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Gostaria de agradecer à Direcção do Colégio Militar o convite para proferir esta lição
inaugural pois, permitiu-me conhecer um “ menino da luz” que para além de ter sido um
notável matemático, com um vasto trabalho científico, reconhecido internacionalmente,
se revelou um ser excepcional pela sua força interior e perseverança.
O meu agradecimento também ao meu colega Sena Neves grande entusiasta e
divulgador da obra de António Aniceto Monteiro e que muito colaborou na exposição e
nesta pesquisa.
Mas, voltemos a Aniceto que vai frequentar o Colégio até 1925 onde se revela um aluno
mediano, nada fazendo crer que mais tarde se tornaria num ilustre matemático,
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internacionalmente reconhecido. Aniceto Monteiro possuía uma formação cívica sólida
e foi, ao longo da sua actividade colegial, distinguido com três louvores,
designadamente, dois pelo seu “procedimento moral”; no entanto, jovem e irrequieto
que era, também sofreu castigos um dos quais no último ano por fumar, hábito que não
o largou a vida inteira. Terminou o Curso Complementar de Ciências no Colégio Militar
com a média geral de 12 valores e 14 valores a Matemática tendo, contudo, na
generalidade melhores classificações em Física.
Mas se, em 1917, ano em que se torna “menino da luz”, os tempos não são fáceis para a
Europa, em 1936, ano em que regressa a Portugal, a conjuntura política Europeia
adensa-se e adivinham-se novos e terríveis conflitos cada vez mais desumanos. A
Europa continua a não encontrar a Paz e a retardar os caminhos da democracia quer
através de novos conflitos regionais étnicos, quer através de regimes ditatoriais. Os
desenvolvimentos económico e social de alguns países, alicerçados numa democracia
com respeito pelos direitos humanos, continua a não ser um exemplo para muitos
dirigentes políticos europeus. À criação do regime comunista implantado na Rússia,
com a revolução bolchevique, respondem alguns países da Europa Ocidental e
Mediterrânica, entre os quais Portugal, com regimes ditatoriais de direita, cerceando as
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liberdades cívicas de muitos cidadãos, impedindo-os até de exercer actividades
profissionais no seu país.
Foi exactamente isto que aconteceu com Aniceto Monteiro quando chegou a Portugal.
Nesse tempo, era obrigatório assinar um compromisso de fidelidade (estabelecido pela
Constituição Política de 1933) para ter acesso à função pública. Aniceto recusa-se a
assinar tal compromisso, mesmo depois de pressionado por vários amigos, alguns deles
meninos da luz como ele, porque, apesar de não ter qualquer actividade de carácter
político, Aniceto considerava o dito compromisso “um insulto à sua inteligência”.
Entretanto, os apelos da comunidade matemática repetiam-se e o Regime continuava a
negar-lhe o ingresso na carreira universitária. Apesar de consciente que, enquanto se
mantivesse o Regime do Estado Novo, seria marginalizado no seu país, Aniceto
Monteiro não era homem para desistir e, por isso, não podia deixar de fazer o que sabia
e o que mais gostava – exercer funções docentes e de investigação – o que fez mesmo
sem auferir qualquer remuneração.
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e aos estudantes universitários para melhor informação sobre o movimento matemático
nacional e aos pré-universitários para prepararem devidamente o seu ingresso no ensino
superior. Para Aniceto Monteiro, já nesta altura, os jovens, ainda no ensino secundário,
já representavam o futuro cientifico em Portugal.
Enquanto outros países tudo faziam para importar cérebros Portugal bania-os.
Como foi possível a um país como Portugal não aproveitar o saber de um Matemático
recomendado nomeadamente, por Einstein , “apenas” Prémio Nobel da Física em 1921,
e John von Neumann que para além de Físico Nuclear, realizou trabalhos muito
importantes em Física Quântica, foi especialista na Teoria de Jogos
(Matemática/Economia) e criador do ENIAC o primeiro computador da nova geração!
Apesar do modo como foi tratado pelas autoridades portuguesas, Aniceto Monteiro
estabeleceu, sempre, relações científicas com o país continuando a orientar teses de
doutoramento e a constituir um marco de referência para os jovens Matemáticos
Portugueses. Mas o Governo Português continuava a não lhe perdoar a sua verticalidade
e generosidade e mais uma vez, através da Embaixada Portuguesa no Brasil, o perseguiu
influenciando a decisão da não renovação do seu contrato por parte da Faculdade
Brasileira. Lá teve, em 1950, Aniceto Monteiro de procurar novo país de acolhimento.
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Esse país foi a Argentina onde, para além de ter leccionado em três Universidades,
desfrutou, a partir de 1957, da grande oportunidade de criar um projecto cientifico de
raiz, fazendo do Instituto de Matemática de Bahía Blanca um dos centros de Matemática
mais importantes da América Latina, associado a uma Biblioteca, de nível internacional,
adequada à realização de trabalhos de investigação, à qual em sua homenagem foi dado
o seu nome. É designado «Professor Emérito da Universidade Nacional del Sur» na
Argentina e jubila-se em 1975.
Em 1977, regressa a Portugal, passados trinta e dois anos de exílio e aqui permanece,
como investigador do Instituto Nacional de Investigação Científica, até 1979.
Em 1978, é distinguido com o Prémio Gulbenkian de Ciência e Tecnologia tendo a
Revista da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar feito uma referência
dessa atribuição ao “bom e querido Aniceto”. Que manifestação de afecto e de
camaradagem por parte dos outros meninos da luz.
Regressa à Argentina continuando a trabalhar até aos seus últimos dias, pois a sua
paixão pela matemática não tinha limites.
Vem a falecer em Bahía Blanca, em 1980.
Em 2000, o então Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio, concede-lhe a
título póstumo, e no âmbito das comemorações do Ano Internacional da Matemática, a
Grã-Cruz da Ordem Militar de Santiago da Espada.
Mais uma vez o nosso país, deixa partir um daqueles que se afirmaram como uma
referência, homenageando-o e à sua obra de forma tardia.
Com a sua energia, visão e persistência Aniceto Monteiro dinamizou, por onde passou,
a criação de Centros de Investigação e Bibliotecas que deixaram uma marca muito
precisa do seu pensamento científico de que a Ciência era para ser partilhada por
todos e não apenas por alguns. Foi, sem dúvida alguma, um percursor da globalização
dos conhecimentos a nível do ensino, da investigação e da divulgação científica.
Fez parte de uma geração que tudo fez para que Portugal entrasse na modernidade mas,
muitos deles, como Aniceto Monteiro foram impedidos de realizar, no nosso País, a sua
ambição científica.
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O seu comportamento cívico exemplar e o seu carácter, com certeza muito enraizados
na sua personalidade pela educação colegial, foram determinantes para as suas
actividades profissional e social granjeando de todos que com ele trabalharam e
privaram o respeito, a estima e uma amizade duradoura.
Referências:
Ana Gerschenfeld “António Aniceto Monteiro - O matemático que olhava Lisboa
de longe” - PÚBLICO Comunicação Social SA (Maio 2007).
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1958
“Ele fundou tudo quanto havia a fundar,
participou em tudo quanto havia a participar”
Jorge Rezende