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Nívia Naves Garcia Lucca

A variação tu/você na fala brasiliense

Dissertação de Mestrado em Lingüística

Universidade de Brasília
Instituto de Letras
Deptº de Lingüística, Línguas Clássicas e Vernácula – LIV
Programa de Pós-Graduação em Lingüística
Nívia Naves Garcia Lucca

A variação tu/você na fala brasiliense

Dissertação apresentada ao Departamento de


Lingüística, Línguas Clássicas e Vernácula do Instituto
de Letras da Universidade de Brasília como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em Lingüística.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Marta Pereira Scherre

Brasília
Instituto de Letras da UnB
Junho de 2005
Banca Examinadora

Profª Drª Maria Marta Pereira Scherre (presidente)


Universidade de Brasília – UnB

Profª Drª Odete Pereira da Silva Menon (titular)


Universidade Federal do Paraná – UFPR

Profª Drª Rachel do Valle Dettoni (titular)


Universidade de Brasília – UnB

Prof. Dr. Marcos Araújo Bagno (suplente)


Universidade de Brasília – UnB
A Rogério e Bianca, meus amores.
AGRADECIMENTOS

À querida Marta, pela orientação, que ultrapassou a esfera acadêmica, pela


amizade, pela generosidade, pela dedicação, pelo estímulo, pelo exemplo.

À Professora Jânia Ramos, da UFMG, por ter me orientado no início de minhas


pesquisas sociolingüísticas, na graduação, por ter me estimulado a fazer as primeiras
divulgações de minhas pesquisas e por ter me conduzido ao mestrado na UnB.

À Caroline Cardoso, colega do mestrado a quem deleguei a função de revisar


alguns textos e dar alguns palpites e que veio a ser uma grande amiga, o que dispensa
maiores explicações.

À amiga Luciana Muniz pelos valiosos palpites e pela tradução do meu resumo
para o inglês em um trabalho conjunto com a amiga Érica Domingos, ambas treinando para
escrever muitos textos em inglês no doutorado em Nova Iorque.

À minha família, em especial aos meus pais, José Aleixo e Neila, pelo incentivo e
pelo amor que sempre mostraram, mesmo de longe, aos meus irmãos, Cristiano, Cíntia e
Lucas, pelo apoio, e à minha prima Margarete, pela força constante.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela


ajuda financeira que viabilizou a conclusão do meu estudo.

À Companhia do Desenvolvimento do Planalto Central (CODEPLAN), na pessoa


da Sra. Nilva Rios, e à Secretaria de Estado de Planejamento, Coordenação e Parcerias do
Distrito Federal (SEPLAN), representada pelo Sr. Delçon Carvalho e pela Sra. Iraci Peixoto,
pela gentileza em fornecer prontamente os mais recentes dados sociodemográficos do DF.

Aos meus informantes, Rômulo, Vagner, Felipe, Diego e Jorge, pela ajuda valiosa
e gentileza quando da gravação das falas.

Aos funcionários do LIV e aos colegas do mestrado, especialmente ao Marcus


Lunguinho, pela generosidade nas aulas de sintaxe, à Adriana Vidigal e à Daisy Borges, pela
disponibilidade, ajuda e amizade.

Aos amigos de Minas Gerais, sempre interessados em meus avanços e sempre


presentes com seu carinho, ainda que virtualmente.

A Deus, meu Pai, pelo amor, pela luz, pelo cuidado.


"Eu canto em português errado
Acho que o imperfeito não participa do passado
Troco as pessoas
Troco os pronomes."

(Legião Urbana, Meninos e meninas)


i

SUMÁRIO

Lista de Tabelas iii

Lista de Quadros v

Resumo vi

Abstract vii

Introdução 1

1. Revisão da Literatura 6
1.1 Introdução ...................................................................................................................... 6
1.2 Pesquisas sobre a constituição da fala brasiliense ...................................................... 7
1.3 Pesquisas sobre a referência de segunda pessoa no Brasil ..................................... 10
1.3.1 Loregian (1996)................................................................................................. 11
1.3.2 Loregian-Penkal (2004)..................................................................................... 15
1.3.3 Paredes Silva (2003)......................................................................................... 20
1.3.4 Bezerra (1994) .................................................................................................. 22
1.3.5 Pedrosa (1999) ................................................................................................. 23
1.3.6 Soares (1980).................................................................................................... 25
1.3.7 Soares & Leal (1993) ........................................................................................ 25
1.3.8 Menon (2000) .................................................................................................... 27
1.3.9 Paredes Silva et alli (2000) ............................................................................... 28
1.3.10 Lopes & Duarte (2003)...................................................................................... 29
1.3.11 Lopes (2004) ..................................................................................................... 31
1.3.12 Lucca (2003) ..................................................................................................... 34
1.3.13 Pitombo (1998).................................................................................................. 35
1.4 Conclusão ................................................................................................................... 36

2. Sobre o Distrito Federal 38


2.1 Introdução ................................................................................................................... 38
2.2 Aspectos políticos e demográficos ............................................................................. 38
2.3 Aspectos sócio-econômicos ....................................................................................... 42
2.3.1 Brasília (RA I) .................................................................................................... 43
2.3.2 Taguatinga (RA III)............................................................................................ 45
2.3.3 Ceilândia (RA IX) .............................................................................................. 47
2.4 Conclusão ................................................................................................................... 50
ii

3. Referencial Teórico 51
3.1 Introdução ................................................................................................................... 51
3.2 Teoria da Variação Lingüística ................................................................................... 51
3.2.1 Prestígio encoberto ........................................................................................... 55
3.3 Variação estilística ...................................................................................................... 56
3.3.1 O princípio de Labov ......................................................................................... 57
3.3.2 O princípio de Bell............................................................................................. 59
3.3.3 Um ponto de congruência ................................................................................. 60
3.4 Poder, solidariedade e polidez ................................................................................... 62
3.5 Conclusão ................................................................................................................... 65

4. Metodologia 66

4.1 Introdução ................................................................................................................... 66


4.2 A amostra analisada ................................................................................................... 67
4.3 O suporte estatístico ................................................................................................... 69
4.4 Conclusão ................................................................................................................... 72

5. Análise dos dados 74


5.1 Introdução ................................................................................................................... 74
5.2 Grupos de fatores controlados ................................................................................... 75
5.2.1 Variáveis sociais ............................................................................................... 77
5.2.2 Variáveis lingüísticas......................................................................................... 78
5.3 Variáveis estatisticamente relevantes ......................................................................... 79
5.3.1 Gênero do falante ............................................................................................. 80
5.3.2 Tipo de relação entre os interlocutores............................................................. 84
5.3.3 Familiaridade com o tema discursivo................................................................ 92
5.3.4 Região administrativa do falante....................................................................... 97
5.3.4.1 Ceilândia (RA IX).................................................................................... 101
5.3.4.2 Taguatinga (RA III) ................................................................................. 102
5.3.4.3 Brasília (RA I) ......................................................................................... 103
5.3.5 Paralelismo lingüístico .................................................................................... 103
5.3.6 Tipo de estrutura ............................................................................................. 107
5.4 Comparação com outras pesquisas ......................................................................... 111
5.5 Conclusão ................................................................................................................. 113

6. Considerações Finais 115

7. Referências Bibliográficas 119

8. Anexos 124

Mapa 1. Divisão político-geográfica das regiões administrativas do DF em 2000 .............. 125


Mapa 2. Região do entorno do Distrito Federal................................................................... 126
iii

LISTA DE TABELAS

Tabela 1.1. Efeito da interação emissor/receptor sobre a concordância


com o tu em Loregian (1996) ...................................................................................................... 13

Tabela 1.2. Efeito das variáveis sociais sobre a concordância verbal


com o tu por localidade em Loregian (1996) .............................................................................. 14

Tabela 1.3. Efeito das variáveis sociais sobre o uso do tu por localidade
em Loregian-Penkal (2004)......................................................................................................... 16

Tabela 1.4. Efeito das variáveis lingüísticas sobre o uso do tu no Sul do


Brasil em Loregian-Penkal (2004)............................................................................................... 18

Tabela 1.5. Efeito das variáveis lingüísticas sobre o uso do tu por localidade
em Loregian-Penkal (2004) (em pesos relativos) .......................................................................... 19

Tabela 1.6. Efeito das variáveis sociais sobre o uso do tu no Rio de Janeiro
em Paredes Silva (2003).............................................................................................................. 21

Tabela 1.7. Efeito do gênero sobre o uso do tu em Bezerra (1994) .......................................... 23

Tabela 1.8. Efeito das variáveis sociais sobre a concordância verbal em Pedrosa (1999) .......... 24

Tabela 1.9. Formas de tratamento entre pais e filhos em Belém em Soares & Leal (1993)............ 26

Tabela 1.10. Efeito do pronome sobre a concordância verbal em Menon (2000) ..................... 27

Tabela 1.11. Efeito do tipo de relação interpessoal sobre o uso do tu em


Lopes & Duarte (2003) ................................................................................................................ 30

Tabela 1.12. Formas de tratamento nas cartas do Marquês do Lavradio em Lopes (2004) ........... 32

Tabela 1.13. Uso do tu segundo o gênero do autor das cartas em Lopes (2004)..................... 33

Tabela 1.14. Efeito do período histórico sobre o uso de formas da 2ª pessoa


gramatical em Lucca (2003)........................................................................................................ 34

Tabela 1.15. Efeito dos fatores sociais sobre o uso do tu em Pitombo (1998) .......................... 35

Tabela 5.1. Efeito das variáveis ‘função do SN’, ‘tempo verbal’ e ‘modo verbal’
sobre o uso do tu......................................................................................................................... 78

Tabela 5.2. Efeito do gênero do falante em falas reais e retomadas sobre o uso do tu............... 83

Tabela 5.3. Efeito do tipo de relação entre os interlocutores sobre o uso do tu ........................ 87
iv

Tabela 5.4. Efeito do cruzamento do ‘tipo de relação entre pares’ com o ‘tipo de fala’
sobre o uso do tu......................................................................................................................... 88

Tabela 5.5. Efeito do posicionamento dos interlocutores entre si sobre o uso do tu.................... 89

Tabela 5.6. Efeito da polidez sobre o uso do tu em relações assimétricas ............................... 90

Tabela 5.7. Efeito do tema do discurso sobre o uso do tu ......................................................... 93

Tabela 5.8. Efeito do tipo semântico do pronome sobre o uso do tu ......................................... 96

Tabela 5.9. Efeito do cruzamento de ‘tema discursivo’ e ‘tipo semântico do referente’


sobre o uso do tu......................................................................................................................... 96

Tabela 5.10. Efeito da região administrativa dos falantes sobre o uso do tu............................. 98

Tabela 5.11. Efeito do gênero do falante em relação ao do ouvinte sobre o uso do tu............. 99

Tabela 5.12. Efeito do cruzamento das RAs com as outras variáveis sociais sobre o uso do tu ......... 100

Tabela 5.13. Efeito do paralelismo lingüístico sobre o uso do tu ............................................. 105

Tabela 5.14. Efeito do tipo de estrutura sobre o uso do tu....................................................... 109


v

LISTA DE QUADROS

Quadro 1.1. Distribuição dos trabalhos sobre referência de 2ª pessoa por


tipo de corpus e região................................................................................................................ 11

Quadro 2.1. As regiões administrativas do Distrito Federal....................................................... 41

Quadro 2.2. Distribuição de renda domiciliar nas RAs consideradas e no DF .......................... 42

Quadro 2.3. Naturalidade dos habitantes de Brasília ................................................................ 44

Quadro 2.4. Naturalidade dos habitantes de Taguatinga .......................................................... 46

Quadro 2.5. Naturalidade dos habitantes de Ceilândia ............................................................. 49

Quadro 4.1. Constituição da amostra......................................................................................... 69


vi

RESUMO

Este trabalho trata da variação tu/você na fala brasiliense sob o ponto de vista da

Teoria da Variação Lingüística delineada por Weinreich, Labov & Herzog (1968) e Labov (1975)

e leva em conta a influência de fatores como a alternância de estilos e o tipo de relação entre

os interlocutores na determinação das formas.

Os dados foram coletados entre falantes do grupo social que julgamos ser o que

mais se apropriou do uso do tu no Distrito Federal: jovens do gênero masculino. Assim,

contactamos estudantes da rede pública de ensino das três regiões administrativas mais

populosas do Distrito Federal, a saber, Ceilândia, Taguatinga e Brasília. Os informantes

fizeram gravações ocultas de situações conversacionais entre si e seus amigos, de onde

pudemos coletar dados de interações de rapazes, de rapazes e garotas e de rapazes e

adultos, estas coletadas por meio de falas reproduzidas. Entretanto, a maior parte das falas

são características de relações entre pares solidários, nas quais o uso do tu emerge. Os

resultados revelam alto índice de tu na amostra analisada (72%) e apontam para o fato de que

a variação tu/você na fala dos jovens brasilienses é determinada pelo gênero do falante, pelo

tipo de relação entre os pares, pelo tópico discursivo e pela região administrativa de onde o

falante provém. Fatores lingüísticos como o paralelismo e o tipo de estrutura quanto à

entonação também condicionam a seleção dos pronomes.

Em síntese, diferentemente das primeiras impressões dos falantes brasilienses, o

tu é amplamente utilizado entre jovens brasilienses do gênero masculino, em relações

marcadas pela solidariedade entre os pares.

Palavras-chave: sociolingüística variacionista; 2ª pessoa do discurso, relações solidárias.


vii

ABSTRACT

This dissertation deals with the variation of pronominal forms of second person

tu/você (thou/you) in the speech of the population of Brasília – capital of Brazil in the light of the

Theory of Linguistic Variation proposed by Weinreich, Labov & Herzog (1968) and Labov

(1975). The analysis considers the influence of factors such as style shift and the type of social

relation between the speakers in the selection of the variant forms.

The data was collected among the social group considered to most use the form tu

(thou) in the Federal District: young males. For that purpose, students from public schools of the

three most densely populated regions of the Federal District were contacted. These regions are

Ceilândia, Taguatinga and Brasília. The selected students secretly recorded their conversations

with friends, from which we could collect data of interactions between young males, young

males with young females and young males with adults from both genders, these collected

through reproduced speeches. However, most of the recorded speeches are typical of relation

between alike pairs, from where the tu emerges. The results reveal high use of tu in the

analyzed sample (72%) and leads to the conclusion that the tu/você variation in the speech of

young people from Brasilia is determined by speaker gender, type of relation between the pairs

in the interaction, topic of the conversation and origin of the speakers inside the Federal District.

Linguistic factors such as parallelism and intonation of the structure also condition the pronoun

selection. Summarizing, contrary to the common sense among Brasilia’s speakers, the tu is

largely used by young males, mainly in conversations among alike pairs.

Key-words: Sociolinguistic; second person; relationships among alike pairs.


1

INTRODUÇÃO

Entendemos que a língua é um pré-requisito para a existência de relações sociais,

embora ela não exista independente da estrutura social (Romaine, 1994, p. 221). A língua

também é um fenômeno social que, assim como contribui para a reprodução e transformação

das estruturas sociais, também é transformada por elas.

Por este ponto de vista, consideramos que a língua é um mecanismo fundamental

para a comunicação entre os falantes e para que os falantes se posicionem criticamente em

relação ao mundo que os cerca. Sobre isso, Trudgill (1995, p. 2) assevera que há dois

aspectos do comportamento lingüístico importantes de um ponto de vista social: “primeiro, a

função da língua em estabelecer relações sociais; e, segundo, papel da língua em exprimir

informação sobre o falante” 1.

Enfocando a segunda função da linguagem – posicionar criticamente o falante em

relação ao mundo que o rodeia – percebemos algumas estratégias lingüísticas que o falante

usa com essa finalidade. Entre elas, destacamos a forma como o falante refere-se à segunda

pessoa – ao ouvinte, no caso de uma situação conversacional.

A variação pronominal na referência de segunda pessoa é um fenômeno

lingüístico fortemente – mas não somente – relacionado às características das estruturas

sociais. A forma de tratamento que um falante usa para se dirigir a outro depende em grande

medida do tipo de relação estabelecida entre os falantes, do gênero dos mesmos e do contexto

da interação, entre outros fatores, de forma que uma situação interacional típica entre rapazes

brasilienses poderia ser ilustrada pelo trecho (a), em que prevalece o tratamento por tu:

1
cf. no original: “First, the function of language in establishing social relationships; and, second, the role
played by language in conveying information about the speaker.”
2

(a) 1― Ô, R., tu vai praquele negócio mermo lá, véio? Ah, não.
2― Se eu for preso final de semana...
3― Ô, vê o que tu fala, véio.
1― Presta atenção, tudo o que tu fala, véio... tá gravando tudo que tu fala,
véio.
(Conversa entre três rapazes/Taguatinga)

Similarmente, uma interação não solidária típica entre rapazes brasilienses consta

no exemplo (b), na qual o pronome você é mais comum:

(b) 1― Você falou que ia trazer a pipoca.


2― Eu falei?
1― Você falou o quê?
3― Todo mundo sabe que o R. é prego.
2― Eu tava com o dinheiro pra comprar.
1― Ô, você falou: ‘eu vou trazer pipoca, eu trago a pipoca porque tô com
dinheiro’. Aí! Acabou de assumir.
3― Você tá com dinheiro então?
1― Tá vendo, né, a preguice, né, véio?
(Conversa entre três rapazes/Taguatinga)

No Brasil coexistem, de forma geral, as formas de tratamento o senhor, você e tu,

que variam entre si pelas falas dispersas pelo imenso território do país, sendo que o pronome

tu tem ganhado força em muitas variedades regionais do português do Brasil. Como estamos

lidando com contextos informais de interação, a variação em nosso corpus se restringe aos

pronomes tu e você.

Luft (1957, p. 203) registra que o você é a forma de tratamento íntimo mais

comum no Brasil e que o tu, segundo Nunes (1938 2, p. 140, apud Luft, op. cit., p. 204), é

utilizado “em dois casos extremos: ou na linguagem afetiva, íntima e de igual para igual, ou

2
NUNES, Sá. Língua Vernácula, 4ª série. São Paulo: [s.n.], 1938.
3

então no falar enfático, enérgico e, por vezes, escarninho ou irônico”. Cintra (1972, p. 127)

assevera que, desde o português antigo até o contemporâneo, o uso do tu sempre foi

associado ao tratamento íntimo e o uso do você, a partir do século XVIII, associa-se ao

tratamento cortês. Para Faraco (1996, p. 67), o você afetou o sistema pronominal do português

ou substituindo o tu, ou criando um nível de relativa formalidade em relação ao tu.

A noção de que o pronome tu foi suplantado pelo você na variedade brasileira do

português, que era corrente no século XX, ainda encontra eco entre lingüistas e gramáticos.

Ilari et alli (1996) afirmam que o uso do tu encontra-se, atualmente, restrito à fala de Porto

Alegre 3; e Cunha & Cintra (2001, p. 292) asseveram que o emprego do tu, no português do

Brasil, está restrito às falas do extremo Sul do país e a pontos isolados da região Norte.

Veremos, ao longo do trabalho, que este ponto de vista não reflete a realidade da variedade

brasileira do português, especialmente nas relações solidárias.

O uso do tu apresenta estatutos diferentes nas várias regiões em que ocorre, e na

fala brasiliense não é diferente. Levando-se em conta esta especificidade da variação na

referência de segunda pessoa, é imperativo nesta pesquisa lidar com o componente social da

linguagem.

Nosso intuito é depreender quais fatores estão em jogo no processo de escolha do

falante, considerando tanto os fatores internos à estrutura lingüística quanto os fatores

inerentes à configuração da sociedade em que vivem os falantes.

Esta análise apóia-se na Teoria da Variação Lingüística, ou Sociolingüística

Variacionista, tanto por considerarmos adequado dar um tratamento quantitativo aos dados,

observando quais os fatores são estatisticamente relevantes na explicação do fenômeno,

quanto porque o aparato teórico da Sociolingüística Variacionista permite lidar com o

componente social que contribui para influenciar a variação e a mudança nas línguas.

3
Estudo baseado nos dados do Projeto NURC (Projeto de Estudo da Norma Lingüística Urbana Culta), os
quais foram coletados em entrevistas labovianas típicas.
4

Toda a nossa análise gira em torno de um pressuposto básico: a escolha do

pronome pelo qual tratar uma pessoa depende em larga medida – embora não só – dos fatores

envolvidos em uma dada situação conversacional.

Uma vez explicitada a razão de ser deste trabalho, passemos a delinear como ele

está constituído.

No primeiro capítulo, fazemos um apanhado dos principais trabalhos que já foram

divulgados sobre a referência de 2ª pessoa no português do Brasil – baseados tanto em língua

oral quanto em língua escrita –, embora alguns tratem da variação na concordância verbal com

o pronome tu, enquanto outros tratam da variação pronominal – tu/você ou tu/você/o senhor. O

objetivo deste capítulo é apresentar um mapeamento do uso do tu no Brasil, com base nas

pesquisas já realizadas e evidenciar a sua generalidade no amplo território brasileiro.

No segundo capítulo, buscamos configurar o Distrito Federal como um todo,

dando especial atenção às regiões administrativas nas quais coletamos os dados, traçando um

panorama que leva em conta dados da divisão geopolítica e das características demográficas e

sócio-econômicas desta população.

O terceiro capítulo trata dos pontos teóricos que servem de base para a análise

dos dados, situando nossa pesquisa na linha de estudos lingüísticos que lida com aspectos

variáveis do sistema lingüístico e com o componente social da linguagem, de forma a explicar

os efeitos que fatores sociais e lingüísticos exercem sobre fenômenos variáveis.

No quarto capítulo delineamos as decisões metodológicas que adotamos, desde a

escolha do fenômeno a ser estudado, até a análise dos dados, passando pela forma como

foram coletados, e por aspectos do programa computacional que nos forneceu o aparato

estatístico necessário à análise.

A análise dos dados é feita no quinto capítulo, no qual apontamos os fatores

sociais e lingüísticos que têm efeito na escolha dos falantes quanto aos pronomes tu e você.

Além disto, relacionamos nossos resultados aos de outras pesquisas, buscando situar o
5

estatuto do tu na fala brasiliense entre os demais existentes no Brasil, com base nas pesquisas

já divulgadas.

Por fim, tecemos nossas considerações finais, que, longe de tirar conclusões, se

propõem a fazer algumas generalizações, apontar novos rumos para o estudo da variação

tu/você em Brasília e fazer uma explanação sobre a existência da variação tu/você em outras

partes do território brasileiro além das já estudadas.


6

1. REVISÃO DA LITERATURA

1.1 Introdução

Neste capítulo revisamos, na primeira parte, trabalhos sobre a fala dos moradores

de Brasília e, na segunda, trabalhos que sinalizam algo sobre a referência de segunda pessoa

no português do Brasil.

O conjunto dos estudos já realizados com falantes residentes em Brasília, de um

modo geral, mostra que esta fala, de um estágio inicial de difusão (Bortoni-Ricardo, 1985), está

atualmente em um estágio de focalização 4 (Corrêa, 1998). Não podemos nos referir a uma ‘fala

brasiliense’ em todos os períodos da história de Brasília, uma vez que, nos primeiros anos

após sua inauguração, não havia falantes nativos na cidade e, à medida que esta passou a ter

falantes nativos, os mesmos ainda falavam uma variedade lingüística próxima à de seus pais.

Apresentamos, na segunda parte deste capítulo, a síntese de alguns trabalhos

sobre fenômenos variáveis que envolvem de alguma forma a referência de segunda pessoa,

seja sobre a alternância tu/você, que é foco deste trabalho, seja sobre a concordância verbal

com o pronome tu, ou, de uma forma mais ampla, sobre formas de tratamento usadas no

português do Brasil. Estes trabalhos são apresentados segundo a natureza de seu corpus – se

são dados de fala ou dados da escrita – e, dentro desta divisão, seguem uma distribuição pelas

regiões geográficas do Brasil, ordenados pelas regiões Sul, Sudeste, Norte e Nordeste,

considerando-se que não temos conhecimento de pesquisas sobre o assunto na região Centro-

Oeste.

4
Le Page (1975, apud Corrêa, 1998, p. 20) propõe os conceitos de difusão e focalização dialetal, de
modo que o dialeto difuso refere-se a “uma situação de grande mobilidade social e/ou geográfica”,
enquanto o dialeto focalizado baseia-se na constante interação, solidariedade ética e na divisão
permanente de um mesmo território.
7

1.2 Pesquisas sobre a constituição da fala brasiliense

Primeiramente, destacamos o trabalho de Stella Maris Bortoni-Ricardo (1985)

sobre a fala de uma comunidade localizada em Brazlândia, uma das cidades-satélite do Distrito

Federal. Sua amostra constitui-se de 118 falantes, sendo 53 homens e 65 mulheres, assim

subdivididos: um grupo de adultos (16 homens e 17 mulheres) proveniente de uma região rural

de Minas Gerais com idades entre 26 e 74 anos; um grupo de jovens (7 garotos e 6 garotas)

com idades entre 15 e 25 anos, formado por descendentes de falantes do primeiro grupo,

também nascidos na área rural, com o diferencial de terem se mudado para Brazlândia ainda

crianças; e um terceiro grupo mais heterogêneo, com falantes oriundos de várias regiões do

país e com idades entre 15 e 74 anos. Os dados do terceiro grupo, entretanto, não foram

incluídos, tanto pela heterogeneidade de seus falantes quanto porque são oriundos

estritamente de entrevistas estruturadas, enquanto os demais grupos, além de terem

respondido a entrevistas, foram gravados em interações conversacionais entre si.

Bortoni-Ricardo (1985) analisa quatro fenômenos variáveis, a saber, realização do

/λ/, retenção de ditongo, concordância verbal com a 3ª pessoa do plural e concordância verbal

com a 1ª pessoa do plural, sendo que o último é o que melhor se encaixa aos propósitos desta

pesquisa, no sentido de mostrar como as redes sociais mais amplas ou menos amplas

influenciam nas escolhas lingüísticas dos falantes. Sua análise mostra que as pessoas que

saíam da comunidade para trabalhar, em geral homens jovens, passavam por um processo de

difusão dialetal, perdendo marcas estigmatizadas de seu dialeto materno e adquirindo formas

mais próximas ao dialeto padrão, com menos marcas regionais. Além disso, Bortoni-Ricardo

observou que as mulheres, que em geral não saiam da comunidade por causa das atividades

domésticas, tendiam a conservar os traços de seu dialeto de origem.

Em 1986, Elizabeth Hanna analisou a pronúncia de duas gerações residentes em

Brasília, sendo a primeira oriunda do Rio de Janeiro e da Paraíba, sob uma perspectiva

sociolingüística. Na fala dos informantes cariocas, analisou a palatalização e a posterização do


8

/s/ implosivo, e, na fala dos informantes paraibanos, analisou o abaixamento das vogais

pretônicas e a não africação de /t/ e /d/.

Hanna (1986) notou que os adultos de ambos os estados perderam alguns traços

de seu dialeto de origem, mas passaram a empregar alguns traços regionais de forma variável,

sendo que os cariocas conservaram mais suas marcas características que os paraibanos. A

segunda geração, já nascida em Brasília, apresentou uma pronúncia mais focalizada, ou seja,

os jovens falavam da mesma forma entre si, independentemente da origem de suas famílias,

tendendo para uma fala com menos marcas dialetais.

Josepha Adant, observando a fala de 20 alagoanos residentes em Brasília em

1988 (e a contrapondo à fala de outros 20 alagoanos residentes em Alagoas), analisa a

variação no abaixamento das vogais pretônicas e na africação de /t/ e /d/.

Adant (1988) constata, na fala dos alagoanos residentes em Brasília, a perda de

traços fonológicos típicos de seu dialeto de origem em favor de uma fala com menos marcas

dialetais estigmatizadas. Os falantes que apresentaram mais perdas dialetais são

principalmente pessoas de origem urbana e do gênero feminino.

Também em 1988, Djalma Melo analisa os julgamentos subjetivos de atitudes

lingüísticas de estudantes universitários e supletivistas de Brasília. Segundo Melo (1988), os

dialetos que receberam mais qualificações positivas foram os que apresentavam menos traços

socialmente estigmatizados, como o gaúcho, o goiano, o ‘brasiliense’ e o paulista, enquanto o

dialeto pernambucano recebeu avaliação mais baixa.

Cíntia da Costa Corrêa, em 1998, apresentou seu estudo sobre a focalização

dialetal no Plano Piloto e em Ceilândia, concentrando-se na realização das vogais pré-tônicas e

do /s/ pós-vocálico. Seus resultados corroboram os resultados das pesquisas realizadas

anteriormente, no sentido de evidenciar que, após um processo de difusão dialetal, Brasília

está passando atualmente por um processo de focalização dialetal, dialeto este que está sendo

marcado sobretudo pela ausência de marcas regionais específicas e pela adoção de marcas

supra-regionais.
9

Seus resultados quantitativos mostram que as variantes lingüísticas não marcadas

regionalmente têm um percentual de ocorrência bem maior que o percentual de ocorrência das

variantes marcadas. Além disso, Corrêa (1998) evidencia que traços lingüísticos regionais na

fala brasiliense passam a marcar aspectos sociais.

Em 2000, Ana Maria Vellasco e Cirlene Magalhães-Almeida apresentam um

estudo de abordagem semântico-lexical sobre a fala dos jovens do Distrito Federal, o que

chamaram ‘falar candango’ 5, mostrando que esta fala, após passar por um período inicial de

difusão dialetal, hoje se encontra num estágio incipiente de focalização.

No nível lexical, Vellasco & Magalhães-Almeida (2000) constataram que os jovens

de Brasília absorveram tanto itens de outras regiões do Brasil, como do Rio de Janeiro, quanto

estrangeirismos, com enfoque especial para os que surgiram da linguagem da informática

(como sair pra night ou deletar), mas ressaltando que o uso de estrangeirismos não é uma

característica somente da ‘fala candanga’ contemporaneamente.

Além destes empréstimos, os jovens brasilienses também criam seus próprios

itens lexicais, seja por uma mudança no sentido de uma palavra já existente (por exemplo,

dragão para mulher feia; vazar para ir embora), seja por aférese, como ‘ganha’, para ‘meganha’

(policial) ou por apócope, como em fut, para ‘futebol’.

Os jovens do Distrito Federal têm sido reconhecidos, ainda, por usarem formas

apocopadas como ‘véio’ ou ‘véi’, de ‘velho’, que, assim como afirmam as autoras, está

impregnado de sentido de identidade; ‘mó’ ou ‘mor’, de ‘maior’ (‘mó pressão’, ‘mó data’, ‘mó

xarope’); e ‘paia’, de ‘palha’, para expressar desaprovação, descontentamento.

O Distrito Federal já apresenta, de acordo com Vellasco & Magalhães-Almeida

(2000), uma busca por uma identidade sociocultural que se expressa, entre outras formas, no

nível lexical.

5
Optamos por não usar a terminologia ‘falar candango’ porque a palavra ‘candango’, que se refere aos
operários das grandes obras na construção de Brasília, principalmente de pessoas advindas da região
Nordeste, adquiriu entre os brasilienses uma conotação pejorativa e preconceituosa.
10

Em 2002, Adriana Barbosa, a fim de captar a identidade lingüística do falante

brasiliense, entrevistou falantes nascidos em Brasília argüindo-os sobre a idéia do não-sotaque

da capital como marca do dialeto brasiliense. Ao todo, entrevistou quatro falantes do Plano

Piloto, dois de Taguatinga, dois de Ceilândia e quatro do Gama.

Segundo Barbosa (2002, p. 60), os brasilienses entrevistados elegeram como

bons os sotaques veiculados pela mídia, falados no centro-sul, com exceção do carioca, que é

associado a gírias excessivas, e o dialeto do estado do Maranhão, para o qual se levou em

conta o mito do ‘falar nacional correto’ (Bagno, 2001, p. 46) que, como assegura Barbosa (op.

cit.), caracteriza-se pelo uso do pronome tu com concordância verbal canônica. Os sotaques

rejeitados, em geral, são considerados os mais ‘carregados’, principalmente os da região

Nordeste, que é uma região socialmente desprestigiada no cenário nacional.

Os informantes de Barbosa (op. cit., p. 68) afirmaram que os habitantes do Plano

Piloto “falam certinho”, enquanto os de Ceilândia falam “muita gíria”, “muito ‘pra’”, e os de

Taguatinga falam um “português mais pro nordestino, mas não tão puxado”.

1.3 Pesquisas sobre a referência de segunda pessoa no Brasil

A referência de segunda pessoa tem sido analisada por alguns pesquisadores

brasileiros sob dois prismas. Um deles se baseia no conceito de poder e solidariedade – tal

como o presente estudo –, e o outro se baseia na análise da concordância verbal. Os estudos

utilizam corpora de naturezas distintas, isto é, há corpora tirados de língua escrita e corpora

colhidos na língua oral. O conjunto dos trabalhos analisados pode ser dividido da forma como

apresentamos no quadro 1.1.


11

Quadro 1.1. Distribuição dos trabalhos sobre referência de 2ª pessoa por tipo de corpus e região

Região do Brasil Dados de língua oral Dados de língua escrita


Região Sul Loregian (1996) Menon (2000)
Loregian-Penkal (2004)

Região Sudeste Paredes Silva (2003) Paredes Silva et alli (2000)


Lopes & Duarte (2003)
Lopes (2004)
Lucca (2003)

Região Nordeste Bezerra (1994) Pitombo (1998)


Pedrosa (1999)
Soares (1980)

Região Norte Soares & Leal (1993)

1.3.1 Loregian (1996)

Em 1996, Loremi Loregian defendeu na Universidade Federal de Santa Catarina

(UFSC) sua dissertação sobre a “Concordância verbal com o pronome tu na fala do sul do

Brasil” analisando dados do projeto VARSUL. VARSUL é sigla do projeto Variação Lingüística

Urbana na Região Sul, que existe desde 1990 e é desenvolvido pelo trabalho conjunto de

pesquisadores das seguintes universidades: UFSC, Universidade Federal do Paraná (UFPR),

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul (PUC-RS).

Buscando dados em entrevistas realizadas nas capitais dos três estados sulistas,

Loregian (1996) não encontrou ocorrências do pronome tu em Curitiba, motivo pelo qual só

quantificou os dados de Florianópolis (enfocando o bairro Ribeirão da Ilha, que fica junto à Baía

Sul de Florianópolis), onde encontrou maior variação na concordância, e Porto Alegre.

Seus resultados quantitativos, produzidos pelo programa computacional

VARBRUL (Pintzuk, 1988), mostram que no Ribeirão da Ilha se faz mais concordância
12

canônica que nos demais bairros de Florianópolis, e Loregian (op. cit.) credita este uso à forte

influência da imigração açoriana em toda a região, especialmente no Ribeirão da Ilha. Loregian

(op. cit.) atribui isto ao fato de o bairro Ribeirão da Ilha ser geograficamente mais isolado de

contatos externos que os demais bairros. Já em Porto Alegre, Loregian constatou que a

concordância verbal padrão com o pronome tu é praticamente inexistente, ou seja, o tu ocorre,

via de regra, com os verbos nas formas não marcadas.

Nas análises por localidade, Loregian (op. cit., p. 93) obteve o seguinte quadro:

em Porto Alegre, o programa selecionou (1) paralelismo formal; (2) tempo verbal; (3) gênero; e

(4) faixa etária. Em Florianópolis, foram selecionadas as variáveis (1) paralelismo formal; (2)

saliência fônica; (3) explicitação do pronome; (4) interação emissor/receptor; (5) tonicidade do

verbo; (6) grau de escolarização; e (7) número de sílabas do verbo. No Ribeirão da Ilha, foram

selecionados: (1) paralelismo formal; (2) tempo verbal; (3) explicitação do pronome; (4)

interação emissor/receptor; (5) tonicidade do verbo; (6) número de sílabas do verbo; e (7)

contexto fonológico seguinte.

Loregian (op. cit.) configurou uma variável que lida com a interação entre emissor

e receptor, a qual trabalha, entre outras coisas, com categorias com as quais também

trabalhamos em duas variáveis distintas: referência genérica e repetição de fala. A tabela 1.1

apresenta o efeito desta variável sobre a concordância com o tu na análise que engloba as três

localidades.
13

Tabela 1.1. Efeito da interação emissor/receptor sobre a concordância com o tu em Loregian (1996)

Freqüência
Ato de fala do emissor Peso Relativo
N %

Dirigindo-se ao entrevistador 143/268 53 .65

Repetindo a fala de outra pessoa 236/526 45 .59

Dirigindo-se a um interveniente 5/28 38 .57

Dirigindo-se a um referente genérico 205/1105 29 .47

Usando a função fática 53/183 19 .22

Total 642/2100 31
Fonte: Loregian (1996, p. 57) (adaptada)

Os atos de fala, em geral, tendem a favorecer a concordância verbal com o tu,

com exceção da referência genérica e da função fática, que tendem a desfavorecer a

concordância verbal canônica com o pronome tu, embora a função fática tenha um efeito bem

mais desfavorecedor sobre a concordância verbal com o tu. Comparando os pesos relativos da

referência genérica e da referência específica (dirigindo-se ao entrevistador), percebemos que

a referência genérica tem um efeito bem menos favorecedor da concordância canônica, uma

vez que a diferença entre eles é de .18.

Em relação às variáveis sociais, das quatro analisadas, foram selecionadas a

região, a faixa etária e a escolaridade, sendo que o gênero do informante não se mostrou

estatisticamente significativo – em termos de freqüências relativas, as mulheres até fizeram

menos concordância padrão que os homens, ao contrário do esperado. Pela tabela 1.2,

podemos acompanhar os resultados obtidos por Loregian (1996) em relação às variáveis

sociais, baseados no cruzamento da região do falante com o grau de escolaridade e com a

faixa etária.
14

Tabela 1.2. Efeito das variáveis sociais sobre a concordância verbal com o tu por localidade
em Loregian (1996)

Porto Alegre Florianópolis Ribeirão da Ilha

N % PR N % PR N % PR

Escolaridade1

1º C Ens Fund 22/318 7 .50 89/322 28 .45 54/99 55 .50

2º C Ens Fund 4/201 2 .24 110/290 38 .55 73/142 51 .56

Ensino Médio 4/221 2 .30 172/323 53 .69 113/184 61 .67

Faixa etária2

15-24 -- -- -- 142/370 38 .63 22/64 34 .44

25-49 6/364 2 .13 133/358 37 .62 119/216 55 .77

+ 50 24/376 6 .29 96/207 46 .69 99/145 68 .84

Total 30/740 4 .123 371/935 39 .713 240/425 56 .813


Fonte: Loregian (1996, p. 92; 103; 105) (adaptada)
1 – Resultados apresentados no cruzamento das variáveis região e grau de escolarização
2 – Resultados apresentados no cruzamento das variáveis região e faixa etária
3 – Peso relativo de cada localidade, quando consideradas na mesma análise

Loregian (1996) traça um quadro no qual os falantes de Porto Alegre tendem a

fazer menos concordância canônica que os falantes de Florianópolis, e estes menos que os do

Ribeirão da Ilha, com pesos relativos de .12, .71 e .81, respectivamente. Além disto, os falantes

de todas as localidades tendem a fazer mais concordância canônica à medida que aumenta o

nível de escolaridade, com exceção de Porto Alegre, cujos falantes tendem a fazer mais

concordância canônica no primeiro ciclo do ensino fundamental que nos outros níveis.

Em relação à faixa etária, os resultados apontam para um efeito desfavorecedor

da concordância canônica nas duas faixas consideradas, embora os falantes com idade acima

de 50 anos façam mais concordância que os falantes com idades entre 25 e 49 anos. Em

Florianópolis, todas as faixas etárias favorecem a concordância canônica, sendo que os

falantes acima de 50 anos têm um efeito maior sobre este favorecimento. No Ribeirão da Ilha,

por outro lado, os falantes na faixa dos 15 aos 24 anos desfavorecem a concordância canônica
15

com o tu (com peso de .44), enquanto as outras faixas favorecem fortemente (com .77 entre os

falantes de 25-49 anos e com .84 para os falantes acima de 50 anos).

1.3.2 Loregian-Penkal (2004)

Loregian-Penkal (2004) amplia o corpus de 1996, analisando entrevistas

realizadas tanto nas capitais dos estados sulistas quanto em cidades interioranas de cada

estado. Amplia, também, o escopo da pesquisa como um todo, pois analisa a referência de

segunda pessoa em relação tanto ao uso do pronome tu quanto ao uso do pronome você,

sempre na posição de sujeito. No entanto, a pesquisadora quantifica as ocorrências explícitas e

implícitas de cada pronome. No caso do tu, este pôde ser recuperado ou pela flexão verbal, ou

via ocorrência de um tu explícito no período. Já o você implícito só pôde ser recuperado pela

ocorrência explícita de um você precedente, no mesmo período.

Vejamos, a seguir, o efeito das variáveis sociais sobre o uso do pronome tu em

cada localidade considerada, observando a tabela 1.3.


16

Tabela 1.3. Efeito das variáveis sociais sobre o uso do tu por localidade em Loregian-Penkal (2004)

Porto Alegre Florianópolis Ribeirão da Ilha

N % PR4 N % PR4 N % PR4

Gênero

Masculino 274/344 80 .03 204/344 59 .10 185/193 96 --1

Feminino 472/475 99 .92 387/423 91 .85 262/269 97 --

Escolaridade

1º C Ens Fund ?2 93 .41 ? 64 .08 ? 88 --

2º C Ens Fund ? 89 .08 ? 77 .84 ? 99 --

Ensino Médio ? 90 .95 ? 95 .85 ? 100 --

Faixa etária

25-49 ? 90 .64 ? 78 .80 ? 100 --

+ 50 ? 82 .26 ? 75 .09 ? 92 --

Total 746/819 91 .613 591/767 77 .323 447/462 97 .783


Fonte: Loregian-Penkal (2004, p. 136;141;143) (adaptada)
1 – Não apresentou significância estatística
2 – Dados indisponíveis
3 – Peso relativo de cada localidade, quando consideradas na mesma análise
4 – Pesos relativos apresentados ao longo do texto, não constam em tabelas

Na análise com a amostra do Ribeirão da Ilha, não foi selecionada nenhuma das

variáveis sociais que foram selecionadas na análise conjunta, indicando que, para esta

localidade, as diferenças nos percentuais de uso entre os falantes de gêneros diferentes, níveis

de escolaridade diferentes e faixas etárias diferentes não são estatisticamente relevantes.

Entre os falantes de Porto Alegre e de Florianópolis (excetuando-se o Ribeirão da

Ilha), as mulheres têm forte efeito favorecedor sobre o uso do tu, enquanto os homens têm

forte efeito desfavorecedor, embora a freqüência de uso seja grande em dados de ambos os

gêneros. A diferença entre os pesos relativos em Porto Alegre, no entanto, é de .89, mais

significativa que a de Florianópolis, que é de .75.

As variáveis lingüísticas selecionadas em Loregian-Penkal (op. cit.) na

comparação entre Porto Alegre, Florianópolis e o Ribeirão da Ilha juntas foram gênero
17

discursivo, determinação do discurso e explicitação do pronome, tal como mostram os

resultados da tabela 1.4.

De um modo geral, os resultados de Loregian Penkal (op. cit.) mostram que o

gênero argumentativo é o que mais favorece o uso do tu, com peso relativo de .62; o referente

determinado favorece bem mais o uso do tu que o indeterminado, com uma diferença de .23. O

uso categórico de tu no gênero ‘receita’ (100% das ocorrências) indica que o você ainda não se

infiltrou no discurso formulaico das comunidades analisadas (Loregian-Penkal, op. cit., p. 146).

Sobre a explicitação do pronome, os resultados indicam que a ausência do pronome favorece

muito mais o uso do tu que a presença, indicando que “a flexão verbal canônica de segunda

pessoa é, muito provavelmente, a responsável pelo elevado peso relativo atribuído ao tu”

(Loregian-Penkal, 2004, p. 150).


18

Tabela 1.4. Efeito das variáveis lingüísticas sobre o uso do tu no Sul do Brasil em Loregian-
Penkal (2004)

Freqüência
Fatores Peso Relativo
N %

Gênero discursivo

Receitas 155/155 100 --

Argumentativo 823/910 90 .62

Narrativo 712/815 87 .39

Explicações 79/93 85 .26

Total 1769/1973 86

Determinação do discurso

Determinado 804/885 91 .62

Indeterminado 862/1045 82 .39

Total 1666/1930 86

Explicitação do pronome

Com pronome explícito 1303/1550 84 .39

Sem pronome explícito 481/498 97 .80

Total 1784/2048 87
Fonte: Loregian-Penkal (2004, p. 145;148;150) (adaptada)

Nas rodadas com cada localidade em separado, Loregian-Penkal (op. cit.) não

divulga as freqüências absolutas e relativas, mas mostra que se obtiveram os seguintes pesos

relativos, os quais constam na tabela 1.5.


19

Tabela 1.5. Efeito das variáveis lingüísticas sobre o uso do tu por localidade em Loregian-Penkal
(2004) (em pesos relativos)

Fatores Porto Alegre Florianópolis Ribeirão da Ilha

Gênero discursivo

Predominantemente argumentativo .73 --1 .80

Predominantemente narrativo .19 -- .39

Explicações .54 -- .04

Determinação do discurso

Determinado .86 .73 .83

Indeterminado .28 .26 .08

Explicitação do pronome

Com pronome explícito -- .32 /2

Sem pronome explícito -- .90 /


Fonte: Loregian-Penkal (2004, p. 146; 149; 150) (adaptada)
1 – Sem relevância estatística
2 – Efeito categórico: todas as ocorrências sem pronome referem-se ao tu

O favorecimento do uso do tu em discursos argumentativos deve-se, segundo

Loregian-Penkal (op. cit., p. 147), a uma estratégia do falante, pois, quando argumenta, “ele

poderia estar envolvido na estratégia de convencimento do outro e de imposição de sua

opinião, contexto propício ao uso de tu: o tratamento mais íntimo, usado para dar ordens e para

impor sua vontade”.

Em relação à determinação do discurso, percebe-se que, nas três localidades, o

discurso determinado tem forte efeito favorecedor sobre o uso do tu, enquanto o discurso

indeterminado tem forte efeito desfavorecedor deste uso. Estes resultados apontam para o fato

de que o pronome você está entrando no sistema pronominal destes dialetos via

indeterminação.

Quanto à explicitação do pronome, os resultados apontam para o fato de que a

ausência de pronome favorece o tu nas localidades que apresentam concordância verbal

canônica de 2ª pessoa (Florianópolis e Ribeirão da Ilha), uma vez que o pronome pode ser
20

resgatado pela flexão verbal. Já em Porto Alegre, onde a flexão canônica de 2ª pessoa quase

não ocorre, o falante tende a explicitar o pronome, seja ele o tu ou o você, de forma a evitar

ambigüidades.

1.3.3 Paredes Silva (2003)

Paredes Silva (2003, p. 164), analisando o retorno do pronome tu à fala carioca –

em contextos informais, de forma geral, e com flexão verbal na 3ª pessoa, categoricamente –,

contrapõe o tu à forma reduzida cê, cujo uso, neste dialeto, atualmente já se sobrepõe ao uso

da forma plena, você. Segundo a pesquisadora, “através do pronome tu o falante estaria

resgatando um monossílabo tônico para competir, com vantagem, com o clítico cê 6 na função

de atrair a atenção do interlocutor e compensar a perda de corpo fônico que se vem

assinalando” (Paredes Silva, 2003, p. 164-5).

Paredes Silva (op. cit.) mostra que, na fala carioca, enquanto no corpus Censo do

Programa de Estudos sobre o Uso da Língua (PEUL), de 1980, só havia 6% de ocorrências do

pronome tu (provavelmente porque as entrevistas labovianas não puderam captá-lo) e o corpus

do Banco de Dados Interacionais (BDI, também do PEUL), coletado em 1990, apresenta 3% de

ocorrências de tu (provavelmente porque os informantes sabiam que estavam sendo gravados

e monitoraram sua fala), o corpus Paredes 96, formado por gravações ocultas realizadas em

1996 já mostra 65% de ocorrência do pronome tu, em oposição ao você.

Em relação ao corpus de 1996, Paredes Silva (op. cit.) constata que não existe

concordância verbal canônica com o pronome tu. Podemos conferir pela tabela 1.6 os

resultados para os fatores sociais selecionados.

6
Sobre o processo de clitização do cê, cf. RAMOS, Jânia. O uso das formas você, ocê e cê no dialeto
mineiro. In: HORA, Dermeval. Diversidade Lingüística no Brasil. João Pessoa: Idéia Editora, 1997.
21

Tabela 1.6. Efeito das variáveis sociais sobre o uso do tu no Rio de Janeiro em Paredes Silva (2003)

Freqüência
Fatores Peso Relativo
N %

Gênero

Masculino 32/192 69 .57

Feminino 103/176 59 .43

Faixa etária

10-19 69/106 65 .50

20-29 130/185 70 .60

30-39 36/77 47 .28

Total 235/368 68
Fonte: Paredes Silva (2003, p. 165;166) (adaptada)

Paredes Silva (op. cit., p. 165) afirma que o gênero do falante é sempre a primeira

variável a ser selecionada pelo programa Varbrul (Pintzuk, 1988) na variação tu/você no Rio de

Janeiro. No corpus Paredes 96, os homens favorecem a ocorrência de tu com peso relativo de

.57, enquanto as mulheres tendem a desfavorecer o uso do tu com peso de .43. A diferença de

.14 entre os pesos relativos, embora não seja tão grande, pode estar apontando para o

prestígio encoberto 7 que envolve o uso do tu entre os falantes do gênero masculino.

A faixa etária que mais favorece a ocorrência do tu é a dos 20 anos, com peso

relativo de .60, enquanto a faixa entre 10 e 19 tem menor efeito favorecedor, com peso de .50,

e a faixa dos 30 anos tem efeito desfavorecedor, com peso de .28.

Nos mesmos moldes das entrevistas sociolingüísticas feitas para o corpus Censo,

vinte anos depois o PEUL constituiu o corpus Tendência. A comparação dos resultados com os

dois corpora aponta para uma possível mudança em curso: se antes eram as faixas etárias

mais jovens as favorecedoras do tu, hoje são as menos jovens, ou seja, os falantes que mais

empregavam o tu há 20 anos eram os mais jovens, e estes mesmos falantes, 20 anos depois,

7
Sobre o conceito de ‘prestígio encoberto’, cf. item 3.2.1.
22

continuam favorecendo o uso do tu, apontando para uma tendência à generalização do

emprego do tu em todas as faixas etárias.

1.3.4 Bezerra (1994)

Bezerra (1994) analisa a fala espontânea de 19 crianças paraibanas com idades

entre 6 e 12 anos, de classe média, a fim de captar a variação tu/você. Foram considerados os

pronomes você explícitos e os pronomes tu explícitos e implícitos na flexão verbal.

Embora tenha feito uma análise interacional não baseada em resultados

numéricos, apresenta alguns resultados quantitativos (valores absolutos) e faz algumas

considerações relevantes para o nosso estudo. Bezerra enfoca a predominância do tu sobre o

você, sendo que 69% das ocorrências se referem ao tu, contra 31% de ocorrências de você.

Segundo ela, o uso de uma ou outra variante parece estar relacionado ao tipo de ato

comunicativo envolvido na interação – pedido, repreensão, insulto, desculpa, consentimento,

entre outros.

A partir dos dados numéricos que Bezerra (op. cit.) apresenta, nos quais relaciona

a variação tu/você tanto a atos comunicativos quanto ao gênero dos informantes, podemos

depreender que 71% das ocorrências entre as meninas são de tu, enquanto este percentual

entre os meninos é de 65% (pouco diferente da ocorrências entre as meninas). Apesar de os

resultados de Bezerra apontarem para o fato de que o gênero dos interlocutores não influencia

no fenômeno que analisa, consideramos que uma análise de pesos relativos poderia trazer

mais luzes a este ponto. Os resultados quantitativos podem ser observados na tabela 1.7.
23

Tabela 1.7. Efeito do gênero sobre o uso do tu em Bezerra (1994)

Freqüência
Gênero
N %

Masculino 43/66 65

Feminino 133/188 70

Total 176/254 69
Fonte: Bezerra (1994, p. 115) (adaptada)

Por fim, a autora afirma que o tu prevalece em situações de intimidade e o você

tende a ocorrer em situações de não solidariedade, quando o falante ameaça a face do

ouvinte.

1.3.5 Pedrosa (1999)

Pedrosa (1999) apresenta os resultados de sua pesquisa sobre a concordância

verbal com o pronome tu em João Pessoa, Paraíba. O corpus utilizado foi colhido no banco de

dados do VALPB, e consta de 10 informantes de cada gênero, distribuídos por faixa etária e

anos de escolarização. VALPB é a sigla do Projeto Variação Lingüística no Estado da Paraíba,

que existe desde 1993 sob a coordenação do Prof. Dr. Dermeval da Hora, da Universidade

Federal da Paraíba (UFPB).

Embora a pesquisadora não contraponha o uso do tu com o uso do você,

podemos considerar alguns aspectos de sua pesquisa. A escassez de dados, entretanto, pode

estar enviesando os resultados. Os fatores que se mostraram relevantes foram tempo

verbal/saliência, anos de escolarização e faixa etária do falante.

Sua análise aponta para uma tendência da fala pessoense a não fazer a

concordância canônica com o pronome tu, pois em 77% de seus dados o falante de João
24

Pessoa usa a forma verbal não marcada. A tabela 1.8 mostra o efeito das variáveis sociais

sobre a concordância verbal marcada com o pronome tu.

Tabela 1.8. Efeito das variáveis sociais sobre a concordância verbal em Pedrosa (1999)

Freqüência
Peso Relativo
N %

Faixa etária

15-25 anos 5/8 63 .99

26-49 anos 8/39 21 .08

+ de 50 anos 3/22 14 .92

Anos de escolarização

0-4 anos 2/22 9 .08

5-8 anos 9/30 30 .64

9-11 anos 3/4 75 1.00

+ de 11 anos 2/13 15 .69

Total 16/69 23 input: .24


Fonte: Pedrosa (1999, p. 5;6) (adaptada)

Observando o efeito da faixa etária sobre a concordância com o tu, os números

mostram que os jovens de 15 a 25 anos e os adultos acima de 50 anos favorecem fortemente a

realização da concordância canônica, com pesos relativos de .99 e .92, respectivamente,

enquanto a faixa etária intermediária, entre 26 e 49 anos, tem efeito desfavorecedor, com peso

relativo de .08.

Em relação à variável anos de escolaridade, Pedrosa (op. cit.) indica que os

falantes com 0 a 4 anos de estudo apresentam efeito desfavorecedor sobre a concordância

com o tu (.08), ao passo que os falantes com 5 ou mais anos de estudo apresentam efeito

favorecedor sobre a concordância verbal canônica com o pronome tu (.64, 1.0 e .69).
25

1.3.6 Soares (1980)

Soares (1980) analisa as formas de tratamento correntes na fala de Fortaleza com

base em dados oriundos de 72 informantes, em contextos interacionais formais e informais, em

situações simuladas (diálogos criados pelos informantes a partir de ilustrações) e eventos de

fala reais.

De um modo geral, podemos dizer que Soares (op. cit.) delimita o sistema

pronominal no que concerne a formas de tratamento, em Fortaleza, que se mostra ternário:

pode efetuar-se pelas formas tu, você e senhor, tanto em relações simétricas quanto em

assimétricas. A alternância é determinada por fatores como situação discursiva, papel social

dos interlocutores, idade e grau de intimidade entre os interlocutores. Evidencia, ainda, que o

uso do tu é mais generalizado, o você é preferido em situações mais formais e a concordância

verbal com o pronome tu é variável, motivada por fatores como escolaridade, formalidade e

atenção prestada à fala.

1.3.7 Soares & Leal (1993)

Analisando as formas de tratamento correntes nas interações entre pais e filhos

em Belém, Pará, Soares & Leal (1993) dividiram seus 38 informantes por grupo sócio-

econômico e faixa etária, observando alguns professores da Universidade Federal do Pará

(UFPA) e alguns funcionários da universidade na interação com seus filhos e vice-versa.


26

Tabela 1.9. Formas de tratamento entre pais e filhos em Belém em Soares & Leal (1993)

DE FILHO PARA PAI DE PAI PARA FILHO

Grupo Tu Você Senhor Grupo Tu Você

N % N % N % N % N %

Filho de prof. 44 67,7 13 20,0 8 12,3 Pai professor 96 74,4 33 25,6

Filho de func. 40 37,7 8 7,5 58 54,7 Pai funcionário 196 79,0 52 21,0

Filho adolesc. 39 39,8 20 20,4 39 39,8 Pai de adolesc. 168 86,2 27 13,8

Filho criança 45 61,7 01 1,4 27 37,0 Pai de criança 124 68,1 58 31,9

TOTAL 84 49,1 21 12,3 66 38,6 TOTAL 282 76,8 85 23,2


Fonte: Soares & Leal (1993, p. 51) (adaptada)

A tabela 1.9 aponta para o fato de que o pronome mais usado pelos filhos para se

dirigirem aos pais é o tu, seguido pelo tratamento senhor. Entretanto, filhos de professores

preferem tu, enquanto os filhos de funcionários preferem senhor; e adolescentes usam tu e

senhor à mesma taxa, ao posto que crianças mostram preferência pelo tu. Os pais belenenses,

na maior parte das ocorrências, tratam seus filhos por tu, considerando-se que usam mais tu

para os filhos adolescentes que para as crianças.

Representando uma célula da sociedade no que concerne a tratamento íntimo, a

família é uma amostra do comportamento lingüístico do falante na sociedade. A partir disto,

podemos inferir que o tratamento íntimo em Belém é feito preferencialmente pelo pronome tu,

que existe em alternância com você, em relações simétricas, e você e senhor em relações

assimétricas.
27

1.3.8 Menon (2000)

Menon (2000, p. 148) analisa a concordância verbal variável com os pronomes de

2ª pessoa no romance As vinhas da ira 8, cuja primeira tradução, de acordo com a

pesquisadora, reflete o linguajar riograndense da primeira metade do século XX. Ela controlou

a concordância verbal com as formas tu, você, o senhor e nós (embora de 1ª pessoa, apareceu

sem concordância em duas situações) e chegou a resultados interessantes a respeito dos

pronomes de 2ª pessoa, como observamos na tabela 1.10.

Tabela 1.10. Efeito do pronome sobre a concordância verbal em Menon (2000)

Freqüência
Pronome Peso Relativo
N %

Tu 477/1295 37 .29

Você 216/245 88 .95

O senhor 125/142 88 .96

Total 818/1682 49
Fonte: Menon (2000, p. 153) (adaptada)

O dialeto gaúcho, retratado na tradução do romance na edição considerada, já na

primeira metade do século XX aponta a tendência de uso do pronome tu como forma de

tratamento íntimo, que tendia a desfavorecer a concordância verbal padrão, com peso relativo

de .29, enquanto o você favorece a concordância verbal padrão em .95. Menon (op. cit., p. 155)

credita os casos de não-concordância com você e com o senhor, de um modo geral, aos

verbos no modo imperativo, que tendem a ocorrer na forma comumente associada ao tu, de

acordo com a autora. De todas as referências de 2ª pessoa na obra, 77% das ocorrências são

com o pronome tu (1295/1682), o que indica o favorecimento do tu sobre as outras formas de

tratamento na fala gaúcha.

8
STEINBECK, John. As vinhas da ira. Trad. Ernesto Vinhaes e Herbert Caro. Porto Alegre: Livraria do
Globo, 1940.
28

No romance pode-se perceber uma gradação nos usos do pronome, no sentido de

que o senhor seria o tratamento [+ formal / - íntimo], você é a forma [- formal / - íntima] e tu

usado para tratamento [- formal / + íntimo]. O pronome lexical tu se mantém forte, a par da

entrada do você na fala gaúcha, como apontam os resultados de Menon (op. cit., p. 159), para

marcar a identidade e os valores regionais da população riograndense, embora já venha

perdendo a morfologia verbal de 2ª pessoa na língua escrita desde a segunda metade do

século XX. Isto reforça a hipótese de Menon (op. cit., p. 155), para quem a variação tu/você se

dá no nível lexical, concomitantemente com uma mesma forma verbal, não marcada.

1.3.9 Paredes Silva et alli (2000)

A fim de comparar a expressão variável do sujeito pronominal e a variação nas

formas do imperativo – ambos referentes à 2ª pessoa –, Paredes Silva, Santos & Ribeiro

(2000) utilizam uma amostra composta por 7 peças teatrais escritas por autores cariocas ou

ambientadas no Rio de Janeiro, entre meados do século XIX e fins do XX.

Os resultados apontam três momentos que marcam a variação da referência de

segunda pessoa no período considerado:

i) predomínio inicial do uso do pronome tu (com flexão verbal de 2ª pessoa)

para tratamento íntimo (e de o senhor para não íntimo);

ii) substituição do tu pelo tratamento você para tratamento íntimo na época do

movimento modernista (alternando com o senhor para tratamento não intimo);

iii) aumento do uso do tu explícito (com flexão verbal de 3ª pessoa), com queda

no uso de o senhor e respectivo aumento do uso de você para tratamento

não íntimo, em meados do século XX.

Paredes Silva, Santos & Ribeiro (op. cit., p. 122) observam, ainda, que a entrada

do você no sistema de pronomes pessoais do português do Brasil, de forma geral,


29

desencadeou um desequilíbrio no arranjo das formas verbais, mas que isto não se estendeu às

formas do imperativo, nas quais, segundo a autora, a forma de 2ª pessoa conseguiu manter-se.

Há uma complicação em se lidar com tais questões.

Em primeiro lugar, não existem evidências que provem que o modo imperativo

tenha uma forma específica para o tu e outra para o você, mesmo porque estudos recentes

(Scherre 2000; 2002; 2003) sobre o imperativo têm associado tais formas ao indicativo ou ao

subjuntivo. A variação nas formas do imperativo, segundo tais estudos, é condicionada por

fatores como registro (oral ou escrito) e região geográfica do falante, não passando, portanto,

por influências de classe social ou pessoa gramatical.

Em segundo lugar, falar em desequilíbrio no arranjo das formas verbais remete a

um sistema desordenado, uma vez que o que houve foi um rearranjo das formas, e não um

desequilíbrio. Ainda, é discutível a afirmação de que este desequilíbrio não se estendeu ao

imperativo, no qual se mantiveram as formas de 2ª pessoa, uma vez que não se explicita em

que medida elas se mantiveram, se suplantaram as de 3ª pessoa e se esta afirmação procede

para todo o português do Brasil.

As evidências nos levam a considerar que as formas do imperativo são, então,

associadas ao indicativo ou ao subjuntivo, admitindo que esta variação, hoje em dia, é

determinada mais pelos registros lingüísticos e pelas características das falas regionais que

pela seleção pronominal.

1.3.10 Lopes & Duarte (2003)

Com base na análise de peças teatrais dos séculos XVIII e XIX, tanto brasileiras

quanto portuguesas, Lopes & Duarte (2003) traçam a trajetória da pronominalização de Vossa

Mercê a você.

No que concerne às peças brasileiras, as autoras verificam que:


30

i) na primeira metade do século XVIII, as formas ocorrem de maneira

equilibrada, com 33% de Vossa Mercê, 29% de tu e 25% de vós, sendo que

você tem baixa ocorrência, com apenas 13% dos dados;

ii) nos demais períodos, o percentual de ocorrência de tu se eleva

sobremaneira, apresentando taxas de 63% na segunda metade do século

XVIII, 90% na primeira metade do século XIX e sofrendo uma queda para

60% na segunda metade do XIX, mas, ainda assim, mantendo-se elevado;

iii) em relação às demais formas, temos que o Vossa Mercê e o vós caem em

desuso a partir da segunda metade do século XVII e o uso do você,

concomitantemente com o uso de outras formas nominais (o Senhor, Sua

Senhoria, Vossa Excelência, Vossa Senhoria), passa por um incremento na

segunda metade do século XIX.

Lopes & Duarte (2003) afirmam que o tratamento tu usado reciprocamente entre

falantes – mútuo tu – predominou em relações simétricas em todos os períodos considerados e

analisam resultados quantitativos referentes ao tipo de relação entre os interlocutores sem

separar tais resultados por período histórico. Podemos observar estes resultados pela tabela

1.11.

Tabela 1.11. Efeito do tipo de relação interpessoal sobre o uso do tu em Lopes & Duarte (2003)

Freqüência
Tipo de relação Peso Relativo
N %

Mesmo grupo (popular) 104/143 73 .19

Mesmo grupo (não popular) 99/113 88 .79

Superior para inferior 76/89 85 .68

Inferior para superior 21/25 84 .75

Total 300/370 81
Fonte: Lopes & Duarte (2003) (adaptada)
31

Enquanto as classes populares têm efeito desfavorecedor sobre o uso do tu, com

peso relativo de .19, os demais tipos de relação interpessoal analisados pelas autoras têm

efeito favorecedor em relação à seleção do pronome tu, sendo que as classes não populares

favorecem o tu com peso de .79, as relações de superior para inferior favorecem com peso de

.68 e as relações de poder inferior com peso de .75.

Parece-nos um tanto quanto problemático analisar tais resultados, por dois

motivos. Primeiro, porque nos quatro períodos considerados – que juntos somam dois séculos

– as formas pronominais variam significativamente, o que pode tornar equivocada qualquer

generalização que se faça sobre qual pronome tende a ser usado em cada tipo de relação.

Consideramos que isto pode variar de período para período. Em segundo lugar, entendemos

que pode existir um problema quanto à tipificação das relações interpessoais. As autoras

estipulam quatro tipos de relação: de superior para inferior; de inferior para superior; mesmo

grupo (popular); mesmo grupo (não popular). Ora, sabendo-se que o trabalho foi baseado na

noção de poder e solidariedade proposta por Brown & Gilman (1960), os dois últimos tipos

deveriam refletir uma relação solidária e uma relação não-solidária, tal com os dois primeiros

tipos revelam relações de poder, em termos de hierarquia institucional estabelecida.

1.3.11 Lopes (2004)

Lopes (2004) analisa a correlação entre fatores histórico-sociais e fatores

discursivos na variação das formas de tratamento, com base em textos escritos no Brasil nos

séculos XVIII e XIX. Na análise sobre o século XVIII, trabalha com 27 cartas pessoais escritas

pelo Marquês do Lavradio (português na faixa dos 40 anos, morou no Rio de Janeiro entre

1770 e 1774) aos membros de sua família, com base na análise de Marcotulio 9 (apud Lopes,

op. cit.). Já no estudo sobre o século XIX, analisa 41 cartas dos Ottoni (um casal brasileiro, ele

mineiro, na faixa dos 60 anos, e ela carioca, na faixa dos 50 anos) aos seus dois netos

crianças.

9
MARCOTULIO, Leonardo Lennertz. O fator social como condicionador das formas de tratamento no
Brasil setecentista: análise de cartas do Marquês do Lavradio. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004. (mimeo)
32

Analisando os tratamentos em relação ao tipo de relação entre os interlocutores,

Lopes (op. cit., p. 8) chegou aos resultados que podemos conferir na tabela 1.12.

Tabela 1.12. Formas de tratamento nas cartas do Marquês do Lavradio em Lopes (2004)

Tu Você Outros1
Tipo de relação entre os interlocutores
N % N % N %

De superior para inferior 0/49 0 48/49 98 1/49 2

De inferior para superior 1/168 1 0/168 0 167/168 99

Membros do mesmo grupo social 56/142 40 19/142 13 67/142 47

Total 57/359 16 67/359 19 234/359 65


Fonte: Marcotulio (2004) (apud Lopes, 2004, p. 8) (adaptada)
1 – Vossa Mercê (1 de inf. para sup.; 6 mesmo grupo)
Vossa Excelência (1 de sup. para inf.; 159 de inf. para sup.; 51 mesmo grupo)
Vossa Senhoria (10 mesmo grupo)

Nas relações assimétricas de superior para inferior , há um predomínio de

ocorrências de você (98%), sendo que não há nenhuma ocorrência de tu neste contexto. Nas

relações assimétricas de inferior para superior, há o predomínio da forma Vossa Excelência

(em 159 de 168 ocorrências), sendo que o Marquês usa o pronome tu uma única vez, ao

dirigir-se a um tio por afinidade (que era mais velho que o Marquês apenas cerca de 10 anos),

a quem costuma dirigir-se tratando por vós (este tio era o único a quem o Marquês tratou por

vós nas cartas analisadas).

Observando as formas de tratamento entre membros do mesmo grupo social,

quando Lopes (op. cit., p. 11) explicita a quem, exatamente, o Marquês trata por tu, por você ou

por formas nominais, percebemos uma clara distinção: ele nunca trata por formas nominais a

quem ele costuma tratar por tu ou você, e vice-versa. Nesta distribuição, parece estar em jogo

o traço de [± intimidade] na relação entre os interlocutores, que parece ser tão decisiva na

seleção do tratamento a ser usado quanto o nível hierárquico nas relações assimétricas.
33

O uso eventual de você numa carta na qual predominava o uso do tu propiciou

que Lopes (op. cit. p. 12) observasse que o você rompe com a temporalidade do texto e

instaura-se no modo irrealis, indicando uma impessoalização ou uma abstração do referente, o

que pode ter desencadeado o emprego do você para referência indeterminada, recorrente em

alguns dialetos do português do Brasil.

Em relação às cartas dos Ottoni, podemos perceber a relação entre a alternância

tu/você (formas plenas e nulas) e o gênero do autor das cartas pela tabela 1.13.

Tabela 1.13. Uso do tu segundo o gênero do autor das cartas em Lopes (2004)

Freqüência
Gênero
N %

Masculino 90/94 96

Feminino 6/14 43

Total 96/108 89
Fonte: Lopes (2004, p. 15) (adaptada)

Os resultados mostram maior ocorrência de tu nas cartas do autor do gênero

masculino (96%), ao passo que nas cartas de autoria feminina predomina a ocorrência de

você. Entretanto, como o Sr. Ottoni tinha muita prática em atividades de letramento e a Sra.

Ottoni era aparentemente menos letrada que o marido, fica a ressalva de os dados do Sr.

Ottoni mostrarem muito do tu epistolar que, segundo Menon (2000, p. 160), caiu em desuso no

início do século XX. Além disso, Lopes (op. cit.) ressalta a possibilidade de o estilo oral da Sra.

Ottoni refletir o uso do pronome você no ambiente doméstico, uso este inovador no final do

século XIX no Brasil.


34

1.3.12 Lucca (2003)

Lucca (2003) apresenta um estudo sobre expressão gramatical da 2ª pessoa do

discurso em cartas pessoais publicadas em jornais de Minas Gerais, nos séculos XIX e XX.

Observando o fenômeno pelos pronomes e pelas flexões verbais, mostra como a

variedade mineira do português do Brasil, no registro escrito, gradativamente muda de um

sistema em que predominam as formas pronominais e verbais de 2ª pessoa gramatical para

um sistema favorecedor de formas não marcadas, como podemos ver pela tabela 1.14.

Tabela 1.14. Efeito do período histórico sobre o uso de formas da 2ª p. gramatical em Lucca
(2003)

Freqüência
Pronome Peso Relativo
N %

1876-1900 101/150 67 .67

1901-1920 30/70 43 .45

1921-1930 9/73 12 .21

Total 140/293 47
Fonte: Lucca (2003, p. 15)

A tabela 1.14 mostra que o último quartel do século XIX tem efeito favorecedor

sobre o uso de formas marcadas, com peso relativo de .67, enquanto as primeiras duas

décadas do século XX exercem efeito desfavorecedor sobre este uso, com peso de .45, e a

década de 1920 desfavorece ainda mais as formas de 2ª pessoa gramatical, com peso relativo

de .21.

Apesar de o século XIX favorecer formas de 2ª pessoa gramatical, Lucca (op. cit.,

p. 10) traz evidências de que não tenha havido tu na forma explícita no dialeto mineiro, pois as

duas únicas ocorrências do tu na forma plena constam na reprodução de uma fala entre dois

amigos.
35

1.3.13 Pitombo (1998)

Analisando a alternância tu/você na Bahia do século XIX, Pitombo (1998) colhe

seus dados em textos literários publicados em jornais de Salvador e do Recôncavo baiano

entre 1846 e 1852.

Ao verificar o estilo, constata que tanto o tu quanto o você são usados para

tratamento íntimo – estilo informal –, reservando-se as formas vós, Senhor e Vossa Mercê para

o estilo formal. Optou, então, por trabalhar apenas com os dados do estilo informal.

Podemos ressaltar que seus resultados mais interessantes são sobre o gênero

dos interlocutores e a relação entre eles, se [+solidária] ou [-solidária], como podemos observar

pela tabela 1.15.

Tabela 1.15. Efeito dos fatores sociais sobre o uso do tu em Pitombo (1998)

Freqüência
Fatores Peso Relativo
N %

Gênero dos interlocutores

Mulher x mulher 13/60 22 .27

Homem x homem 34/47 72 .72

Total 47/107 44

Relação entre os interlocutores

+ Solidária 71/130 55 .55

- Solidária 6/12 50 .10

Total 77/142 54
Fonte: Pitombo (1998, p. 5) (adaptada)
36

Pitombo (op. cit., p. 6) observa que mulheres, quando dialogando com outras

mulheres, desfavorecem o uso do tu, que era a forma mais recorrente para tratamento íntimo

na Bahia. A pesquisadora atribui à vida social limitada e à falta de educação formal este

comportamento lingüístico das mulheres e aponta que uma outra explicação para o

favorecimento do você entre as mulheres é um possível enviesamento dos dados, uma vez que

as ocorrências de você em falas femininas encontram-se, em sua maioria, em textos satíricos,

contexto desfavorecedor do uso do tu.

Quanto ao tipo de relação entre os interlocutores, temos que a relação [+solidária]

(mesma classe social, segundo a autora) favorece muito mais o uso do tu que a [-solidária]

(quando um falante de classe social mais favorecida se dirige a outro de classe menos

favorecida).

Ao final de sua análise, Pitombo (op. cit.) considera que o principal fator

favorecedor do uso do tu é o grau de letramento do escritor/personagem. Segundo ela, seus

dados apontam para o fato de que, quanto maior o nível de escolaridade, seja do escritor, seja

do personagem da obra, maior será a incidência de tu.

1.4 Conclusão

O pronome tu, como pudemos entrever, está presente em todas as regiões do

Brasil, embora não se configure da mesma forma em todas elas. Há comunidades em que o tu

ocorre sem a concordância verbal canônica, como no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, outras

em que ocorre com concordância variável, como em Fortaleza e Belém.

Em Porto Alegre o tu sem marca de concordância é amplamente empregado,

ficando o pronome você, bem como as formas verbais marcadas de 2ª pessoa, restritos a

estilos lingüísticos mais formais. Em Florianópolis, o tu é menos usado que o você e, quando

ocorre, tende a ser seguido por verbo flexionado na 2ª pessoa. Em Belém, o tu concorre com o

você em relações não íntimas, com concordância verbal variável.


37

Em algumas cidades, os homens empregam mais o tu que as mulheres, como no Rio

de Janeiro, e em outras as mulheres usam mais o tu que os homens, como em Porto Alegre e

Florianópolis. Não há pesquisas com dados suficientes sobre as variedades faladas atualmente na

região Nordeste, motivo pelo qual não podemos fazer considerações.

O mais importante é perceber que, mesmo com usos tão diferenciados, o pronome

tu é amplamente empregado no território brasileiro, tendo representatividade em todas as

regiões, em maior ou menor grau.


38

2. SOBRE O DISTRITO FEDERAL

2.1 Introdução

Neste capítulo, tratamos de alguns aspectos sobre o Distrito Federal que

consideramos relevantes para uma melhor compreensão da variação tu/você nesta

comunidade de fala.

Com este intuito, traçamos um panorama sobre a divisão geopolítica do Distrito

Federal e sobre os dados sócio-demográficos das regiões administrativas nas quais coletamos

os dados para esta pesquisa.

2.2 Aspectos políticos e demográficos

Inicialmente, devemos elucidar nosso ponto de partida. São muito controversas as

noções sobre o que é, de fato, Brasília; que área do território compreende, no Distrito Federal

(DF), o que se conhece por ‘Brasília’; o que são as cidades-satélite, se são bairros ou cidades

emancipadas.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2004), o DF

é constituído por um único município, que é Brasília. O município, entretanto, é dividido em

regiões administrativas.

Há 28 regiões administrativas (RAs), sendo que uma delas, a RA I, é chamada

Brasília. Segundo a Companhia do Desenvolvimento do Planalto Central (Codeplan), esta

região compreende a Asa Norte, Asa Sul, Eixo Monumental, Esplanada dos Ministérios,
39

Estação Rodoferroviária, Setor Militar Urbano, Setor de Garagens Oficiais, Parque Sarah

Kubitschek, Setor de Indústrias Gráficas, Área de Camping, Autódromo, Setor de Embaixadas

Norte e Sul, Lagoa do Jaburu, Palácio do Jaburu, Palácio da Alvorada, Vila Planalto, Setor de

Áreas Isoladas Norte – SAIN, Parque Rural e Parque Nacional, além das áreas isoladas do

Torto e Barra Alta.

Não existe consenso sobre os limites de Brasília, quais as áreas do DF podemos

considerar como sendo Brasília. Se, por um lado, o IBGE estipula que Brasília compreende

toda a área do DF, administrativamente ela compreende apenas uma das regiões

administrativas. Há quem considere que Brasília é composta pelas áreas que foram

originalmente planejadas, a saber, Plano Piloto – que é o famoso traçado em forma de avião

planejado por Lúcio Costa, compreendido pelas Asas Sul e Norte, pelo Eixo Monumental e pela

Esplanada dos Ministérios –, Lago Norte e Lago Sul; outros afirmam que regiões como

Octogonal e Sudoeste também são parte de Brasília, não se constituindo cidades-satélite, por

sua proximidade do Plano Piloto. E, por fim, há também a noção, que representa o sentimento

mais geral entre os habitantes do DF, de que Brasília é formada tanto pelo Plano Piloto quanto

por todos os outros núcleos de povoamento do Distrito Federal (Areal, 2004).

O morador do DF, muitas vezes, não entende esta divisão político-geográfica e

acha curioso estar no Lago Sul e ver uma placa de trânsito que indique ‘Brasília à direita’, ou

mesmo não entende porque mora em São Sebastião, mas na placa do seu carro está escrito

‘Brasília’. Na verdade, estamos falando de duas Brasílias diferentes: a primeira refere-se à

Região Administrativa I – Brasília –, apenas uma – e a principal – entre as 28 regiões

administrativas do DF; e a segunda refere-se ao município de Brasília, o único do DF, segundo

o IBGE, o qual engloba todas as regiões administrativas criadas pelo governo do DF – inclusive

a que tem o nome do município.

Para os efeitos de nossa pesquisa, consideramos a proposição apregoada pelo

IBGE, de forma que falar em ‘dialeto do Distrito Federal’ é o mesmo que falar em ‘dialeto

brasiliense’. Concomitantemente, em nossa análise lidamos com dados de fala da Região

Administrativa I – Brasília.
40

Das 28 regiões administrativas do DF, nove foram criadas entre os anos de 2003 e

2004. São elas: RA XX – Águas Claras (antes pertencente a Taguatinga); RA XXI – Varjão

(antes pertencente ao Lago Norte); RA XXII – Sudoeste (antes parte do Cruzeiro); RA XXIII –

Riacho Fundo II; RA XXIV – Park Way; RA XXV – Setor Complementar de Indústria e

Abastecimento (SCIA); RA XXVI – Sobradinho II; RA XXVII – Jardim Botânico; e RA XXVIII –

Itapoã. Por terem sido criadas muito recentemente, seus limites geográficos ainda não foram

estabelecidos definitivamente.

Apresentamos, no Quadro 1, dados sobre as 19 regiões administrativas que

existiam até 2002 relativos à área geográfica e à população de cada RA. Embora os dados não

especifiquem as 28 regiões, os mesmos abrangem todas elas, uma vez que, antes de essas 9

regiões se tornarem independentes, faziam parte de alguma das 19 já existentes 10. O mapa do

DF dividido em regiões administrativas pode ser visto no anexo 8.1.

As regiões administrativas selecionadas para análise foram Brasília – que abriga a

sede do governo distrital e federal –, Ceilândia e Taguatinga. Estas regiões constituem as três

regiões mais populosas do Distrito Federal, as quais estão destacadas no quadro 2.1.

10
A Pesquisa distrital por amostra de domicílios 2004 (SEPLAN: 2004) já indica a distribuição
populacional para todas as regiões administrativas, incluindo as que foram criadas até 2004, com exceção
da região XXVII – Jardim Botânico. Entretanto, por não apresentar dados relativos à área geográfica de
cada uma das 28 regiões, optamos por usar os dados disponíveis antes da criação das novas regiões.
41

Quadro 2.1. As regiões administrativas do Distrito Federal

População Densidade
DF e Regiões Administrativas Área (km2) Demográfica
(est. 2004) (hab/km2)

Distrito Federal 5.789,16 2.233.613 385,8


RA I Brasília 472,12 198.908 421,3
RA II Gama 276,34 137.276 496,8
RA III Taguatinga 121,55 256.562 2.110,8
RA IV Brazlândia 474,83 56.059 118,1
RA V Sobradinho 572,59 157.577 275,2
RA VI Planaltina 1.534,69 178.031 116,0
RA VII Paranoá 853,33 60.957 71,4
RA VIII Núcleo Bandeirante 80,43 40.629 505,1
RA IX Ceilândia 230,33 347.656 1.509,4
RA X Guará 45,46 124.835 2.746,0
RA XI Cruzeiro 8,90 70.401 7.910,2
RA XII Samambaia 105,70 172.834 1.635,1
RA XIII Santa Maria 215,86 106.925 495,3
RA XIV São Sebastião 383,71 85.269 222,2
RA XV Recanto das Emas 101,22 112.928 1.115,7
RA XVI Lago Sul 183,39 27.847 151,8
RA XVII Riacho Fundo 56,02 50.268 897,3
RA XVIII Lago Norte 66,08 31.677 479,4
RA XIX Candangolândia 6,61 16.976 2.568,2
Fonte: CODEPLAN (2000) (adaptado)

A seguir contextualizamos as três regiões sob estudo em relação a seus aspectos

sociais, econômicos e demográficos, de forma a evidenciar as diferenças que existem entre

elas.
42

2.3 Aspectos sócio-econômicos

Uma vez que toda a área territorial do Distrito Federal compreende o município de

Brasília, temos que todos que nascem no DF são, então, brasilienses, apesar de haver

marcantes diferenças entre as características sócio-econômicas de cada região administrativa.

No capítulo de análise poderemos conferir como tais diferenças contribuem para refletir nas

formas de tratamento correntes entre os jovens de cada região.

A fim de comparar os dados sócio-econômicos das regiões, é importante observar,

pelo quadro 2.2, como a renda se distribui pelos domicílios de Brasília, de Taguatinga e de

Ceilândia, em termos de salários mínimos (SM).

Quadro 2.2. Distribuição de renda domiciliar nas RAs consideradas e no DF

Renda Domiciliar Classe de renda domiciliar mensal (%)


DF e RAs
(em SM) até 2 SM entre 2 e 10 SM superior a 10 SM

Distrito Federal 9,0 35,8 40,9 23,3

Brasília 19,3 24,5 22,3 53,2

Taguatinga 9,6 25,4 44,2 30,5

Ceilândia 4,7 34,1 55,8 10,2


Fonte: SEPLAN (2004, p. 105-106) (adaptado)

Observando a renda domiciliar mensal média de cada RA, percebemos uma

grande diferença entre elas. Enquanto a renda domiciliar de Brasília é de 19,3 salários mínimos

(SM), a de Taguatinga é metade disto, 9,6 SM, aproximando-se da renda domiciliar do DF em

geral, que é de 9 SM, mas, ainda assim, representando o dobro da renda domiciliar média em

Ceilândia, que é de 4,7 SM, um quarto da renda domiciliar de Brasília. Podemos dizer, então,

que o poder aquisitivo por domicílio em Brasília é duas vezes maior que o do DF em geral, o de

Taguatinga equipara-se ao do DF e o de Ceilândia é metade do poder aquisitivo domiciliar

médio do DF.
43

Em relação às classes de renda, temos que a classe mais representada em

Brasília é a mais alta, na qual se encontram 53,2% dos domicílios. Em Taguatinga, há mais

domicílios que se enquadram na classe de renda mediana que nas outras classes (44,2%),

embora haja muitos domicílios também na classe de renda mais alta (30,5%). Em Ceilândia, os

domicílios com renda mediana também têm mais representatividade, mas há poucos domicílios

com renda superior a 10 SM enquanto há muitos também com renda de até 2 SM. Esta

distribuição dos domicílios pela classe de renda corrobora a distribuição da renda domiciliar

mensal para cada região, mostrando com mais detalhes em que nível de renda estão os

domicílios em cada uma das regiões.

Passamos, a seguir, a uma explanação sobre as regiões administrativas que

analisamos neste trabalho, no que concerne a informações sobre sua criação, bem como a

dados que se nos mostram relevantes sobre a situação social e econômica de cada uma delas.

2.3.1 Brasília (RA I)

Brasília foi construída especificamente para ser a Capital Federal. Foi inaugurada

em 21 de abril de 1960 e desde 1987 é Patrimônio Cultural da Humanidade. A região

administrativa de Brasília tem como núcleo o Plano Piloto, o qual compreende a Asa Sul, Asa

Norte e Eixo Monumental.

Entre as regiões administrativas, a população de Brasília só tem menor renda que

as do Lago Sul e Lago Norte. O nível de renda domiciliar em Brasília é, então, bem elevado, se

comparado ao nível do Distrito Federal como um todo.

Em relação à naturalidade dos habitantes de Brasília, temos a seguinte

configuração, que se pode ver pelo quadro 2.3.


44

Quadro 2.3. Naturalidade dos habitantes de Brasília

Valores relativos Valores relativos


Naturalidade dos habitantes Valores absolutos
dos habitantes não
de Brasília (N) (%) nativos no DF
Região Norte 5.759 2,9 4,9
Região Nordeste 35.688 17,9 30,1
Região Sudeste 48.389 24,3 40,9
Região Sul 10.516 5,3 9,0
1
Região Centro-Oeste 15.478 7,8 13,1
2
Distrito Federal 1.774 0,9 --
Brasília 78.884 39,7 --
Entorno 11 1.183 0,6 1,0
Exterior 1.234 0,6 1,0
Total 198.906 100,0 100,0
Fonte: SEPLAN (2004, p. 87) (adaptado)
1 – Exceto Distrito Federal
2 – Exceto Brasília

Precisamente 39,7% dos habitantes da região administrativa de Brasília são

nascidos na própria RA. Considerando-se que Brasília tem uma população flutuante, que entra

e sai à proporção das mudanças de governo e das transferências de um órgão público para

outro, a taxa de 39,7% indica que há muitos habitantes que fixaram moradia a despeito desta

tendência à flutuação. Entretanto, das três regiões analisadas, Brasília é a que tem maior

percentual de habitantes nascidos na própria RA, como podemos ver comparando o quadro 2.3

com os quadros 2.4 e 2.5 que se seguem.

Constatamos que há pouca migração de outras regiões administrativas do DF

para a RA de Brasília, pois apenas 0,9% dos habitantes desta região são oriundos de outras

partes do DF. Possivelmente isto ocorre devido ao custo de vida na RA de Brasília, que é dos

mais elevados do DF e também do Brasil.

11
Segundo informações oficiais, o entorno compreende os municípios circunvizinhos do Distrito Federal, a
saber: Abadiânia, Água Fria de Goiás, Águas Lindas, Alexânia, Cabeceiras, Cidade Ocidental, Cocalzinho
de Goiás, Corumbá de Goiás, Cristalina, Formosa, Luziânia, Mimoso de Goiás, Novo Gama, Padre
Bernardo, Pirenópolis, Planaltina, Santo Antônio do Descoberto, Valparaíso e Vila Boa, no Estado de
Goiás, e Unaí, Cabeceira Grande e Buritis, no Estado de Minas Gerais (RIDE, 2005).
45

Temos em Brasília, então, um quadro em que o percentual de habitantes nativos

no DF é de 40,6 e o de habitantes procedentes de outros estados brasileiros é de 59,4%. Entre

os não nativos, 40,9% são da região Sudeste e 30,1% são da região Nordeste, sendo que os

habitantes oriundos dos estados da região Centro-Oeste e os da região Sul também têm

alguma representatividade, com 13,1% e 9% dos habitantes não nativos, respectivamente. Os

estados da região Norte, entretanto, são os menos representados, pois somam 4,9% da

população.

2.3.2 Taguatinga (RA III)

Inicialmente Taguatinga era prevista para ser povoada 10 anos depois da

inauguração de Brasília, no intuito de ser uma espécie de cidade-dormitório e abrigar 25 mil

pessoas. No entanto, foi inaugurada em 1958, antes mesmo de Brasília, de forma a abrigar

dignamente os migrantes que se aglomeravam na área urbana do Distrito Federal. Foi

inicialmente chamada ‘Vila Sarah Kubitschek’, logo depois ‘Santa Cruz de Taguatinga’ e, algum

tempo depois, passou oficialmente a ser denominada por ‘Taguatinga’.

Quanto à naturalidade dos moradores de Taguatinga, notamos uma leve diferença

quanto aos dados de Ceilândia, de acordo com o quadro 6.


46

Quadro 2.4. Naturalidade dos habitantes de Taguatinga

Valores relativos Valores relativos


Naturalidade dos habitantes Valores absolutos
dos habitantes não
de Taguatinga (N) (%) nativos no DF
Região Norte 4.927 2,2 4,3
Região Nordeste 47.424 21,2 41,1
Região Sudeste 36.698 16,4 31,8
Região Sul 3.022 1,4 2,7
1
Região Centro-Oeste 19.792 8,9 17,2
2
Distrito Federal 58.449 26,1 --
Taguatinga 49.765 22,3 --
Entorno 2.559 1,1 2,1
Exterior 817 0,4 0,8
Total 223.452 100,0 100,0
Fonte: SEPLAN (2004, p. 87) (adaptado)
1 – Exceto Distrito Federal
2 – Exceto Taguatinga

Em Taguatinga, apenas 22,3% dos habitantes são nascidos na RA. Há uma

migração interna bastante representativa, pois 26,1% da população desta região é nascida em

outras partes do DF. Considerando que o DF é formado por um único município, podemos

dizer, portanto, que 48,4% dos residentes de Taguatinga são nativos do DF. Por este ponto de

vista, podemos afirmar que Taguatinga tem um pouco mais de habitantes nativos que Brasília,

cujos habitantes nativos no DF representam 40,6% da população total.

Entre a população não nativa – 51%, considerando o DF como um todo –, os

estados da região Nordeste têm mais representatividade, pois são 41,1% da população,

seguidos pelos estados do Sudeste, com 31,8%, e pelos estados do Centro-Oeste, com 17,2%

dos habitantes. Os estados da região Sul, que têm alguma representatividade em Brasília (9%),

em Taguatinga não são representativos, assim como os da região Norte, os quais somam 2,7%

e 4,3% da população não nativa, respectivamente.


47

2.3.3 Ceilândia (RA IX)

A pedra fundamental de Ceilândia foi lançada em 1971 dando seqüência à

Campanha de Erradicação de Invasões, motivo pelo qual ficou originariamente conhecida por

CEI. A razão de sua criação partiu da preocupação do governo local com o favelamento

iminente nos arredores do Plano Piloto, dado que, em 1969, o Distrito Federal já tinha mais de

79 mil pessoas com baixo poder aquisitivo e sem condições mínimas de subsistência, para

uma população de 500 mil habitantes.

A transferência das famílias deu-se em 9 meses, mas, no início, tais famílias

passaram por graves problemas, como falta de água, de iluminação pública, de transporte

coletivo e de pavimentação das vias públicas. Ao que parece, o governo distrital solucionou seu

próprio problema, que era o favelamento ao redor do Plano Piloto, sem, contudo, apresentar

uma solução apropriada também à população que se estava aglomerando em favelas, pois o

que o governo fez, na verdade, foi ‘embelezar’ o Plano Piloto, tirando de suas vistas o que era

feio e incômodo.

Em função disto, entre outros fatores, Ceilândia é hoje a região administrativa

mais populosa do DF, como podemos ver pelo quadro 2.1. Contudo, apresenta indicadores

sociais mais críticos que os de outras regiões administrativas do Distrito Federal.

A região tem uma história de luta por seus direitos, inicialmente negligenciados

pelas autoridades competentes, mas também de conquistas significativas. Não é por acaso que

Ceilândia é a região do DF que possui mais associações e entidades locais pela luta de direitos

civis (Góis, 2005, p. 28).

Em 2004 a administração regional de Ceilândia catalogou, segundo Góis (op. cit.),

116 entidades comunitárias. A mais representativa é a Associação dos Incansáveis de

Ceilândia, criada em 1979 para lutar pelo direito a moradia de mais de 5 mil famílias e contra a

exclusão social. A organização social mais antiga tem 30 anos e é a Ação Cristã Pró-Gente,

uma organização não governamental (ONG) considerada a base de todas as associações mais
48

importantes, que tem como finalidade desenvolver atividades sociais e esportivas juntamente

com a população.

No início, Ceilândia não contava com infra-estrutura física adequada para abrigar

os quase 80 mil novos moradores recém transplantados dos arredores do Plano Piloto para lá,

motivo pelo qual, na década de 1980, cresceram na região os índices de criminalidade e

Ceilândia passou a ser apelidada de ‘barril de pólvora’ (dado que a região foi planejada

geograficamente no formato de um barril). O governo do DF só começou a instaurar obras de

infra-estrutura e saneamento básico quando não suportou a pressão das comunidades, que

reivindicavam obras de urgência.

Ceilândia é hoje uma das regiões mais prósperas do DF, bem mais amparada pelo

governo distrital do que quando de sua criação (discussões sobre uma possível ligação da

atenção do governo com o tamanho do colégio eleitoral ceilandense serão aqui mantidas à

parte), mas conserva o costume de lutar por seus direitos.

Para observarmos a composição da população ceilandense quanto à naturalidade

de seus habitantes, podemos analisar o quadro 2.5.


49

Quadro 2.5. Naturalidade dos habitantes de Ceilândia

Valores relativos Valores relativos


Naturalidade dos habitantes Valores absolutos
dos habitantes não
de Ceilândia (N) (%) nativos no DF
Região Norte 5.121 1,5 3,1
Região Nordeste 106.615 32,1 65,5
Região Sudeste 29.158 8,8 18,0
Região Sul 1.120 0,3 0,6
1
Região Centro-Oeste 16.868 5,1 10,4
2
Distrito Federal 96.021 28,9 --
Ceilândia 73.360 22,1 --
Entorno 3.777 1,1 2,2
Exterior 416 0,1 0,2
Total 332.455 100,0 100,0
Fonte: SEPLAN (2004, p. 87) (adaptado)
1 – Exceto Distrito Federal
2 – Exceto Ceilândia

Ceilândia tem 22,1% de residentes nascidos na própria RA, praticamente o

mesmo percentual que Taguatinga apresenta (22,3%). Além disso, 28,9% da população é

nascida em outras regiões do DF, o que indica que Ceilândia recebe um fluxo migratório

interno um pouco maior que Taguatinga (onde 26,1% da população é oriunda de outras regiões

do DF), de forma que, se considerarmos como população nativa aqueles habitantes nascidos

tanto em Ceilândia quanto nas outras partes do DF, somaremos 51% de população nativa.

Levando-se em conta somente a população não nativa (49%), a região brasileira

que alcança mais representatividade é a região Nordeste, com consideráveis 65,5% da

população imigrante. A segunda região que alcança maior representatividade é a Sudeste, com

18% dos habitantes não nativos, uma taxa elevada, mas que não se sustenta se comparada à

da região Nordeste, quase quatro vezes maior. A região Centro-Oeste ainda marca alguma

presença, com 10,4% dos não nativos, mas as regiões Norte e Sul têm percentuais bem

baixos, com 3,1% e 0,6%, respectivamente.


50

2.4 Conclusão

Ao analisar cada uma destas três regiões administrativas – Brasília, Taguatinga e

Ceilândia –, devemos ter em mente três coisas, sendo que a principal delas é a história de

cada uma, seguida pelo nível de renda de cada uma e, pela pouca idade das regiões, pela

naturalidade da população residente não nativa.

Em relação à história de cada região, temos: Brasília, cuidadosamente planejada e

nascida para abrigar a sede do governo federal (cuidado que recebe até hoje em sua

manutenção, como é natural acontecer na sede do governo federal); Taguatinga: planejada à

mesma época de Brasília para abrigar trabalhadores em geral, embora tenha sido inaugurada

antes do previsto; e Ceilândia, não planejada, mas criada de forma desestruturada para abrigar

os habitantes que estavam formando favelas ao redor do Plano Piloto.

Sobre a relação entre os diferentes níveis de renda de cada uma, os habitantes de

Brasília usufruem de um nível de renda mais alto, os moradores de Taguatinga têm um poder

aquisitivo relativamente inferior, enquanto a população residente em Ceilândia vive,

atualmente, com uma renda bem abaixo da média de Brasília, equivalente à metade da renda

do taguatinguense.

Entre os residentes não nativos de Brasília, as regiões brasileiras que têm maior

representatividade são a Sudeste, a Nordeste e a Centro-Oeste, nesta ordem. Em Taguatinga,

as regiões representadas entre os residentes não nativos são, sobretudo, Nordeste, Sudeste e

Centro-Oeste, nesta ordem. Em Ceilândia, a região mais representativa é a Nordeste, em sua

maioria, mas também têm representatividade a Sudeste e a Centro-Oeste. Ao analisar nossos

dados, vamos retomar esta questão.


51

3. REFERENCIAL TEÓRICO

3.1 Introdução

Neste capítulo abordamos os pontos teóricos que fornecem subsídios à pesquisa.

Situamos nosso estudo na linha da Teoria da Variação Lingüística e expomos as implicações

de lidar com o fenômeno da referência de 2ª pessoa sob esta perspectiva, a qual prevê a

conjugação de fatores lingüísticos e sociais atuando sobre a escolha pronominal. Também

mostramos que, além destes fatores, aspectos da situação interacional contribuem para a

seleção das formas lingüísticas que indicam a 2ª pessoa do discurso.

3.2 Teoria da Variação Lingüística

Antes de falarmos propriamente da Teoria da Variação Lingüística, procuraremos

delimitar as correntes de estudos lingüísticos que foram suas precursoras e o que de cada uma

a Sociolingüística Variacionista assimila.

Ferdinand de Saussure, no início do século XX, estabelece a distinção entre

langue (língua) e parole (fala), explicando que a língua é um sistema que emana da

coletividade e a fala é a realização individual da língua.

Para Saussure (2002, p. 27),

“O estudo da linguagem comporta, portanto, duas partes: uma,

essencial, tem por objeto a língua, que é social em sua essência e


52

independente do indivíduo; [...] outra, secundária, tem por objeto a

parte individual da linguagem, vale dizer, a fala”. (grifos nossos)

Ao estabelecer que a língua é o cerne da Lingüística, subordinando a ela os

elementos da fala, Saussure gera as bases do Estruturalismo, uma corrente que pressupõe a

autonomia do sistema lingüístico em relação à estrutura social em que está inserido.

Paradoxalmente, Saussure caracteriza a língua como o lado social da linguagem, ao asseverar

que “a língua existe na coletividade sob a forma duma soma de sinais depositados em cada

cérebro” (op. cit., p.27).

A partir desse pressuposto, os estudos lingüísticos da época concentraram-se na

langue e deixaram relegadas a segundo plano questões que julgavam ser referentes à fala, tal

como consideram os estudos variáveis.

Na década de 1950, Noam Chomsky reanalisa a dicotomia ‘langue/parole’

elaborada por Saussure e traça a dicotomia ‘competência/desempenho’. Para Chomsky, a

língua é um sistema abstrato de regras (ou princípios, conforme estudos contemporâneos) que

os indivíduos têm internalizado. A competência lingüística é o conhecimento que cada indivíduo

possui acerca da própria língua, enquanto o desempenho lingüístico é a capacidade imanente

a cada indivíduo de escolher e aplicar as regras (ou princípios) dessa língua.

Enfocando a competência, Chomsky inaugura o Gerativismo, para o qual o

fundamental é “descobrir as propriedades do estado inicial da faculdade de linguagem e os

estados que esta assume sob a influência da experiência” (Chomsky, 1998, p. 26). Com base

nisto, o que a corrente gerativista busca é a estrutura profunda da linguagem, ou seja, o que é

categórico nas línguas humanas, de forma que um “cientista marciano poderia concluir

sensatamente que há uma única língua humana, com diferenças somente nas margens” (op.

cit., p. 23).

Tanto Saussure quanto Chomsky, principais expoentes destas duas correntes de

estudos que surgiram no século XX, concebem a língua como um sistema abstrato e por isso
53

independente das relações sociais onde ela existe. A gramática de uma língua, sob este

enfoque, independe do uso que os falantes fazem dela. Fenômenos lingüísticos variáveis não

se encaixam nessa perspectiva, sendo por vezes considerados como variação estilística (no

sentido de ser o resultado de uma escolha individual), ou são tomados como aleatórios, ou são

ignorados como objeto de estudo.

Na década de 1960, Weinreich, Labov & Herzog (1968) reagem à ausência do

componente social nos estudos lingüísticos. A partir de então, Labov, principalmente, começa a

desenvolver uma série de estudos sobre fala, objetivando explicar e sistematizar a variação

nas línguas. O estudo da língua, sob este ponto de vista, é feito a partir da língua em uso, de

forma que as escolhas que o falante faz dependem não somente de fatores internos à estrutura

lingüística, como também de fatores relacionados à situação de uso. Por outro lado, estudos de

cunho estruturalistas continuaram se desenvolvendo concomitantemente com os estudos

variacionistas.

Instaurando a Sociolingüística Variacionista, Labov busca mostrar que a variação

não é aleatória ou não governada, mas regida por princípios tanto internos à estrutura

lingüística quanto inerentes ao sistema social do qual uma determinada língua faz parte. Com

base neste princípio, os estudos variacionistas de linha laboviana têm mostrado, desde então,

que, embora possa haver variação no plano da fala (no sentido de ser uma escolha individual),

a variação lingüística, em geral, situa-se no plano do sistema (Labov, 1975, p. 226).

Buscando sistematizar o funcionamento da variação nas línguas, Labov (op. cit.)

ressalta que é pela observação do vernáculo que se consegue a maioria dos dados

sistemáticos para a análise da estrutura lingüística, e define o vernáculo como sendo “o estilo

em que o mínimo de atenção é prestada à monitoração da fala 12” (op. cit., p. 208).

12
Cf. no original: “This is the “vernacular” – the style in which the minimum attention is given to the
monitoring of speech.”
54

Em relação à natureza da variação, Sankoff (1988a, p. 992) 13 admite que na

abordagem sociolingüística está implícito que os falantes optam por uma forma variante em

detrimento de outra dentro de um mesmo sistema, ou seja, com base em uma mesma

gramática.

Sob este ponto de vista, temos que os fenômenos variáveis podem ser

condicionados por fatores estruturais, tais como posição no sintagma, contexto fonológico,

paralelismo estrutural, função do sintagma, classe gramatical; assim como também podem ser

condicionados por fatores sociais, tais como classe social, gênero, faixa etária, posição no

mercado de trabalho, localização geográfica. De acordo com o tipo de fenômeno lingüístico a

ser analisado, cabe ao pesquisador escolher as variáveis lingüísticas e extralingüísticas que

melhor o explicarão, segundo o enfoque que deseja fazer.

Há fenômenos variáveis que são influenciados sobretudo por fatores lingüísticos,

ao passo que há outros que são, em larga medida, socialmente determinados. Neste segundo

tipo de fenômeno lingüístico se encaixa, por sua vez, a variação pronominal de referência à 2ª

pessoa.

Antes de lidar com a variação que analisamos propriamente dita, é interessante

citar o clássico estudo de Labov sobre a centralização de ditongos no inglês falado na ilha de

Martha’s Vineyard, no sentido de evidenciar como fatores sociais podem influenciar um

processo variável em uma língua específica (Labov, 1975, p. 4). Os habitantes da ilha usam

uma variedade do inglês com alguns traços arcaicos. Labov conduz seu estudo mostrando que,

com a entrada dos veranistas e dos exploradores do turismo local, os habitantes nativos da ilha

mudaram seu comportamento lingüístico no sentido de reforçar sua identidade. Enquanto os

ditongos /au/ e /ay/ se realizam no inglês americano de uma forma geral como [au] e [ay], os

nativos da ilha que se identificam com a tradição local realizam a vogal tônica como um schwa,

pronunciando-os como [cu] e [cy], ao passo que os nativos que se identificam mais com o estilo

13
Cf. no original: “Implicit in this approach is that speakers all have the ‘same grammar’ with respect to the
choice process under study.”
55

de vida do continente tendem a uma pronúncia mais próxima à do inglês padrão dos Estados

Unidos.

3.2.1 Prestígio encoberto

Com base na variedade padrão das línguas, os grupos sociais tendem a eleger

determinadas variantes como adequadas para marcar suas identidades. Por exemplo, já se

constatou que a seleção de variantes que têm mais prestígio social tem forte relação com

falantes do gênero feminino e com classes sociais mais privilegiadas (Romaine, 1994, p. 79).

Trudgill (1995, p. 74) apresenta os resultados de Trudgill (1972 14), sobre a auto-

avaliação dos falantes de Norwich, Inglaterra, acerca das variantes fonéticas que pensam usar

regularmente e mostra que os homens usam mais a pronúncia padrão do que afirmaram, assim

como as mulheres pronunciam menos as variantes padrão do que afirmaram pronunciar.

Em geral, as mulheres assumem que usam mais formas da variedade padrão de

sua língua do que realmente usam, o que Romaine (op. cit.) denomina ‘overt prestige’, ou

‘prestígio manifesto’. A razão para que as mulheres usem mais formas de prestígio que os

homens, segundo Romaine (op. cit.), é que, por meio da linguagem, a mulher requer o status

que lhe é negado em oportunidades de emprego e educação.

Os homens, por sua vez, tendem a assumir que empregam mais formas não

padrão do que empregam de fato, o que caracteriza o conceito de ‘covert prestige’, ou

‘prestígio encoberto’.

O termo ‘prestígio encoberto’ refere-se a variedades lingüísticas não padrão que

adquirem uma espécie de ‘prestígio’, principalmente nas classes sociais mais baixas e entre os

homens. Segundo Trudgill (1983, p. 177, apud Chambers, 1995, p. 222),

14
TRUDGILL, Peter. Sex, covert prestige and linguistic change in the urban British English of Norwich.
Language in Society, n. 1, p. 179-195, 1972. [Texto revisado e republicado em: TRUDGILL, Peter. On
dialect: social and geographical perspectives. Oxford: Blackwell, 1983. Cap. 10 (Sex and covert prestige)]
56

“de forma pessoal e subconsciente, um grande número de falantes do

gênero masculino está mais preocupado em adquirir prestígio do tipo

encoberto e sinalizar solidariedade ao grupo do que em adquirir

status social, como isto é definido mais freqüentemente”. 15.

A escolha das formas de tratamento por parte dos jovens brasilienses pode

relacionar-se ao prestígio encoberto, uma vez que os falantes do gênero masculino têm

preferência pela variante lingüística que tem menor prestígio na sociedade brasiliense como

um todo, ou seja, neste grupo – jovens do gênero masculino – a variante tu adquire prestígio

encoberto.

Como o fenômeno que analisamos nesta pesquisa é captado em contextos

interacionais muito específicos, faz-se mister lidar com um componente que julgamos de suma

importância na escolha do falante por considerar aspectos variáveis da situação interacional, a

saber, o estilo de fala. Assim, na seqüência passamos a mostrar os principais enfoques que

tratam de fenômenos variáveis relacionados ao estilo lingüístico.

3.3 Variação estilística

O estilo é uma dimensão da variação lingüística que lida com aspectos variáveis

da situação interacional, situando-se em algum ponto do continuum que vai do menos formal

ao mais formal. A alternância de estilos não pode ser caracterizada como uma mera escolha

individual, pois é dependente de fatores como contexto interacional, tipo de relação entre os

interlocutores, classe social, gênero dos interlocutores (não só do falante), idade, meio

ambiente físico e tópico discursivo (Romaine, 1994, p. 75).

15
Cf. no original: “Privately and subconsciously, a large number of male speakers are more concerned
with acquiring prestige of the covert sort and with signalling group solidarity than with acquiring social
status, as this is more usually defined.”
57

O sentido do termo ‘estilo’, segundo Lefebvre (2001, p. 205), nem sempre é claro,

sendo que muitas vezes corresponde ao termo ‘dialeto social’. Para ela, estudos de variação

estilística também podem fazer uso dos termos ‘níveis de língua’, ‘registro’, ‘código’, ‘variedade

padrão ou não-padrão’, ‘língua formal ou familiar’, entre outros.

Ainda segundo Lefebvre (op. cit., p. 206), os estudos sobre estilo seguem duas

tendências. Uma delas baseia-se na noção de que os estilos são adaptações ou mudanças em

relação a um sistema-base, que é o vernáculo. Sob este enfoque, apenas um fator contribui

para se definir o estilo lingüístico, a saber, o grau de atenção prestada à fala. A outra tendência

é a noção de que existem vários sistemas entre os quais os falantes optam a fim de

adequarem sua fala, de acordo com a situação. Nesse sentido, pode haver vários fatores

contribuindo para a escolha de um estilo em detrimento de outro.

Estas duas tendências podem ser percebidas, respectivamente, nos trabalhos de

William Labov e Allan Bell.

3.3.1 O princípio de Labov

Segundo Labov (2001, p. 85), há duas abordagens possíveis para o estudo do

estilo lingüístico. A primeira delas concebe o estilo como um fenômeno puramente naturalístico

e etnográfico, no sentido de mostrar que a variação estilística é inerente ao sistema lingüístico

e condicionada principalmente por mudanças no contexto social, o que Labov considera um

apelo mais imediato e satisfatório. A segunda concebe o estudo sobre estilo como um meio

controlado para se medir a dinâmica da variação lingüística, pelo qual pode-se saber como os

falantes alternam as formas lingüísticas e com que freqüência as usam no dia-a-dia.

Labov (op. cit.) considera que todo fenômeno variável apresenta tanto uma

estratificação social quanto uma estratificação estilística e afirma que, ao levar-se em conta o

grau de monitoração da fala em conjunto com a configuração da audiência, “torna-se um

problema maior explicar a variação entre esses dois efeitos e derivar o nível mais alto de
58

generalização que irá predizer o resultado” 16 (op. cit., p. 8). Ou seja: conjugar a monitoração da

fala com a configuração da audiência objetivando fazer generalizações é uma tarefa difícil –

mas possível de ser sistematizada.

Procurando dar conta da variação estilística sob estes dois aspectos, Labov (op.

cit., p. 89) elabora o que passou a chamar de ‘árvore da decisão’. A árvore da decisão consta

de oito critérios contextuais de forma a caracterizar os estilos de fala em relação à fala

espontânea. Estes critérios se dividem em níveis de fala monitorada e casual, organizados em

ordem decrescente de objetividade, de forma que as quatro primeiras decisões podem ser

feitas com alto grau de confiabilidade. São os níveis de fala cuidada: resposta, conversa sobre

língua, soapbox 17 e fala residual (que não se encaixa em nenhuma das outras decisões); e os

níveis de fala casual: narrativa de experiências pessoais, fala em grupo, falas sobre crianças e

assuntos tangenciais (que desviam do tópico introduzido).

Tais critérios se aplicam ao modelo clássico de entrevista focado em uma

pesquisa de cunho variacionista: um entrevistador que busca sempre minimizar sua

interferência na fala do entrevistado, de forma a deixá-lo à vontade para que se expresse em

uma variedade lingüística o mais próximo possível do vernáculo.

Uma vez que a variação tu/você na fala dos jovens brasilienses não poderia de

forma alguma ser captada em entrevistas labovianas típicas, nossa amostra não se adapta

adequadamente à arvore da decisão, e, assim, apenas um dos critérios propostos – o soapbox

– se mostra adequado aos nossos dados 18.

Soapbox é um critério caracterizado como a expressão extensa de opiniões

generalizadas que não precisam ser endereçadas especificamente ao interlocutor, mas pode

ser enunciada como se fosse dirigida a uma audiência mais ampla. Quando uma fala se

16
Cf. no original: “it becomes a major problem to apportion the variance among these two effects, and to
derive the higher level generalization that will predict the result”.
17
Soapbox: caixa de madeira rústica ou palanque temporário construído para que as pessoas subam e
façam discursos públicos informais. Por falta de um termo em português que expresse o mesmo sentido,
optamos por usar o termo original em inglês.
18
Sobre a configuração de nossa amostra, cf. item 4.2.
59

enquadra no soapbox, o falante tende a usar um estilo de fala mais monitorado, de modo a

indicar à sua audiência que entende sobre o que diz.

3.3.2 O princípio de Bell

Allan Bell (2001, p. 139), ao afirmar que a questão essencial da sociolingüística é

“Por que este falante disse isso desta maneira nesta situação?”, pressupõe a existência de

regularidades na língua: poder-se-ia perguntar se o falante em questão poderia ter dito o que

disse de uma outra maneira em uma dada situação ou por que ele escolheu dizer de uma

forma e não de outra. Dado que o falante pode, em determinadas situações, optar por falar de

uma forma ou de outra, temos que o falante pode alterar seu estilo de fala, consciente ou

inconscientemente.

A fim de elucidar a natureza da variação estilística, Bell (1984) propõe dois

conceitos em relação aos quais o estilo varia, a saber, o da ‘configuração da audiência’

(audience design) e o da ‘configuração do árbitro’ (referee design).

A configuração da audiência consiste na adequação que o falante faz ao seu

interlocutor, ou aos seus interlocutores, sejam eles diretos ou não. Para Bell (1984, p. 159),

“os falantes configuram seu estilo para sua audiência. Diferenças na

fala de um único falante são respostas à influência da segunda

pessoa e algumas terceiras pessoas, que juntas compõem a

audiência para os enunciados do falante” 19.

19
Cf. no original: “speakers design their style for their audience. Differences within the speech of a single
speaker are accountable as the influence of the second person and some third persons, who together
compose the audience to a speaker’s utterances.”
60

Complementarmente, a configuração do árbitro se refere à projeção que o falante

faz de alguém que não precisa necessariamente estar presente na interação. Bell (1984, p.

186) assevera que

“árbitros são terceiras pessoas não fisicamente presentes em uma

interação, mas possuindo tamanha importância para o falante que

influenciam a fala mesmo em sua ausência” 20.

Bell (2001, p. 165), além de reafirmar o caráter complementar entre as

configurações da audiência e do árbitro, acrescenta que elas são co-existentes, uma vez que

operam simultaneamente em todos os eventos de fala, além de a configuração do árbitro ser

derivada, em algum nível, da configuração da audiência. Desta forma, Bell amplia o conceito de

estilo de fala proposto por Labov (1975), ao afirmar que as pessoas não alteram seu estilo

simplesmente prestando maior ou menor atenção à fala, mas fazendo uma projeção de sua

audiência – seus interlocutores – sobre seu modo de falar.

3.3.3 Um ponto de congruência

Entendemos que o princípio de Bell não é incompatível com o de Labov, pois, na

tentativa de configurar sua fala levando em conta as características de seu ouvinte, o falante

pode prestar mais ou menos atenção à sua fala. Concordamos, neste ponto, com Bortoni-

Ricardo (2002, p. 335), para quem as duas posições são complementares:

“um(a) falante, diante de interlocutor desconhecido, de maior poder

na hierarquia social ou a quem ele/a precisa ou deseja impressionar,

sente-se na obrigação de usar um estilo mais cuidado. Para obter

este efeito, necessita prestar mais atenção à forma de sua produção

20
Cf. no original: “Referees are third persons not physically present at an interaction, but possessing such
salience for a speaker that they influence speech even in their absence.
61

verbal. Pode-se resumir este processo, argumentando que o

interlocutor é um dos fatores – talvez o mais importante – que

determina o grau de pressão comunicativa que incide sobre o

falante.”

Bortoni-Ricardo (op. cit., p. 336) também dá sua contribuição ao afirmar que a

variação estilística depende de quatro fatores, a saber:

i) a acomodação do falante ao seu interlocutor, fator que se refere ao tipo de

relação existente entre os interlocutores;

ii) o apoio contextual na produção dos enunciados;

iii) a complexidade cognitiva envolvida na produção temática (que se refere ao

quanto o falante entende sobre o tópico discursivo); e

iv) a familiaridade do falante com a tarefa comunicativa que está sendo

desenvolvida.

Além da atenção prestada à fala e da projeção que o falante faz de seu ouvinte,

há que se considerar também estes fatores no processo de escolha estilística que o falante faz

conforme se posiciona em uma dada interação.

Pareceu-nos adequado, à luz de Bortoni-Ricardo (op. cit.), lidar com o conceito de

‘grau de atenção prestada à fala’ que pode variar, em nosso corpus, em função da

acomodação do falante ao seu interlocutor e à complexidade cognitiva envolvida na produção

temática, uma vez que estes fatores variam na amostra, enquanto os demais – apoio

contextual e familiaridade com a tarefa comunicativa – permanecem estáveis.


62

3.4 Poder, solidariedade e polidez

Numa situação interacional, tão importante quanto ‘o que’ se diz é ‘como’ se diz,

pois “certas escolhas lingüísticas que o falante faz indicam o relacionamento social que o

falante entende que existe entre si e seu ouvinte ou ouvintes 21” (Wardaugh, 2003, p. 259).

Configurar a audiência é o mesmo que prestar atenção à pessoa para a qual se

está falando, no sentido de observar, a priori, que tipo de relação o falante estabelece com seu

interlocutor. Quando indivíduos de status diferentes (idades, classes sociais, cargos em uma

empresa, entre outros) interagem em um contexto conversacional, é natural que fiquem mais

tensos do que quando interagem com seus iguais, e tal comportamento é refletido em

determinadas formas lingüísticas, que podem ser usadas ou não, conforme o contexto e com

base nos recursos que a língua oferece (Trudgill, 1995, p. 86).

As relações interpessoais, de um modo geral, consideram a existência de um fator

preponderante com base no qual o falante se posiciona frente ao seu ouvinte. Este fator é a

simetria, que é estabelecida com base em uma hierarquia institucional ou negociada em uma

situação interacional, conforme os interlocutores estabelecem suas identidades.

Um marco nos estudos dos sistemas pronominais, considerando os tipos de

relações possíveis entre os interlocutores, é o trabalho de Brown & Gilman (1960), o qual lida

com as categorias de poder e solidariedade contrapondo as diferenças de uso dos pronomes

T/V (tu e vos do latim) em línguas européias (tu/vous – francês; tu/voi (Lei) – italiano; tu/vos

(usted) – espanhol; du/lhr – alemão). No português do Brasil podemos lidar, respectivamente,

com as formas tu ou você, cê ou você, você ou senhor, conforme o dialeto. Para os autores,

21
Cf. no original: “certain linguistic choices a speaker makes indicate the social relationship that the
speaker perceives to exist between him or her and the listener or listeners.”
63

“o mais interessante sobre tais pronomes é sua forte associação com

duas dimensões fundamentais para a análise de toda a sociedade –

as dimensões de poder e solidariedade” 22 (op. cit., p. 253).

Na Europa da Idade Média, as formas de tratamento eram relacionadas às classes

sociais dos indivíduos. Assim, em relações simétricas era comum as classes mais altas usarem

o mútuo V e as mais baixas usarem o mútuo T, ao passo que, em relações assimétricas – leia-

se entre membros de classes sociais diferentes – os membros das classes mais altas tratavam

os membros das classes mais baixas por T e eram tratados por V. O que marcava as relações

simétricas era a noção de solidariedade, enquanto o que marcava as relações assimétricas era

a noção de poder.

Com o passar do tempo, o uso de V em relações simétricas passou a ter um

caráter de polidez, enquanto o mútuo T, indicativo de intimidade em primeira instância, teve

seu uso expandido para relações nas quais os interlocutores têm interesses comuns, ou seja,

agem com solidariedade. Em algumas sociedades, o V, indicativo de polidez, cedeu lugar ao T,

indicativo de solidariedade. Segundo o autor, solidariedade é mais importante do que polidez

em relacionamentos pessoais. Em relações simétricas, a alternância de tratamento entre pares

indica um reposicionamento do falante frente ao ouvinte, de forma que o uso de V em

situações em que T seria o esperado pode indicar que o falante está se posicionando com

polidez frente ao ouvinte, sinalizando admiração, respeito ou mesmo distanciamento.

Inversamente, se o falante usa T quando o esperado é V, podemos dizer que está se

posicionando com mais intimidade em relação ao ouvinte, seja para ser simpático, seja para

insultar.

Em relações assimétricas – nas quais um participante exerce poder sobre outro –,

o uso de T/V, indicativo de poder, cedeu lugar, em algumas sociedades, ao uso do mútuo V,

indicativo de polidez, ou ao uso do mútuo T, indicativo de solidariedade, pois o sentimento de

22
Cf. no original: “The interesting thing about such pronouns is their close association with two dimensions
fundamental to the analysis of all social life – the dimensions of power and solidarity.”
64

solidariedade também se sobrepõe ao sentimento de poder nos relacionamentos pessoais.

Hudson (2001, p. 240) acrescenta que o poder é menos importante que a solidariedade porque

exerce menos efeito sobre os usos lingüísticos que a solidariedade. A noção de poder pode ser

identificada como indicativa do controle que uma pessoa tem sobre outra em uma dada

interação social e pode ser percebida na relação entre falantes de diferentes idades, classes

sociais, gêneros e/ou posição em uma hierarquia institucional.

Lingüisticamente, esta assimetria pode ser percebida quando dois falantes usam

pronomes diferentes um para com o outro. Por exemplo, na relação entre patrão e empregado,

o patrão tende a tratar o empregado por T e receber V do mesmo, assim como os pais tendem

a tratar os filhos por T e receber V. Via de regra, quem exerce poder é que delibera sobre uma

possível mudança nas formas de tratamento, seja para o mútuo T de solidariedade, seja para o

mútuo V de polidez. Por outro lado, se alguém não se submete ao poder de outrem, pode

acontecer de ele não agir com polidez e tomar a iniciativa de tratar aquele de poder superior

com T, que, neste caso, é indicativo de desacato ou insulto.

As categorias de poder, solidariedade, intimidade, polidez, distanciamento e

respeito, entre outras, indicam o sentimento do falante em relação ao ouvinte (ou ouvintes) e a

consciência do falante sobre o funcionamento da sociedade em que está inserido (Wardaugh,

2003, p. 275). Com base nisto, tais categorias podem apontar as formas de tratamento a serem

usadas, de acordo com o tipo de situação interacional em que os interlocutores estão

envolvidos.

Todas estas categorias, entretanto, podem ocorrer umas sobrepostas às outras,

conforme a região geográfica dos interlocutores, o contexto interacional, o gênero, a classe

social, a idade e o grau de escolaridade do falante, de modo que a categorização de um uso

como simplesmente ‘polido’, ou ‘íntimo’, ou ‘formal’, pode se mostrar insuficiente para dar conta

de todo o processo comunicativo.

Ao usar a terminologia “relações solidárias”, estamos assumindo que pode haver

solidariedade tanto em relações simétricas quanto em assimétricas, no sentido de que os


65

interlocutores, pares ou não, podem estabelecer um vínculo de cooperação entre si. No

entanto, como lidamos preponderantemente com interações entre pares, pouco podemos falar

sobre a solidariedade entre interlocutores de posições diferentes em uma hierarquia

institucional.

3.5 Conclusão

A Teoria da Variação Lingüística é extremamente útil para nos fornecer os meios

de lidar com a variação de forma a perceber em que medida as formas variam, bem como

perceber os fatores que atuam sobre o processo.

Não pretendemos fazer aqui um estudo sobre estilo. Entendemos que o estilo é

um meio para se medir a dinâmica da variação lingüística, assim como propõe Labov (2001).

Entretanto, estilo não é uma das variáveis que controlamos, pela natureza de nossos dados.

Abordaremos a variação de estilo em nossos dados apenas qualitativamente, observando a

mudança de estilo através da quantificação de outras variáveis.

As noções de poder, solidariedade e polidez serão abordadas em maior

profundidade, uma vez que buscamos captá-las pelo controle de uma variável específica, que é

o tipo de relação entre os interlocutores. São categorias que se entrecruzam, em maior ou

menor grau, de acordo com o tipo de interação, mas que são fundamentais para a explicação

da variação das formas de tratamento em geral.


66

4. METODOLOGIA

4.1 Introdução

A Teoria da Variação Lingüística, por si só, já contém grande parte da metodologia

a ser empregada, pois, com a finalidade de analisar um fenômeno lingüístico variável, o

lingüista deve verificar seu comportamento na língua em uso. A metodologia que os

sociolingüistas variacionistas têm adotado abrange a quantificação da variação em relação aos

fatores que podem estar contribuindo para a seleção de uma ou outra forma variante.

William Labov, precursor dos estudos variacionistas, afirma que, antes de ser um

construto teórico, suas formulações propõem uma metodologia de pesquisa que dê conta da

variação nas línguas (Labov, 1975, p. 190), de forma que uma investigação desse caráter

permita ir além dos estudos lingüísticos introspectivos para uma abordagem que leve em conta

as influências do contexto social sobre as escolhas variáveis dos falantes.

À parte desta discussão, passemos a caracterizar a metodologia utilizada, desde a

decisão de como coletar os dados, passando pela caracterização da amostra, até chegarmos

aos resultados quantitativos, com ênfase em tópicos importantes do aparato estatístico do

programa computacional utilizado pelos estudos variacionistas, a partir do qual obtêm-se os

resultados quantitativos a serem analisados, no intuito de esclarecer, minimamente, como os

dados são analisados e como os grupos de fatores são selecionados como passíveis de

explicar o comportamento variável de um fenômeno lingüístico.


67

4.2 A amostra analisada

Uma vez que é relativamente recente a constituição de corpora da fala do Distrito

Federal, nossa amostra é formada por dados especificamente coletados para esta pesquisa, de

abril de 2004 a fevereiro de 2005.

Observações empíricas nos indicaram que a variação tu/você na fala brasiliense

ocorre em contextos bem específicos, tendendo a manifestar-se na fala dos jovens que

estabelecem relações solidárias entre si, principalmente entre os rapazes. Desta forma, a

coleta de dados nos padrões labovianos – entrevistas em que o entrevistador busca minimizar

sua presença de forma a fazer aflorar o vernáculo do informante – mostrar-se-ia ineficiente,

pois a relação entre o jovem e a entrevistadora não seria nem entre pares, nem solidária.

Esta busca por minimizar sua interferência na fala dos entrevistados é

caracterizada pelo ‘paradoxo do observador’ apregoado por Labov (1975, p. 209), pois a

pesquisa sociolingüística busca observar como as pessoas falam justamente quando elas não

estão sendo sistematicamente observadas.

Inicialmente encontramos dificuldades em decidir qual o melhor método para

coleta dos dados, de forma que captássemos o fenômeno com a máxima eficiência. Pela

especificidade do contexto de ocorrência do tu na fala brasiliense, mais do que minimizar o

‘paradoxo do observador’, deveríamos de fato eliminar o observador da situação interacional. À

luz do estudo realizado por Paredes Silva (2003), o qual versa sobre o retorno do pronome tu à

fala carioca, acreditamos que o método de coleta de dados mais eficiente para captar a

variação tu/você no Distrito Federal (DF) seria com a realização de gravações ocultas, em que

informantes conversam entre si e um deles porta o gravador. Optamos, então, por fazer

gravações ocultas de interações conversacionais entre adolescentes.

Decidimos coletar dados em três regiões administrativas do DF: Ceilândia,

Taguatinga e Brasília. Fizemos esta opção com base em dois motivos: primeiro, porque estas
68

são as regiões mais populosas do DF; e, segundo, porque tínhamos contatos nestas três

regiões.

O recorte que fizemos não abrange toda a complexidade do fenômeno estudado,

mas nos possibilita ter uma visão de sua configuração na comunidade de fala. Selecionamos

como informantes, para o recorte a que nos propusemos, adolescentes de 15 a 19 anos de

idade do gênero masculino que cursam ensino médio em escolas públicas do DF.

Por considerar que teríamos mais credibilidade com os informantes se

chegássemos até eles por alguém que já fizesse parte de suas redes sociais, fizemos contato

com professoras de ensino médio em escolas públicas, uma de cada região administrativa,

através das quais chegamos aos informantes que portariam os gravadores. Cada adolescente

ficou com o gravador por cerca de duas semanas, mas o tempo de gravação de cada um

variou de acordo com sua disponibilidade.

Os rapazes foram orientados a gravarem conversas suas com seus amigos, desde

que os amigos também estudassem em escolas públicas nas mesmas regiões administrativas

que eles. Dissemos que, eventualmente, poderiam gravar conversas entre eles e garotas, mas

que este não deveria ser o objetivo principal.

Conseguimos os dados de Ceilândia e os de Taguatinga com o primeiro

informante com o qual fizemos contato em cada uma delas. Na região administrativa de

Brasília (RA I), porém, precisamos contactar três informantes, pois os dados produzidos nas

gravações com os dois primeiros informantes foram insuficientes, por razões que escaparam

ao nosso controle.

Ao final da coleta dos dados, obtivemos cerca de 55 minutos de gravação com

falantes de Ceilândia, 82 minutos com falantes de Taguatinga e 45 minutos com falantes da

região administrativa de Brasília, somando 182 minutos de gravações. Segue abaixo um

quadro ilustrativo dos dados coletados para a pesquisa.


69

Quadro 4.1. Constituição da amostra

Região Administrativa Ceilândia Taguatinga Brasília (RA I)

Tempo de gravação (min.) 55 82 45

Blocos de gravação 11 8 10

Falantes homens 12 6 11

Falantes mulheres 1 1 1

Convém esclarecer, neste ponto, que o fenômeno analisado é binário, no sentido

de que há duas possibilidades de variação: tu ou você. Isto quer dizer que as realizações de

você que ocorreram nos dados, a saber, você e cê, foram agrupadas em apenas uma variante,

que é a forma plena, você. Além disso, os pesos relativos foram calculados em relação à

variante tu, pois é o uso mais freqüente entre os jovens do Distrito Federal. Em outras palavras,

podemos dizer que o tu é o pronome mais usado na referência de 2ª pessoa entre os jovens

brasilienses, embora ocorra invariavelmente em estruturas não padrão, ou seja, sem

concordância verbal explícita, nos termos do registro da tradição, como em:

1― ‘Quele Tales, tu é doido, é?... o bicho tem uma motinha prrreeemmm...


2― O Rafael assim, rapaz, esse moleque vai cair, o bicho fechou a boca, só vi a
motona vim impinada. [risos]
1― O Rafael caiu, levantou rapidão... ficou um moleque no chão lá, tu viu?
(Conversa entre amigos/Ceilândia)

4.3 O suporte estatístico

Ao analisar o comportamento de um fenômeno variável através de outros que

possam condicioná-lo, estamos assumindo que a variação não é aleatória, mas, na maioria das

vezes, é regida por fatores internos e externos à língua. Não obstante, o que buscamos é

contestar a hipótese nula, ou seja, a hipótese de que a variação é aleatória, mais do que provar
70

que o fenômeno sob estudo é condicionado por um ou outro fator, o que é estatisticamente

impossível.

Tendo em vista a importância em lidar com os fenômenos variáveis nas línguas, “o

problema central que se coloca para a Teoria da Variação é a avaliação do quantum com que

cada categoria postulada contribui para a realização de uma ou de outra variante das formas

em competição” (Naro, 2003, p. 16), de forma a medir seu efeito sobre a variação, ou seja,

sobre uma ou outra variante da variável dependente.

A quantificação das ocorrências de cada variante da variável sob estudo tem sido

uma característica marcante da sociolingüística laboviana, o que fez com que esta linha de

pesquisa ficasse conhecida também como ‘sociolingüística quantitativa’. Sankoff (1988b, p.

985) ressalta que “a essência da análise está na avaliação de como o processo de escolha é

influenciado por diferentes fatores cujas combinações específicas definem os contextos” 23.

O efeito combinado de fatores lingüísticos e sociais sobre um uso variável tem

sido medido pelos sociolingüistas preferencialmente com base no modelo de regressão

logística para o cálculo das freqüências corrigidas, denominadas de pesos relativos. Para tanto

existem programas computacionais que dão suporte estatístico. Nesta pesquisa fizemos uso do

programa computacional GoldVarb 2001 (Robinson et al., 2001), o qual é uma adaptação para

o sistema operacional Windows do programa Varbrul 2S (Pintzuk,1988), que roda no antigo

DOS.

No intuito de submeter os dados ao programa GoldVarb (op. cit.), faz-se mister

atribuir códigos aos fatores de cada grupo de fatores que porventura possam condicionar o uso

de uma ou outra variante da variável sob análise, também chamada variável dependente. Feita

a codificação de cada um dos dados da variável dependente, o programa gera as freqüências

absolutas e relativas de ocorrência da variável dependente para cada grupo de fatores.

23
Cf. no original: “The essence of the analysis in an assessment of how the choice process is influenced
by the different factors whose specific combinations define these contexts.”
71

Gerando as freqüências absolutas e relativas, o programa indica também os

grupos de fatores que apresentam algum tipo de problema que deve ser corrigido antes de se

passar para a etapa seguinte, o cálculo dos pesos relativos. O problema, de caráter técnico,

pode se dar pela falta de dados em algum fator ou grupo de fatores ou pelo efeito invariante ou

categórico de algum fator (quando um fator seleciona sempre uma determinada variante da

variável dependente).

Antes de o programa gerar os pesos relativos, que são as freqüências corrigidas

em relação aos efeitos dos fatores das variáveis independentes sobre a variável dependente, o

pesquisador deve reelaborar sua análise, se necessário, de forma a não restarem fatores que

apresentem efeito invariante ou categórico (knockout). Ao se deparar com um fator de efeito

categórico, o pesquisador deve retirar os dados correspondentes a ele da análise quantitativa,

sem, contudo, excluí-los da análise lingüística, visto que tal fator exerce um efeito fortíssimo na

determinação de um fenômeno lingüístico que tem comportamento variável quando

condicionado a outros fatores, podendo apontar questões importantes sobre a variação e a

mudança lingüística.

No cálculo dos pesos relativos, as variáveis são selecionadas com base no teste

de máxima verossimilhança (log likelihood), que indica o grau de adequação entre os valores

projetados e os valores observados, e com base no nível de significância, que mede a

probabilidade da seleção estatística de uma dada variável independente, na rejeição ou não da

hipótese nula. Então, o programa GoldVarb lida com um p de 0,05, o que significa que ele

pressupõe uma margem de erro 5%, ou, em outras palavras, que o pesquisador corre o risco

de rejeitar a hipótese nula quando ela não deveria ter sido rejeitada em 5% dos dados (Scherre

& Naro, 2003, p. 165).

Reorganizados os dados, o programa gera os pesos relativos de duas formas.

Primeiro, num processo denominado ‘step up’, ocorre a escolha crescente dos grupos

estatisticamente relevantes na explicação da variação, ou seja, num primeiro nível são

calculadas as probabilidades de cada grupo de fatores individualmente, selecionando o grupo

mais relevante. No segundo nível, o programa gera novas probabilidades levando em conta o
72

primeiro grupo de fatores selecionado, selecionando outro grupo, e assim sucessivamente, até

ponderar todos os grupos de fatores estatisticamente relevantes. O programa indica, então,

qual foi a melhor rodada, que vem a ser aquela que considera todos os grupos de fatores que

foram selecionados. Depois, ocorre o processo chamado ‘step down’, em que são eliminados

dos fatores não relevantes para a variação sob análise. Neste processo são calculados os

pesos relativos de todos os grupos de fatores em conjunto, de forma a eliminar, um a um, os

grupos que não apresentam significância estatística, até o ponto em que os demais grupos

sejam estatisticamente significativos. O programa indica, ao fim desse processo, a melhor

rodada, a qual considera todos os grupos de fatores que não foram eliminados.

A interpretação dos pesos relativos gerados dependerá do tipo de análise. Em

análises binárias, como é o nosso caso, quando os pesos relativos são próximos de 1,0, os

interpretamos como favorecedores da aplicação da regra em relação ao fenômeno em estudo,

quando são próximos de 0,5, dizemos que são neutros em relação à aplicação da regra, e,

quando são próximos de 0,0, os consideramos como desfavorecedores em relação à aplicação

da regra. Entretanto, a relação entre os pesos relativos de um grupo de fatores deve receber

especial atenção, no sentido de que, mais importante do que observar os valores em si, é

comparar e medir as diferenças entre si. Tal noção encontra-se em Sankoff (1988b, p. 989),

que assevera que “é a comparação dos efeitos de quaisquer dois fatores em um grupo de

fatores (medida pela suas diferenças) que é importante, e não seus valores individuais” 24.

4.4 Conclusão

Lidamos, então, com dados de fala de três regiões administrativas do Distrito

Federal (Ceilândia, Taguatinga e Brasília), os quais foram colhidos em gravações ocultas feitas

por adolescentes, primordialmente entre estes e seus amigos de mesma faixa etária,

24
“it is the comparison of the effects of any two factors in a factor group (as measured by their difference)
which is important, and not their individual values.”
73

moradores da mesma região administrativa e, assim como o adolescente que conduziu as

gravações, estudantes de escola pública.

As falas foram transcritas, codificadas e submetidas ao programa computacional

GoldVarb 2001, o qual forneceu o suporte estatístico de nossa análise, gerando os percentuais

de ocorrência de cada variante e selecionando as variáveis estatisticamente significativas no

condicionamento da variação tu/você em nossos dados, com base nos cálculos dos pesos

relativos em relação a uma só variante, neste caso, o pronome tu, tendo em vista a natureza

complementar para 1 do efeito em relação à outra variante, você.


74

5. ANÁLISE DOS DADOS

5.1 Introdução

Uma vez exposta a metodologia utilizada no trabalho, passamos à análise

propriamente dita. Neste capítulo apresentamos os resultados estatísticos produzidos pelo

programa GoldVarb 2001 (Robinson et al., 2001), analisados à luz da Teoria da Variação

Lingüística, e fazemos uma breve comparação com os resultados de outras pesquisas, já

devidamente citadas no capítulo 1, de revisão da literatura.

É oportuno ressaltar, mais uma vez, que nos concentramos em coletar dados no

âmbito em que pensávamos que o pronome tu mais ocorresse: em conversas cotidianas entre

rapazes que estabelecessem relações solidárias entre si, tomando a noção de solidariedade

como derivada de uma identificação entre os interlocutores que gera um sentimento de

cooperação mútua, em um sentido lato. Eventualmente tivemos falas entre falantes de gêneros

opostos e entre falantes de faixas etárias diferentes, o que possibilitou, minimamente, delinear

a variação tu/você entre jovens do mesmo gênero, de gêneros diferentes e entre jovens e

adultos.

Dissertamos, desta maneira, sobre os fatores lingüísticos e sociais que foram

selecionados pelo programa como estatisticamente relevantes para a explicação da variação

tu/você na fala dos jovens brasilienses e tecemos considerações acerca dos fatores que não

foram selecionados pelo programa, mas que, de alguma forma, contribuem para o

entendimento desta variação.

Como primeira observação, temos que, independentemente do pronome usado, o

verbo a que ele se refere ocorre sempre na forma não marcada, categoricamente.
75

5.2 Grupos de fatores controlados

Buscamos, inicialmente, verificar a influência de todos os grupos de fatores, tanto

lingüísticos quanto extralingüísticos, no fenômeno da variação tu/você na fala dos brasilienses.

Desta forma, em um primeiro momento da pesquisa trabalhamos com sete grupos de fatores

lingüísticos e cinco grupos de fatores extralingüísticos.

Entre as variáveis lingüísticas que poderiam atuar no condicionamento da variação

tu/você, trabalhamos com os seguintes fatores:

1. a função sintática que o sintagma nominal (SN) pode exercer, se sujeito ou

complemento verbal;

2. o tipo semântico do pronome, se genérico ou específico;

3. o tipo de fala, se real ou retomada;

4. o tipo de ocorrência no discurso (paralelismo lingüístico), se em série ou

isolada ;

5. o tempo do verbo a que o pronome se refere;

6. o modo do verbo a que o pronome se refere; e

7. o tipo de estrutura em que o pronome ocorre, se afirmativa, interrogativa ou

exclamativa.
76

Entre os grupos de fatores extralingüísticos, controlamos:

1. o tipo de relação entre os interlocutores;

2. a familiaridade do falante com o tema do discurso;

3. a região administrativa de onde o falante provém;

4. o gênero do falante; e

5. o gênero do falante em relação ao do ouvinte.

Apenas duas das variáveis lingüísticas controladas se mostraram estatisticamente

relevantes para explicar a seleção do pronome – paralelismo formal e tipo de estrutura –,

enquanto quatro das cinco variáveis sociais foram selecionadas pelo programa GoldVarb 2001

como estatisticamente relevantes – tipo de relação entre os pares; familiaridade com o tema;

região administrativa e gênero do falante.

A seleção de quatro fatores sociais contra apenas dois lingüísticos – sendo que

um deles, o paralelismo, não é estritamente lingüístico, como mostramos no item 5.3.5 –

sinaliza o quão forte é a influência de fatores extralingüísticos na seleção dos pronomes

pessoais tu ou você.

De um modo geral, temos um resultado irrefutável no sentido de que a fala dos

jovens brasilienses, em especial a dos jovens do gênero masculino, favorece o uso do

pronome tu, em contraposição ao uso do pronome você, tendo em vista que nossos resultados

apontam que 72% das referências de segunda pessoa em nossos dados ocorrem com o tu,

enquanto apenas 28% ocorrem com o você. Além disso, o input 25, ou média global corrigida, é

25
O input, ou média global corrigida, é a probabilidade de ocorrer o tu (sobre o qual os resultados foram
calculados nesta pesquisa) independentemente do efeito dos os fatores selecionados pelo programa que
77

de .77, ou seja, o tu tende a ser o pronome usado na referência de 2ª pessoa com um peso

relativo de .77. Há, portanto, uma forte tendência de o jovem falante brasiliense do gênero

masculino usar o tu nos contextos que especificaremos no decorrer deste capítulo.

5.2.1 Variáveis sociais

Observamos variáveis sociais de dois tipos. O primeiro deles indica uma

característica relativamente constante do falante, independente do contexto de fala. Neste tipo

se encaixam o gênero do falante e a região administrativa de onde ele provém. O segundo tipo

refere-se a variáveis que se constituem como tal no ato da interação conversacional.

Assim, temos que (i) a relação entre os interlocutores só é solidária se falante e

ouvinte de uma situação específica são pares que naquele momento interagem com

cordialidade; (ii) o tema discursivo só é familiar se os interlocutores têm conhecimento prévio

para falar sobre ele com naturalidade, de modo que um tema que é familiar para um grupo de

falantes pode não o ser para outro; e (iii) o gênero do falante em relação ao ouvinte,

evidentemente, depende do gênero de ambos, para ser definido como ‘mesmo gênero’ ou

‘gênero oposto’.

Percebendo que a variável gênero estava imbricada com o tipo de fala em nossa

amostra, uma vez que metade dos dados de falas femininas era de fato reproduções feitas

pelos rapazes, criamos um grupo que considerasse estas duas variáveis, o qual foi o primeiro

selecionado pelo programa.

concorrem para determinar a seleção do pronome. O valor de input estará nas tabelas, não para que os
pesos relativos sejam analisados em relação a ele, mas, sim, para que se tenha uma visão mais ampla do
uso projetado do pronome tu na variação tu/você.
78

5.2.2 Variáveis lingüísticas

As variáveis lingüísticas que controlamos contribuem para traçarmos um

panorama dos contextos lingüísticos propícios para a ocorrência de cada uma das variantes da

variável dependente, ou seja, do tu e do você. No entanto, como já expusemos, apenas o

paralelismo e o tipo de estrutura se mostraram estatisticamente significativas. O tipo semântico

do pronome e o tipo de fala não foram selecionados, mas contribuem para explicar a

familiaridade com o tema discursivo e as ocorrências nos gêneros dos falantes,

respectivamente. Os fatores das variáveis ‘funções do SN’, ‘tempo verbal’ e ‘modo verbal’

apresentaram percentuais de ocorrência do tu que giraram em torno da média, como podemos

acompanhar pela tabela 5.1. No confronto com as outras variáveis, os pesos relativos

atribuídos aos fatores destas variáveis não apresentaram significância estatística.

Tabela 5.1. Efeito das variáveis ‘função do SN’, ‘tempo verbal’ e ‘modo verbal’ sobre o uso do tu

Freqüência
Grupos de fatores Fatores
N % 26
Função sintática do SN Sujeito 312/431 72
Complemento verbal 15/22 68

Tempo verbal Presente 161/230 70


Pretérito 95/126 75
Futuro 14/18 77
Futuro perifrástico 38/54 70
Futuro do pretérito 5/6 83
Futuro pretérito perifrástico 8/9 88
Infinitivo 6/10 60

Modo verbal Indicativo 300/416 72


Subjuntivo 21/27 78
Total 327/453 72

26
O programa GoldVarb 2001 gerou, por vezes, alguns percentuais de uso do tu cuja soma com os
percentuais complementares para o uso de você não resultou em 100%, mas em 99%. Optamos por
manter os valores produzidos, uma vez que confiamos ao programa a obtenção de tais resultados.
79

Os resultados apontam para o fato de que não importa a função do SN em que o

pronome ocorre, pois tanto o sujeito quanto o objeto têm efeito neutro sobre o uso do pronome

tu. Quanto ao tempo verbal, observamos que as formas nominais do infinitivo, que em si não

indicam tempo, em relação à média de 72%, têm efeito desfavorecedor sobre o emprego do tu

(60%), enquanto os verbos no futuro do pretérito (tanto canônico quanto perifrástico) favorecem

o uso do tu (83% e 88%, respectivamente). Os demais tempos não têm efeito na seleção dos

pronomes. Em nossos dados há referências de 2ª pessoa relacionadas a verbos nos modos

indicativo e subjuntivo. Não há dados referentes a verbos no imperativo, uma vez que, ao

menos em nossa amostra, os verbos imperativos só ocorrem sem pronome explícito. Enquanto

os verbos no modo indicativo não têm efeito sobre o emprego do tu, o subjuntivo tem um efeito

levemente favorecedor, com 6 pontos percentuais de uso do tu acima da média de 72%.

Independentemente da ordem de seleção feita pelo GoldVarb, expomos a seguir a

análise das variáveis independentes na ordem que julgamos mais adequada para o

entendimento da configuração da variação tu/você.

5.3 Variáveis estatisticamente relevantes

Nesta parte apresentamos as variáveis que contribuem para explicar a variação

tu/você, as quais foram selecionadas pelo programa GoldVarb como estatisticamente

relevantes. Algumas variáveis não selecionadas pelo programa contribuem para configurar de

maneira mais clara como a variável selecionada influencia na seleção dos pronomes e, desta

forma, são abordadas em tabelas no cruzamento com variáveis selecionadas.

Como nosso recorte buscou focalizar a variação tu/você no grupo social que mais

favorece o uso do tu na sociedade brasiliense, obtivemos uma distribuição enviesada dos

dados, pois temos mais dados dos contextos favorecedores do que temos dos contextos

desfavorecedores do uso do tu. Este fato conduziu a uma análise que prioriza a relação entre
80

os pesos relativos e não os efeitos dos fatores em termos do ponto intermediário de .50,

mesmo porque já sabemos que, segundo Sankoff (1988b, p. 989), “é a comparação dos efeitos

de quaisquer dois fatores em um grupo de fatores (medidas pelas suas diferenças) que é

importante, e não seus valores individuais” 27.

Passamos, neste ponto, à análise destas variáveis, que são apresentadas na

ordem que consideramos mais significativa para explicar a variação tu/você em nossos dados.

5.3.1 Gênero do falante

Optamos por usar a terminologia ‘gênero’, que é determinada por características

socioculturais, em detrimento da terminologia mais comum na Sociolingüística, que lida com

esta categoria sob o rótulo de ‘sexo’, que diferencia os indivíduos com base em características

biologicamente determinadas (Romaine, 1994, p. 101).

O gênero do falante foi o primeiro fator selecionado pelo GoldVarb, o que

confirmou a intuição que tínhamos antes mesmo da coleta dos dados – o tu é mais usado entre

falantes do gênero masculino. Embora os dados estejam bastante enviesados, o conhecimento

que temos da comunidade de fala brasiliense realmente conduz a esta conclusão, além da

análise que apresentaremos a seguir.

Hipotetizando sobre quais fatores estariam concorrendo para que falantes do

gênero masculino usem mais o pronome tu que falantes do gênero feminino, nos deparamos

com duas possibilidades que poderiam ocorrer separadas ou mesmo co-ocorrer.

De um lado, mulheres tendem a usar mais variantes padrão que os homens, fato

que já foi comprovado em inúmeras pesquisas sociolingüísticas e que poderia estar atuando na

escolha pronominal das falantes analisadas. De outro lado, entre os falantes do gênero

27
Cf. no original: “ is the comparison of the effects of any two factors in a factor group (as measured by the
difference) which is important, and not their individual values.”
81

masculino poder-se-ia considerar sua predileção por variantes não padrão, que é explicada

pela noção de ‘prestígio encoberto’ 28. O pronome você, que é a variante de prestígio na

sociedade brasiliense para estilos de fala informais entre iguais, é, nesta sociedade, preterido

pelos jovens do gênero masculino em oposição ao tu, que marca solidariedade.

Tomando-se como base que o você não apresenta marca de concordância

explícita, ocorrendo sempre com o morfema zero de pessoa, e que o tu tende a ser

empregado, na maioria das regiões do Brasil, incluindo o Distrito Federal, também com o verbo

sem marca de pessoa, os rapazes e as garotas do DF podem estar fazendo suas escolhas

lingüísticas em direções diferentes. A preferência das garotas do DF pelo você pode estar

sendo guiada pela noção de que, se usarem o tu e não o você, incorrem na possibilidade de

não fazer a concordância verbal canônica de 2ª pessoa gramatical. A preferência dos rapazes

brasilienses pelo tu, por sua vez, obedece às regras de seu grupo social, no sentido de que

usar variantes não padrão, no caso, o tu acompanhado de verbo na forma não marcada, é uma

espécie de passaporte para ser aceito no grupo, uma forma de marcar a identidade de seu

grupo na sociedade.

Com base nisto e tendo em mente que garotos tendem a usar mais tu e garotas

tendem a usar mais você – constituindo um uso variável –, selecionamos trechos de fala com

tu e você, distribuindo-os em falas de garotos (1) e garotas (2), respectivamente.

(1) 1― Aí, num manda a de matemática, não.


2― Não, aí tu vê se tem alguém assim, que fez prova de matemática com
esse M., tá ligado? Tem aula com a Ã., é lá do lado de fora, véio.
1― Se liberar a S. antes, tu tá de boa.
2― Vão montar a coisa?
1― De dia não, vou vim no sábado.
2― Por que tu tá falando isso pra mim? Não sou eu que te passo as cola?
1― Tá estudando, F.?
2― Tu é doido, é, moleque?
1― Viu, vê se tu faz umas cola massa lá!
(Conversa entre dois rapazes/Taguatinga)

28
Sobre esta noção, cf. capítulo 3, item 3.2.1.
82

(2) R― E a S.?
G― A S. é piranha.
R― Hum, vacilo, a guria é maió gente boa.
G― Maió lésbica, cê fala, a guria.
R― Carai, ela é lésbica?
G― Lógico que é, J.
R― De rocha?
G― Lógico.
R― Boto fé não.
G― Cê num sabia, não?
R― Tsc-tsc.
G― Ih:::, perdeu tempo.
R― ‘Xi Maria... e eu quereno dar u’as idéia...
(Conversa entre um rapaz (R) e uma garota (G)/Brasília (RA I)

A relação entre a variação tu/você em nossos dados e a variável ‘gênero do

falante’ é melhor explicada se levarmos em conta o tipo de fala, se real ou reproduzida.

Controlando o tipo de fala, dividimos os dados em falas reais e falas retomadas.

As reais englobam as falas produzidas no ato da interação conversacional, ao passo que as

retomadas subdividem-se em falas reproduzidas, que podem tanto ser de autoria do falante

quanto de outrem; e falas imaginadas, que são como ensaios de falas que podem vir a ser

produzidas em uma outra situação conversacional.

Os pronomes de 2ª pessoa que ocorrem em falas retomadas não precisam ser,

necessariamente, os que foram de fato produzidos no primeiro momento, de modo que podem

refletir as impressões do falante, que está retomando a fala da forma como ele julga que seja a

mais plausível de ocorrer. Nesta perspectiva, esperávamos que em nossa amostra as falas

reais tenderiam uma maior ocorrência do pronome tu, enquanto que, nas falas retomadas, a

tendência fosse uma maior ocorrência do pronome você. Como exemplos de referências

típicas para os dois tipos de fala, podemos citar o trecho (3), em que as falas retomadas estão

entre aspas, distinguindo-se das reais.


83

(3) 1― Tu vai lá, já vai brabo, Zé.


2― Sabe quem é a mulher, tu lembra dela, né?
1― ‘Tá vendo essa porra aqui, não sou da cidade!’ Carai... A mulher: 'O que,
não, senhor, calma.' 'Calma, o carai! Como é que cê bota a porra errada'...
E já mete o pé na cadeira assim.
2― É, aí a mulher fica nervosa, já fica com medo.
1― Aí, 'senhor, senhor' já vem as dona acalmando e levando ela lá pra dentro, já.
2― Aí tu: 'Me solta! Carai... bando de irresponsável.’
(Conversa entre dois rapazes/Ceilândia)

Ocorre que, enquanto os rapazes reproduzem falas masculinas e femininas, em

nossa amostra não constam falas reproduzidas por garotas. Buscando captar esta

configuração, criamos um novo grupo de fatores, que engloba estes quatro aspectos: falas

reais de rapazes, falas reais de garotas, falas masculinas reproduzidas por rapazes e falas

femininas reproduzidas por rapazes. Fizemos uma nova rodada com este novo grupo e, como

esperávamos, ele foi selecionado, e em primeiro lugar. O resultado pode ser conferido na

tabela 5.2.

Tabela 5.2. Efeito do gênero do falante sobre o uso do tu em falas reais e retomadas

Freqüência
Gênero e tipo de fala Peso Relativo
N %

Falas reais masculinas 300/380 78 .55

Falas masculinas retomadas por rapazes 20/38 55 .40

Falas femininas retomadas por rapazes 3/18 16 .18

Falas reais femininas 4/17 23 .09

Total 327/453 72 input: .77

O resultado produzido pelo programa mostra um efeito gradativo dos fatores sobre

o emprego do tu, no sentido de que as falas reais masculinas favorecem o uso do tu com peso

de .55, mais do que as falas masculinas retomadas por rapazes, que o fazem com peso de .40
84

e, por sua vez, favorecem mais que as falas femininas retomadas por rapazes, as quais têm

efeito desfavorecedor sobre o uso do tu com peso de .18, mas não tão desfavorecedor quanto

as falas reais femininas, que tendem a empregar o tu com peso relativo de .09.

Pudemos captar, nas ocorrências de rapazes reproduzindo a fala de garotas, a

impressão que os mesmos têm em relação ao comportamento lingüístico esperado por parte

de falantes do gênero feminino. Enquanto os rapazes retomam falas masculinas favorecendo o

tu com peso relativo de .40, retomam as falas femininas com efeito desfavorecedor do uso do

tu (peso de .18), mostrando que, segundo sua intuição, mulheres tendem a não usar o tu, mas,

sim, o pronome você. No entanto, as falantes do gênero feminino desfavorecem o uso do tu

ainda mais do que os rapazes indicam, com peso relativo de .09.

O prestígio encoberto é um conceito de duas dimensões. De um lado está a

expectativa dos falantes do gênero masculino em relação ao seu próprio uso, que, via de regra,

representa a noção de que usam variantes não padrão em um nível bem elevado. De outro

lado, o uso efetivo de variantes não padrão, por parte dos falantes do gênero masculino, situa-

se em um nível inferior ao imaginado pelos mesmos.

Nossos resultados não mostram estas duas dimensões, pois as falas reais

masculinas favorecem mais a ocorrência de tu que as falas retomadas. Isto pode ter ocorrido

talvez pela pouca quantidade de dados, mas a justificativa que podemos dar, a priori, é que os

dados de falas reais masculinas são sobretudo retirados de interações entre rapazes, enquanto

as reproduzidas não o são, necessariamente. No entanto, permanece a tendência geral que

guia a noção de prestígio encoberto, na qual falantes do gênero masculino favorecem mais o

uso de variantes não padrão que falantes do gênero feminino.

5.3.2 Tipo de relação entre os interlocutores

Esta foi a terceira variável selecionada pelo programa GoldVarb 2001. O tipo de

relação entre os interlocutores está intrinsecamente relacionado ao estilo de fala adotado em


85

uma dada interação, uma vez que, como já expusemos no capítulo sobre o referencial teórico,

o falante presta atenção à sua fala, em maior ou menor grau, com base, entre outros fatores,

na projeção que faz de sua audiência.

É oportuno citarmos Brown & Gilman (1960, p. 276) no ponto em que expressam

que a variação tu/você, mais do que uma alternância de estilos, é um posicionamento marcado

do falante. Segundo os autores,

“este tipo de variação no comportamento lingüístico expressa um

sentimento ou uma atitude contemporânea. Estas variações não são

simples estilos individuais, mas mudanças dos próprios hábitos do

falante e dos hábitos de um grupo em resposta a um modo de ser“ 29.

Lidando com o tipo de relação que os interlocutores estabelecem entre si, tal como

Brown & Gilman (1960), trabalhamos com quatro tipificações, conforme as categorias de poder

e solidariedade. Assim, se entre os interlocutores há uma relação simétrica – se estão, por

exemplo, na mesma faixa etária, ou se têm o mesmo gênero, ou se fazem parte do mesmo

grupo social –, os mesmos podem ter um comportamento mais ou menos solidário em uma

situação conversacional específica. Similarmente, se entre os interlocutores há uma relação

assimétrica – se estão, por exemplo, em faixas etárias diferentes, se têm gêneros diferentes ou

se ocupam posições diferentes em uma hierarquia institucional –, é possível que um tenda a ter

poder sobre o outro, de forma que ao outro cabe agir em consonância com essa diferença.

Numa interação solidária, por exemplo, encontramos trechos como (4):

29
Cf. no original: “This kind of variation in language behavior expresses a contemporaneous feeling or
attitude. These variations are not consistent personal styles but departures from one’s own custom and the
customs of a group in response to a mood.”
86

(4) 1― Tu num vai pra academia mais, não?


2― Como é que eu vou? Como é que eu vou, me fala!
1― Se quiser pagar academia pra mim e pra tu, eu vou.
2― Caramba, me chamar prum negócio desse é a mesma coisa que tá me
chamando pra brigar!
1― Vixi, então paga pra mim, porra, eu vou pra academia pra tu!
2― Tu é doido, é? Eu vou... eu vou.
1― E o W., tu tá sabendo dele? Muito trabalho, ganhando dinheiro?
(Conversa entre dois rapazes/Ceilândia)

nos quais os amigos se tratam, via de regra, por tu. O pronome você, entretanto, pode ser

melhor captado em seqüências de fala que alternam as formas de tratamento entre tu e você,

como em (5), que ilustra uma interação solidária:

(5) 1― E aí, véi? Porra, D., cê tava onde hoje de manhã? Tô na maior era te
procurando, véio.
2― Hoje... eu tava na quadra jogando bola.
1― E aí, véi! Porra, D., [inaudível] soube do esquema, não, véi?
2― Ôxi! O esquema é dele. Tem que chamar as mina, véi.
3― Que mina? Aquelas mina lá do Guará?
2― É, véi.
3― Ah, tem que ligar pra elas, véi!
1― E o que tu tá pensando, véi? [Risos]
2― Mas tem que ver, véi, se elas vão vim mesmo...
3― Mas, cê tem dinheiro véi?
2― Qualquer coisa nóis faz aquele negócio lá.
3― A gente faz um negócio muito louco, véi.
1― Porra, a gente tá perdendo tempo, B.!
3― Não, mas ela falou que só tem duas, véi.
2― Porra, véi! Que que cê vai fazer, B? [Risos]
1― Porra, véi, de onde sai duas, sai três, véi.
3― É, nór vê lá, depende qual é.
1― Só ligar. Tu vai tá sozinho em casa, mané?
3― Sábado eu vou.
87

2― Carái, vai tá sábado, véi?


1― Porra, véi! O barco num pode furar, véio!
3― Mas tem que ligar de manhã. Cê tem que arrumar um cartão que o
telefone lá de casa tá cortado.
(Conversa entre três rapazes/Brasília (RA I))

Nossa hipótese inicial era de que o pronome tu tenderia a ser usado em um estilo

amplamente informal, típico de relações entre pares solidários, sendo que seu uso diminuiria

conforme a necessidade de se prestar mais atenção à fala, buscando adequá-la ao seu

interlocutor, ou seja, fatores outros podem atuar em uma interação conversacional entre pares

solidários de forma a intervir na seleção dos pronomes de tratamento, como a familiaridade do

falante com o tópico discursivo, que discutiremos na seqüência. Os resultados que podemos

ver na tabela 5.3 confirmam nossa hipótese e mostram em que medida o tipo de relação entre

os pares determina o uso do tu.

Tabela 5.3. Efeito do tipo de relação entre os interlocutores sobre o uso do tu

Freqüência
Relação entre os interlocutores Peso Relativo
N %

Pares em relação solidária 292/369 79 .57

Pares em relação não solidária 31/70 44 .22

Não-pares/poder superior 2/10 20 .21

Não-pares/poder inferior 2/4 50 .34

Total 327/453 72 input: .77

Tal como hipotetizado, a solidariedade entre os pares é um fator que favorece a

ocorrência de tu em um grau bem mais elevado que os demais. Analisando os resultados,

constatamos que, em relação aos outros fatores, a relação entre pares solidários tem um efeito

mais forte sobre o uso do pronome tu, com peso relativo de .57. Pares não solidários e não

pares em relação de poder desfavorecem o uso do tu (com peso relativo de .22 para pares em
88

relação não solidária, .21 quando um superior se dirige a um inferior e .34 quando alguém de

poder inferior se dirige a um superior), o que evidencia uma tendência de o falante não usar o

pronome tu quando não está envolvido em uma interação solidária.

É importante fazer uma observação neste ponto, em relação ao tipo de fala.

Considerando-se esta variável, as falas retomadas tendem a selecionar pronomes distintos

para os pares, conforme se comportam solidariamente ou não. Devido à escassez de dados

para as relações de poder, não podemos fazer inferências a seu respeito. A tabela 5.4 mostra

as tendências de seleção pronominal em falas reais e retomadas quando está em jogo a

solidariedade nas relações entre pares. Vejamos.

Tabela 5.4. Efeito do cruzamento do ‘tipo de relação entre pares’ com o ‘tipo de fala’ sobre o
uso do tu

Falas reais Falas retomadas


Pares
N % N %

Solidários 274/346 79 18/23 78

Não solidários 29/50 58 2/20 10

Total 303/396 77 20/43 46

Observando os percentuais distribuídos pelos tipos de fala, constatamos que em

falas reais (efetivamente produzidas no ato da interação) há favorecimento do tu entre pares

solidários (79%) e desfavorecimento entre pares não solidários (58%), com uma diferença de

21 pontos percentuais em relação à média. A grande disparidade encontra-se nos dados de

falas retomadas, para as quais constatamos que relações solidárias também favorecem o uso

do pronome tu em 78% das ocorrências, mas, por outro lado, relações não solidárias

desfavorecem o uso do pronome tu com apenas 10% das ocorrências.

Parece estar por trás disto o julgamento do falante acerca do que seria mais

apropriado para cada tipo de relação. Poderíamos inferir, então, que os jovens brasilienses

consideram que o tu deva ser usado quando se comportam de forma solidária com seus pares,
89

e, em contrapartida, o você deva ser usado quando não se posicionam solidariamente frente a

seus pares.

Voltando a considerar as categorias de poder e solidariedade, cabe lembrar que,

se tivéssemos uma distribuição equilibrada dos dados pelos quatro tipos de relação entre os

interlocutores que consideramos, provavelmente constataríamos uma tendência a uma

diminuição gradual do uso do tu, na ordem da tabela 5.3.

Assim, a distribuição enviesada dos dados e a diferença dos pesos relativos entre

o fator ‘pares solidários’ e os demais – mais de .20, como mostra a tabela 5.3 – delineiam um

recorte nos dados, no sentido de separar dois tipos de interação: as simétricas, que se dão

entre pares solidários, e as assimétricas, que se dão entre não pares (o que engloba também

pares não solidários). O motivo que viabilizou esta diferenciação binária foi a percepção de que

os pares, quando não se posicionam de forma solidária em um dado momento da interação

conversacional, se comportam, na verdade, como não pares. Com base nisto, fizemos uma

reanálise dos dados, de forma a agrupá-los nestas duas categorias, e o resultado pode ser

conferido na tabela 5.5.

Tabela 5.5. Efeito do posicionamento dos interlocutores entre si sobre o uso do tu

Posicionamento dos interlocutores Freqüência


Peso Relativo
entre si N %

Pares 292/369 79 .57

Não pares 35/84 42 .22

Total 327/453 72 input: .77

Neste sentido, fica evidente que o tu é o tratamento usual entre pares e o você é o

tratamento preferido pelos não pares, pois, enquanto 79% das ocorrências são de tu entre os

pares, esta taxa cai para 42% entre os não pares. A diferença também pode ser vista pela

análise dos pesos relativos, sendo que a relação entre pares favorece a ocorrência de tu em
90

.57, muito mais que a relação entre não pares, que tende a favorecer o uso do tu com um peso

relativo de .22, efeito bem menor que o da relação entre os pares.

Sob um outro ponto de vista, consideramos que, quando está em jogo a noção de

poder entre os interlocutores, ainda podemos lidar com a categoria da solidariedade. Com base

nisto, temos que interlocutores que interagem em uma relação assimétrica podem agir com

solidariedade ou não, um para com o outro.

Se, por um lado, os pares tendem a usar o tu em relações solidárias e o você em

relações não solidárias, os não pares tendem a usos diferenciados, conforme a posição do

falante na escala hierárquica. Podemos comprovar esta tendência observando a tabela 5.6.

Tabela 5.6. Efeito da polidez sobre o uso do tu em relações assimétricas

Polidez Não polidez


Relações assimétricas
N % N %

Superior para inferior 1/2 50 1/8 13

Inferior para superior 0/2 0 2/2 100

Total 1/4 25 3/10 30

Devido à pouca quantidade de dados, o que nos é permitido fazer é inferir

algumas tendências a partir dos resultados. O posicionamento não polido por parte de quem

detém o poder em relação ao ouvinte tem efeito desfavorecedor sobre o uso do tu, com apenas

13% das ocorrências, da mesma forma que os pares, quando não se comportam

solidariamente. Não há como apontar tendências com relação à fala polida de superior para

inferior, pois só dispomos de 2 dados, sendo um com cada pronome.

Sobre os falantes em posição hierárquica inferior à do ouvinte, apesar de termos

poucos dados, os resultados apontam para um comportamento no sentido oposto: quando

falam com polidez, tendem a usar o pronome você, como no exemplo (6):
91

(6) 1― Quando eu tava na sala o meu celular tocava, aí eu ia atender, desligava,


tá ligado? Aí eu: ‘porra...’ altas vezes, véio. Eu: 'é aqui da sala'. Eu peguei
o celular de todo mundo, véio, olhei na agenda e nada.
2― Ah, véio, naquele tempo que cê tava atrás de um número?
1― É. depois de muito tempo, véio, do nada eu peguei o telefone lá de casa,
liguei po número, aí uma mulher atendeu. Peguei e falei: 'quem tá falando?'
Aí eu nem lembro o nome dela... 'ôu, vem cá... você tem algum filho ou
filha?'. E’a pegou e falou: 'tenho'. Eu falei: ‘tipo... adolescente'. Ela falou: 'é,
por quê?' Eu falei: 'não, ela usa o seu celular?' Ela falou: 'de vez em
quando ela usa', sabe? Eu peguei, falei assim: 'como é que o nome dela?'
Ela falou: 'é W.’. Aí eu: 'ah, boto fé, então valeu.' Aí ela: 'não, por quê?’ Eu:
'não, não, nada, não, brigado'. Caralho, véio, no outro dia a Flávia já
chegou: ‘você descobriu e tal'... desse jeito, tá ligado?
(Conversa entre dois rapazes/Taguatinga)

Já quando não falam com polidez, ou seja, com desrespeito, desacatando o

ouvinte em sua posição superior socialmente estabelecida, os jovens brasilienses tendem a

usar o pronome tu, como ocorre nos 2 dados de falante com poder inferior que agem sem

polidez. Podemos conferir um destes dados no trecho (7), transcrito abaixo:

(7) 1― O maluco lá falou: 'já tô com o estilingue esperando a hora dela descer’. Aí
eu falei: 'vamo estourar esse balão de gás'. Aí a mulher virou pra trás.
2― Eu fiquei foi com raiva, ontem eu fiquei foi com raiva.
1― Por quê?
2― Porque foi passando a lotação lotada, véio, aí nego parou, aí eu desci lá no
centro, véio, aí tipo assim, 'em um em um minuto passa uma lotação, véio'.
1― Aí a mulher virou pra trás: 'balão é o que você tem aí debaixo... dois
balãozinho.' Aí peguei e falei: 'mais esses balãozinho num é pra tu, não'.
(rapaz reproduzindo um diálogo entre o mesmo e uma mulher
desconhecida, num ônibus/Taguatinga)

Percebemos, então, um comportamento diferenciado para a seleção dos

pronomes em nossos dados no que concerne aos falantes não pares, no sentido de que os
92

mesmos se comportam de forma diferente, conforme agem com polidez ou não. Por este

motivo, levantamos a hipótese de que, mais do que solidariedade, a macro-divisão que se

percebe em nossos dados é entre falantes que se comportam como pares e falantes que não

se comportam como pares. A escassez de dados não nos permite tirar conclusões além das

tendências já apontadas.

5.3.3 Familiaridade com o tema discursivo

A familiaridade com o tema do discurso foi o quarto grupo selecionado pelo

GoldVarb. Dividimos os temas em mais familiares ou menos familiares ao falante, os quais

foram determinados pelo contexto de cada interação conversacional.

Definimos por tema mais familiar os temas cotidianos, as conversas banais sobre

fatos que versem sobre o dia-a-dia dos jovens. Tratando de temas mais familiares,

hipotetizamos que os jovens tenderiam a usar um estilo de fala menos planejado, tanto mais

próximo do vernáculo quanto mais identificação tivessem com seus ouvintes. Neste contexto,

nossa expectativa era que os jovens usassem as formas correntes entre os membros de seu

grupo, ou, mais especificamente, usassem mais o pronome tu. Um tema mais familiar pode ser

ilustrado com trechos do tipo de (8):

(8) 1― Agora eles tão pagando pau pra mim. Desde de que eu comprei o fila eles
ficam pagando pau.
2― É assim mesmo, tô vendo se eu tiro um pra mim ou se eu tiro um tj [sic] de
boa pra mim. Agora não vou tirar aquele de couro não, tá muito caro, véio.
Agora o pessoal mete a faca, o mais barato lá na feira tá trezentos e
cinqüenta.
1― Duzentos e cinqüenta a meia, duzentos e cinqüenta a meia.
2― Tu comprou por duzentos e cinqüenta?
1― Se tu quiser, eu vendo: duzentos e cinqüenta.
2― Eita, porra! Tu tira também nessas paradas, mais só vende à vista, né?
1― À vista, só.
(Conversa entre dois rapazes/Ceilândia)
93

Temas menos familiares, por sua vez, envolvem assuntos que escapam à

experiência de vida do falante e representam um complicador na situação interacional. Ao tema

menos familiar, podemos associar o estilo de fala que Labov (2001) classifica como soapbox,

caracterizado por uma espécie de discurso público informal. Quando os jovens lidam com

assuntos de um grau de complexidade maior que o de suas conversas cotidianas, como no

trecho (9), tendem a usar o estilo soapbox, no intuito de dissertar sobre o tema.

(9) 1― Todo mundo, véio, todo mundo. R., tipo assim, essa galera que bebe
muito, muito, fala assim: 'não, quando eu não quiser beber, eu não bebo'.
Duvido, véio.
2― Aí, você: 'ah, mais eu quero'... toda hora você quer...
1― Você só percebe que tá viciado quando cê quer parar, véio.
2― É.
1― Quando você tá assim: 'não, hoje eu não vou beber', não consegue, aí
você percebe. Já pensou, véio? Nossa, tudo tem limite.
(Conversa entre dois rapazes/Taguatinga)

É interessante ressaltar que os pronomes referenciais em temas menos familiares

tendem a ocorrer, em interações solidárias, com referência genérica, embora a referência

genérica não tenha sido considerada relevante para a escolha de tu ou de você em nossa

amostra. Voltaremos a este ponto ainda neste item. Vejamos, pela tabela 5.7, em que medida

os resultados corroboram nossa hipótese a respeito desta variável.

Tabela 5.7. Efeito do tema do discurso sobre o uso do tu

Freqüência
Tema discursivo Peso Relativo
N %

Mais familiar 323/436 74 .52

Menos familiar 4/17 23 .17

Total 327/453 72 input: .77


94

Proporcionalmente, há muito mais ocorrências de tu em temas mais familiares

(74%) do que em temas menos familiares (23%), para os quais calculamos uma diferença de

51 pontos percentuais, extremamente significativa. Os pesos relativos corroboram os

percentuais, pois mostram que os temas mais familiares favorecem o uso do pronome tu em

.52, ao contrário dos temas menos familiares, que têm efeito desfavorecedor sobre o uso do tu,

com peso de .17.

Por trás destes resultados evidencia-se, então, uma alternância de estilos de fala.

Quando o falante trata de um tema menos familiar, fazendo uma espécie de discurso

(soapbox), ele, de certa forma, quer mostrar ‘que sabe’, que entende sobre o que está falando.

Esta necessidade de posicionar-se de forma convincente sobre o tema frente ao seu ouvinte

faz com que o falante ‘meça’ suas palavras, se monitore mais lingüisticamente a fim de

produzir o efeito desejado. Como resultado desta monitoração, sua fala tende a se aproximar

mais da variedade padrão que de costume. O resultado disto, no enfoque de nosso estudo, é a

maior ocorrência de você, em detrimento de tu.

A tendência de não se usar tu em temas menos familiares, contudo, pode estar

imbricada em um outro fator, que é a referência indeterminada. Conforme o tópico ou tema

discursivo, o falante pode julgar – ainda que inconscientemente – apropriado indeterminar o

referente, de forma a generalizar o discurso, ou ainda especificá-lo.

Para a variável ‘tipo semântico do referente’, nossa hipótese era de que, ao

apontar um referente genérico (ou indeterminado), o falante tenderia a usar menos o pronome

tu e mais o pronome você, à luz de Loregian-Penkal (2004) e de Lopes (2004), da mesma

forma que, ao apontar um referente específico (ou determinado), o falante tenderia a usar mais

o pronome tu e menos o você, dado o fato de o pronome você estar sendo também usado em

processos de indeterminação.

Ilustrando esta hipótese, uma fala típica com referente específico pode ser vista

em (10) e uma fala típica com referente genérico pode ser (11):
95

(10) R― Então, talvez a V. vai viajar pra:: Caldas Novas. Eu já dei alento, se ela
viajar eu vou pra:: Chapada, véi.
G― Com quem?
R― Com uns bróder meu. Com o V.... da Chapada a gente já vai pra Piri...
G― Pô, queria tanto ir...
R― Ou, se eu discolar um lugar no carro pra tu, tu vai, véi.
G― Boto fé...
R― Mais... pode ter que ir tu e o E., né?
G― É, né...
R― Carai... mais, putz, véi. Mais tipo, só vou se ela for, tá ligado? Se ela for,
rapaiz, num quero nem saber, não.
(Conversa entre um rapaz (R) e uma garota (G)/Brasília (RA I))

(11) 1― Ô, véio, não vejo graça curtir, véio, cigarro, na alta.


2― Eu não curto também, não.
1― Não, deixa a boca fedendo, deixa tu fedendo, gosto ruim na boca e
nego... o que que acha graça, véio?
2― O F. tá entrando numa dessas, véio.
1― Tá, véio?
2― Todo show o moleque quer fumar, quer fumar... É ruim, véio, eu falei pra
ele: ‘tu começa cigarro, tal... daqui a pouco tu começa outras coisa', né,
não, véio?
1― Mó furada.
(Conversa entre dois rapazes/Taguatinga)

Os resultados produzidos pelo GoldVarb, entretanto, não confirmaram nossa

hipótese, ou seja, para os jovens brasilienses, o tipo semântico do referente não é uma variável

que interfere na escolha do pronome de referência de 2ª pessoa, como podemos observar na

tabela 5.8 abaixo.


96

Tabela 5.8. Efeito do tipo semântico do pronome sobre o uso do tu

Freqüência
Tipo semântico do pronome Peso Relativo
N %

Específico 291/403 72 (.49)

Genérico 36/50 72 (.57)

Total 327/453 72 input: .77

O fato de os percentuais dos fatores serem idênticos à média de 72% já aponta

para um efeito neutro deste grupo de fatores sobre a variação tu/você. Além disto, na rodada

em que o grupo poderia ter sido selecionado, o nível de significância foi de 0,556, muito acima

do 0,05 aceitável, e os pesos relativos ficaram próximos ao ponto neutro de .50, com .49 para a

referência específica e .57 para a referência genérica. Tais resultados fizeram com que o tipo

semântico do pronome de referência à 2ª pessoa não fosse selecionado pelo programa como

estatisticamente relevante para determinar a variação tu/você em nossos dados.

No entanto, ao cruzarmos as variáveis ‘tema discursivo’ e ‘tipo semântico do

pronome’, constatamos que o pronome você tem um uso peculiar. Observemos a tabela 5.9

com o intuito de captar em que medida isto se dá.

Tabela 5.9. Efeito do cruzamento de ‘tema discursivo’ e ‘tipo semântico do referente’ sobre o
uso do tu

Referente específico Referente genérico


Tema discursivo
N % N %

Mais familiar 289/398 73 34/38 89

Menos familiar 2/5 40 2/12 17

Total 291/403 72 36/50 72

Embora não seja o foco do nosso trabalho, é interessante notar que, entre as

referências em temas menos familiares, 71% (12/17) são genéricas, o que nos viabiliza afirmar
97

que os falantes, em especial os adolescentes brasilienses, tendem a generalizar seu referente

quando tratam de assuntos que escapam à sua alçada. Ainda, das referências genéricas em

temas menos familiares, apenas 17% (2/12) são com o pronome tu, o que nos leva a

considerar que o contexto que mais desfavorece a seleção do pronome tu é aquele com

referência mais genérica e tema menos familiar.

Portanto, é possível que o aumento do número de dados de temas menos

familiares possa nos trazer novos resultados a respeito do efeito do tipo semântico do

referente. Por ora, todavia, o efeito regular é da familiaridade com o tema e não com o tipo

semântico do referente.

5.3.4 Região administrativa do falante

A região administrativa (RA) do falante foi a quinta variável selecionada pelo

GoldVarb no condicionamento da variação tu/você em nossa amostra. Considerando as

regiões administrativas analisadas – Ceilândia, Taguatinga e Brasília –, esperávamos que

houvesse distinção nas escolhas lingüísticas entre os falantes das três regiões. Nossa

expectativa era de que houvesse um efeito favorecedor gradativo, no sentido de que o falante

ceilandense usasse mais o tu que o falante taguatinguense, e este mais que o de Brasília

(Região Administrativa I, doravante RA I). Baseamo-nos no relato pessoal de Caroline

Cardoso, lingüista, nativa do Distrito Federal, residente em Taguatinga e professora em

Ceilândia, que nos informou sobre sua impressão de que os falantes ceilandenses empregam

mais o pronome tu que os demais. Além disso, acreditávamos que, depois do falante de

Ceilândia, o falante de Taguatinga tivesse um efeito favorecedor sobre o uso do tu maior que o

de Brasília (RA I).

Corroborando, em parte, nossa hipótese, constatamos um comportamento

lingüístico distintivo dos jovens de Ceilândia em relação aos da RA de Brasília e de Taguatinga,

o qual pode ser constatado pela análise da tabela 5.10.


98

Tabela 5.10. Efeito da região administrativa dos falantes sobre o uso do tu

Freqüência
Região administrativa Peso Relativo
N %

Ceilândia (RA IX) 105/121 86 .68

Taguatinga (RA III) 162/244 66 .43

Brasília (RA I) 60/88 68 .43

Total 327/453 72 input: .77

Considerando os percentuais, podemos conferir que, embora a incidência de uso

do pronome tu seja alta nas três regiões consideradas, o falante de Ceilândia tende a

selecionar mais o pronome tu que o pronome você, tal como faz em 86% das ocorrências em

nossos dados, contra 66% para os falantes de Taguatinga e 68% dos falantes da RA de

Brasília. Os pesos relativos confirmam a tendência de o falante ceilandense usar mais tu que

você em um nível mais elevado que os falantes de Taguatinga e da RA de Brasília, pois o peso

relativo para o uso do tu em Ceilândia é de .68, 25 pontos acima do de Taguatinga e da RA de

Brasília, os quais apresentam peso relativo de .43, ambos como o mesmo efeito sobre o uso do

tu, portanto.

No cruzamento dos dados das regiões administrativas com outros fatores sociais,

consideramos importante apresentar os resultados de uma variável que não foi selecionada,

que é o gênero do falante em relação ao do ouvinte. Esta variável foi controlado na expectativa

de que o falante do gênero masculino tendesse a um menor uso do tu quando interagisse com

alguém do gênero feminino, nos moldes do exemplo (12).

(12) G ― Aí cê vai levar a V., né?


R.― Hum-hum. Mas, se liga, se eu descolar mônei, véi, eu pago pra tu, véi.
G ― Mais tinha que comprar pra mim e pro E.
R― O quê?
G― Tinha que comprar pra mim e pro E.
R― Ah, então cê vai ficar! Com certeza!
(Conversa entre uma garota (G) e um rapaz (R)/Brasília (RA I))
99

Os resultados que obtivemos constam na tabela 5.11 abaixo.

Tabela 5.11. Efeito do gênero do falante em relação ao do ouvinte sobre o uso do tu

Gênero do falante Freqüência


Peso Relativo
em relação ao do ouvinte N %

Mesmo gênero 290/367 79 (.52)

Gênero oposto 37/83 43 (.42)

Total 327/453 72 input: .77

Pelos percentuais, constatamos que o gênero oposto tem efeito desfavorecedor

sobre o uso do tu, com 43% das ocorrências, 29 pontos percentuais abaixo da média de 72%,

e este é um efeito mais forte que o efeito favorecedor do mesmo gênero, que tem 79% das

ocorrências de tu, apenas 7 pontos percentuais acima da média. Entretanto, quando analisado

em conjunto com os grupos de fatores já selecionados pelo programa, este grupo não se

mostrou relevante. O nível de significância da rodada foi de 0,347 e, embora muito alto se

comparado ao p de 0,05, foi o menor valor das rodadas do nível em que seria selecionado, o

que aponta para o fato de que, com a ampliação de nosso corpus, esta variável seja uma forte

candidata à seleção.

Uma vez apresentada esta variável, podemos, neste ponto, mostrar e discutir o

cruzamento das regiões administrativas com os fatores sociais, tal como fazemos na tabela

5.12 abaixo, no sentido de percebemos o quão forte é a tendência de o falante do Distrito

Federal usar o tu, principalmente o ceilandense, em relação aos falantes das outras regiões.
100

Tabela 5.12. Efeito do cruzamento das RAs com as outras variáveis sociais sobre o uso do tu

Ceilândia (RA IX) Taguatinga (RA III) Brasília (RA I)


Fator
N % N % N %

Relação entre os pares

Solidária 92/98 94 145/193 75 55/78 70

Não solidária 11/20 55 15/40 37 5/10 50

Gênero do falante

Masculino 103/117 88 160/225 71 57/76 75

Feminino 2/4 50 2/19 11 3/12 25

Gênero do falante em relação ao do ouvinte

Mesmo gênero 98/110 89 154/206 75 38/51 75

Gênero oposto 7/11 64 8/38 21 22/37 68

Total 105/121 87 162/244 66 60/88 68

É importante ressaltar que o percentual de ocorrência de tu nos fatores

favorecedores é sempre maior nos dados de Ceilândia, se comparados aos dados de

Taguatinga e de Brasília (RA I). Enquanto nos dados entre pares solidários de Ceilândia há

94% de ocorrência de tu, em Taguatinga há 75% e em Brasília (RA I) há 70%; entre os dados

dos rapazes, em Ceilândia 88% dos dados são de ocorrências de tu, ao passo que este

percentual cai para 71% em Taguatinga e 75% em Brasília (RA I); e, ao lidar com falantes do

mesmo gênero, os falantes de Ceilândia produziram 89% das ocorrências usando o pronome

tu, enquanto o percentual de Taguatinga e de Brasília é de 75%.

Os falantes de Ceilândia tendem a usar mais tu que os falantes das outras regiões

administrativas em todos os fatores considerados, tanto quando se comportam como pares

solidários (94%) quanto como não solidários (55%), tanto se são do gênero masculino (88%)

quanto se são do gênero feminino (50%). Apenas nas interações entre gêneros opostos se

observa o menor uso do tu nos dados dos falantes ceilandenses (64%), quando comparados

com os dados da RA de Brasília (64%). É certo, entretanto, que usam menos tu nos fatores

desfavorecedores (pares não solidários, gênero feminino e gênero oposto ao do interlocutor)


101

que nos favorecedores (pares solidários, gênero masculino, mesmo gênero), mas a tendência

é de apresentar níveis mais elevados que em Taguatinga e na RA de Brasília.

Esta diferença nos dados de Ceilândia em relação a Taguatinga e a Brasília (RA I)

tem razões sociais que podem ser melhor explicadas se considerarmos, entre outros fatores, a

história de cada uma delas. A par disto, apresentamos, na seqüência, observações sobre cada

região administrativa em separado, na tentativa de, pela análise das partes, ter uma melhor

compreensão do todo.

5.3.4.1 Ceilândia (RA IX)

Ao que tudo indica, conforme a caracterização de Ceilândia feita no capítulo 2

(item 2.3.3), o falante jovem ceilandense, mais especificamente os rapazes, já que só há 4

ocorrências entre as garotas (2 de tu e 2 de você), marca sua identidade – entre outros fatores

não quantificados – via linguagem.

A história de luta pela igualdade de direitos parece ter gerado no ceilandense um

certo orgulho de sua identidade. Isto pode ter se refletido na adoção, por parte de toda a

comunidade de Ceilândia, de traços lingüísticos típicos de falantes das regiões brasileiras mais

representadas ali.

Ceilândia, a Região Administrativa IX, tem 34 anos. Apesar de 51% da população

ceilandense ser nativa (SEPLAN, 2004,) estes indivíduos nativos não têm mais que 34 anos.

Dado o fato de que o pronome tu existe nesta fala, tal como mostramos, é bem provável que

ele não tenha entrado para o repertório lingüístico dos falantes ceilandenses via falantes

nativos, mas pelos pais destes. Se não considerarmos o percentual de habitantes nativos no

Distrito Federal, temos que os habitantes oriundos da região Nordeste – em geral reduto de tu

– representam 65,5% da população não nativa, enquanto os habitantes oriundos das regiões

Sudeste e Centro-Oeste – redutos de você – representam 28,4% dos não nativos. A região Sul,

onde há muitos redutos de tu, não representa nem 1% dos habitantes não nativos.
102

Levando em conta a possibilidade de os falantes não nativos influenciarem o

modo de falar em Ceilândia mais do que os nativos, devido à pouca idade desta região

administrativa, é presumível que os falantes oriundos do Nordeste tenham influenciado de

forma decisiva no uso variável do tu. No entanto, é inegável que os falantes nativos se

identificaram com o uso do tu e levaram a cabo a implementação deste uso em seu sistema

lingüístico.

5.3.4.2 Taguatinga (RA III)

Com 47 anos, Taguatinga, a Região Administrativa III, é mais velha que Ceilândia,

mas nem por isso tem mais habitantes nativos, pois, enquanto Ceilândia tem 51% de

habitantes nativos, Taguatinga tem 48,4%. É provável que os falantes nativos, cujos

representantes mais velhos devem ter 47 anos, já tenham influenciado a língua de alguma

forma, considerando-se que já há falantes nativos de três gerações diferentes. Da mesma

forma que em Ceilândia, os falantes taguatinguenses adotaram traços que elegeram como

significativos na representação de sua identidade. Esta identidade, contudo, não é tão marcada

pelas raízes nordestinas como acontece em Ceilândia. Considerando apenas os habitantes

não nativos, a região Nordeste – reduto de tu – ainda é a mais representativa na configuração

da naturalidade dos habitantes taguatinguenses, com 41,1% dos habitantes migrantes (24,4

pontos percentuais a menos que em Ceilândia). As regiões Sudeste e Centro-Oeste juntas –

por sua vez, reduto de você – são representadas com 49% dos habitantes não nativos. Por

esta configuração visualizamos que falas oriundas de redutos de tu e de redutos de você se

misturam em Taguatinga em proporções bem equivalentes. Entretanto, sobressai-se, na fala

dos jovens, o uso do tu nordestino, em contraposição ao você do Sudeste e do Centro-Oeste.

A região Sul, assim como em Ceilândia, tem baixa representatividade entre os habitantes não

nativos (2,7%), motivo pelo qual é improvável que tenha contribuído para o favorecimento do

uso do tu em Taguatinga.
103

5.3.4.3 Brasília (RA I)

Brasília, a Região Administrativa I, tem 45 anos recém-completados. Possui 40,6%

de habitantes nativos do Distrito Federal, portanto menos que Ceilândia e Taguatinga, que têm

51% e 48,4% de nativos, respectivamente. Entre os não nativos, a região Nordeste equivale a

30,1% da população, ao passo que as regiões Sudeste e Centro-Oeste, juntas, equivalem a

54% da população.

Uma vez que os habitantes não nativos provêm sobretudo de redutos de você e o

tu tenha entrado de forma inequivocada neste sistema lingüístico, resta-nos supor que os

habitantes nativos tenham mais influência sobre a fala local que os não nativos. Neste sentido,

a adoção do uso do tu pelos jovens da região administrativa de Brasília marca uma

identificação com os usos lingüísticos que permeiam as demais regiões do Distrito Federal.

5.3.5 Paralelismo lingüístico

O paralelismo lingüístico foi o segundo grupo de fatores selecionado pelo

programa GoldVarb. Embora o tenhamos encaixado entre as variáveis lingüísticas, assumimos

que a natureza dos processos de repetição não é lingüística, pois a ocorrência de paralelismo

reflete um modo sistemático de a mente humana operar. Para Scherre (1998), o paralelismo

reflete um aspecto do comportamento humano, que tende a agrupar atividades pelas

semelhanças, ou seja, de uma forma simbólica, x conduz a x, y conduz a y. Nas palavras de

Scherre (op. cit, p. 50),

“o comportamento humano exibe com nitidez a produtividade ou a

funcionalidade da realização de atividades em bloco, com

aproximação pelas semelhanças, observado nas mais diferentes

situações: na produção lingüística oral, na produção lingüística

escrita, num jogo de futebol, na moda, entre outros aspectos; e,


104

também, na própria necessidade de o ser humano formar e proteger

grupos”.

Podemos dizer que a análise desta variável consiste em apontar se as estruturas

tendem a se repetir, ou seja, se em uma conversa na qual um falante usa tu, o próximo

pronome de 2ª pessoa a ser usado também será o tu ou não.

Esta variável pode realizar-se em três variantes: (i) primeiro item da série,

considerando ‘série’ como cada bloco de gravação e ‘primeiro item’ como o primeiro pronome

de segunda pessoa usado por um dos falantes na seqüência de gravação; (ii) item não primeiro

precedido por tu, que são todos os que ocorrem depois de o pronome tu ter sido selecionado; e

(iii) item não primeiro precedido de você, que é o pronome que ocorre imediatamente após a

seleção de um você.

Vejamos um exemplo de ocorrências paralelas com o pronome tu em (13) e outro

de ocorrências paralelas com o pronome você em (14).

(13) 1― Dois conto aí, doidão.


2― Não tô achando.
1― Dois conto, doidão, se não eu te arrebento na hora que tu entrar aí.
3― Paga, filhão.
1― Se tu pagar só um real, tu vai é levar uma peia aqui dentro.
(Conversa entre três rapazes/Ceilândia)

(14) 1― Você falou que ia trazer a pipoca.


2― Eu falei?
3― Você falou o quê?
1― Todo mundo sabe que o R. é prego.
2― Eu tava com o dinheiro pra comprar.
1― Ô, você falou: 'eu vou trazer pipoca, eu trago a pipoca porque tô com
dinheiro'. Ó, aí! Acabou de assumir. Você tá com dinheiro, então? Tá
vendo, né, a preguice, né, véio?
3― Por que, por que você falou?
2― Não, não, não falei isso, não.
105

1― Por causa que, por causa que não, não sei que lá.
3― Não, porque cê está excluído, tu e o F. tão excluídos, véio.
(Conversa entre três rapazes/Taguatinga)

E um exemplo de estruturas não paralelas quanto à seleção das formas de

tratamento pode ser vista no exemplo (15):

(15) 1― Vão lá no rap então, fazer excursão com as mina... [inaudível]


2― Ou! Ela é feia ou bonitinha?
1― Bonita! Tu acha que eu mexo com menina feia?
2― Vixi! Você, mané? O mais sujo de todos aqui, véi! Só pega bagaceira, véi.
1― Tá doido? Vê se meu nome é J.! [Risos]
3― Pegou a S., véi! Queria namorar com ela...
2― E tu tamém pegou ela, seu vacilão!
3― Ih, mas eu não nego.
1― É, eu peguei?
3― É... mas tu namorou! [Risos] Namorou, véi!
1― Ih, os dois já pegou e morreu.
2― Ô, D., você tamém já quis pegar, já, tá querendo botar banca de bom
com isso daí.
(Conversa entre três rapazes/Brasília (RA I))

Nossa hipótese para esta variável era de que o uso do pronome tu favorecesse a

ocorrência de um tu subseqüente, da mesma forma que uma ocorrência de você favorecesse a

seleção de outro você. Além disso, com base em outras pesquisas que controlaram o

paralelismo, esperávamos efeito intermediário no primeiro item da série, ou, em outras

palavras, acreditávamos que a primeira ocorrência de cada bloco de dados não favorecesse a

seleção de um pronome específico. Os resultados quantitativos corroboraram em parte nossa

hipótese inicial, tal como podemos verificar pela tabela 5.13.


106

Observando os percentuais, verificamos que os primeiros itens das séries e os

não primeiros precedidos por tu têm efeito favorecedor sobre o emprego do tu – com 85% e

80% das ocorrências, respectivamente –, em relação à média de 72%, enquanto os itens não

primeiros precedidos pelo pronome você têm efeito desfavorecedor sobre o uso do tu, com

49% das ocorrências. Percebemos, com isto, que o efeito negativo das ocorrências precedidas

por você é maior que o efeito positivo das ocorrências precedidas por tu, pois a diferença entre

o percentual do primeiro fator e a média global é de 23 pontos percentuais, ao passo que a

diferença entre o percentual do segundo fator e a média é de 8%.

Os pesos relativos, analisados entre si, mostram que a posição que mais favorece

a ocorrência de tu é o primeiro item da série, com peso relativo de .58, ao contrário do que

apontam várias pesquisas variacionistas que lidam com o paralelismo lingüístico, no sentido de

o primeiro item da série tender a um efeito intermediário sobre a escolha das variantes. O fator

‘não primeiro precedido de tu’ tem efeito favorecedor sobre a seleção do tu, com peso relativo

de .56, que é relativamente baixo, considerando-se que os dados foram coletados em

situações altamente favorecedoras do uso do tu, enquanto o fator ‘não primeiro precedido de

você desfavorece o uso do tu com peso de .33. Acreditamos que a ampliação de nossa

amostra pode resultar em uma polarização destes resultados, no sentido de o fator ‘não

primeiro precedido de tu’ passar a ter um efeito bem mais favorecedor sobre o emprego do tu

que o ‘não primeiro precedido de você’.

Ainda assim, consideramos relevante a diferença de .23 entre os pesos relativos

dos fatores não primeiros, o que nos indica a tendência ao paralelismo, ou seja, a ocorrência

de tu favorece a ocorrência de outro tu, e a ocorrência de você favorece a ocorrência de outro

você.

No intuito de verificar se o fator ‘primeiro item da série’ estaria influenciando na

seleção desta variável pelo programa GoldVarb, retiramos os dados relativos a este fator e

fizemos nova rodada no programa. Entretanto, o grupo foi novamente o primeiro a ser
107

selecionado, ficando os pesos relativos praticamente os mesmos em relação à rodada anterior

(.34 para os precedidos por você e .57 para os precedidos por tu, com o mesmo valor de input,

de .77), provavelmente porque os itens ‘primeiros da série’ somam apenas 27 ocorrências.

5.3.6 Tipo de estrutura

O tipo de estrutura foi o último dos seis fatores selecionados pelo programa

GoldVarb. Esta variável versa sobre a classificação das estruturas frasais segundo a entoação

do falante. Lidando com esta variável, tomamos como base Cunha & Cintra (2001), para os

quais a entoação pode ser entendida como “a linha ou curva melódica descrita pela voz ao

pronunciar palavras, orações e períodos” (Cunha & Cintra, op. cit., p. 168). De acordo com as

curvas tonais típicas, as estruturas podem classificar-se em declarativas, exclamativas ou

interrogativas.

A curva tonal da oração declarativa encerra duas partes muito distintas, sendo

uma parte inicial ascendente e uma parte final descendente, que pode ser assim

esquematizada:

Fonte: Cunha & Cintra (2001, p. 169)

Um exemplo de estrutura declarativa em nossos dados pode ser a fala (16):

(16) ― Tu foi na primeira e na segunda, véi. (Rapaz/Brasília (RA I))


108

Na curva da entoação interrogativa, a voz se inicia em um nível tonal mais alto que

na declarativa, há uma queda leve na parte medial, uma elevação acentuada na última vogal

tônica e uma queda brusca no final, ainda mantendo-se o tom mais elevado que na estrutura

declarativa. Esta curva poderia ser assim representada:

Fonte: Cunha & Cintra (2001, p. 171)

Uma estrutura interrogativa que conste em nossos dados e que reflita esta curva

pode ser a fala (17):

(17) ― Pô, D., você num vai tá sozinho em casa não, véi?
(Rapaz/Brasília (RA I))

A estrutura exclamativa, por sua vez, tem uma entoação que depende em larga

medida do grau e da emoção com que se fala. Consideramos como estruturas exclamativas,

em nossos dados, sentenças que continham algum tipo de declaração, mas que fossem

entoadas de forma exclamativa. Por terem uma entoação determinada pela emoção, as

sentenças exclamativas podem ser representadas, pois, por tipos de segmentos tais como

linhas ascendentes, linhas descendentes ou curvas:


109

Fonte: Cunha & Cintra (2001, p. 174)

Como exemplo de sentença exclamativa, selecionamos a sentença (18) em nossa

amostra:

(18) ― Tu é doido! (rapaz/Ceilândia)

A princípio, nossa hipótese para esta variável era de que estruturas interrogativas

e exclamativas favorecessem mais ocorrências de tu que de você, por terem caráter mais

emotivo e, portanto, refletirem um estilo menos monitorado que as estruturas declarativas.

Vejamos os resultados na tabela 5.14.

Tabela 5.14. Efeito do tipo de estrutura sobre o uso do tu

Freqüência
Tipo de estrutura Peso Relativo
N %

Exclamativa 17/18 94 .87

Interrogativa 164/209 79 .54

Declarativa 146/226 65 .43

Total 327/453 72 input: .77

Pela análise dos percentuais dos fatores em relação à média de 72%, observamos

que as estruturas exclamativas têm forte efeito favorecedor sobre o emprego do tu com 94%

das ocorrências, enquanto este percentual nas sentenças interrogativas cai para 79%, ainda
110

com efeito favorecedor, e nas declarativas cai para 65%, o que indica um efeito desfavorecedor

sobre o uso do pronome tu.

Os pesos relativos confirmam os percentuais. Se analisados entre si, temos as

estruturas exclamativas como altamente favorecedoras do uso do pronome tu em relação às

outras, com peso relativo de .87, seguidas pelas interrogativas com .54 e pelas declarativas

com .43, as quais têm efeito relativamente desfavorecedor sobre a seleção do tu. A diferença

entre os efeitos dos fatores aponta para uma forte tendência de as estruturas exclamativas

favorecerem a seleção do tu em um nível bem acima das demais.

Podemos afirmar, então, que nossa hipótese foi corroborada pelos resultados.

Quando os falantes expressam-se de forma exclamativa, tendem a fazê-lo com mais emoção

do que em outras situações. Nesse contexto, o vernáculo aflora e o falante tende a usar as

formas lingüísticas que lhe são mais naturais – no caso, o tu –, dada a situação conversacional.
111

5.4 Comparação com outras pesquisas

Em relação às pesquisas que controlam a variação pronominal na referência de 2ª

pessoa contemporaneamente, podemos fazer algumas comparações.

Voltando-nos ao trabalho de Loregian (2004), temos que tanto em Porto Alegre

quanto em Florianópolis, falantes do gênero feminino têm efeito favorecedor sobre o uso do tu

(com pesos de .92 e .85, respectivamente), enquanto falantes do gênero masculino têm efeito

desfavorecedor (com pesos de .03 e .10, respectivamente), ao contrário do que apontam

nossos resultados, nos quais os rapazes favorecem e as garotas desfavorecem (com peso de

.55 e .09, respectivamente).

Além disso, nas amostras de Porto Alegre e de Florianópolis foi selecionada a

variável ‘determinação do discurso’, na qual o discurso determinado favorece a seleção do tu

com peso relativo de .86 em Porto Alegre e .73 em Florianópolis, e o discurso indeterminado

tem efeito desfavorecedor sobre o emprego do tu, com peso de .28 na primeira e .26 na

segunda. Esta variável, comparada à variável que denominamos ‘tipo semântico do referente’,

que não foi selecionada em nosso corpus, juntamente com a variável ‘gênero do falante’

contribui para distanciar o estatuto da variação entre as falas destas duas capitais do Sul e a

fala dos jovens brasilienses.

Uma outra observação que pode ser feita com relação à variação tu/você no Sul e

em Brasília é que, enquanto em Porto Alegre e Florianópolis o uso do tu é mais difuso entre as

faixas etárias e ocorre com concordância verbal variável, em Brasília nossas observações

empíricas nos levam a crer que o uso do tu encontra-se mais concentrado entre os jovens, no

que tange à população nativa, e, via de regra, este uso se dá sem flexão verbal associada à 2ª

pessoa, mas parecido com o uso entre os falantes do Rio de Janeiro e da região Nordeste.

Chegamos a resultados bem parecidos com o de Paredes Silva (2003), sobre o tu

na fala carioca contemporânea, principalmente quanto ao gênero, pois seus resultados

mostram que falantes do gênero masculino têm efeito favorecedor sobre o uso do tu, com peso
112

de .57, enquanto as mulheres desfavorecem o emprego do tu com peso de .43. Assim como

em nossa pesquisa, Paredes Silva (op. cit.) aponta que o gênero é sempre o primeiro fator

selecionado como estatisticamente significativo. Além disso, tanto na fala carioca quanto na

dos jovens brasilienses, o tu ocorre sem flexão verbal de 2ª pessoa.

O trabalho de Bezerra (1994), que trata da variação tu/você na fala de crianças

paraibanas sob um enfoque interacional, indica que o tu tende a ser selecionado em interações

solidárias, assim como ocorre na fala dos jovens brasilienses, mas o uso não tende a ser

diferenciado pelo gênero dos falantes, diferentemente do que constatamos em nossa amostra.

Outro ponto de diferença é que a concordância verbal no corpus de Bezerra (op. cit.) é feita de

forma variável.

Pedrosa (1999) analisa a concordância verbal com o tu em João Pessoa e

constata que a faixa etária que mais faz concordância verbal canônica de 2ª pessoa do singular

é a dos jovens, diferentemente de nossa amostra, cujas ocorrências de tu são acompanhadas,

categoricamente, com verbo sem marca de 2ª pessoa. Entretanto, seu input, ou média global

corrigida, é de .24, o que indica uma tendência de o falante pessoense a não usar a flexão

verbal de 2ª pessoa.

Soares (1980) analisa a fala de Fortaleza. Não apresentando números que

possam ser utilizados para o nosso propósito, conclui que o tu é preferido em situações

informais e ocorre com concordância variável, condicionada pelo grau de escolaridade, de

formalidade e de atenção prestada à fala. Entre os jovens brasilienses, há a questão da

informalidade, imbricada no tipo de relação entre os pares, que também motiva o uso do tu,

embora seja um uso mais especializado segundo a faixa etária – ao menos no estágio em que

se encontra. Em relação à concordância verbal, um trabalho de linha variacionista laboviana,

que não é o caso do de Soares (1980), poderia explicitar se os jovens de Fortaleza usam

flexão verbal de 2ª pessoa em interações com pares solidários.

Soares & Leal (1993) constatam que, em Belém, o pronome tu tem sido a forma

de tratamento tanto de pai para filho quanto de filho para pai – com concordância verbal
113

variável –, apontando para uma generalização do tu em relações assimétricas (ou estaria o tu

contribuindo para desfazer a assimetria nas relações entre pais e filhos). Este uso é diferente

do uso que fazem os jovens brasilienses, que tendem a empregar o tu entre seus pares e sem

flexão verbal de 2ª pessoa.

O tu da fala brasiliense, então, por ocorrer com o verbo na forma não marcada,

assemelha-se ao do Rio de Janeiro e ao de Porto Alegre, distanciando-se do tu de Belém, do

de Florianópolis e dos estados do Nordeste, cujas falas apresentam concordância verbal

variável neste ponto; e, por considerar o tipo de relação entre os interlocutores, aproxima-se

mais do tu de intimidade do Nordeste, distanciando-se do tu gaúcho e do carioca, que são

usados em contextos informais, de modo geral. Ainda, em relação ao gênero, aproxima-se do

tu do Rio de Janeiro e dos estados do Nordeste, onde falantes do gênero masculino empregam

mais o tu que as mulheres, ao contrário de Porto Alegre e Florianópolis.

5.5 Conclusão

Com a amostra de que dispomos, conseguimos mostrar que o pronome tu é

recorrente na fala dos jovens do Distrito Federal, concorrendo de forma variável com o

pronome você. Os resultados desvendaram o quão dependente de fatores sociais é a variação

tu/você, como já foi constatado em outras pesquisas sobre este fenômeno, e como indicavam

nossas observações empíricas, particularmente em relação à fala do Distrito Federal.

Indicamos qual o contexto favorecedor para que o tu seja selecionado: falantes

jovens do gênero masculino que interagem com pares solidários tratando de temas cotidianos.

Mostramos também a expectativa de falantes jovens do gênero masculino sobre a variação

tu/você entre falantes jovens do gênero feminino no Distrito Federal, no sentido de apontar, por

falas retomadas, que as garotas tendem a empregar mais você que tu. Por fim, apontamos a

influência decisiva dos migrantes da região Nordeste em relação à entrada do tu no repertório


114

lingüístico dos brasilienses que, ao menos no estágio atual, parece ter se especificado na fala

dos jovens e em interações entre pares solidários, não necessariamente íntimos.

Em suma, nossa análise aponta para um sincretismo entre o tu do Nordeste –

empregado em interações solidárias e com concordância verbal variável – com o tu do Rio de

Janeiro – típico de falantes do gênero masculino e faixas etárias mais jovens. Além disso, pela

forte influência da imigração nordestina na comunidade de fala brasiliense, podemos afirmar,

assim como Corrêa (1998), que o tu, marca regional em uma visão macro do português do

Brasil, passa a ser marca social dentro da fala brasiliense.


115

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Além dos fatores sociais que condicionam a variação pronominal na fala dos

jovens do Distrito Federal, os quais já analisamos, não poderíamos deixar de falar da inserção

do pronome tu num contexto gírio, pois o uso freqüente do tu entre os jovens parece estar

imbricado em sua linguagem gíria. Não queremos afirmar com isto que o pronome tu seja um

vocábulo gírio, mas que faça parte de um conjunto de estratégias lingüísticas dos jovens que

visam à diferenciação de sua fala em relação ao que podemos chamar de ‘fala comum’.

Definindo a gíria como “um vocabulário empregado por falantes de um mesmo

grupo, com a intenção de comunicar-se sem serem entendidos por outros falantes que não

pertencem ao grupo” (Preti, 2004, p. 89), podemos afirmar que o uso generalizado do tu entre

os jovens brasilienses é mais uma estratégia no sentido de diferenciar sua fala das demais,

posicionar-se de forma crítica frente ao mundo e afirmar sua identidade. Nesse sentido, Calvet

(2002, p. 114) acrescenta que “a gíria dos adolescentes responde parcialmente a uma vontade

de conivência no seio da faixa etária”, reafirmando a generalização de comportamentos, tanto

sociais quanto lingüísticos. A linguagem gíria é, então, um fator decisivo no sentido de propiciar

a unidade de um grupo de indivíduos, aqui, em especial, dos adolescentes.

Assim como Preti (2004, p. 91) afirma que a gíria, como signo de grupo,

“favorece a identificação social do falante, permite-lhe interagir com

segurança com falantes do mesmo grupo e lhe traz, na conversação,

a confortável sensação de segurança e superioridade por usar uma

linguagem original, diferente da maioria”,


116

podemos afirmar que o pronome tu também é um signo de grupo, no sentido de ser uma marca

de identidade do falante jovem brasiliense, em contraposição aos falantes de outras faixas

etárias e de outros pólos urbanos como Goiânia e Belo Horizonte, que são os mais próximos,

ambos redutos de você.

O uso do tu, entretanto, passa por um grau de inconsciência entre os jovens.

Argüidos sobre este uso, muitos jovens disseram, num primeiro momento, que o tu não fazia

parte de seu repertório lingüístico, mas depois admitiram – por vezes admirados – usá-lo entre

amigos. Houve quem dissesse que não usaria nunca o tu para tratar a mãe, porque isto é gíria,

o que caracteriza falta de respeito.

É oportuno relatar duas experiências em que estive envolvida – e aqui uso ‘eu’ e

não ‘nós’. Em uma, um rapaz me trata por tu e, em seguida, troca o tu pelo você, afirmando

que não tínhamos intimidade para tanto, mostrando uma atitude consciente em relação à forma

de tratamento que é mais adequada. Em outra, um garçom, nascido no Distrito Federal, me

chama por tu e justifica-se dizendo que costuma ‘misturar tudo’, usando tanto o tu quanto o

você. O fato é que percebi uma atitude não solidária por parte do primeiro rapaz e uma

bastante solidária por parte do segundo, levando-se em conta o contexto de cada situação.

Falantes nativos adultos do gênero masculino disseram usar o tu eventualmente,

quando estão entre amigos. Falantes nativas adultas do gênero feminino, funcionárias do

comércio brasiliense, admitiram usar o tu, principalmente quando atendem clientes gaúchas.

Sobre isto, consideramos que, se usam o tu, é porque ele de fato faz parte do seu repertório

lingüístico, caso contrário, não usariam.

Nosso estudo abre caminhos para muitos outros sobre o tu na fala brasiliense. Há

que se ampliar o corpus de falas femininas, a fim de se verificar a real medida do uso do tu

entre falantes do gênero feminino. Há também que se verificar o efeito de faixas etárias

diferentes sobre a variação tu/você, tanto em tempo aparente quanto em tempo real. No

entanto, uma análise em tempo real poderia trazer mais luzes a uma possível mudança em
117

curso na fala brasiliense. Esta mudança, caso aconteça de fato, soma-se a outros fenômenos

lingüísticos que têm caracterizado o processo de focalização dialetal em Brasília.

Também a análise da variação de pronomes oblíquos e possessivos pode

contribuir para se traçar um panorama sincrônico do estatuto do tu na fala brasiliense, visto que

já observamos, empiricamente, que as formas marcadas e não marcadas de oblíquos (te,

contigo; se, o, a, lhe) e possessivos (teu, tua; seu, sua) coexistem.

Pela dificuldade em formar nosso corpus, não pudemos controlar a variação

tu/você no indivíduo, mas consideramos que este tipo de análise pode trazer resultados muito

interessantes, principalmente no que se refere ao efeito da mudança de estilo lingüístico sobre

a seleção pronominal, o qual muito nos interessa.

O último ponto em que gostaríamos de tocar é em relação à abrangência do uso

do tu pelo território nacional. Não se pode ignorar que o tu faz parte da maioria das variedades

do português do Brasil, da maneira que ainda fazem alguns lingüistas como Bearzoti (2005, p.

13) que, baseado em Faraco (1996), ainda teima em afirmar que “no Brasil, esse uso [do você]

atingiu tal abrangência que, com exceção de pontos no sul e no norte do país, é você o

tratamento preferencial entre iguais (ou de superior para subordinado) na sociedade brasileira”.

Apesar de não haver pesquisas sobre o assunto em todas as variedades, sabemos que o tu é

muito recorrente em praticamente todos os estados da região Norte, todos da região Sul, em

quase todos da região Nordeste, e em pontos isolados das regiões Sudeste e Centro-Oeste.

Ocorre que, como o tu é típico de estilos de fala mais informais, por vezes

solidários ou mesmo íntimos, sua existência no sistema lingüístico de uma comunidade muitas

vezes não é captada como uma característica da fala de uma dada comunidade e passa

desapercebida de um estudo mais sistemático da língua local. Soma-se a isto a concordância

verbal variável com o pronome tu, que tende a ocorrer na forma não marcada, na maioria das

comunidades em que existe, camuflando sua existência frente aos habitantes locais e aos

visitantes de forma a dar a impressão de que o pronome você é o padrão em qualquer tipo de

situação conversacional e o tu é apenas uma casualidade.


118

Fechamos por aqui, sem, contudo, dar o trabalho por acabado. É justamente esta

possibilidade de fazer mais – e melhor – que move o progresso intelectual. Entretanto, o

progresso intelectual de nada serve se não puder servir ao progresso humano de forma geral.

Esperamos que este trabalho se junte a tantos outros que já fizeram com que os

indivíduos reconheçam a diferença e a percebam como algo positivo e saudável. O pronome

tu, com ou sem concordância verbal canônica, por sua recorrência no português do Brasil, não

deve ter seu uso ignorado na esfera educacional, pois faz parte de um mecanismo eficiente no

processo comunicativo, intrínseco a um paradigma de comportamento que tem o supratraço [+

proximidade] entre os falantes. Cabe à escola e aos autores de livros didáticos reconhecerem

esta realidade e trabalhar com ela a seu favor, partindo do que o aluno já tem internalizado

para ensinar-lhe novos mecanismos comunicativos, de forma a promover maximamente sua

competência comunicativa.
119

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In: GROE, Sybille; ZIMMERMANN, Klaus (eds). O português brasileiro: pesquisas e projetos.
Frankfurt am Main: TFM, 2000. p. 287-315.

WARDAUGH, Ronald. An introduction to sociolinguistics. 4 ed. Oxford: Blackwell Publishing,


2003.

WEINREICH, Uriel; LABOV, William; HERZOG, Marvin I. Empirical Foundations for a Theory of
Language Change. In: LEHMANN, W.; MALKIEL, Yakov (eds). Directions for Historical
Linguistics: A Symposium. Austin: University of Texas Press, 1968. p.95-195.
124

8. ANEXOS

Ainda não está disponível um mapa do Distrito Federal que mostre a delimitação

das regiões administrativas recém-criadas, a saber, Águas Claras (antes pertencente a

Taguatinga), Varjão (pertencente ao Lago Norte), Sudoeste (antes parte do Cruzeiro), Riacho

Fundo II (pertencente ao Riacho Fundo), Park Way, Setor Complementar de Indústria e

Abastecimento (SCIA) e Sobradinho II (pertencente a Sobradinho).

Assim, apresentamos, no Mapa 1, a divisão político-geográfica mais atual à qual

tivemos acesso, divulgado pela Companhia do Desenvolvimento do Planalto Central –

CODEPLAN – em 2000.

Além disto, no Mapa 2 podemos visualizar a região do entorno do Distrito Federal,

que compreende seus municípios circunvizinhos, tanto de Goiás quanto de Minas Gerais.
125

Mapa 1. Divisão político-geográfica das regiões administrativas do DF em 2000

Fonte: Companhia do Desenvolvimento do Planalto Central – CODEPLAN – (2000)


126

Mapa 2. Região do entorno do Distrito Federal

Fonte: Sec. Est. de Ação Social – SEAS – (2005)

Os municípios são, a começar por Padre Bernardo, da esquerda para a direita:

Padre Bernardo (GO)


Mimoso de Goiás (GO)
Água Fria de Goiás (GO)
Planaltina de Goiás (GO)
Formosa (GO)
Vila Boa (GO)
Cabeceiras (GO)
Buritis (MG)
Cabeceira Grande (MG)
Unaí (MG)
Cristalina (GO)
Cidade Ocidental (GO)
Valparaíso de Goiás (GO)
Novo Gama (GO)
Luziânia (GO)
Santo Antônio do Descoberto (GO)
Alexânia (GO)
Abadiânia (GO)
Corumbá de Goiás (GO)
Pirenópolis (GO)
Cocalzinho de Goiás (GO)
Águas Lindas (GO)

nivia.lucca@gmail.com

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