúpulo, consentem-nas, publicamente, de par com
qualquer gajo, nos passeios, cinemas, clubes e bailes. Os gaviões então são felizes...”
(Pão de Santo Antônio – ano XVIII, 27/05/1934, n 34)

O único espaço público que deveria ser freqüentado, nesta ótica, era o local da
pregação cristã, que funcionava como forma de canalização da ideologia veiculada na
sociedade. O jornal se presta, nesta análise, como mecanismo de discussão da própria
sociedade, na qual ela se “olha no espelho”, procurando enxergar possibilidades de cristalizar
ou de renovar certos costumes vigentes. A sociedade estudada, ao que tudo indica, optou por
renovar estes costumes. Neste sentido, deve-se ressaltar que a “liberdade se tornava uma
questão de não se comportar nem ter a aparência das outras pessoas; a liberdade se tornava
idiossincrática”. (SENNET, 1998:237)
O discurso jornalístico empreendido pelos moralistas sugere a possibilidade de
entender a expressão de liberdade feminina sempre associada à dissolução dos bons costumes
ou padrões morais instituídos, pois a forma encontrada pelas mulheres de privatizar seu corpo
e seu comportamento, pelo menos em termos do discurso, só teria possibilidade se pensado
através da quebra dos padrões veiculados na sociedade. Desta maneira, assiste-se ao
desenvolvimento de um lento processo de modificação nos costumes sociais, que deve ser
estudado associado à resistência feminina.
As décadas de 1930 e 40 assistiram a uma incrementação do processo de privatização
comportamento feminino. Este processo pode ser entendido, a partir do momento em que a
mulher reagiu à padronização, via discurso nos jornais, de seu comportamento social tanto no
espaço público quanto no privado, com o intuito de alcançar maior liberdade. Essa liberdade,
segundo os jornais, era sinônimo da decadência dos padrões sociais. Já na ótica da construção
do discurso feminino, a privatização pode ser entendida como a busca de padrões sociais
capazes de possibilitar, à mulher, uma atuação mais individualizada na sociedade.

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O discurso nos jornais evidencia os mecanismos que as mulheres utilizaram em busca
da privatização do seu corpo e da sua atuação social. Neste sentido, a relação feminina com a
moda, a maquiagem e o baile – o baile deve ser entendido como o espaço de sociabilidade
onde a mulher se enxerga através do que foi padronizado no espaço privado – figura como
ferramenta de destruição dos costumes, pois o desejo feminino incide em movimentar-se
livremente nestes espaços.
Desta maneira, era necessário resgatar aspectos que deveriam pertencer à intimidade,
ao espaço privado, como por exemplo, a livre escolha da moda a seguir e o uso da maquiagem.
Isto fornecia subsídio à realização feminina em busca do controle, da intimização, do seu
próprio corpo e dos seus desejos.
A moda tem a capacidade de possibilitar o estudo da resistência feminina em relação
aos padrões vigentes. A respeito da evolução da moda, deve-se entender que diversas foram as
críticas sofridas pelas mulheres que seguiam “o rigor da moda” parisiense. Dentre elas,
destacou-se a masculinização dos trajes femininos, que evidenciava a rejeição feminina ao
comportamento vigente padronizado e o desenvolvimento da concepção do corpo da mulher
como algo distante de si mesma. Segundo SENNET, “essas mulheres queriam ficar livres da
idéia de que seus corpos existiam com o propósito de atrair homens; queriam que suas roupas
fossem independentes das imagens sexuais. O vestuário que escolheram para expressar essa
liberdade, no entanto, era o vestuário masculino.” (1998:237)
Em 1913, entra em moda o vestido com o decote V, sofrendo sérias críticas por parte
dos moralistas, pois era indecente demais. Ainda nesta década, era comum a saia longa justa
nos tornozelos (LAVER, 1996). Isto também levou a uma forte reação no discurso tradicional,
que acusava as mulheres de “mostrar as formas plásticas do corpo” aderindo a estas modas
indecentes. No início dos anos 20, esta reação é ainda maior, pois agora a saia encurtou mais,
mas em compensação, é o estilo andrógino que passa a vigorar. A década de 30 assiste a uma
tendência na moda que é no mínimo interessante, pois volta-se a usar a roupa acinturada,
mostrando as formas plásticas da mulher, e em contrapartida, a roupa “feminina
masculinizada” perde espaço. (SENNET, 1988:236-37)
Em Diamantina, o discurso veiculado nos jornais demonstraram a preocupação contra
este movimento sempre renovador da moda parisiense que influenciava o Rio de Janeiro e em
conseqüência Diamantina, procurando estabelecer uma crítica à moda e assim, procurar
moldar o vestuário feminino, como também o comportamento da mulher no espaço ,público.
“Os casos reais” que eram imprimidos nos jornais, entendiam a moda como

“uma epidemia contagiosa, collocae, leitores, uma contagiosa em meio de pessoas


sadias e a epidemia alastrar-se-à. Entre pessoas honestas e piedosas, deixae vir uma
devassa. E a ovelha ruim, é facto, botará o rebanho a perder!”
(Pão de Santo Antônio, n 34, ano XXVII)

O corte de cabelo curto para a mulher, evidenciava “grande semelhança” com os


homens pois, era comum o uso de cabelo longo até o momento. Assim, gastou-se “tiras e tiras”
nos jornais para controlar as atitudes femininas através do discurso moral imposto, pois era
comum que as mulheres que “voltassem do Rio (de Janeiro), geralmente voltavam como
bonecas pintadas dos pés à cabeça; pois lá deixam o pouquinho de temos a Deus que lhes
restava, aquele acanhamento angélico, natural e a pureza dos sentimentos.” (Pão de Santo
Antônio, 3/12/1933, n 9, ano XXVIII).
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No discurso impresso, percebeu-se que existia, uma preocupação com uma inversão
dos valores e papeis sociais. Os homens buscavam proteção no discurso moralizador cristão.
Proteção contra essas novas mulheres que reivindicavam uma atuação social mais privada no
âmbito público, logo menos padronizada, mais individualizada. O jornal o “Pão de Santo
Antônio” ilustrou bem a relação homem-mulher e a inversão de papéis, no qual

“A mulher, não contente com seus direitos femininos, já quase identicos aos dos
homens, tornando-se por assim dizer <super-homem>, forceja, por intermédio,
primeiro de uma, e depois, de outras, adquirir, perante a própria natureza, as mesmas
prerrogativas de nós homens. Agora falta que nós homens – já não existem mais as
expressões sexo forte, nem fraco – vistamos saia em vez de calças e ficar em casa
fazendo quitutes.” (Pão de Santo Antônio, 09/07/1933, n 40, ano XXVII)

O desejo de liberdade feminina acerca de seu corpo e de seu comportamento no espaço


público, de suas atitudes e de sua função social, na verdade provocou nos moralistas, que
opinavam nos jornais, o receio de que as mulheres tomariam o espaço de atuação masculina.
Por fim, em meados da década de 40, a rendição dos moralistas ao padrão moral
moderno, é evidenciado quando analisa-se os diálogos produzidos para os jornais, onde a
grande maioria dos artigos baseavam em argumentos de cunho religioso capazes de provocar
temor e ao mesmo tempo disciplina. Assim, “todo cuidado” é pouco com as mocinhas que
“arruinavam a alma pela perniciosa maneira de vestir, pintar e proceder, longe das vistas das
mães”, como demonstrou o artigo abaixo transcrito.

Todo cuidado!
- Senhorita, é preciso tomar juízo. Sabe quem é Satanás?
- Sei, é o demônio.
- Muito bom. E as pompas e obras do demônio?
- Não sei.
- Pois que fique sabendo:
São as mulheres que andam pintadas no rosto, nos lábios, nas unhas, das mãos e dos
pés, enfeitadas, enfim, com vestidos colantes, mostrando as formas plásticas do corpo.
Olha, menina, essa fogueira, essa junção, às escuras, nos cantinhos da cidade, com os
peixes fritos...
Quando chorar e vier a desilusão, é tarde demais!
(Voz de Diamantina, 13/09/1942, n 6, ano VI)

Pondera-se que a mulher lançou mão de uma representação no espaço público


desejando alcançar a “privatização” do seu comportamento no âmbito social. Para tanto,
utilizou-se de um mecanismo, a grosso modo, público com o intuito de modificar a esfera
privada de sua atuação. A moda apresenta uma significativa importância para a compreensão
deste processo lentamente construído, levando ao desencadeamento, nas instituições Igreja e
família, da necessidade de repensar o discurso e à possibilidade de adequação ao novo perfil
feminino.
V
A transição dos costumes

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A transição dos costumes que os diversos jornais utilizados neste trabalho chamam
atenção, é para a modificação promovida na sociedade através da atuação feminina. A partir –
mais significativamente – da década de 1930 / 40, assiste-se a uma crise geral nos padrões
morais vigentes. A família e a pregação religiosa precisavam ser repensadas, a partir do
momento em que as mulheres iniciaram o processo de se enxergarem ativas e socialmente
inseridas numa sociedade, que por sua vez era passível de mudanças pela via feminina. Assim,
promoveu-se nas instituições, o repensar dos antigos padrões sociais – descritos no início deste
trabalho – para melhor conviver com os novos padrões morais, refletindo ações femininas no
meio social, como por exemplo, a busca de maior liberdade – privada – no espaço de
sociabilidade, refletindo diretamente no espaço privado.
Apesar de tudo isto, o discurso formulado nos jornais, em meados da década de 40, não
apontava para soluções possíveis para a resolução do problema – decadência da família,
atuação feminina desregrada, maus comportamentos nos espaços de sociabilidade e o
vestuário e a maquiagem indecorosas -, mas se persistia na utilização de fórmulas-conselhos
que não funcionavam mais. O jornal Voz de Diamantina ilustrou bem a forma pela qual o
discurso reacionário se efetivou. Assim,

Em Diamantina, como em toda parte, que mudanças, que diferença, que


transformação!!! As carinhosas não tinham coragem de aparecer em público com as
pernas e os braços nús; não se vestiam de calças, como os homens; não amontavam a
cavalo daquela forma, nos selins, repudiando os silhões; não usavam tanta droga nos
lábios nem faces; não rapavam as pernas e as sombrancelhas; não politicavam tanto;
não exerciam cargos públicos nem particulares fora do lar. A ponto de encherem as
repartições, não sabiam atirar com armas de fôgo; não jogavam assim... não
imperavam tanto no lar e batiam nos maridos; não pensavam no divórcio; não
detestavam N. S. do Parto da Igreja do Amparo...; e tinham mêdo de defunto, de
troviada; não nadavam em conjunto...; não saiam à rua nem passeavam sosinhas...
Saudosos tempos! Como o mundo virou?!... Quem mais viver, muito mais tem que vêr e
chorar!... (Voz de Diamantina, 22/02/1948, n 14, ano XLI)

Este discurso, aponta sim, para proibições e mais proibições, sem ter fôlego para
indicar saídas diante da situação a que as “mulheres haviam chegado”. Admitia-se o estado
decadente da moral e a transição para novos padrões de comportamento social, mas sem que a
família e a Igreja, propusessem no âmbito do discurso, saídas efetivas para a situação,
repensando-se neste meio e logo impedindo a tão temida transição nos costumes. É importante
ressaltar que a sociedade carioca teve um papel fundamental na organização social na
República Velha, quando “tornou-se o modelo para o desenvolvimento da organização social
desejada, reforçando o objetivo de civilizar o espaço urbano, fosse no aspecto físico e
funcional da cidade, fosse no ideológico, através da restrição às manifestações populares e
controle da atmosfera de crescente permissividade moral. A família, nesse quadro, foi vista
mais do que nunca como o sustentáculo do projeto normatizador cujo desenvolvimento
reequacionou seu papel e sua inserção social na cidade” (ARAÚJO, 1993:30)

Controlar a permissividade moral a que os padrões estavam submetidos, parecia algo


muito difícil, segundo o discurso moralista veiculado em Diamantina, no período final da
República. O discurso moralista, por um lado, concordava com o que o Rio de Janeiro que

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propunha controlar a permissividade moral, mas de outro, descordava da liberdade que a
República potencializava para a sociedade.

“que tudo isto é moda! É a civilização! É o progresso! Triste moda! Perniciosa


civilização! Detestável progresso!... E a moral agoniza!... Mas, não seremos nós que
lhe aplicaremos balões de oxigênio, nem tão pouco véla à mão!...
(Voz de Diamantina, 21/10/1943, n 16, ano VIII)

Percebe-se no discurso moral impresso e imposto, em especial na década de 30 e 40, a


dificuldade das mulheres de conseguir delimitar bem a sua ação na sociedade diamantinense,
permanecendo no campo do temor o avanço feminino desde o início da República. A
permissividade moral a que as mulheres almejavam em termos do vestuário e da concepção de
seu corpo, acabaram por contribuir para a modificação dos costumes tradicionais para padrões
mais modernos.

(...) O relaxamento dos costumes, que a todos deve preocupar, não é senão uma
conseqüência do relaxamento familiar. (...) O desejo de uma vida livre e de prazeres,
tão apregoada pelos costumes modernos, vai convencendo a mulher de que ela deve
obedecer e acompanhar, à risca, a moda do semvergonhismo, da bandalheira já
desclassificada. Já não se contenta com o saiote indiano, quer exibir mais, quer
mostrar as pernas, abolindo o uso das meias, até se chegando neste estado, ao ato
mais sério e respeitoso da nossa vida, - a Santa Mesa da Comunhão! A família
caminha para o abismo, não se contenta com a pintura exagerada das faces e dos
lábios lacrosos profanadores até da hóstia consagrada!
(Voz de Diamantina, 28/03;1945, n 19, ano VIII)

Esta atuação feminina pôde contar com a contribuição das transformações econômicas
e urbanas em Diamantina, representando um incentivo a mais para a remodelação dos padrões
de comportamento feminino nos espaços público e privado. Até os anos 40, a cidade assistiu a
modificações urbanas e econômicas essenciais, como a chegada do ramal ferroviário, ligando
Diamantina e Curralinho (atual Corinto) aos centros de comércio do país. Além disso
Diamantina funcionava como um pólo dinamizador do comércio no nordeste mineiro, sendo
tratado, nos jornais como a “Atenas do Norte”. Tudo isto levou a uma nova concepção do
espaço urbano que foi se reestruturando e adequando a esta demanda. Iniciou-se o calçamento
das ruas do centro da cidade na última década do século XIX, bem como diversos
melhoramentos na rede de água e esgoto, entre outras modificações.
Os anos 30 e 40 assistiram a uma necessidade de adequação às modificações familiares
promovidas pela atuação feminina, através da privatização do corpo feminino, ou seja, a partir
do momento em que a mulher passou a se enxergar e reivindicar um novo espaço no âmbito
social, dando lugar a um processo denominado, segundo os moralistas, de “destruição dos
costumes tradicionais”. ARAÚJO, ao estudar a sociedade carioca na Belle Époque, afirma que
“no Rio de Janeiro de então, predominava os princípios de moral conservadora, definidos pela
família tradicional. Entretanto, a prática social era liberal e permissiva, infringindo as regras
estabelecidas na teoria e reguladas pela legislação republicana. Essas regras impunham
padrões rígidos de comportamento sexual tanto para o homem quanto para a mulher, de forma
implícita para aquele e explícita para esta. Imperava um duplo padrão de moralidade”
( 1993:88).
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Ao buscar entender o discurso jornalístico veiculado na sociedade diamantinense,
pondera-se que o teor conservador da cidade de Diamantina prevaleceu sobre estas lentas
transformações, mas que foram capazes de, com o passar do tempo, evidenciar este processo
de forma mais clara, onde a mulher chama a atenção como corpo ativo na sociedade e que
reivindica maior privatização/individualização dos padrões sociais para realizar-se no espaço
público e privado.

Considerações finais

O processo de valorização do espaço íntimo, é percebido em diversos aspectos da


convivência social. A arquitetura, o espaço da rua e da casa e a moda feminina, passam por
uma transformação. Neste sentido, opera-se uma separação visível entre os espaços da
intimidade e o espaço destinado às relações públicas, na qual, há uma nítida valorização do
espaço privado.
Paralelo a este fato, pode-se perceber que, em termos do discurso veiculado em jornais
formadores de opinião na cidade de Diamantina, opera-se um discurso moral que retira da
mulher o direito de “liberdade” sobre seu corpo, promovendo uma publicização do
comportamento e do vestuário feminino, pois a mulher deveria se apresentar em público
transparente, mesmo que fosse uma transparência imposta pelo padrão moral cristão.
Percebe-se que a resistência feminina, segundo o discurso defendido pelos moralistas
que escreviam para os jornais (indiferentemente de ser de produção católica ou não) é
sinônimo de uma luta da mulher para conseguir a privatização de seu corpo, também
entendido como um grito de libertação dos padrões de comportamento que deveriam seguir.
A privatização do feminino corrobora para entender a crise pela qual as instituições –
família e Igreja – estavam passando. Ainda, desencadeou-se o repensar dos padrões de
comportamento conservador para melhor adequação ao novo perfil feminino. Desta maneira,
este perfil feminino, que acentuou-se ainda mais nas décadas de 30 e 40, só conseguiu
promover modificações no espaço privado, passando pela via da representação pública,
lançando mão de mecanismos como a moda, o corte de cabelo masculinizado, para conseguir a
liberdade, a privatização e o direito sobre seu corpo. Para tanto foi necessário empreender uma
luta contra os costumes conservadores que padronizavam o comportamento feminino,
desencadeando o processo de privatização do espaço de atuação da mulher, o qual só ganhará
fôlego nas décadas de 50 e 60 do século XX, acentuando cada vez mais o processo de
intimização da sociedade através do discurso jornalístico.

Referência Bibliográfica

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13
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