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Universidade de Brasília
Instituto de Letras
Deptº de Lingüística, Línguas Clássicas e Vernácula – LIV
Programa de Pós-Graduação em Lingüística
Nívia Naves Garcia Lucca
Brasília
Instituto de Letras da UnB
Junho de 2005
Banca Examinadora
À amiga Luciana Muniz pelos valiosos palpites e pela tradução do meu resumo
para o inglês em um trabalho conjunto com a amiga Érica Domingos, ambas treinando para
escrever muitos textos em inglês no doutorado em Nova Iorque.
À minha família, em especial aos meus pais, José Aleixo e Neila, pelo incentivo e
pelo amor que sempre mostraram, mesmo de longe, aos meus irmãos, Cristiano, Cíntia e
Lucas, pelo apoio, e à minha prima Margarete, pela força constante.
Aos meus informantes, Rômulo, Vagner, Felipe, Diego e Jorge, pela ajuda valiosa
e gentileza quando da gravação das falas.
SUMÁRIO
Lista de Quadros v
Resumo vi
Abstract vii
Introdução 1
1. Revisão da Literatura 6
1.1 Introdução ...................................................................................................................... 6
1.2 Pesquisas sobre a constituição da fala brasiliense ...................................................... 7
1.3 Pesquisas sobre a referência de segunda pessoa no Brasil ..................................... 10
1.3.1 Loregian (1996)................................................................................................. 11
1.3.2 Loregian-Penkal (2004)..................................................................................... 15
1.3.3 Paredes Silva (2003)......................................................................................... 20
1.3.4 Bezerra (1994) .................................................................................................. 22
1.3.5 Pedrosa (1999) ................................................................................................. 23
1.3.6 Soares (1980).................................................................................................... 25
1.3.7 Soares & Leal (1993) ........................................................................................ 25
1.3.8 Menon (2000) .................................................................................................... 27
1.3.9 Paredes Silva et alli (2000) ............................................................................... 28
1.3.10 Lopes & Duarte (2003)...................................................................................... 29
1.3.11 Lopes (2004) ..................................................................................................... 31
1.3.12 Lucca (2003) ..................................................................................................... 34
1.3.13 Pitombo (1998).................................................................................................. 35
1.4 Conclusão ................................................................................................................... 36
3. Referencial Teórico 51
3.1 Introdução ................................................................................................................... 51
3.2 Teoria da Variação Lingüística ................................................................................... 51
3.2.1 Prestígio encoberto ........................................................................................... 55
3.3 Variação estilística ...................................................................................................... 56
3.3.1 O princípio de Labov ......................................................................................... 57
3.3.2 O princípio de Bell............................................................................................. 59
3.3.3 Um ponto de congruência ................................................................................. 60
3.4 Poder, solidariedade e polidez ................................................................................... 62
3.5 Conclusão ................................................................................................................... 65
4. Metodologia 66
8. Anexos 124
LISTA DE TABELAS
Tabela 1.3. Efeito das variáveis sociais sobre o uso do tu por localidade
em Loregian-Penkal (2004)......................................................................................................... 16
Tabela 1.5. Efeito das variáveis lingüísticas sobre o uso do tu por localidade
em Loregian-Penkal (2004) (em pesos relativos) .......................................................................... 19
Tabela 1.6. Efeito das variáveis sociais sobre o uso do tu no Rio de Janeiro
em Paredes Silva (2003).............................................................................................................. 21
Tabela 1.8. Efeito das variáveis sociais sobre a concordância verbal em Pedrosa (1999) .......... 24
Tabela 1.9. Formas de tratamento entre pais e filhos em Belém em Soares & Leal (1993)............ 26
Tabela 1.10. Efeito do pronome sobre a concordância verbal em Menon (2000) ..................... 27
Tabela 1.12. Formas de tratamento nas cartas do Marquês do Lavradio em Lopes (2004) ........... 32
Tabela 1.13. Uso do tu segundo o gênero do autor das cartas em Lopes (2004)..................... 33
Tabela 1.15. Efeito dos fatores sociais sobre o uso do tu em Pitombo (1998) .......................... 35
Tabela 5.1. Efeito das variáveis ‘função do SN’, ‘tempo verbal’ e ‘modo verbal’
sobre o uso do tu......................................................................................................................... 78
Tabela 5.2. Efeito do gênero do falante em falas reais e retomadas sobre o uso do tu............... 83
Tabela 5.3. Efeito do tipo de relação entre os interlocutores sobre o uso do tu ........................ 87
iv
Tabela 5.4. Efeito do cruzamento do ‘tipo de relação entre pares’ com o ‘tipo de fala’
sobre o uso do tu......................................................................................................................... 88
Tabela 5.5. Efeito do posicionamento dos interlocutores entre si sobre o uso do tu.................... 89
Tabela 5.10. Efeito da região administrativa dos falantes sobre o uso do tu............................. 98
Tabela 5.11. Efeito do gênero do falante em relação ao do ouvinte sobre o uso do tu............. 99
Tabela 5.12. Efeito do cruzamento das RAs com as outras variáveis sociais sobre o uso do tu ......... 100
LISTA DE QUADROS
RESUMO
Este trabalho trata da variação tu/você na fala brasiliense sob o ponto de vista da
Teoria da Variação Lingüística delineada por Weinreich, Labov & Herzog (1968) e Labov (1975)
e leva em conta a influência de fatores como a alternância de estilos e o tipo de relação entre
Os dados foram coletados entre falantes do grupo social que julgamos ser o que
contactamos estudantes da rede pública de ensino das três regiões administrativas mais
adultos, estas coletadas por meio de falas reproduzidas. Entretanto, a maior parte das falas
são características de relações entre pares solidários, nas quais o uso do tu emerge. Os
resultados revelam alto índice de tu na amostra analisada (72%) e apontam para o fato de que
a variação tu/você na fala dos jovens brasilienses é determinada pelo gênero do falante, pelo
tipo de relação entre os pares, pelo tópico discursivo e pela região administrativa de onde o
ABSTRACT
This dissertation deals with the variation of pronominal forms of second person
tu/você (thou/you) in the speech of the population of Brasília – capital of Brazil in the light of the
Theory of Linguistic Variation proposed by Weinreich, Labov & Herzog (1968) and Labov
(1975). The analysis considers the influence of factors such as style shift and the type of social
The data was collected among the social group considered to most use the form tu
(thou) in the Federal District: young males. For that purpose, students from public schools of the
three most densely populated regions of the Federal District were contacted. These regions are
Ceilândia, Taguatinga and Brasília. The selected students secretly recorded their conversations
with friends, from which we could collect data of interactions between young males, young
males with young females and young males with adults from both genders, these collected
through reproduced speeches. However, most of the recorded speeches are typical of relation
between alike pairs, from where the tu emerges. The results reveal high use of tu in the
analyzed sample (72%) and leads to the conclusion that the tu/você variation in the speech of
young people from Brasilia is determined by speaker gender, type of relation between the pairs
in the interaction, topic of the conversation and origin of the speakers inside the Federal District.
Linguistic factors such as parallelism and intonation of the structure also condition the pronoun
selection. Summarizing, contrary to the common sense among Brasilia’s speakers, the tu is
INTRODUÇÃO
embora ela não exista independente da estrutura social (Romaine, 1994, p. 221). A língua
também é um fenômeno social que, assim como contribui para a reprodução e transformação
relação ao mundo que os cerca. Sobre isso, Trudgill (1995, p. 2) assevera que há dois
relação ao mundo que o rodeia – percebemos algumas estratégias lingüísticas que o falante
usa com essa finalidade. Entre elas, destacamos a forma como o falante refere-se à segunda
sociais. A forma de tratamento que um falante usa para se dirigir a outro depende em grande
medida do tipo de relação estabelecida entre os falantes, do gênero dos mesmos e do contexto
da interação, entre outros fatores, de forma que uma situação interacional típica entre rapazes
brasilienses poderia ser ilustrada pelo trecho (a), em que prevalece o tratamento por tu:
1
cf. no original: “First, the function of language in establishing social relationships; and, second, the role
played by language in conveying information about the speaker.”
2
(a) 1― Ô, R., tu vai praquele negócio mermo lá, véio? Ah, não.
2― Se eu for preso final de semana...
3― Ô, vê o que tu fala, véio.
1― Presta atenção, tudo o que tu fala, véio... tá gravando tudo que tu fala,
véio.
(Conversa entre três rapazes/Taguatinga)
Similarmente, uma interação não solidária típica entre rapazes brasilienses consta
que variam entre si pelas falas dispersas pelo imenso território do país, sendo que o pronome
tu tem ganhado força em muitas variedades regionais do português do Brasil. Como estamos
lidando com contextos informais de interação, a variação em nosso corpus se restringe aos
pronomes tu e você.
Luft (1957, p. 203) registra que o você é a forma de tratamento íntimo mais
comum no Brasil e que o tu, segundo Nunes (1938 2, p. 140, apud Luft, op. cit., p. 204), é
utilizado “em dois casos extremos: ou na linguagem afetiva, íntima e de igual para igual, ou
2
NUNES, Sá. Língua Vernácula, 4ª série. São Paulo: [s.n.], 1938.
3
então no falar enfático, enérgico e, por vezes, escarninho ou irônico”. Cintra (1972, p. 127)
assevera que, desde o português antigo até o contemporâneo, o uso do tu sempre foi
tratamento cortês. Para Faraco (1996, p. 67), o você afetou o sistema pronominal do português
português, que era corrente no século XX, ainda encontra eco entre lingüistas e gramáticos.
Ilari et alli (1996) afirmam que o uso do tu encontra-se, atualmente, restrito à fala de Porto
Alegre 3; e Cunha & Cintra (2001, p. 292) asseveram que o emprego do tu, no português do
Brasil, está restrito às falas do extremo Sul do país e a pontos isolados da região Norte.
Veremos, ao longo do trabalho, que este ponto de vista não reflete a realidade da variedade
referência de segunda pessoa, é imperativo nesta pesquisa lidar com o componente social da
linguagem.
Variacionista, tanto por considerarmos adequado dar um tratamento quantitativo aos dados,
componente social que contribui para influenciar a variação e a mudança nas línguas.
3
Estudo baseado nos dados do Projeto NURC (Projeto de Estudo da Norma Lingüística Urbana Culta), os
quais foram coletados em entrevistas labovianas típicas.
4
pronome pelo qual tratar uma pessoa depende em larga medida – embora não só – dos fatores
Uma vez explicitada a razão de ser deste trabalho, passemos a delinear como ele
está constituído.
oral quanto em língua escrita –, embora alguns tratem da variação na concordância verbal com
o pronome tu, enquanto outros tratam da variação pronominal – tu/você ou tu/você/o senhor. O
objetivo deste capítulo é apresentar um mapeamento do uso do tu no Brasil, com base nas
dando especial atenção às regiões administrativas nas quais coletamos os dados, traçando um
panorama que leva em conta dados da divisão geopolítica e das características demográficas e
O terceiro capítulo trata dos pontos teóricos que servem de base para a análise
dos dados, situando nossa pesquisa na linha de estudos lingüísticos que lida com aspectos
escolha do fenômeno a ser estudado, até a análise dos dados, passando pela forma como
foram coletados, e por aspectos do programa computacional que nos forneceu o aparato
sociais e lingüísticos que têm efeito na escolha dos falantes quanto aos pronomes tu e você.
Além disto, relacionamos nossos resultados aos de outras pesquisas, buscando situar o
5
estatuto do tu na fala brasiliense entre os demais existentes no Brasil, com base nas pesquisas
já divulgadas.
Por fim, tecemos nossas considerações finais, que, longe de tirar conclusões, se
propõem a fazer algumas generalizações, apontar novos rumos para o estudo da variação
tu/você em Brasília e fazer uma explanação sobre a existência da variação tu/você em outras
1. REVISÃO DA LITERATURA
1.1 Introdução
Neste capítulo revisamos, na primeira parte, trabalhos sobre a fala dos moradores
de Brasília e, na segunda, trabalhos que sinalizam algo sobre a referência de segunda pessoa
no português do Brasil.
modo geral, mostra que esta fala, de um estágio inicial de difusão (Bortoni-Ricardo, 1985), está
atualmente em um estágio de focalização 4 (Corrêa, 1998). Não podemos nos referir a uma ‘fala
brasiliense’ em todos os períodos da história de Brasília, uma vez que, nos primeiros anos
após sua inauguração, não havia falantes nativos na cidade e, à medida que esta passou a ter
falantes nativos, os mesmos ainda falavam uma variedade lingüística próxima à de seus pais.
sobre fenômenos variáveis que envolvem de alguma forma a referência de segunda pessoa,
seja sobre a alternância tu/você, que é foco deste trabalho, seja sobre a concordância verbal
com o pronome tu, ou, de uma forma mais ampla, sobre formas de tratamento usadas no
português do Brasil. Estes trabalhos são apresentados segundo a natureza de seu corpus – se
são dados de fala ou dados da escrita – e, dentro desta divisão, seguem uma distribuição pelas
regiões geográficas do Brasil, ordenados pelas regiões Sul, Sudeste, Norte e Nordeste,
considerando-se que não temos conhecimento de pesquisas sobre o assunto na região Centro-
Oeste.
4
Le Page (1975, apud Corrêa, 1998, p. 20) propõe os conceitos de difusão e focalização dialetal, de
modo que o dialeto difuso refere-se a “uma situação de grande mobilidade social e/ou geográfica”,
enquanto o dialeto focalizado baseia-se na constante interação, solidariedade ética e na divisão
permanente de um mesmo território.
7
sobre a fala de uma comunidade localizada em Brazlândia, uma das cidades-satélite do Distrito
Federal. Sua amostra constitui-se de 118 falantes, sendo 53 homens e 65 mulheres, assim
subdivididos: um grupo de adultos (16 homens e 17 mulheres) proveniente de uma região rural
de Minas Gerais com idades entre 26 e 74 anos; um grupo de jovens (7 garotos e 6 garotas)
com idades entre 15 e 25 anos, formado por descendentes de falantes do primeiro grupo,
também nascidos na área rural, com o diferencial de terem se mudado para Brazlândia ainda
crianças; e um terceiro grupo mais heterogêneo, com falantes oriundos de várias regiões do
país e com idades entre 15 e 74 anos. Os dados do terceiro grupo, entretanto, não foram
incluídos, tanto pela heterogeneidade de seus falantes quanto porque são oriundos
/λ/, retenção de ditongo, concordância verbal com a 3ª pessoa do plural e concordância verbal
com a 1ª pessoa do plural, sendo que o último é o que melhor se encaixa aos propósitos desta
pesquisa, no sentido de mostrar como as redes sociais mais amplas ou menos amplas
influenciam nas escolhas lingüísticas dos falantes. Sua análise mostra que as pessoas que
saíam da comunidade para trabalhar, em geral homens jovens, passavam por um processo de
difusão dialetal, perdendo marcas estigmatizadas de seu dialeto materno e adquirindo formas
mais próximas ao dialeto padrão, com menos marcas regionais. Além disso, Bortoni-Ricardo
observou que as mulheres, que em geral não saiam da comunidade por causa das atividades
Brasília, sendo a primeira oriunda do Rio de Janeiro e da Paraíba, sob uma perspectiva
/s/ implosivo, e, na fala dos informantes paraibanos, analisou o abaixamento das vogais
Hanna (1986) notou que os adultos de ambos os estados perderam alguns traços
de seu dialeto de origem, mas passaram a empregar alguns traços regionais de forma variável,
sendo que os cariocas conservaram mais suas marcas características que os paraibanos. A
segunda geração, já nascida em Brasília, apresentou uma pronúncia mais focalizada, ou seja,
os jovens falavam da mesma forma entre si, independentemente da origem de suas famílias,
traços fonológicos típicos de seu dialeto de origem em favor de uma fala com menos marcas
dialetos que receberam mais qualificações positivas foram os que apresentavam menos traços
está passando atualmente por um processo de focalização dialetal, dialeto este que está sendo
marcado sobretudo pela ausência de marcas regionais específicas e pela adoção de marcas
supra-regionais.
9
regionalmente têm um percentual de ocorrência bem maior que o percentual de ocorrência das
variantes marcadas. Além disso, Corrêa (1998) evidencia que traços lingüísticos regionais na
estudo de abordagem semântico-lexical sobre a fala dos jovens do Distrito Federal, o que
chamaram ‘falar candango’ 5, mostrando que esta fala, após passar por um período inicial de
de Brasília absorveram tanto itens de outras regiões do Brasil, como do Rio de Janeiro, quanto
(como sair pra night ou deletar), mas ressaltando que o uso de estrangeirismos não é uma
itens lexicais, seja por uma mudança no sentido de uma palavra já existente (por exemplo,
dragão para mulher feia; vazar para ir embora), seja por aférese, como ‘ganha’, para ‘meganha’
Os jovens do Distrito Federal têm sido reconhecidos, ainda, por usarem formas
apocopadas como ‘véio’ ou ‘véi’, de ‘velho’, que, assim como afirmam as autoras, está
impregnado de sentido de identidade; ‘mó’ ou ‘mor’, de ‘maior’ (‘mó pressão’, ‘mó data’, ‘mó
(2000), uma busca por uma identidade sociocultural que se expressa, entre outras formas, no
nível lexical.
5
Optamos por não usar a terminologia ‘falar candango’ porque a palavra ‘candango’, que se refere aos
operários das grandes obras na construção de Brasília, principalmente de pessoas advindas da região
Nordeste, adquiriu entre os brasilienses uma conotação pejorativa e preconceituosa.
10
da capital como marca do dialeto brasiliense. Ao todo, entrevistou quatro falantes do Plano
bons os sotaques veiculados pela mídia, falados no centro-sul, com exceção do carioca, que é
conta o mito do ‘falar nacional correto’ (Bagno, 2001, p. 46) que, como assegura Barbosa (op.
cit.), caracteriza-se pelo uso do pronome tu com concordância verbal canônica. Os sotaques
Piloto “falam certinho”, enquanto os de Ceilândia falam “muita gíria”, “muito ‘pra’”, e os de
Taguatinga falam um “português mais pro nordestino, mas não tão puxado”.
brasileiros sob dois prismas. Um deles se baseia no conceito de poder e solidariedade – tal
utilizam corpora de naturezas distintas, isto é, há corpora tirados de língua escrita e corpora
colhidos na língua oral. O conjunto dos trabalhos analisados pode ser dividido da forma como
Quadro 1.1. Distribuição dos trabalhos sobre referência de 2ª pessoa por tipo de corpus e região
(UFSC) sua dissertação sobre a “Concordância verbal com o pronome tu na fala do sul do
Brasil” analisando dados do projeto VARSUL. VARSUL é sigla do projeto Variação Lingüística
Urbana na Região Sul, que existe desde 1990 e é desenvolvido pelo trabalho conjunto de
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Pontifícia Universidade Católica do Rio
Buscando dados em entrevistas realizadas nas capitais dos três estados sulistas,
Loregian (1996) não encontrou ocorrências do pronome tu em Curitiba, motivo pelo qual só
quantificou os dados de Florianópolis (enfocando o bairro Ribeirão da Ilha, que fica junto à Baía
VARBRUL (Pintzuk, 1988), mostram que no Ribeirão da Ilha se faz mais concordância
12
canônica que nos demais bairros de Florianópolis, e Loregian (op. cit.) credita este uso à forte
(op. cit.) atribui isto ao fato de o bairro Ribeirão da Ilha ser geograficamente mais isolado de
contatos externos que os demais bairros. Já em Porto Alegre, Loregian constatou que a
Nas análises por localidade, Loregian (op. cit., p. 93) obteve o seguinte quadro:
em Porto Alegre, o programa selecionou (1) paralelismo formal; (2) tempo verbal; (3) gênero; e
(4) faixa etária. Em Florianópolis, foram selecionadas as variáveis (1) paralelismo formal; (2)
saliência fônica; (3) explicitação do pronome; (4) interação emissor/receptor; (5) tonicidade do
verbo; (6) grau de escolarização; e (7) número de sílabas do verbo. No Ribeirão da Ilha, foram
selecionados: (1) paralelismo formal; (2) tempo verbal; (3) explicitação do pronome; (4)
interação emissor/receptor; (5) tonicidade do verbo; (6) número de sílabas do verbo; e (7)
Loregian (op. cit.) configurou uma variável que lida com a interação entre emissor
e receptor, a qual trabalha, entre outras coisas, com categorias com as quais também
trabalhamos em duas variáveis distintas: referência genérica e repetição de fala. A tabela 1.1
apresenta o efeito desta variável sobre a concordância com o tu na análise que engloba as três
localidades.
13
Tabela 1.1. Efeito da interação emissor/receptor sobre a concordância com o tu em Loregian (1996)
Freqüência
Ato de fala do emissor Peso Relativo
N %
Total 642/2100 31
Fonte: Loregian (1996, p. 57) (adaptada)
concordância verbal canônica com o pronome tu, embora a função fática tenha um efeito bem
mais desfavorecedor sobre a concordância verbal com o tu. Comparando os pesos relativos da
a referência genérica tem um efeito bem menos favorecedor da concordância canônica, uma
região, a faixa etária e a escolaridade, sendo que o gênero do informante não se mostrou
menos concordância padrão que os homens, ao contrário do esperado. Pela tabela 1.2,
faixa etária.
14
Tabela 1.2. Efeito das variáveis sociais sobre a concordância verbal com o tu por localidade
em Loregian (1996)
N % PR N % PR N % PR
Escolaridade1
Faixa etária2
fazer menos concordância canônica que os falantes de Florianópolis, e estes menos que os do
Ribeirão da Ilha, com pesos relativos de .12, .71 e .81, respectivamente. Além disto, os falantes
de todas as localidades tendem a fazer mais concordância canônica à medida que aumenta o
nível de escolaridade, com exceção de Porto Alegre, cujos falantes tendem a fazer mais
concordância canônica no primeiro ciclo do ensino fundamental que nos outros níveis.
da concordância canônica nas duas faixas consideradas, embora os falantes com idade acima
de 50 anos façam mais concordância que os falantes com idades entre 25 e 49 anos. Em
falantes acima de 50 anos têm um efeito maior sobre este favorecimento. No Ribeirão da Ilha,
por outro lado, os falantes na faixa dos 15 aos 24 anos desfavorecem a concordância canônica
15
com o tu (com peso de .44), enquanto as outras faixas favorecem fortemente (com .77 entre os
realizadas tanto nas capitais dos estados sulistas quanto em cidades interioranas de cada
estado. Amplia, também, o escopo da pesquisa como um todo, pois analisa a referência de
segunda pessoa em relação tanto ao uso do pronome tu quanto ao uso do pronome você,
implícitas de cada pronome. No caso do tu, este pôde ser recuperado ou pela flexão verbal, ou
via ocorrência de um tu explícito no período. Já o você implícito só pôde ser recuperado pela
Tabela 1.3. Efeito das variáveis sociais sobre o uso do tu por localidade em Loregian-Penkal (2004)
Gênero
Escolaridade
Faixa etária
+ 50 ? 82 .26 ? 75 .09 ? 92 --
Na análise com a amostra do Ribeirão da Ilha, não foi selecionada nenhuma das
variáveis sociais que foram selecionadas na análise conjunta, indicando que, para esta
localidade, as diferenças nos percentuais de uso entre os falantes de gêneros diferentes, níveis
Ilha), as mulheres têm forte efeito favorecedor sobre o uso do tu, enquanto os homens têm
forte efeito desfavorecedor, embora a freqüência de uso seja grande em dados de ambos os
gêneros. A diferença entre os pesos relativos em Porto Alegre, no entanto, é de .89, mais
comparação entre Porto Alegre, Florianópolis e o Ribeirão da Ilha juntas foram gênero
17
gênero argumentativo é o que mais favorece o uso do tu, com peso relativo de .62; o referente
determinado favorece bem mais o uso do tu que o indeterminado, com uma diferença de .23. O
uso categórico de tu no gênero ‘receita’ (100% das ocorrências) indica que o você ainda não se
infiltrou no discurso formulaico das comunidades analisadas (Loregian-Penkal, op. cit., p. 146).
muito mais o uso do tu que a presença, indicando que “a flexão verbal canônica de segunda
pessoa é, muito provavelmente, a responsável pelo elevado peso relativo atribuído ao tu”
Tabela 1.4. Efeito das variáveis lingüísticas sobre o uso do tu no Sul do Brasil em Loregian-
Penkal (2004)
Freqüência
Fatores Peso Relativo
N %
Gênero discursivo
Total 1769/1973 86
Determinação do discurso
Total 1666/1930 86
Explicitação do pronome
Total 1784/2048 87
Fonte: Loregian-Penkal (2004, p. 145;148;150) (adaptada)
Nas rodadas com cada localidade em separado, Loregian-Penkal (op. cit.) não
divulga as freqüências absolutas e relativas, mas mostra que se obtiveram os seguintes pesos
Tabela 1.5. Efeito das variáveis lingüísticas sobre o uso do tu por localidade em Loregian-Penkal
(2004) (em pesos relativos)
Gênero discursivo
Determinação do discurso
Explicitação do pronome
Loregian-Penkal (op. cit., p. 147), a uma estratégia do falante, pois, quando argumenta, “ele
opinião, contexto propício ao uso de tu: o tratamento mais íntimo, usado para dar ordens e para
discurso determinado tem forte efeito favorecedor sobre o uso do tu, enquanto o discurso
indeterminado tem forte efeito desfavorecedor deste uso. Estes resultados apontam para o fato
de que o pronome você está entrando no sistema pronominal destes dialetos via
indeterminação.
canônica de 2ª pessoa (Florianópolis e Ribeirão da Ilha), uma vez que o pronome pode ser
20
resgatado pela flexão verbal. Já em Porto Alegre, onde a flexão canônica de 2ª pessoa quase
não ocorre, o falante tende a explicitar o pronome, seja ele o tu ou o você, de forma a evitar
ambigüidades.
contrapõe o tu à forma reduzida cê, cujo uso, neste dialeto, atualmente já se sobrepõe ao uso
resgatando um monossílabo tônico para competir, com vantagem, com o clítico cê 6 na função
Paredes Silva (op. cit.) mostra que, na fala carioca, enquanto no corpus Censo do
e monitoraram sua fala), o corpus Paredes 96, formado por gravações ocultas realizadas em
Em relação ao corpus de 1996, Paredes Silva (op. cit.) constata que não existe
concordância verbal canônica com o pronome tu. Podemos conferir pela tabela 1.6 os
6
Sobre o processo de clitização do cê, cf. RAMOS, Jânia. O uso das formas você, ocê e cê no dialeto
mineiro. In: HORA, Dermeval. Diversidade Lingüística no Brasil. João Pessoa: Idéia Editora, 1997.
21
Tabela 1.6. Efeito das variáveis sociais sobre o uso do tu no Rio de Janeiro em Paredes Silva (2003)
Freqüência
Fatores Peso Relativo
N %
Gênero
Faixa etária
Total 235/368 68
Fonte: Paredes Silva (2003, p. 165;166) (adaptada)
Paredes Silva (op. cit., p. 165) afirma que o gênero do falante é sempre a primeira
variável a ser selecionada pelo programa Varbrul (Pintzuk, 1988) na variação tu/você no Rio de
Janeiro. No corpus Paredes 96, os homens favorecem a ocorrência de tu com peso relativo de
.57, enquanto as mulheres tendem a desfavorecer o uso do tu com peso de .43. A diferença de
.14 entre os pesos relativos, embora não seja tão grande, pode estar apontando para o
A faixa etária que mais favorece a ocorrência do tu é a dos 20 anos, com peso
relativo de .60, enquanto a faixa entre 10 e 19 tem menor efeito favorecedor, com peso de .50,
Nos mesmos moldes das entrevistas sociolingüísticas feitas para o corpus Censo,
vinte anos depois o PEUL constituiu o corpus Tendência. A comparação dos resultados com os
dois corpora aponta para uma possível mudança em curso: se antes eram as faixas etárias
mais jovens as favorecedoras do tu, hoje são as menos jovens, ou seja, os falantes que mais
empregavam o tu há 20 anos eram os mais jovens, e estes mesmos falantes, 20 anos depois,
7
Sobre o conceito de ‘prestígio encoberto’, cf. item 3.2.1.
22
entre 6 e 12 anos, de classe média, a fim de captar a variação tu/você. Foram considerados os
você, sendo que 69% das ocorrências se referem ao tu, contra 31% de ocorrências de você.
Segundo ela, o uso de uma ou outra variante parece estar relacionado ao tipo de ato
entre outros.
A partir dos dados numéricos que Bezerra (op. cit.) apresenta, nos quais relaciona
a variação tu/você tanto a atos comunicativos quanto ao gênero dos informantes, podemos
depreender que 71% das ocorrências entre as meninas são de tu, enquanto este percentual
resultados de Bezerra apontarem para o fato de que o gênero dos interlocutores não influencia
no fenômeno que analisa, consideramos que uma análise de pesos relativos poderia trazer
mais luzes a este ponto. Os resultados quantitativos podem ser observados na tabela 1.7.
23
Freqüência
Gênero
N %
Masculino 43/66 65
Feminino 133/188 70
Total 176/254 69
Fonte: Bezerra (1994, p. 115) (adaptada)
ouvinte.
verbal com o pronome tu em João Pessoa, Paraíba. O corpus utilizado foi colhido no banco de
dados do VALPB, e consta de 10 informantes de cada gênero, distribuídos por faixa etária e
que existe desde 1993 sob a coordenação do Prof. Dr. Dermeval da Hora, da Universidade
podemos considerar alguns aspectos de sua pesquisa. A escassez de dados, entretanto, pode
Sua análise aponta para uma tendência da fala pessoense a não fazer a
concordância canônica com o pronome tu, pois em 77% de seus dados o falante de João
24
Pessoa usa a forma verbal não marcada. A tabela 1.8 mostra o efeito das variáveis sociais
Tabela 1.8. Efeito das variáveis sociais sobre a concordância verbal em Pedrosa (1999)
Freqüência
Peso Relativo
N %
Faixa etária
Anos de escolarização
enquanto a faixa etária intermediária, entre 26 e 49 anos, tem efeito desfavorecedor, com peso
relativo de .08.
com o tu (.08), ao passo que os falantes com 5 ou mais anos de estudo apresentam efeito
favorecedor sobre a concordância verbal canônica com o pronome tu (.64, 1.0 e .69).
25
fala reais.
De um modo geral, podemos dizer que Soares (op. cit.) delimita o sistema
pode efetuar-se pelas formas tu, você e senhor, tanto em relações simétricas quanto em
assimétricas. A alternância é determinada por fatores como situação discursiva, papel social
dos interlocutores, idade e grau de intimidade entre os interlocutores. Evidencia, ainda, que o
verbal com o pronome tu é variável, motivada por fatores como escolaridade, formalidade e
em Belém, Pará, Soares & Leal (1993) dividiram seus 38 informantes por grupo sócio-
Tabela 1.9. Formas de tratamento entre pais e filhos em Belém em Soares & Leal (1993)
N % N % N % N % N %
Filho de func. 40 37,7 8 7,5 58 54,7 Pai funcionário 196 79,0 52 21,0
Filho adolesc. 39 39,8 20 20,4 39 39,8 Pai de adolesc. 168 86,2 27 13,8
Filho criança 45 61,7 01 1,4 27 37,0 Pai de criança 124 68,1 58 31,9
A tabela 1.9 aponta para o fato de que o pronome mais usado pelos filhos para se
dirigirem aos pais é o tu, seguido pelo tratamento senhor. Entretanto, filhos de professores
senhor à mesma taxa, ao posto que crianças mostram preferência pelo tu. Os pais belenenses,
na maior parte das ocorrências, tratam seus filhos por tu, considerando-se que usam mais tu
podemos inferir que o tratamento íntimo em Belém é feito preferencialmente pelo pronome tu,
que existe em alternância com você, em relações simétricas, e você e senhor em relações
assimétricas.
27
pesquisadora, reflete o linguajar riograndense da primeira metade do século XX. Ela controlou
a concordância verbal com as formas tu, você, o senhor e nós (embora de 1ª pessoa, apareceu
Freqüência
Pronome Peso Relativo
N %
Tu 477/1295 37 .29
Total 818/1682 49
Fonte: Menon (2000, p. 153) (adaptada)
tratamento íntimo, que tendia a desfavorecer a concordância verbal padrão, com peso relativo
de .29, enquanto o você favorece a concordância verbal padrão em .95. Menon (op. cit., p. 155)
credita os casos de não-concordância com você e com o senhor, de um modo geral, aos
verbos no modo imperativo, que tendem a ocorrer na forma comumente associada ao tu, de
acordo com a autora. De todas as referências de 2ª pessoa na obra, 77% das ocorrências são
8
STEINBECK, John. As vinhas da ira. Trad. Ernesto Vinhaes e Herbert Caro. Porto Alegre: Livraria do
Globo, 1940.
28
que o senhor seria o tratamento [+ formal / - íntimo], você é a forma [- formal / - íntima] e tu
usado para tratamento [- formal / + íntimo]. O pronome lexical tu se mantém forte, a par da
entrada do você na fala gaúcha, como apontam os resultados de Menon (op. cit., p. 159), para
século XX. Isto reforça a hipótese de Menon (op. cit., p. 155), para quem a variação tu/você se
dá no nível lexical, concomitantemente com uma mesma forma verbal, não marcada.
formas do imperativo – ambos referentes à 2ª pessoa –, Paredes Silva, Santos & Ribeiro
(2000) utilizam uma amostra composta por 7 peças teatrais escritas por autores cariocas ou
iii) aumento do uso do tu explícito (com flexão verbal de 3ª pessoa), com queda
Paredes Silva, Santos & Ribeiro (op. cit., p. 122) observam, ainda, que a entrada
desencadeou um desequilíbrio no arranjo das formas verbais, mas que isto não se estendeu às
formas do imperativo, nas quais, segundo a autora, a forma de 2ª pessoa conseguiu manter-se.
Em primeiro lugar, não existem evidências que provem que o modo imperativo
tenha uma forma específica para o tu e outra para o você, mesmo porque estudos recentes
(Scherre 2000; 2002; 2003) sobre o imperativo têm associado tais formas ao indicativo ou ao
subjuntivo. A variação nas formas do imperativo, segundo tais estudos, é condicionada por
fatores como registro (oral ou escrito) e região geográfica do falante, não passando, portanto,
um sistema desordenado, uma vez que o que houve foi um rearranjo das formas, e não um
imperativo, no qual se mantiveram as formas de 2ª pessoa, uma vez que não se explicita em
determinada mais pelos registros lingüísticos e pelas características das falas regionais que
Com base na análise de peças teatrais dos séculos XVIII e XIX, tanto brasileiras
quanto portuguesas, Lopes & Duarte (2003) traçam a trajetória da pronominalização de Vossa
Mercê a você.
equilibrada, com 33% de Vossa Mercê, 29% de tu e 25% de vós, sendo que
XVIII, 90% na primeira metade do século XIX e sofrendo uma queda para
iii) em relação às demais formas, temos que o Vossa Mercê e o vós caem em
Lopes & Duarte (2003) afirmam que o tratamento tu usado reciprocamente entre
separar tais resultados por período histórico. Podemos observar estes resultados pela tabela
1.11.
Tabela 1.11. Efeito do tipo de relação interpessoal sobre o uso do tu em Lopes & Duarte (2003)
Freqüência
Tipo de relação Peso Relativo
N %
Total 300/370 81
Fonte: Lopes & Duarte (2003) (adaptada)
31
Enquanto as classes populares têm efeito desfavorecedor sobre o uso do tu, com
peso relativo de .19, os demais tipos de relação interpessoal analisados pelas autoras têm
efeito favorecedor em relação à seleção do pronome tu, sendo que as classes não populares
favorecem o tu com peso de .79, as relações de superior para inferior favorecem com peso de
motivos. Primeiro, porque nos quatro períodos considerados – que juntos somam dois séculos
generalização que se faça sobre qual pronome tende a ser usado em cada tipo de relação.
Consideramos que isto pode variar de período para período. Em segundo lugar, entendemos
que pode existir um problema quanto à tipificação das relações interpessoais. As autoras
estipulam quatro tipos de relação: de superior para inferior; de inferior para superior; mesmo
grupo (popular); mesmo grupo (não popular). Ora, sabendo-se que o trabalho foi baseado na
noção de poder e solidariedade proposta por Brown & Gilman (1960), os dois últimos tipos
deveriam refletir uma relação solidária e uma relação não-solidária, tal com os dois primeiros
discursivos na variação das formas de tratamento, com base em textos escritos no Brasil nos
séculos XVIII e XIX. Na análise sobre o século XVIII, trabalha com 27 cartas pessoais escritas
pelo Marquês do Lavradio (português na faixa dos 40 anos, morou no Rio de Janeiro entre
1770 e 1774) aos membros de sua família, com base na análise de Marcotulio 9 (apud Lopes,
op. cit.). Já no estudo sobre o século XIX, analisa 41 cartas dos Ottoni (um casal brasileiro, ele
mineiro, na faixa dos 60 anos, e ela carioca, na faixa dos 50 anos) aos seus dois netos
crianças.
9
MARCOTULIO, Leonardo Lennertz. O fator social como condicionador das formas de tratamento no
Brasil setecentista: análise de cartas do Marquês do Lavradio. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004. (mimeo)
32
Lopes (op. cit., p. 8) chegou aos resultados que podemos conferir na tabela 1.12.
Tabela 1.12. Formas de tratamento nas cartas do Marquês do Lavradio em Lopes (2004)
Tu Você Outros1
Tipo de relação entre os interlocutores
N % N % N %
ocorrências de você (98%), sendo que não há nenhuma ocorrência de tu neste contexto. Nas
(em 159 de 168 ocorrências), sendo que o Marquês usa o pronome tu uma única vez, ao
dirigir-se a um tio por afinidade (que era mais velho que o Marquês apenas cerca de 10 anos),
a quem costuma dirigir-se tratando por vós (este tio era o único a quem o Marquês tratou por
quando Lopes (op. cit., p. 11) explicita a quem, exatamente, o Marquês trata por tu, por você ou
por formas nominais, percebemos uma clara distinção: ele nunca trata por formas nominais a
quem ele costuma tratar por tu ou você, e vice-versa. Nesta distribuição, parece estar em jogo
o traço de [± intimidade] na relação entre os interlocutores, que parece ser tão decisiva na
seleção do tratamento a ser usado quanto o nível hierárquico nas relações assimétricas.
33
que Lopes (op. cit. p. 12) observasse que o você rompe com a temporalidade do texto e
que pode ter desencadeado o emprego do você para referência indeterminada, recorrente em
tu/você (formas plenas e nulas) e o gênero do autor das cartas pela tabela 1.13.
Tabela 1.13. Uso do tu segundo o gênero do autor das cartas em Lopes (2004)
Freqüência
Gênero
N %
Masculino 90/94 96
Feminino 6/14 43
Total 96/108 89
Fonte: Lopes (2004, p. 15) (adaptada)
masculino (96%), ao passo que nas cartas de autoria feminina predomina a ocorrência de
você. Entretanto, como o Sr. Ottoni tinha muita prática em atividades de letramento e a Sra.
Ottoni era aparentemente menos letrada que o marido, fica a ressalva de os dados do Sr.
Ottoni mostrarem muito do tu epistolar que, segundo Menon (2000, p. 160), caiu em desuso no
início do século XX. Além disso, Lopes (op. cit.) ressalta a possibilidade de o estilo oral da Sra.
Ottoni refletir o uso do pronome você no ambiente doméstico, uso este inovador no final do
discurso em cartas pessoais publicadas em jornais de Minas Gerais, nos séculos XIX e XX.
um sistema favorecedor de formas não marcadas, como podemos ver pela tabela 1.14.
Tabela 1.14. Efeito do período histórico sobre o uso de formas da 2ª p. gramatical em Lucca
(2003)
Freqüência
Pronome Peso Relativo
N %
Total 140/293 47
Fonte: Lucca (2003, p. 15)
A tabela 1.14 mostra que o último quartel do século XIX tem efeito favorecedor
sobre o uso de formas marcadas, com peso relativo de .67, enquanto as primeiras duas
décadas do século XX exercem efeito desfavorecedor sobre este uso, com peso de .45, e a
década de 1920 desfavorece ainda mais as formas de 2ª pessoa gramatical, com peso relativo
de .21.
Apesar de o século XIX favorecer formas de 2ª pessoa gramatical, Lucca (op. cit.,
p. 10) traz evidências de que não tenha havido tu na forma explícita no dialeto mineiro, pois as
duas únicas ocorrências do tu na forma plena constam na reprodução de uma fala entre dois
amigos.
35
Ao verificar o estilo, constata que tanto o tu quanto o você são usados para
tratamento íntimo – estilo informal –, reservando-se as formas vós, Senhor e Vossa Mercê para
o estilo formal. Optou, então, por trabalhar apenas com os dados do estilo informal.
Podemos ressaltar que seus resultados mais interessantes são sobre o gênero
dos interlocutores e a relação entre eles, se [+solidária] ou [-solidária], como podemos observar
Tabela 1.15. Efeito dos fatores sociais sobre o uso do tu em Pitombo (1998)
Freqüência
Fatores Peso Relativo
N %
Total 47/107 44
Total 77/142 54
Fonte: Pitombo (1998, p. 5) (adaptada)
36
Pitombo (op. cit., p. 6) observa que mulheres, quando dialogando com outras
mulheres, desfavorecem o uso do tu, que era a forma mais recorrente para tratamento íntimo
na Bahia. A pesquisadora atribui à vida social limitada e à falta de educação formal este
comportamento lingüístico das mulheres e aponta que uma outra explicação para o
favorecimento do você entre as mulheres é um possível enviesamento dos dados, uma vez que
(mesma classe social, segundo a autora) favorece muito mais o uso do tu que a [-solidária]
(quando um falante de classe social mais favorecida se dirige a outro de classe menos
favorecida).
Ao final de sua análise, Pitombo (op. cit.) considera que o principal fator
dados apontam para o fato de que, quanto maior o nível de escolaridade, seja do escritor, seja
1.4 Conclusão
Brasil, embora não se configure da mesma forma em todas elas. Há comunidades em que o tu
ocorre sem a concordância verbal canônica, como no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, outras
ficando o pronome você, bem como as formas verbais marcadas de 2ª pessoa, restritos a
estilos lingüísticos mais formais. Em Florianópolis, o tu é menos usado que o você e, quando
ocorre, tende a ser seguido por verbo flexionado na 2ª pessoa. Em Belém, o tu concorre com o
de Janeiro, e em outras as mulheres usam mais o tu que os homens, como em Porto Alegre e
Florianópolis. Não há pesquisas com dados suficientes sobre as variedades faladas atualmente na
O mais importante é perceber que, mesmo com usos tão diferenciados, o pronome
2.1 Introdução
comunidade de fala.
Federal e sobre os dados sócio-demográficos das regiões administrativas nas quais coletamos
noções sobre o que é, de fato, Brasília; que área do território compreende, no Distrito Federal
(DF), o que se conhece por ‘Brasília’; o que são as cidades-satélite, se são bairros ou cidades
emancipadas.
regiões administrativas.
região compreende a Asa Norte, Asa Sul, Eixo Monumental, Esplanada dos Ministérios,
39
Estação Rodoferroviária, Setor Militar Urbano, Setor de Garagens Oficiais, Parque Sarah
Norte e Sul, Lagoa do Jaburu, Palácio do Jaburu, Palácio da Alvorada, Vila Planalto, Setor de
Áreas Isoladas Norte – SAIN, Parque Rural e Parque Nacional, além das áreas isoladas do
considerar como sendo Brasília. Se, por um lado, o IBGE estipula que Brasília compreende
toda a área do DF, administrativamente ela compreende apenas uma das regiões
administrativas. Há quem considere que Brasília é composta pelas áreas que foram
originalmente planejadas, a saber, Plano Piloto – que é o famoso traçado em forma de avião
planejado por Lúcio Costa, compreendido pelas Asas Sul e Norte, pelo Eixo Monumental e pela
Esplanada dos Ministérios –, Lago Norte e Lago Sul; outros afirmam que regiões como
Octogonal e Sudoeste também são parte de Brasília, não se constituindo cidades-satélite, por
sua proximidade do Plano Piloto. E, por fim, há também a noção, que representa o sentimento
mais geral entre os habitantes do DF, de que Brasília é formada tanto pelo Plano Piloto quanto
acha curioso estar no Lago Sul e ver uma placa de trânsito que indique ‘Brasília à direita’, ou
mesmo não entende porque mora em São Sebastião, mas na placa do seu carro está escrito
o IBGE, o qual engloba todas as regiões administrativas criadas pelo governo do DF – inclusive
IBGE, de forma que falar em ‘dialeto do Distrito Federal’ é o mesmo que falar em ‘dialeto
Administrativa I – Brasília.
40
Das 28 regiões administrativas do DF, nove foram criadas entre os anos de 2003 e
2004. São elas: RA XX – Águas Claras (antes pertencente a Taguatinga); RA XXI – Varjão
(antes pertencente ao Lago Norte); RA XXII – Sudoeste (antes parte do Cruzeiro); RA XXIII –
Riacho Fundo II; RA XXIV – Park Way; RA XXV – Setor Complementar de Indústria e
Itapoã. Por terem sido criadas muito recentemente, seus limites geográficos ainda não foram
estabelecidos definitivamente.
existiam até 2002 relativos à área geográfica e à população de cada RA. Embora os dados não
especifiquem as 28 regiões, os mesmos abrangem todas elas, uma vez que, antes de essas 9
regiões se tornarem independentes, faziam parte de alguma das 19 já existentes 10. O mapa do
sede do governo distrital e federal –, Ceilândia e Taguatinga. Estas regiões constituem as três
regiões mais populosas do Distrito Federal, as quais estão destacadas no quadro 2.1.
10
A Pesquisa distrital por amostra de domicílios 2004 (SEPLAN: 2004) já indica a distribuição
populacional para todas as regiões administrativas, incluindo as que foram criadas até 2004, com exceção
da região XXVII – Jardim Botânico. Entretanto, por não apresentar dados relativos à área geográfica de
cada uma das 28 regiões, optamos por usar os dados disponíveis antes da criação das novas regiões.
41
População Densidade
DF e Regiões Administrativas Área (km2) Demográfica
(est. 2004) (hab/km2)
elas.
42
Uma vez que toda a área territorial do Distrito Federal compreende o município de
Brasília, temos que todos que nascem no DF são, então, brasilienses, apesar de haver
No capítulo de análise poderemos conferir como tais diferenças contribuem para refletir nas
pelo quadro 2.2, como a renda se distribui pelos domicílios de Brasília, de Taguatinga e de
grande diferença entre elas. Enquanto a renda domiciliar de Brasília é de 19,3 salários mínimos
geral, que é de 9 SM, mas, ainda assim, representando o dobro da renda domiciliar média em
Ceilândia, que é de 4,7 SM, um quarto da renda domiciliar de Brasília. Podemos dizer, então,
que o poder aquisitivo por domicílio em Brasília é duas vezes maior que o do DF em geral, o de
médio do DF.
43
Brasília é a mais alta, na qual se encontram 53,2% dos domicílios. Em Taguatinga, há mais
domicílios que se enquadram na classe de renda mediana que nas outras classes (44,2%),
embora haja muitos domicílios também na classe de renda mais alta (30,5%). Em Ceilândia, os
domicílios com renda mediana também têm mais representatividade, mas há poucos domicílios
com renda superior a 10 SM enquanto há muitos também com renda de até 2 SM. Esta
distribuição dos domicílios pela classe de renda corrobora a distribuição da renda domiciliar
mensal para cada região, mostrando com mais detalhes em que nível de renda estão os
analisamos neste trabalho, no que concerne a informações sobre sua criação, bem como a
dados que se nos mostram relevantes sobre a situação social e econômica de cada uma delas.
Brasília foi construída especificamente para ser a Capital Federal. Foi inaugurada
administrativa de Brasília tem como núcleo o Plano Piloto, o qual compreende a Asa Sul, Asa
as do Lago Sul e Lago Norte. O nível de renda domiciliar em Brasília é, então, bem elevado, se
nascidos na própria RA. Considerando-se que Brasília tem uma população flutuante, que entra
e sai à proporção das mudanças de governo e das transferências de um órgão público para
outro, a taxa de 39,7% indica que há muitos habitantes que fixaram moradia a despeito desta
tendência à flutuação. Entretanto, das três regiões analisadas, Brasília é a que tem maior
percentual de habitantes nascidos na própria RA, como podemos ver comparando o quadro 2.3
para a RA de Brasília, pois apenas 0,9% dos habitantes desta região são oriundos de outras
partes do DF. Possivelmente isto ocorre devido ao custo de vida na RA de Brasília, que é dos
11
Segundo informações oficiais, o entorno compreende os municípios circunvizinhos do Distrito Federal, a
saber: Abadiânia, Água Fria de Goiás, Águas Lindas, Alexânia, Cabeceiras, Cidade Ocidental, Cocalzinho
de Goiás, Corumbá de Goiás, Cristalina, Formosa, Luziânia, Mimoso de Goiás, Novo Gama, Padre
Bernardo, Pirenópolis, Planaltina, Santo Antônio do Descoberto, Valparaíso e Vila Boa, no Estado de
Goiás, e Unaí, Cabeceira Grande e Buritis, no Estado de Minas Gerais (RIDE, 2005).
45
os não nativos, 40,9% são da região Sudeste e 30,1% são da região Nordeste, sendo que os
habitantes oriundos dos estados da região Centro-Oeste e os da região Sul também têm
estados da região Norte, entretanto, são os menos representados, pois somam 4,9% da
população.
pessoas. No entanto, foi inaugurada em 1958, antes mesmo de Brasília, de forma a abrigar
inicialmente chamada ‘Vila Sarah Kubitschek’, logo depois ‘Santa Cruz de Taguatinga’ e, algum
migração interna bastante representativa, pois 26,1% da população desta região é nascida em
outras partes do DF. Considerando que o DF é formado por um único município, podemos
dizer, portanto, que 48,4% dos residentes de Taguatinga são nativos do DF. Por este ponto de
vista, podemos afirmar que Taguatinga tem um pouco mais de habitantes nativos que Brasília,
estados da região Nordeste têm mais representatividade, pois são 41,1% da população,
seguidos pelos estados do Sudeste, com 31,8%, e pelos estados do Centro-Oeste, com 17,2%
dos habitantes. Os estados da região Sul, que têm alguma representatividade em Brasília (9%),
em Taguatinga não são representativos, assim como os da região Norte, os quais somam 2,7%
Campanha de Erradicação de Invasões, motivo pelo qual ficou originariamente conhecida por
CEI. A razão de sua criação partiu da preocupação do governo local com o favelamento
iminente nos arredores do Plano Piloto, dado que, em 1969, o Distrito Federal já tinha mais de
79 mil pessoas com baixo poder aquisitivo e sem condições mínimas de subsistência, para
passaram por graves problemas, como falta de água, de iluminação pública, de transporte
coletivo e de pavimentação das vias públicas. Ao que parece, o governo distrital solucionou seu
próprio problema, que era o favelamento ao redor do Plano Piloto, sem, contudo, apresentar
uma solução apropriada também à população que se estava aglomerando em favelas, pois o
que o governo fez, na verdade, foi ‘embelezar’ o Plano Piloto, tirando de suas vistas o que era
feio e incômodo.
mais populosa do DF, como podemos ver pelo quadro 2.1. Contudo, apresenta indicadores
A região tem uma história de luta por seus direitos, inicialmente negligenciados
pelas autoridades competentes, mas também de conquistas significativas. Não é por acaso que
Ceilândia é a região do DF que possui mais associações e entidades locais pela luta de direitos
Ceilândia, criada em 1979 para lutar pelo direito a moradia de mais de 5 mil famílias e contra a
exclusão social. A organização social mais antiga tem 30 anos e é a Ação Cristã Pró-Gente,
uma organização não governamental (ONG) considerada a base de todas as associações mais
48
importantes, que tem como finalidade desenvolver atividades sociais e esportivas juntamente
com a população.
No início, Ceilândia não contava com infra-estrutura física adequada para abrigar
os quase 80 mil novos moradores recém transplantados dos arredores do Plano Piloto para lá,
Ceilândia passou a ser apelidada de ‘barril de pólvora’ (dado que a região foi planejada
infra-estrutura e saneamento básico quando não suportou a pressão das comunidades, que
Ceilândia é hoje uma das regiões mais prósperas do DF, bem mais amparada pelo
governo distrital do que quando de sua criação (discussões sobre uma possível ligação da
atenção do governo com o tamanho do colégio eleitoral ceilandense serão aqui mantidas à
mesmo percentual que Taguatinga apresenta (22,3%). Além disso, 28,9% da população é
nascida em outras regiões do DF, o que indica que Ceilândia recebe um fluxo migratório
interno um pouco maior que Taguatinga (onde 26,1% da população é oriunda de outras regiões
do DF), de forma que, se considerarmos como população nativa aqueles habitantes nascidos
tanto em Ceilândia quanto nas outras partes do DF, somaremos 51% de população nativa.
população imigrante. A segunda região que alcança maior representatividade é a Sudeste, com
18% dos habitantes não nativos, uma taxa elevada, mas que não se sustenta se comparada à
da região Nordeste, quase quatro vezes maior. A região Centro-Oeste ainda marca alguma
presença, com 10,4% dos não nativos, mas as regiões Norte e Sul têm percentuais bem
2.4 Conclusão
Ceilândia –, devemos ter em mente três coisas, sendo que a principal delas é a história de
cada uma, seguida pelo nível de renda de cada uma e, pela pouca idade das regiões, pela
nascida para abrigar a sede do governo federal (cuidado que recebe até hoje em sua
mesma época de Brasília para abrigar trabalhadores em geral, embora tenha sido inaugurada
antes do previsto; e Ceilândia, não planejada, mas criada de forma desestruturada para abrigar
Brasília usufruem de um nível de renda mais alto, os moradores de Taguatinga têm um poder
atualmente, com uma renda bem abaixo da média de Brasília, equivalente à metade da renda
do taguatinguense.
Entre os residentes não nativos de Brasília, as regiões brasileiras que têm maior
as regiões representadas entre os residentes não nativos são, sobretudo, Nordeste, Sudeste e
3. REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 Introdução
de lidar com o fenômeno da referência de 2ª pessoa sob esta perspectiva, a qual prevê a
mostramos que, além destes fatores, aspectos da situação interacional contribuem para a
delimitar as correntes de estudos lingüísticos que foram suas precursoras e o que de cada uma
langue (língua) e parole (fala), explicando que a língua é um sistema que emana da
elementos da fala, Saussure gera as bases do Estruturalismo, uma corrente que pressupõe a
que “a língua existe na coletividade sob a forma duma soma de sinais depositados em cada
langue e deixaram relegadas a segundo plano questões que julgavam ser referentes à fala, tal
língua é um sistema abstrato de regras (ou princípios, conforme estudos contemporâneos) que
estados que esta assume sob a influência da experiência” (Chomsky, 1998, p. 26). Com base
nisto, o que a corrente gerativista busca é a estrutura profunda da linguagem, ou seja, o que é
categórico nas línguas humanas, de forma que um “cientista marciano poderia concluir
sensatamente que há uma única língua humana, com diferenças somente nas margens” (op.
cit., p. 23).
estudos que surgiram no século XX, concebem a língua como um sistema abstrato e por isso
53
independente das relações sociais onde ela existe. A gramática de uma língua, sob este
enfoque, independe do uso que os falantes fazem dela. Fenômenos lingüísticos variáveis não
se encaixam nessa perspectiva, sendo por vezes considerados como variação estilística (no
sentido de ser o resultado de uma escolha individual), ou são tomados como aleatórios, ou são
componente social nos estudos lingüísticos. A partir de então, Labov, principalmente, começa a
desenvolver uma série de estudos sobre fala, objetivando explicar e sistematizar a variação
nas línguas. O estudo da língua, sob este ponto de vista, é feito a partir da língua em uso, de
forma que as escolhas que o falante faz dependem não somente de fatores internos à estrutura
lingüística, como também de fatores relacionados à situação de uso. Por outro lado, estudos de
variacionistas.
não é aleatória ou não governada, mas regida por princípios tanto internos à estrutura
lingüística quanto inerentes ao sistema social do qual uma determinada língua faz parte. Com
base neste princípio, os estudos variacionistas de linha laboviana têm mostrado, desde então,
que, embora possa haver variação no plano da fala (no sentido de ser uma escolha individual),
ressalta que é pela observação do vernáculo que se consegue a maioria dos dados
sistemáticos para a análise da estrutura lingüística, e define o vernáculo como sendo “o estilo
em que o mínimo de atenção é prestada à monitoração da fala 12” (op. cit., p. 208).
12
Cf. no original: “This is the “vernacular” – the style in which the minimum attention is given to the
monitoring of speech.”
54
abordagem sociolingüística está implícito que os falantes optam por uma forma variante em
detrimento de outra dentro de um mesmo sistema, ou seja, com base em uma mesma
gramática.
Sob este ponto de vista, temos que os fenômenos variáveis podem ser
condicionados por fatores estruturais, tais como posição no sintagma, contexto fonológico,
paralelismo estrutural, função do sintagma, classe gramatical; assim como também podem ser
condicionados por fatores sociais, tais como classe social, gênero, faixa etária, posição no
ao passo que há outros que são, em larga medida, socialmente determinados. Neste segundo
tipo de fenômeno lingüístico se encaixa, por sua vez, a variação pronominal de referência à 2ª
pessoa.
citar o clássico estudo de Labov sobre a centralização de ditongos no inglês falado na ilha de
processo variável em uma língua específica (Labov, 1975, p. 4). Os habitantes da ilha usam
uma variedade do inglês com alguns traços arcaicos. Labov conduz seu estudo mostrando que,
com a entrada dos veranistas e dos exploradores do turismo local, os habitantes nativos da ilha
ditongos /au/ e /ay/ se realizam no inglês americano de uma forma geral como [au] e [ay], os
nativos da ilha que se identificam com a tradição local realizam a vogal tônica como um schwa,
pronunciando-os como [cu] e [cy], ao passo que os nativos que se identificam mais com o estilo
13
Cf. no original: “Implicit in this approach is that speakers all have the ‘same grammar’ with respect to the
choice process under study.”
55
de vida do continente tendem a uma pronúncia mais próxima à do inglês padrão dos Estados
Unidos.
Com base na variedade padrão das línguas, os grupos sociais tendem a eleger
determinadas variantes como adequadas para marcar suas identidades. Por exemplo, já se
constatou que a seleção de variantes que têm mais prestígio social tem forte relação com
falantes do gênero feminino e com classes sociais mais privilegiadas (Romaine, 1994, p. 79).
Trudgill (1995, p. 74) apresenta os resultados de Trudgill (1972 14), sobre a auto-
avaliação dos falantes de Norwich, Inglaterra, acerca das variantes fonéticas que pensam usar
regularmente e mostra que os homens usam mais a pronúncia padrão do que afirmaram, assim
sua língua do que realmente usam, o que Romaine (op. cit.) denomina ‘overt prestige’, ou
‘prestígio manifesto’. A razão para que as mulheres usem mais formas de prestígio que os
homens, segundo Romaine (op. cit.), é que, por meio da linguagem, a mulher requer o status
Os homens, por sua vez, tendem a assumir que empregam mais formas não
‘prestígio encoberto’.
adquirem uma espécie de ‘prestígio’, principalmente nas classes sociais mais baixas e entre os
14
TRUDGILL, Peter. Sex, covert prestige and linguistic change in the urban British English of Norwich.
Language in Society, n. 1, p. 179-195, 1972. [Texto revisado e republicado em: TRUDGILL, Peter. On
dialect: social and geographical perspectives. Oxford: Blackwell, 1983. Cap. 10 (Sex and covert prestige)]
56
A escolha das formas de tratamento por parte dos jovens brasilienses pode
relacionar-se ao prestígio encoberto, uma vez que os falantes do gênero masculino têm
preferência pela variante lingüística que tem menor prestígio na sociedade brasiliense como
um todo, ou seja, neste grupo – jovens do gênero masculino – a variante tu adquire prestígio
encoberto.
interacionais muito específicos, faz-se mister lidar com um componente que julgamos de suma
saber, o estilo de fala. Assim, na seqüência passamos a mostrar os principais enfoques que
O estilo é uma dimensão da variação lingüística que lida com aspectos variáveis
da situação interacional, situando-se em algum ponto do continuum que vai do menos formal
ao mais formal. A alternância de estilos não pode ser caracterizada como uma mera escolha
individual, pois é dependente de fatores como contexto interacional, tipo de relação entre os
interlocutores, classe social, gênero dos interlocutores (não só do falante), idade, meio
15
Cf. no original: “Privately and subconsciously, a large number of male speakers are more concerned
with acquiring prestige of the covert sort and with signalling group solidarity than with acquiring social
status, as this is more usually defined.”
57
O sentido do termo ‘estilo’, segundo Lefebvre (2001, p. 205), nem sempre é claro,
sendo que muitas vezes corresponde ao termo ‘dialeto social’. Para ela, estudos de variação
estilística também podem fazer uso dos termos ‘níveis de língua’, ‘registro’, ‘código’, ‘variedade
Ainda segundo Lefebvre (op. cit., p. 206), os estudos sobre estilo seguem duas
tendências. Uma delas baseia-se na noção de que os estilos são adaptações ou mudanças em
relação a um sistema-base, que é o vernáculo. Sob este enfoque, apenas um fator contribui
para se definir o estilo lingüístico, a saber, o grau de atenção prestada à fala. A outra tendência
é a noção de que existem vários sistemas entre os quais os falantes optam a fim de
adequarem sua fala, de acordo com a situação. Nesse sentido, pode haver vários fatores
estilo lingüístico. A primeira delas concebe o estilo como um fenômeno puramente naturalístico
apelo mais imediato e satisfatório. A segunda concebe o estudo sobre estilo como um meio
controlado para se medir a dinâmica da variação lingüística, pelo qual pode-se saber como os
Labov (op. cit.) considera que todo fenômeno variável apresenta tanto uma
estratificação social quanto uma estratificação estilística e afirma que, ao levar-se em conta o
problema maior explicar a variação entre esses dois efeitos e derivar o nível mais alto de
58
generalização que irá predizer o resultado” 16 (op. cit., p. 8). Ou seja: conjugar a monitoração da
fala com a configuração da audiência objetivando fazer generalizações é uma tarefa difícil –
Procurando dar conta da variação estilística sob estes dois aspectos, Labov (op.
cit., p. 89) elabora o que passou a chamar de ‘árvore da decisão’. A árvore da decisão consta
ordem decrescente de objetividade, de forma que as quatro primeiras decisões podem ser
feitas com alto grau de confiabilidade. São os níveis de fala cuidada: resposta, conversa sobre
língua, soapbox 17 e fala residual (que não se encaixa em nenhuma das outras decisões); e os
níveis de fala casual: narrativa de experiências pessoais, fala em grupo, falas sobre crianças e
Uma vez que a variação tu/você na fala dos jovens brasilienses não poderia de
forma alguma ser captada em entrevistas labovianas típicas, nossa amostra não se adapta
generalizadas que não precisam ser endereçadas especificamente ao interlocutor, mas pode
ser enunciada como se fosse dirigida a uma audiência mais ampla. Quando uma fala se
16
Cf. no original: “it becomes a major problem to apportion the variance among these two effects, and to
derive the higher level generalization that will predict the result”.
17
Soapbox: caixa de madeira rústica ou palanque temporário construído para que as pessoas subam e
façam discursos públicos informais. Por falta de um termo em português que expresse o mesmo sentido,
optamos por usar o termo original em inglês.
18
Sobre a configuração de nossa amostra, cf. item 4.2.
59
enquadra no soapbox, o falante tende a usar um estilo de fala mais monitorado, de modo a
“Por que este falante disse isso desta maneira nesta situação?”, pressupõe a existência de
regularidades na língua: poder-se-ia perguntar se o falante em questão poderia ter dito o que
disse de uma outra maneira em uma dada situação ou por que ele escolheu dizer de uma
forma e não de outra. Dado que o falante pode, em determinadas situações, optar por falar de
uma forma ou de outra, temos que o falante pode alterar seu estilo de fala, consciente ou
inconscientemente.
interlocutor, ou aos seus interlocutores, sejam eles diretos ou não. Para Bell (1984, p. 159),
19
Cf. no original: “speakers design their style for their audience. Differences within the speech of a single
speaker are accountable as the influence of the second person and some third persons, who together
compose the audience to a speaker’s utterances.”
60
faz de alguém que não precisa necessariamente estar presente na interação. Bell (1984, p.
configurações da audiência e do árbitro, acrescenta que elas são co-existentes, uma vez que
derivada, em algum nível, da configuração da audiência. Desta forma, Bell amplia o conceito de
estilo de fala proposto por Labov (1975), ao afirmar que as pessoas não alteram seu estilo
simplesmente prestando maior ou menor atenção à fala, mas fazendo uma projeção de sua
tentativa de configurar sua fala levando em conta as características de seu ouvinte, o falante
pode prestar mais ou menos atenção à sua fala. Concordamos, neste ponto, com Bortoni-
20
Cf. no original: “Referees are third persons not physically present at an interaction, but possessing such
salience for a speaker that they influence speech even in their absence.
61
falante.”
desenvolvida.
Além da atenção prestada à fala e da projeção que o falante faz de seu ouvinte,
há que se considerar também estes fatores no processo de escolha estilística que o falante faz
‘grau de atenção prestada à fala’ que pode variar, em nosso corpus, em função da
temática, uma vez que estes fatores variam na amostra, enquanto os demais – apoio
Numa situação interacional, tão importante quanto ‘o que’ se diz é ‘como’ se diz,
pois “certas escolhas lingüísticas que o falante faz indicam o relacionamento social que o
falante entende que existe entre si e seu ouvinte ou ouvintes 21” (Wardaugh, 2003, p. 259).
está falando, no sentido de observar, a priori, que tipo de relação o falante estabelece com seu
interlocutor. Quando indivíduos de status diferentes (idades, classes sociais, cargos em uma
empresa, entre outros) interagem em um contexto conversacional, é natural que fiquem mais
tensos do que quando interagem com seus iguais, e tal comportamento é refletido em
determinadas formas lingüísticas, que podem ser usadas ou não, conforme o contexto e com
preponderante com base no qual o falante se posiciona frente ao seu ouvinte. Este fator é a
simetria, que é estabelecida com base em uma hierarquia institucional ou negociada em uma
relações possíveis entre os interlocutores, é o trabalho de Brown & Gilman (1960), o qual lida
T/V (tu e vos do latim) em línguas européias (tu/vous – francês; tu/voi (Lei) – italiano; tu/vos
com as formas tu ou você, cê ou você, você ou senhor, conforme o dialeto. Para os autores,
21
Cf. no original: “certain linguistic choices a speaker makes indicate the social relationship that the
speaker perceives to exist between him or her and the listener or listeners.”
63
sociais dos indivíduos. Assim, em relações simétricas era comum as classes mais altas usarem
o mútuo V e as mais baixas usarem o mútuo T, ao passo que, em relações assimétricas – leia-
se entre membros de classes sociais diferentes – os membros das classes mais altas tratavam
os membros das classes mais baixas por T e eram tratados por V. O que marcava as relações
simétricas era a noção de solidariedade, enquanto o que marcava as relações assimétricas era
a noção de poder.
seu uso expandido para relações nas quais os interlocutores têm interesses comuns, ou seja,
situações em que T seria o esperado pode indicar que o falante está se posicionando com
posicionando com mais intimidade em relação ao ouvinte, seja para ser simpático, seja para
insultar.
o uso de T/V, indicativo de poder, cedeu lugar, em algumas sociedades, ao uso do mútuo V,
22
Cf. no original: “The interesting thing about such pronouns is their close association with two dimensions
fundamental to the analysis of all social life – the dimensions of power and solidarity.”
64
Hudson (2001, p. 240) acrescenta que o poder é menos importante que a solidariedade porque
exerce menos efeito sobre os usos lingüísticos que a solidariedade. A noção de poder pode ser
identificada como indicativa do controle que uma pessoa tem sobre outra em uma dada
interação social e pode ser percebida na relação entre falantes de diferentes idades, classes
Lingüisticamente, esta assimetria pode ser percebida quando dois falantes usam
pronomes diferentes um para com o outro. Por exemplo, na relação entre patrão e empregado,
o patrão tende a tratar o empregado por T e receber V do mesmo, assim como os pais tendem
a tratar os filhos por T e receber V. Via de regra, quem exerce poder é que delibera sobre uma
possível mudança nas formas de tratamento, seja para o mútuo T de solidariedade, seja para o
mútuo V de polidez. Por outro lado, se alguém não se submete ao poder de outrem, pode
acontecer de ele não agir com polidez e tomar a iniciativa de tratar aquele de poder superior
respeito, entre outras, indicam o sentimento do falante em relação ao ouvinte (ou ouvintes) e a
2003, p. 275). Com base nisto, tais categorias podem apontar as formas de tratamento a serem
envolvidos.
como simplesmente ‘polido’, ou ‘íntimo’, ou ‘formal’, pode se mostrar insuficiente para dar conta
entanto, como lidamos preponderantemente com interações entre pares, pouco podemos falar
institucional.
3.5 Conclusão
de lidar com a variação de forma a perceber em que medida as formas variam, bem como
Não pretendemos fazer aqui um estudo sobre estilo. Entendemos que o estilo é
um meio para se medir a dinâmica da variação lingüística, assim como propõe Labov (2001).
Entretanto, estilo não é uma das variáveis que controlamos, pela natureza de nossos dados.
profundidade, uma vez que buscamos captá-las pelo controle de uma variável específica, que é
menor grau, de acordo com o tipo de interação, mas que são fundamentais para a explicação
4. METODOLOGIA
4.1 Introdução
fatores que podem estar contribuindo para a seleção de uma ou outra forma variante.
William Labov, precursor dos estudos variacionistas, afirma que, antes de ser um
construto teórico, suas formulações propõem uma metodologia de pesquisa que dê conta da
variação nas línguas (Labov, 1975, p. 190), de forma que uma investigação desse caráter
permita ir além dos estudos lingüísticos introspectivos para uma abordagem que leve em conta
decisão de como coletar os dados, passando pela caracterização da amostra, até chegarmos
dados são analisados e como os grupos de fatores são selecionados como passíveis de
Federal, nossa amostra é formada por dados especificamente coletados para esta pesquisa, de
ocorre em contextos bem específicos, tendendo a manifestar-se na fala dos jovens que
estabelecem relações solidárias entre si, principalmente entre os rapazes. Desta forma, a
coleta de dados nos padrões labovianos – entrevistas em que o entrevistador busca minimizar
pois a relação entre o jovem e a entrevistadora não seria nem entre pares, nem solidária.
caracterizada pelo ‘paradoxo do observador’ apregoado por Labov (1975, p. 209), pois a
pesquisa sociolingüística busca observar como as pessoas falam justamente quando elas não
coleta dos dados, de forma que captássemos o fenômeno com a máxima eficiência. Pela
luz do estudo realizado por Paredes Silva (2003), o qual versa sobre o retorno do pronome tu à
fala carioca, acreditamos que o método de coleta de dados mais eficiente para captar a
variação tu/você no Distrito Federal (DF) seria com a realização de gravações ocultas, em que
informantes conversam entre si e um deles porta o gravador. Optamos, então, por fazer
Taguatinga e Brasília. Fizemos esta opção com base em dois motivos: primeiro, porque estas
68
são as regiões mais populosas do DF; e, segundo, porque tínhamos contatos nestas três
regiões.
mas nos possibilita ter uma visão de sua configuração na comunidade de fala. Selecionamos
idade do gênero masculino que cursam ensino médio em escolas públicas do DF.
chegássemos até eles por alguém que já fizesse parte de suas redes sociais, fizemos contato
com professoras de ensino médio em escolas públicas, uma de cada região administrativa,
através das quais chegamos aos informantes que portariam os gravadores. Cada adolescente
ficou com o gravador por cerca de duas semanas, mas o tempo de gravação de cada um
Os rapazes foram orientados a gravarem conversas suas com seus amigos, desde
que os amigos também estudassem em escolas públicas nas mesmas regiões administrativas
que eles. Dissemos que, eventualmente, poderiam gravar conversas entre eles e garotas, mas
informante com o qual fizemos contato em cada uma delas. Na região administrativa de
Brasília (RA I), porém, precisamos contactar três informantes, pois os dados produzidos nas
gravações com os dois primeiros informantes foram insuficientes, por razões que escaparam
ao nosso controle.
Blocos de gravação 11 8 10
Falantes homens 12 6 11
Falantes mulheres 1 1 1
de que há duas possibilidades de variação: tu ou você. Isto quer dizer que as realizações de
você que ocorreram nos dados, a saber, você e cê, foram agrupadas em apenas uma variante,
que é a forma plena, você. Além disso, os pesos relativos foram calculados em relação à
variante tu, pois é o uso mais freqüente entre os jovens do Distrito Federal. Em outras palavras,
podemos dizer que o tu é o pronome mais usado na referência de 2ª pessoa entre os jovens
possam condicioná-lo, estamos assumindo que a variação não é aleatória, mas, na maioria das
vezes, é regida por fatores internos e externos à língua. Não obstante, o que buscamos é
contestar a hipótese nula, ou seja, a hipótese de que a variação é aleatória, mais do que provar
70
que o fenômeno sob estudo é condicionado por um ou outro fator, o que é estatisticamente
impossível.
problema central que se coloca para a Teoria da Variação é a avaliação do quantum com que
cada categoria postulada contribui para a realização de uma ou de outra variante das formas
em competição” (Naro, 2003, p. 16), de forma a medir seu efeito sobre a variação, ou seja,
A quantificação das ocorrências de cada variante da variável sob estudo tem sido
uma característica marcante da sociolingüística laboviana, o que fez com que esta linha de
985) ressalta que “a essência da análise está na avaliação de como o processo de escolha é
influenciado por diferentes fatores cujas combinações específicas definem os contextos” 23.
logística para o cálculo das freqüências corrigidas, denominadas de pesos relativos. Para tanto
existem programas computacionais que dão suporte estatístico. Nesta pesquisa fizemos uso do
programa computacional GoldVarb 2001 (Robinson et al., 2001), o qual é uma adaptação para
DOS.
atribuir códigos aos fatores de cada grupo de fatores que porventura possam condicionar o uso
de uma ou outra variante da variável sob análise, também chamada variável dependente. Feita
23
Cf. no original: “The essence of the analysis in an assessment of how the choice process is influenced
by the different factors whose specific combinations define these contexts.”
71
grupos de fatores que apresentam algum tipo de problema que deve ser corrigido antes de se
passar para a etapa seguinte, o cálculo dos pesos relativos. O problema, de caráter técnico,
pode se dar pela falta de dados em algum fator ou grupo de fatores ou pelo efeito invariante ou
categórico de algum fator (quando um fator seleciona sempre uma determinada variante da
variável dependente).
em relação aos efeitos dos fatores das variáveis independentes sobre a variável dependente, o
pesquisador deve reelaborar sua análise, se necessário, de forma a não restarem fatores que
sem, contudo, excluí-los da análise lingüística, visto que tal fator exerce um efeito fortíssimo na
mudança lingüística.
No cálculo dos pesos relativos, as variáveis são selecionadas com base no teste
de máxima verossimilhança (log likelihood), que indica o grau de adequação entre os valores
hipótese nula. Então, o programa GoldVarb lida com um p de 0,05, o que significa que ele
pressupõe uma margem de erro 5%, ou, em outras palavras, que o pesquisador corre o risco
de rejeitar a hipótese nula quando ela não deveria ter sido rejeitada em 5% dos dados (Scherre
Primeiro, num processo denominado ‘step up’, ocorre a escolha crescente dos grupos
mais relevante. No segundo nível, o programa gera novas probabilidades levando em conta o
72
primeiro grupo de fatores selecionado, selecionando outro grupo, e assim sucessivamente, até
qual foi a melhor rodada, que vem a ser aquela que considera todos os grupos de fatores que
foram selecionados. Depois, ocorre o processo chamado ‘step down’, em que são eliminados
dos fatores não relevantes para a variação sob análise. Neste processo são calculados os
grupos que não apresentam significância estatística, até o ponto em que os demais grupos
rodada, a qual considera todos os grupos de fatores que não foram eliminados.
análises binárias, como é o nosso caso, quando os pesos relativos são próximos de 1,0, os
quando são próximos de 0,5, dizemos que são neutros em relação à aplicação da regra, e,
da regra. Entretanto, a relação entre os pesos relativos de um grupo de fatores deve receber
especial atenção, no sentido de que, mais importante do que observar os valores em si, é
comparar e medir as diferenças entre si. Tal noção encontra-se em Sankoff (1988b, p. 989),
que assevera que “é a comparação dos efeitos de quaisquer dois fatores em um grupo de
fatores (medida pela suas diferenças) que é importante, e não seus valores individuais” 24.
4.4 Conclusão
Federal (Ceilândia, Taguatinga e Brasília), os quais foram colhidos em gravações ocultas feitas
por adolescentes, primordialmente entre estes e seus amigos de mesma faixa etária,
24
“it is the comparison of the effects of any two factors in a factor group (as measured by their difference)
which is important, and not their individual values.”
73
GoldVarb 2001, o qual forneceu o suporte estatístico de nossa análise, gerando os percentuais
condicionamento da variação tu/você em nossos dados, com base nos cálculos dos pesos
relativos em relação a uma só variante, neste caso, o pronome tu, tendo em vista a natureza
5.1 Introdução
programa GoldVarb 2001 (Robinson et al., 2001), analisados à luz da Teoria da Variação
É oportuno ressaltar, mais uma vez, que nos concentramos em coletar dados no
âmbito em que pensávamos que o pronome tu mais ocorresse: em conversas cotidianas entre
rapazes que estabelecessem relações solidárias entre si, tomando a noção de solidariedade
cooperação mútua, em um sentido lato. Eventualmente tivemos falas entre falantes de gêneros
opostos e entre falantes de faixas etárias diferentes, o que possibilitou, minimamente, delinear
a variação tu/você entre jovens do mesmo gênero, de gêneros diferentes e entre jovens e
adultos.
tu/você na fala dos jovens brasilienses e tecemos considerações acerca dos fatores que não
foram selecionados pelo programa, mas que, de alguma forma, contribuem para o
verbo a que ele se refere ocorre sempre na forma não marcada, categoricamente.
75
Desta forma, em um primeiro momento da pesquisa trabalhamos com sete grupos de fatores
complemento verbal;
isolada ;
exclamativa.
76
4. o gênero do falante; e
enquanto quatro das cinco variáveis sociais foram selecionadas pelo programa GoldVarb 2001
como estatisticamente relevantes – tipo de relação entre os pares; familiaridade com o tema;
A seleção de quatro fatores sociais contra apenas dois lingüísticos – sendo que
pessoais tu ou você.
pronome tu, em contraposição ao uso do pronome você, tendo em vista que nossos resultados
apontam que 72% das referências de segunda pessoa em nossos dados ocorrem com o tu,
enquanto apenas 28% ocorrem com o você. Além disso, o input 25, ou média global corrigida, é
25
O input, ou média global corrigida, é a probabilidade de ocorrer o tu (sobre o qual os resultados foram
calculados nesta pesquisa) independentemente do efeito dos os fatores selecionados pelo programa que
77
de .77, ou seja, o tu tende a ser o pronome usado na referência de 2ª pessoa com um peso
relativo de .77. Há, portanto, uma forte tendência de o jovem falante brasiliense do gênero
se encaixam o gênero do falante e a região administrativa de onde ele provém. O segundo tipo
ouvinte de uma situação específica são pares que naquele momento interagem com
para falar sobre ele com naturalidade, de modo que um tema que é familiar para um grupo de
falantes pode não o ser para outro; e (iii) o gênero do falante em relação ao ouvinte,
evidentemente, depende do gênero de ambos, para ser definido como ‘mesmo gênero’ ou
‘gênero oposto’.
Percebendo que a variável gênero estava imbricada com o tipo de fala em nossa
amostra, uma vez que metade dos dados de falas femininas era de fato reproduções feitas
pelos rapazes, criamos um grupo que considerasse estas duas variáveis, o qual foi o primeiro
concorrem para determinar a seleção do pronome. O valor de input estará nas tabelas, não para que os
pesos relativos sejam analisados em relação a ele, mas, sim, para que se tenha uma visão mais ampla do
uso projetado do pronome tu na variação tu/você.
78
panorama dos contextos lingüísticos propícios para a ocorrência de cada uma das variantes da
do pronome e o tipo de fala não foram selecionados, mas contribuem para explicar a
respectivamente. Os fatores das variáveis ‘funções do SN’, ‘tempo verbal’ e ‘modo verbal’
acompanhar pela tabela 5.1. No confronto com as outras variáveis, os pesos relativos
Tabela 5.1. Efeito das variáveis ‘função do SN’, ‘tempo verbal’ e ‘modo verbal’ sobre o uso do tu
Freqüência
Grupos de fatores Fatores
N % 26
Função sintática do SN Sujeito 312/431 72
Complemento verbal 15/22 68
26
O programa GoldVarb 2001 gerou, por vezes, alguns percentuais de uso do tu cuja soma com os
percentuais complementares para o uso de você não resultou em 100%, mas em 99%. Optamos por
manter os valores produzidos, uma vez que confiamos ao programa a obtenção de tais resultados.
79
pronome ocorre, pois tanto o sujeito quanto o objeto têm efeito neutro sobre o uso do pronome
tu. Quanto ao tempo verbal, observamos que as formas nominais do infinitivo, que em si não
indicam tempo, em relação à média de 72%, têm efeito desfavorecedor sobre o emprego do tu
(60%), enquanto os verbos no futuro do pretérito (tanto canônico quanto perifrástico) favorecem
o uso do tu (83% e 88%, respectivamente). Os demais tempos não têm efeito na seleção dos
indicativo e subjuntivo. Não há dados referentes a verbos no imperativo, uma vez que, ao
menos em nossa amostra, os verbos imperativos só ocorrem sem pronome explícito. Enquanto
os verbos no modo indicativo não têm efeito sobre o emprego do tu, o subjuntivo tem um efeito
análise das variáveis independentes na ordem que julgamos mais adequada para o
relevantes. Algumas variáveis não selecionadas pelo programa contribuem para configurar de
maneira mais clara como a variável selecionada influencia na seleção dos pronomes e, desta
Como nosso recorte buscou focalizar a variação tu/você no grupo social que mais
dados, pois temos mais dados dos contextos favorecedores do que temos dos contextos
desfavorecedores do uso do tu. Este fato conduziu a uma análise que prioriza a relação entre
80
os pesos relativos e não os efeitos dos fatores em termos do ponto intermediário de .50,
mesmo porque já sabemos que, segundo Sankoff (1988b, p. 989), “é a comparação dos efeitos
de quaisquer dois fatores em um grupo de fatores (medidas pelas suas diferenças) que é
ordem que consideramos mais significativa para explicar a variação tu/você em nossos dados.
esta categoria sob o rótulo de ‘sexo’, que diferencia os indivíduos com base em características
confirmou a intuição que tínhamos antes mesmo da coleta dos dados – o tu é mais usado entre
que temos da comunidade de fala brasiliense realmente conduz a esta conclusão, além da
gênero masculino usem mais o pronome tu que falantes do gênero feminino, nos deparamos
De um lado, mulheres tendem a usar mais variantes padrão que os homens, fato
que já foi comprovado em inúmeras pesquisas sociolingüísticas e que poderia estar atuando na
escolha pronominal das falantes analisadas. De outro lado, entre os falantes do gênero
27
Cf. no original: “ is the comparison of the effects of any two factors in a factor group (as measured by the
difference) which is important, and not their individual values.”
81
masculino poder-se-ia considerar sua predileção por variantes não padrão, que é explicada
pela noção de ‘prestígio encoberto’ 28. O pronome você, que é a variante de prestígio na
sociedade brasiliense para estilos de fala informais entre iguais, é, nesta sociedade, preterido
explícita, ocorrendo sempre com o morfema zero de pessoa, e que o tu tende a ser
empregado, na maioria das regiões do Brasil, incluindo o Distrito Federal, também com o verbo
sem marca de pessoa, os rapazes e as garotas do DF podem estar fazendo suas escolhas
lingüísticas em direções diferentes. A preferência das garotas do DF pelo você pode estar
sendo guiada pela noção de que, se usarem o tu e não o você, incorrem na possibilidade de
não fazer a concordância verbal canônica de 2ª pessoa gramatical. A preferência dos rapazes
brasilienses pelo tu, por sua vez, obedece às regras de seu grupo social, no sentido de que
usar variantes não padrão, no caso, o tu acompanhado de verbo na forma não marcada, é uma
espécie de passaporte para ser aceito no grupo, uma forma de marcar a identidade de seu
grupo na sociedade.
Com base nisto e tendo em mente que garotos tendem a usar mais tu e garotas
tendem a usar mais você – constituindo um uso variável –, selecionamos trechos de fala com
28
Sobre esta noção, cf. capítulo 3, item 3.2.1.
82
(2) R― E a S.?
G― A S. é piranha.
R― Hum, vacilo, a guria é maió gente boa.
G― Maió lésbica, cê fala, a guria.
R― Carai, ela é lésbica?
G― Lógico que é, J.
R― De rocha?
G― Lógico.
R― Boto fé não.
G― Cê num sabia, não?
R― Tsc-tsc.
G― Ih:::, perdeu tempo.
R― ‘Xi Maria... e eu quereno dar u’as idéia...
(Conversa entre um rapaz (R) e uma garota (G)/Brasília (RA I)
retomadas subdividem-se em falas reproduzidas, que podem tanto ser de autoria do falante
quanto de outrem; e falas imaginadas, que são como ensaios de falas que podem vir a ser
necessariamente, os que foram de fato produzidos no primeiro momento, de modo que podem
refletir as impressões do falante, que está retomando a fala da forma como ele julga que seja a
mais plausível de ocorrer. Nesta perspectiva, esperávamos que em nossa amostra as falas
reais tenderiam uma maior ocorrência do pronome tu, enquanto que, nas falas retomadas, a
tendência fosse uma maior ocorrência do pronome você. Como exemplos de referências
típicas para os dois tipos de fala, podemos citar o trecho (3), em que as falas retomadas estão
nossa amostra não constam falas reproduzidas por garotas. Buscando captar esta
configuração, criamos um novo grupo de fatores, que engloba estes quatro aspectos: falas
reais de rapazes, falas reais de garotas, falas masculinas reproduzidas por rapazes e falas
femininas reproduzidas por rapazes. Fizemos uma nova rodada com este novo grupo e, como
esperávamos, ele foi selecionado, e em primeiro lugar. O resultado pode ser conferido na
tabela 5.2.
Tabela 5.2. Efeito do gênero do falante sobre o uso do tu em falas reais e retomadas
Freqüência
Gênero e tipo de fala Peso Relativo
N %
O resultado produzido pelo programa mostra um efeito gradativo dos fatores sobre
o emprego do tu, no sentido de que as falas reais masculinas favorecem o uso do tu com peso
de .55, mais do que as falas masculinas retomadas por rapazes, que o fazem com peso de .40
84
e, por sua vez, favorecem mais que as falas femininas retomadas por rapazes, as quais têm
efeito desfavorecedor sobre o uso do tu com peso de .18, mas não tão desfavorecedor quanto
as falas reais femininas, que tendem a empregar o tu com peso relativo de .09.
impressão que os mesmos têm em relação ao comportamento lingüístico esperado por parte
tu com peso relativo de .40, retomam as falas femininas com efeito desfavorecedor do uso do
tu (peso de .18), mostrando que, segundo sua intuição, mulheres tendem a não usar o tu, mas,
expectativa dos falantes do gênero masculino em relação ao seu próprio uso, que, via de regra,
representa a noção de que usam variantes não padrão em um nível bem elevado. De outro
lado, o uso efetivo de variantes não padrão, por parte dos falantes do gênero masculino, situa-
Nossos resultados não mostram estas duas dimensões, pois as falas reais
masculinas favorecem mais a ocorrência de tu que as falas retomadas. Isto pode ter ocorrido
talvez pela pouca quantidade de dados, mas a justificativa que podemos dar, a priori, é que os
dados de falas reais masculinas são sobretudo retirados de interações entre rapazes, enquanto
guia a noção de prestígio encoberto, na qual falantes do gênero masculino favorecem mais o
Esta foi a terceira variável selecionada pelo programa GoldVarb 2001. O tipo de
uma dada interação, uma vez que, como já expusemos no capítulo sobre o referencial teórico,
o falante presta atenção à sua fala, em maior ou menor grau, com base, entre outros fatores,
É oportuno citarmos Brown & Gilman (1960, p. 276) no ponto em que expressam
que a variação tu/você, mais do que uma alternância de estilos, é um posicionamento marcado
Lidando com o tipo de relação que os interlocutores estabelecem entre si, tal como
Brown & Gilman (1960), trabalhamos com quatro tipificações, conforme as categorias de poder
exemplo, na mesma faixa etária, ou se têm o mesmo gênero, ou se fazem parte do mesmo
grupo social –, os mesmos podem ter um comportamento mais ou menos solidário em uma
assimétrica – se estão, por exemplo, em faixas etárias diferentes, se têm gêneros diferentes ou
se ocupam posições diferentes em uma hierarquia institucional –, é possível que um tenda a ter
poder sobre o outro, de forma que ao outro cabe agir em consonância com essa diferença.
29
Cf. no original: “This kind of variation in language behavior expresses a contemporaneous feeling or
attitude. These variations are not consistent personal styles but departures from one’s own custom and the
customs of a group in response to a mood.”
86
nos quais os amigos se tratam, via de regra, por tu. O pronome você, entretanto, pode ser
melhor captado em seqüências de fala que alternam as formas de tratamento entre tu e você,
(5) 1― E aí, véi? Porra, D., cê tava onde hoje de manhã? Tô na maior era te
procurando, véio.
2― Hoje... eu tava na quadra jogando bola.
1― E aí, véi! Porra, D., [inaudível] soube do esquema, não, véi?
2― Ôxi! O esquema é dele. Tem que chamar as mina, véi.
3― Que mina? Aquelas mina lá do Guará?
2― É, véi.
3― Ah, tem que ligar pra elas, véi!
1― E o que tu tá pensando, véi? [Risos]
2― Mas tem que ver, véi, se elas vão vim mesmo...
3― Mas, cê tem dinheiro véi?
2― Qualquer coisa nóis faz aquele negócio lá.
3― A gente faz um negócio muito louco, véi.
1― Porra, a gente tá perdendo tempo, B.!
3― Não, mas ela falou que só tem duas, véi.
2― Porra, véi! Que que cê vai fazer, B? [Risos]
1― Porra, véi, de onde sai duas, sai três, véi.
3― É, nór vê lá, depende qual é.
1― Só ligar. Tu vai tá sozinho em casa, mané?
3― Sábado eu vou.
87
Nossa hipótese inicial era de que o pronome tu tenderia a ser usado em um estilo
amplamente informal, típico de relações entre pares solidários, sendo que seu uso diminuiria
interlocutor, ou seja, fatores outros podem atuar em uma interação conversacional entre pares
falante com o tópico discursivo, que discutiremos na seqüência. Os resultados que podemos
ver na tabela 5.3 confirmam nossa hipótese e mostram em que medida o tipo de relação entre
Freqüência
Relação entre os interlocutores Peso Relativo
N %
constatamos que, em relação aos outros fatores, a relação entre pares solidários tem um efeito
mais forte sobre o uso do pronome tu, com peso relativo de .57. Pares não solidários e não
pares em relação de poder desfavorecem o uso do tu (com peso relativo de .22 para pares em
88
relação não solidária, .21 quando um superior se dirige a um inferior e .34 quando alguém de
poder inferior se dirige a um superior), o que evidencia uma tendência de o falante não usar o
para as relações de poder, não podemos fazer inferências a seu respeito. A tabela 5.4 mostra
Tabela 5.4. Efeito do cruzamento do ‘tipo de relação entre pares’ com o ‘tipo de fala’ sobre o
uso do tu
solidários (79%) e desfavorecimento entre pares não solidários (58%), com uma diferença de
falas retomadas, para as quais constatamos que relações solidárias também favorecem o uso
do pronome tu em 78% das ocorrências, mas, por outro lado, relações não solidárias
Parece estar por trás disto o julgamento do falante acerca do que seria mais
apropriado para cada tipo de relação. Poderíamos inferir, então, que os jovens brasilienses
consideram que o tu deva ser usado quando se comportam de forma solidária com seus pares,
89
e, em contrapartida, o você deva ser usado quando não se posicionam solidariamente frente a
seus pares.
se tivéssemos uma distribuição equilibrada dos dados pelos quatro tipos de relação entre os
Assim, a distribuição enviesada dos dados e a diferença dos pesos relativos entre
o fator ‘pares solidários’ e os demais – mais de .20, como mostra a tabela 5.3 – delineiam um
recorte nos dados, no sentido de separar dois tipos de interação: as simétricas, que se dão
entre pares solidários, e as assimétricas, que se dão entre não pares (o que engloba também
pares não solidários). O motivo que viabilizou esta diferenciação binária foi a percepção de que
conversacional, se comportam, na verdade, como não pares. Com base nisto, fizemos uma
reanálise dos dados, de forma a agrupá-los nestas duas categorias, e o resultado pode ser
Neste sentido, fica evidente que o tu é o tratamento usual entre pares e o você é o
tratamento preferido pelos não pares, pois, enquanto 79% das ocorrências são de tu entre os
pares, esta taxa cai para 42% entre os não pares. A diferença também pode ser vista pela
análise dos pesos relativos, sendo que a relação entre pares favorece a ocorrência de tu em
90
.57, muito mais que a relação entre não pares, que tende a favorecer o uso do tu com um peso
Sob um outro ponto de vista, consideramos que, quando está em jogo a noção de
poder entre os interlocutores, ainda podemos lidar com a categoria da solidariedade. Com base
nisto, temos que interlocutores que interagem em uma relação assimétrica podem agir com
relações não solidárias, os não pares tendem a usos diferenciados, conforme a posição do
falante na escala hierárquica. Podemos comprovar esta tendência observando a tabela 5.6.
algumas tendências a partir dos resultados. O posicionamento não polido por parte de quem
detém o poder em relação ao ouvinte tem efeito desfavorecedor sobre o uso do tu, com apenas
13% das ocorrências, da mesma forma que os pares, quando não se comportam
solidariamente. Não há como apontar tendências com relação à fala polida de superior para
falam com polidez, tendem a usar o pronome você, como no exemplo (6):
91
usar o pronome tu, como ocorre nos 2 dados de falante com poder inferior que agem sem
(7) 1― O maluco lá falou: 'já tô com o estilingue esperando a hora dela descer’. Aí
eu falei: 'vamo estourar esse balão de gás'. Aí a mulher virou pra trás.
2― Eu fiquei foi com raiva, ontem eu fiquei foi com raiva.
1― Por quê?
2― Porque foi passando a lotação lotada, véio, aí nego parou, aí eu desci lá no
centro, véio, aí tipo assim, 'em um em um minuto passa uma lotação, véio'.
1― Aí a mulher virou pra trás: 'balão é o que você tem aí debaixo... dois
balãozinho.' Aí peguei e falei: 'mais esses balãozinho num é pra tu, não'.
(rapaz reproduzindo um diálogo entre o mesmo e uma mulher
desconhecida, num ônibus/Taguatinga)
pronomes em nossos dados no que concerne aos falantes não pares, no sentido de que os
92
mesmos se comportam de forma diferente, conforme agem com polidez ou não. Por este
percebe em nossos dados é entre falantes que se comportam como pares e falantes que não
se comportam como pares. A escassez de dados não nos permite tirar conclusões além das
tendências já apontadas.
Definimos por tema mais familiar os temas cotidianos, as conversas banais sobre
fatos que versem sobre o dia-a-dia dos jovens. Tratando de temas mais familiares,
hipotetizamos que os jovens tenderiam a usar um estilo de fala menos planejado, tanto mais
próximo do vernáculo quanto mais identificação tivessem com seus ouvintes. Neste contexto,
nossa expectativa era que os jovens usassem as formas correntes entre os membros de seu
grupo, ou, mais especificamente, usassem mais o pronome tu. Um tema mais familiar pode ser
(8) 1― Agora eles tão pagando pau pra mim. Desde de que eu comprei o fila eles
ficam pagando pau.
2― É assim mesmo, tô vendo se eu tiro um pra mim ou se eu tiro um tj [sic] de
boa pra mim. Agora não vou tirar aquele de couro não, tá muito caro, véio.
Agora o pessoal mete a faca, o mais barato lá na feira tá trezentos e
cinqüenta.
1― Duzentos e cinqüenta a meia, duzentos e cinqüenta a meia.
2― Tu comprou por duzentos e cinqüenta?
1― Se tu quiser, eu vendo: duzentos e cinqüenta.
2― Eita, porra! Tu tira também nessas paradas, mais só vende à vista, né?
1― À vista, só.
(Conversa entre dois rapazes/Ceilândia)
93
Temas menos familiares, por sua vez, envolvem assuntos que escapam à
menos familiar, podemos associar o estilo de fala que Labov (2001) classifica como soapbox,
caracterizado por uma espécie de discurso público informal. Quando os jovens lidam com
trecho (9), tendem a usar o estilo soapbox, no intuito de dissertar sobre o tema.
(9) 1― Todo mundo, véio, todo mundo. R., tipo assim, essa galera que bebe
muito, muito, fala assim: 'não, quando eu não quiser beber, eu não bebo'.
Duvido, véio.
2― Aí, você: 'ah, mais eu quero'... toda hora você quer...
1― Você só percebe que tá viciado quando cê quer parar, véio.
2― É.
1― Quando você tá assim: 'não, hoje eu não vou beber', não consegue, aí
você percebe. Já pensou, véio? Nossa, tudo tem limite.
(Conversa entre dois rapazes/Taguatinga)
genérica não tenha sido considerada relevante para a escolha de tu ou de você em nossa
amostra. Voltaremos a este ponto ainda neste item. Vejamos, pela tabela 5.7, em que medida
Freqüência
Tema discursivo Peso Relativo
N %
(74%) do que em temas menos familiares (23%), para os quais calculamos uma diferença de
percentuais, pois mostram que os temas mais familiares favorecem o uso do pronome tu em
.52, ao contrário dos temas menos familiares, que têm efeito desfavorecedor sobre o uso do tu,
Por trás destes resultados evidencia-se, então, uma alternância de estilos de fala.
Quando o falante trata de um tema menos familiar, fazendo uma espécie de discurso
(soapbox), ele, de certa forma, quer mostrar ‘que sabe’, que entende sobre o que está falando.
Esta necessidade de posicionar-se de forma convincente sobre o tema frente ao seu ouvinte
faz com que o falante ‘meça’ suas palavras, se monitore mais lingüisticamente a fim de
produzir o efeito desejado. Como resultado desta monitoração, sua fala tende a se aproximar
mais da variedade padrão que de costume. O resultado disto, no enfoque de nosso estudo, é a
apontar um referente genérico (ou indeterminado), o falante tenderia a usar menos o pronome
forma que, ao apontar um referente específico (ou determinado), o falante tenderia a usar mais
o pronome tu e menos o você, dado o fato de o pronome você estar sendo também usado em
processos de indeterminação.
Ilustrando esta hipótese, uma fala típica com referente específico pode ser vista
em (10) e uma fala típica com referente genérico pode ser (11):
95
(10) R― Então, talvez a V. vai viajar pra:: Caldas Novas. Eu já dei alento, se ela
viajar eu vou pra:: Chapada, véi.
G― Com quem?
R― Com uns bróder meu. Com o V.... da Chapada a gente já vai pra Piri...
G― Pô, queria tanto ir...
R― Ou, se eu discolar um lugar no carro pra tu, tu vai, véi.
G― Boto fé...
R― Mais... pode ter que ir tu e o E., né?
G― É, né...
R― Carai... mais, putz, véi. Mais tipo, só vou se ela for, tá ligado? Se ela for,
rapaiz, num quero nem saber, não.
(Conversa entre um rapaz (R) e uma garota (G)/Brasília (RA I))
hipótese, ou seja, para os jovens brasilienses, o tipo semântico do referente não é uma variável
Freqüência
Tipo semântico do pronome Peso Relativo
N %
para um efeito neutro deste grupo de fatores sobre a variação tu/você. Além disto, na rodada
em que o grupo poderia ter sido selecionado, o nível de significância foi de 0,556, muito acima
do 0,05 aceitável, e os pesos relativos ficaram próximos ao ponto neutro de .50, com .49 para a
referência específica e .57 para a referência genérica. Tais resultados fizeram com que o tipo
semântico do pronome de referência à 2ª pessoa não fosse selecionado pelo programa como
pronome’, constatamos que o pronome você tem um uso peculiar. Observemos a tabela 5.9
Tabela 5.9. Efeito do cruzamento de ‘tema discursivo’ e ‘tipo semântico do referente’ sobre o
uso do tu
Embora não seja o foco do nosso trabalho, é interessante notar que, entre as
referências em temas menos familiares, 71% (12/17) são genéricas, o que nos viabiliza afirmar
97
quando tratam de assuntos que escapam à sua alçada. Ainda, das referências genéricas em
temas menos familiares, apenas 17% (2/12) são com o pronome tu, o que nos leva a
considerar que o contexto que mais desfavorece a seleção do pronome tu é aquele com
familiares possa nos trazer novos resultados a respeito do efeito do tipo semântico do
referente. Por ora, todavia, o efeito regular é da familiaridade com o tema e não com o tipo
semântico do referente.
houvesse distinção nas escolhas lingüísticas entre os falantes das três regiões. Nossa
expectativa era de que houvesse um efeito favorecedor gradativo, no sentido de que o falante
ceilandense usasse mais o tu que o falante taguatinguense, e este mais que o de Brasília
Ceilândia, que nos informou sobre sua impressão de que os falantes ceilandenses empregam
mais o pronome tu que os demais. Além disso, acreditávamos que, depois do falante de
Ceilândia, o falante de Taguatinga tivesse um efeito favorecedor sobre o uso do tu maior que o
Freqüência
Região administrativa Peso Relativo
N %
do pronome tu seja alta nas três regiões consideradas, o falante de Ceilândia tende a
selecionar mais o pronome tu que o pronome você, tal como faz em 86% das ocorrências em
nossos dados, contra 66% para os falantes de Taguatinga e 68% dos falantes da RA de
Brasília. Os pesos relativos confirmam a tendência de o falante ceilandense usar mais tu que
você em um nível mais elevado que os falantes de Taguatinga e da RA de Brasília, pois o peso
Brasília, os quais apresentam peso relativo de .43, ambos como o mesmo efeito sobre o uso do
tu, portanto.
No cruzamento dos dados das regiões administrativas com outros fatores sociais,
consideramos importante apresentar os resultados de uma variável que não foi selecionada,
que é o gênero do falante em relação ao do ouvinte. Esta variável foi controlado na expectativa
de que o falante do gênero masculino tendesse a um menor uso do tu quando interagisse com
sobre o uso do tu, com 43% das ocorrências, 29 pontos percentuais abaixo da média de 72%,
e este é um efeito mais forte que o efeito favorecedor do mesmo gênero, que tem 79% das
ocorrências de tu, apenas 7 pontos percentuais acima da média. Entretanto, quando analisado
em conjunto com os grupos de fatores já selecionados pelo programa, este grupo não se
mostrou relevante. O nível de significância da rodada foi de 0,347 e, embora muito alto se
comparado ao p de 0,05, foi o menor valor das rodadas do nível em que seria selecionado, o
que aponta para o fato de que, com a ampliação de nosso corpus, esta variável seja uma forte
candidata à seleção.
Uma vez apresentada esta variável, podemos, neste ponto, mostrar e discutir o
cruzamento das regiões administrativas com os fatores sociais, tal como fazemos na tabela
Federal usar o tu, principalmente o ceilandense, em relação aos falantes das outras regiões.
100
Tabela 5.12. Efeito do cruzamento das RAs com as outras variáveis sociais sobre o uso do tu
Gênero do falante
Taguatinga e de Brasília (RA I). Enquanto nos dados entre pares solidários de Ceilândia há
94% de ocorrência de tu, em Taguatinga há 75% e em Brasília (RA I) há 70%; entre os dados
dos rapazes, em Ceilândia 88% dos dados são de ocorrências de tu, ao passo que este
percentual cai para 71% em Taguatinga e 75% em Brasília (RA I); e, ao lidar com falantes do
mesmo gênero, os falantes de Ceilândia produziram 89% das ocorrências usando o pronome
Os falantes de Ceilândia tendem a usar mais tu que os falantes das outras regiões
solidários (94%) quanto como não solidários (55%), tanto se são do gênero masculino (88%)
quanto se são do gênero feminino (50%). Apenas nas interações entre gêneros opostos se
observa o menor uso do tu nos dados dos falantes ceilandenses (64%), quando comparados
com os dados da RA de Brasília (64%). É certo, entretanto, que usam menos tu nos fatores
que nos favorecedores (pares solidários, gênero masculino, mesmo gênero), mas a tendência
tem razões sociais que podem ser melhor explicadas se considerarmos, entre outros fatores, a
história de cada uma delas. A par disto, apresentamos, na seqüência, observações sobre cada
região administrativa em separado, na tentativa de, pela análise das partes, ter uma melhor
compreensão do todo.
ocorrências entre as garotas (2 de tu e 2 de você), marca sua identidade – entre outros fatores
certo orgulho de sua identidade. Isto pode ter se refletido na adoção, por parte de toda a
comunidade de Ceilândia, de traços lingüísticos típicos de falantes das regiões brasileiras mais
representadas ali.
ceilandense ser nativa (SEPLAN, 2004,) estes indivíduos nativos não têm mais que 34 anos.
Dado o fato de que o pronome tu existe nesta fala, tal como mostramos, é bem provável que
ele não tenha entrado para o repertório lingüístico dos falantes ceilandenses via falantes
nativos, mas pelos pais destes. Se não considerarmos o percentual de habitantes nativos no
Distrito Federal, temos que os habitantes oriundos da região Nordeste – em geral reduto de tu
– representam 65,5% da população não nativa, enquanto os habitantes oriundos das regiões
Sudeste e Centro-Oeste – redutos de você – representam 28,4% dos não nativos. A região Sul,
onde há muitos redutos de tu, não representa nem 1% dos habitantes não nativos.
102
modo de falar em Ceilândia mais do que os nativos, devido à pouca idade desta região
forma decisiva no uso variável do tu. No entanto, é inegável que os falantes nativos se
identificaram com o uso do tu e levaram a cabo a implementação deste uso em seu sistema
lingüístico.
Com 47 anos, Taguatinga, a Região Administrativa III, é mais velha que Ceilândia,
mas nem por isso tem mais habitantes nativos, pois, enquanto Ceilândia tem 51% de
habitantes nativos, Taguatinga tem 48,4%. É provável que os falantes nativos, cujos
representantes mais velhos devem ter 47 anos, já tenham influenciado a língua de alguma
forma que em Ceilândia, os falantes taguatinguenses adotaram traços que elegeram como
significativos na representação de sua identidade. Esta identidade, contudo, não é tão marcada
da naturalidade dos habitantes taguatinguenses, com 41,1% dos habitantes migrantes (24,4
por sua vez, reduto de você – são representadas com 49% dos habitantes não nativos. Por
A região Sul, assim como em Ceilândia, tem baixa representatividade entre os habitantes não
nativos (2,7%), motivo pelo qual é improvável que tenha contribuído para o favorecimento do
uso do tu em Taguatinga.
103
de habitantes nativos do Distrito Federal, portanto menos que Ceilândia e Taguatinga, que têm
51% e 48,4% de nativos, respectivamente. Entre os não nativos, a região Nordeste equivale a
54% da população.
Uma vez que os habitantes não nativos provêm sobretudo de redutos de você e o
tu tenha entrado de forma inequivocada neste sistema lingüístico, resta-nos supor que os
habitantes nativos tenham mais influência sobre a fala local que os não nativos. Neste sentido,
identificação com os usos lingüísticos que permeiam as demais regiões do Distrito Federal.
que a natureza dos processos de repetição não é lingüística, pois a ocorrência de paralelismo
reflete um modo sistemático de a mente humana operar. Para Scherre (1998), o paralelismo
grupos”.
tendem a se repetir, ou seja, se em uma conversa na qual um falante usa tu, o próximo
Esta variável pode realizar-se em três variantes: (i) primeiro item da série,
considerando ‘série’ como cada bloco de gravação e ‘primeiro item’ como o primeiro pronome
de segunda pessoa usado por um dos falantes na seqüência de gravação; (ii) item não primeiro
precedido por tu, que são todos os que ocorrem depois de o pronome tu ter sido selecionado; e
(iii) item não primeiro precedido de você, que é o pronome que ocorre imediatamente após a
seleção de um você.
1― Por causa que, por causa que não, não sei que lá.
3― Não, porque cê está excluído, tu e o F. tão excluídos, véio.
(Conversa entre três rapazes/Taguatinga)
Nossa hipótese para esta variável era de que o uso do pronome tu favorecesse a
seleção de outro você. Além disso, com base em outras pesquisas que controlaram o
palavras, acreditávamos que a primeira ocorrência de cada bloco de dados não favorecesse a
não primeiros precedidos por tu têm efeito favorecedor sobre o emprego do tu – com 85% e
80% das ocorrências, respectivamente –, em relação à média de 72%, enquanto os itens não
primeiros precedidos pelo pronome você têm efeito desfavorecedor sobre o uso do tu, com
49% das ocorrências. Percebemos, com isto, que o efeito negativo das ocorrências precedidas
por você é maior que o efeito positivo das ocorrências precedidas por tu, pois a diferença entre
Os pesos relativos, analisados entre si, mostram que a posição que mais favorece
a ocorrência de tu é o primeiro item da série, com peso relativo de .58, ao contrário do que
apontam várias pesquisas variacionistas que lidam com o paralelismo lingüístico, no sentido de
o primeiro item da série tender a um efeito intermediário sobre a escolha das variantes. O fator
‘não primeiro precedido de tu’ tem efeito favorecedor sobre a seleção do tu, com peso relativo
situações altamente favorecedoras do uso do tu, enquanto o fator ‘não primeiro precedido de
você desfavorece o uso do tu com peso de .33. Acreditamos que a ampliação de nossa
amostra pode resultar em uma polarização destes resultados, no sentido de o fator ‘não
primeiro precedido de tu’ passar a ter um efeito bem mais favorecedor sobre o emprego do tu
dos fatores não primeiros, o que nos indica a tendência ao paralelismo, ou seja, a ocorrência
você.
seleção desta variável pelo programa GoldVarb, retiramos os dados relativos a este fator e
fizemos nova rodada no programa. Entretanto, o grupo foi novamente o primeiro a ser
107
(.34 para os precedidos por você e .57 para os precedidos por tu, com o mesmo valor de input,
O tipo de estrutura foi o último dos seis fatores selecionados pelo programa
GoldVarb. Esta variável versa sobre a classificação das estruturas frasais segundo a entoação
do falante. Lidando com esta variável, tomamos como base Cunha & Cintra (2001), para os
quais a entoação pode ser entendida como “a linha ou curva melódica descrita pela voz ao
pronunciar palavras, orações e períodos” (Cunha & Cintra, op. cit., p. 168). De acordo com as
interrogativas.
A curva tonal da oração declarativa encerra duas partes muito distintas, sendo
uma parte inicial ascendente e uma parte final descendente, que pode ser assim
esquematizada:
Na curva da entoação interrogativa, a voz se inicia em um nível tonal mais alto que
na declarativa, há uma queda leve na parte medial, uma elevação acentuada na última vogal
tônica e uma queda brusca no final, ainda mantendo-se o tom mais elevado que na estrutura
Uma estrutura interrogativa que conste em nossos dados e que reflita esta curva
(17) ― Pô, D., você num vai tá sozinho em casa não, véi?
(Rapaz/Brasília (RA I))
A estrutura exclamativa, por sua vez, tem uma entoação que depende em larga
medida do grau e da emoção com que se fala. Consideramos como estruturas exclamativas,
em nossos dados, sentenças que continham algum tipo de declaração, mas que fossem
entoadas de forma exclamativa. Por terem uma entoação determinada pela emoção, as
sentenças exclamativas podem ser representadas, pois, por tipos de segmentos tais como
amostra:
A princípio, nossa hipótese para esta variável era de que estruturas interrogativas
e exclamativas favorecessem mais ocorrências de tu que de você, por terem caráter mais
Freqüência
Tipo de estrutura Peso Relativo
N %
Pela análise dos percentuais dos fatores em relação à média de 72%, observamos
que as estruturas exclamativas têm forte efeito favorecedor sobre o emprego do tu com 94%
das ocorrências, enquanto este percentual nas sentenças interrogativas cai para 79%, ainda
110
com efeito favorecedor, e nas declarativas cai para 65%, o que indica um efeito desfavorecedor
outras, com peso relativo de .87, seguidas pelas interrogativas com .54 e pelas declarativas
com .43, as quais têm efeito relativamente desfavorecedor sobre a seleção do tu. A diferença
entre os efeitos dos fatores aponta para uma forte tendência de as estruturas exclamativas
Podemos afirmar, então, que nossa hipótese foi corroborada pelos resultados.
Quando os falantes expressam-se de forma exclamativa, tendem a fazê-lo com mais emoção
do que em outras situações. Nesse contexto, o vernáculo aflora e o falante tende a usar as
formas lingüísticas que lhe são mais naturais – no caso, o tu –, dada a situação conversacional.
111
quanto em Florianópolis, falantes do gênero feminino têm efeito favorecedor sobre o uso do tu
(com pesos de .92 e .85, respectivamente), enquanto falantes do gênero masculino têm efeito
nossos resultados, nos quais os rapazes favorecem e as garotas desfavorecem (com peso de
com peso relativo de .86 em Porto Alegre e .73 em Florianópolis, e o discurso indeterminado
tem efeito desfavorecedor sobre o emprego do tu, com peso de .28 na primeira e .26 na
segunda. Esta variável, comparada à variável que denominamos ‘tipo semântico do referente’,
que não foi selecionada em nosso corpus, juntamente com a variável ‘gênero do falante’
contribui para distanciar o estatuto da variação entre as falas destas duas capitais do Sul e a
Uma outra observação que pode ser feita com relação à variação tu/você no Sul e
em Brasília é que, enquanto em Porto Alegre e Florianópolis o uso do tu é mais difuso entre as
faixas etárias e ocorre com concordância verbal variável, em Brasília nossas observações
empíricas nos levam a crer que o uso do tu encontra-se mais concentrado entre os jovens, no
que tange à população nativa, e, via de regra, este uso se dá sem flexão verbal associada à 2ª
pessoa, mas parecido com o uso entre os falantes do Rio de Janeiro e da região Nordeste.
mostram que falantes do gênero masculino têm efeito favorecedor sobre o uso do tu, com peso
112
de .57, enquanto as mulheres desfavorecem o emprego do tu com peso de .43. Assim como
em nossa pesquisa, Paredes Silva (op. cit.) aponta que o gênero é sempre o primeiro fator
selecionado como estatisticamente significativo. Além disso, tanto na fala carioca quanto na
paraibanas sob um enfoque interacional, indica que o tu tende a ser selecionado em interações
solidárias, assim como ocorre na fala dos jovens brasilienses, mas o uso não tende a ser
diferenciado pelo gênero dos falantes, diferentemente do que constatamos em nossa amostra.
Outro ponto de diferença é que a concordância verbal no corpus de Bezerra (op. cit.) é feita de
forma variável.
constata que a faixa etária que mais faz concordância verbal canônica de 2ª pessoa do singular
categoricamente, com verbo sem marca de 2ª pessoa. Entretanto, seu input, ou média global
corrigida, é de .24, o que indica uma tendência de o falante pessoense a não usar a flexão
verbal de 2ª pessoa.
possam ser utilizados para o nosso propósito, conclui que o tu é preferido em situações
informalidade, imbricada no tipo de relação entre os pares, que também motiva o uso do tu,
embora seja um uso mais especializado segundo a faixa etária – ao menos no estágio em que
que não é o caso do de Soares (1980), poderia explicitar se os jovens de Fortaleza usam
Soares & Leal (1993) constatam que, em Belém, o pronome tu tem sido a forma
de tratamento tanto de pai para filho quanto de filho para pai – com concordância verbal
113
contribuindo para desfazer a assimetria nas relações entre pais e filhos). Este uso é diferente
do uso que fazem os jovens brasilienses, que tendem a empregar o tu entre seus pares e sem
O tu da fala brasiliense, então, por ocorrer com o verbo na forma não marcada,
variável neste ponto; e, por considerar o tipo de relação entre os interlocutores, aproxima-se
tu do Rio de Janeiro e dos estados do Nordeste, onde falantes do gênero masculino empregam
5.5 Conclusão
recorrente na fala dos jovens do Distrito Federal, concorrendo de forma variável com o
tu/você, como já foi constatado em outras pesquisas sobre este fenômeno, e como indicavam
jovens do gênero masculino que interagem com pares solidários tratando de temas cotidianos.
tu/você entre falantes jovens do gênero feminino no Distrito Federal, no sentido de apontar, por
falas retomadas, que as garotas tendem a empregar mais você que tu. Por fim, apontamos a
lingüístico dos brasilienses que, ao menos no estágio atual, parece ter se especificado na fala
Janeiro – típico de falantes do gênero masculino e faixas etárias mais jovens. Além disso, pela
assim como Corrêa (1998), que o tu, marca regional em uma visão macro do português do
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Além dos fatores sociais que condicionam a variação pronominal na fala dos
jovens do Distrito Federal, os quais já analisamos, não poderíamos deixar de falar da inserção
do pronome tu num contexto gírio, pois o uso freqüente do tu entre os jovens parece estar
imbricado em sua linguagem gíria. Não queremos afirmar com isto que o pronome tu seja um
vocábulo gírio, mas que faça parte de um conjunto de estratégias lingüísticas dos jovens que
visam à diferenciação de sua fala em relação ao que podemos chamar de ‘fala comum’.
grupo, com a intenção de comunicar-se sem serem entendidos por outros falantes que não
pertencem ao grupo” (Preti, 2004, p. 89), podemos afirmar que o uso generalizado do tu entre
os jovens brasilienses é mais uma estratégia no sentido de diferenciar sua fala das demais,
posicionar-se de forma crítica frente ao mundo e afirmar sua identidade. Nesse sentido, Calvet
(2002, p. 114) acrescenta que “a gíria dos adolescentes responde parcialmente a uma vontade
sociais quanto lingüísticos. A linguagem gíria é, então, um fator decisivo no sentido de propiciar
Assim como Preti (2004, p. 91) afirma que a gíria, como signo de grupo,
podemos afirmar que o pronome tu também é um signo de grupo, no sentido de ser uma marca
etárias e de outros pólos urbanos como Goiânia e Belo Horizonte, que são os mais próximos,
Argüidos sobre este uso, muitos jovens disseram, num primeiro momento, que o tu não fazia
parte de seu repertório lingüístico, mas depois admitiram – por vezes admirados – usá-lo entre
amigos. Houve quem dissesse que não usaria nunca o tu para tratar a mãe, porque isto é gíria,
É oportuno relatar duas experiências em que estive envolvida – e aqui uso ‘eu’ e
não ‘nós’. Em uma, um rapaz me trata por tu e, em seguida, troca o tu pelo você, afirmando
que não tínhamos intimidade para tanto, mostrando uma atitude consciente em relação à forma
chama por tu e justifica-se dizendo que costuma ‘misturar tudo’, usando tanto o tu quanto o
você. O fato é que percebi uma atitude não solidária por parte do primeiro rapaz e uma
bastante solidária por parte do segundo, levando-se em conta o contexto de cada situação.
quando estão entre amigos. Falantes nativas adultas do gênero feminino, funcionárias do
comércio brasiliense, admitiram usar o tu, principalmente quando atendem clientes gaúchas.
Sobre isto, consideramos que, se usam o tu, é porque ele de fato faz parte do seu repertório
Nosso estudo abre caminhos para muitos outros sobre o tu na fala brasiliense. Há
que se ampliar o corpus de falas femininas, a fim de se verificar a real medida do uso do tu
entre falantes do gênero feminino. Há também que se verificar o efeito de faixas etárias
diferentes sobre a variação tu/você, tanto em tempo aparente quanto em tempo real. No
entanto, uma análise em tempo real poderia trazer mais luzes a uma possível mudança em
117
curso na fala brasiliense. Esta mudança, caso aconteça de fato, soma-se a outros fenômenos
contribuir para se traçar um panorama sincrônico do estatuto do tu na fala brasiliense, visto que
tu/você no indivíduo, mas consideramos que este tipo de análise pode trazer resultados muito
do tu pelo território nacional. Não se pode ignorar que o tu faz parte da maioria das variedades
do português do Brasil, da maneira que ainda fazem alguns lingüistas como Bearzoti (2005, p.
13) que, baseado em Faraco (1996), ainda teima em afirmar que “no Brasil, esse uso [do você]
atingiu tal abrangência que, com exceção de pontos no sul e no norte do país, é você o
tratamento preferencial entre iguais (ou de superior para subordinado) na sociedade brasileira”.
Apesar de não haver pesquisas sobre o assunto em todas as variedades, sabemos que o tu é
muito recorrente em praticamente todos os estados da região Norte, todos da região Sul, em
quase todos da região Nordeste, e em pontos isolados das regiões Sudeste e Centro-Oeste.
Ocorre que, como o tu é típico de estilos de fala mais informais, por vezes
solidários ou mesmo íntimos, sua existência no sistema lingüístico de uma comunidade muitas
vezes não é captada como uma característica da fala de uma dada comunidade e passa
verbal variável com o pronome tu, que tende a ocorrer na forma não marcada, na maioria das
comunidades em que existe, camuflando sua existência frente aos habitantes locais e aos
visitantes de forma a dar a impressão de que o pronome você é o padrão em qualquer tipo de
Fechamos por aqui, sem, contudo, dar o trabalho por acabado. É justamente esta
progresso intelectual de nada serve se não puder servir ao progresso humano de forma geral.
Esperamos que este trabalho se junte a tantos outros que já fizeram com que os
tu, com ou sem concordância verbal canônica, por sua recorrência no português do Brasil, não
deve ter seu uso ignorado na esfera educacional, pois faz parte de um mecanismo eficiente no
proximidade] entre os falantes. Cabe à escola e aos autores de livros didáticos reconhecerem
esta realidade e trabalhar com ela a seu favor, partindo do que o aluno já tem internalizado
competência comunicativa.
119
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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124
8. ANEXOS
Ainda não está disponível um mapa do Distrito Federal que mostre a delimitação
Taguatinga), Varjão (pertencente ao Lago Norte), Sudoeste (antes parte do Cruzeiro), Riacho
CODEPLAN – em 2000.
que compreende seus municípios circunvizinhos, tanto de Goiás quanto de Minas Gerais.
125
nivia.lucca@gmail.com