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1. INTRODUCAO
O objetivo deste texto é o de auxiliar profissionais que se dedicam à prevenção de acidentes do trabalho
típicos comuns - em particular, dos acidentes fatais, não abordando acidentes ampliados, nem acidentes
de trânsito.
Inicialmente são apresentados alguns conceitos básicos para, a seguir, enfocar aspectos considerados
importantes na investigação dos acidentes do trabalho e, finalmente, aspectos relativos à gestão de
segurança.
Afirmar que os AT são socialmente determinados eqüivale a dizer que resultam de fenômenos sociais,
sobretudo da forma de inserção dos trabalhadores na produção e, consequentemente, no consumo,
expressando as correlações de forças existentes em sociedades concretas.
Nesses termos, sua prevenção ultrapassa o âmbito das ações desenvolvidas e, ou coordenadas por
ministérios como o do Trabalho, da Saúde e da Seguridade / Previdência Social. Em outras palavras,
políticas públicas de saúde e segurança do trabalho, necessariamente devem contemplar, dentre outros,
os seguintes aspectos:
Elaboração de leis e normas (severas) acerca das condições de segurança de máquinas e equipamentos
para que possam ser comercializados;
As mudanças das condições de saúde e segurança do trabalho passam necessariamente pela existência
de pressões sociais que, praticamente inexistem no Brasil.
O desafio da heterogeneidade
De modo geral, pode-se dizer que em situações de incidência elevada de acidentes do trabalho, é possível
identificar a maioria dos problemas com relativa facilidade, por meio de inspeções de segurança. Trata-se
de situações nas quais o desrespeito à legislação é flagrante, com indicação de ações de prevenção
calcadas na aplicação das normas legais vigentes. Em boas condições de segurança, com baixa
incidência de acidentes, estes dependem da ocorrência de várias alterações, simultâneas ou seqüenciais,
na forma de desenvolvimento do trabalho que, por não estarem presentes na situação de trabalho
habitual, dificilmente são identificadas por meio de inspeções de segurança clássicas.
Monteau (1) sugere uma classificação dos acidentes do trabalho que pode auxiliar na escolha de métodos
para sua investigação em condições de segurança do trabalho heterogêneas, como as existentes em
nosso pais (vide quadro).
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Situação
acidentogênica
ao posto de trabalho
Natureza dos desrespeito flagrante relacionados a fatores da organização acúmulo de fatores que,
problemas à legislação de do trabalho/gerenciamento da
segurança empresa isoladamente não
afetariam a segurança
Operação de máquinas com zona de operação aberta, permitindo acesso de partes do corpo do
trabalhador e trabalho em altura sem proteção contra quedas constituem bons exemplos de situações que
geram acidentes do tipo 1, observando-se que a maioria dos fatores estavam presentes na situação de
trabalho habitual. Basta pequena mudança na realização da tarefa, às vezes imperceptível ao próprio
acidentado, para que o acidente sobrevenha, verificando-se que a segurança depende, quase que
exclusivamente, do desempenho do trabalhador.
Nesses dois casos, as condições que geraram o acidente estiveram presentes de forma limitada no tempo
e inspeções de segurança, realizadas em condições habituais de trabalho, não revelariam o perigo, pois o
conserto do motor estaria sendo executado na "girafinha" e a peça, furada com equipamento apropriado.
Situações semelhantes – com duração limitada no tempo – freqüentemente ocorrem durante operações de
ajustes para reprogramação de máquinas, em casos de intervenções para corrigir falhas em processo de
produção e na realização de manutenções, sobretudo corretivas.
Um pega-toras entra em pane durante o turno noturno e a equipe de plantão (reduzida) não consegue
conserta-lo. Um carregamento de matéria-prima aguardado para o dia seguinte chega à empresa e o
supervisor designa o operador do pega-toras em pane para operar um triturador raramente utilizado.
Nessa nova situação, o trabalhador sofre um acidente.
No exemplo, constata-se que as condições habituais de trabalho sofreram várias modificações, que
ocorreram de forma limitada no tempo e de forma quase simultânea, dando origem ao acidente. Da mesma
forma que nos dois exemplos anteriores (tipo 2), uma inspeção de segurança dificilmente identificaria os
fatores envolvidos no desencadeamento desse acidente.
Se tivessem ocorrido isoladamente - pane do pega-toras, pane noturna, incapacidade de reparação pela
equipe de manutenção (noturna e reduzida), antecipação da chegada de matéria-prima -, tais fatores não
teriam sido capazes de gerar as pré-condições representadas pela designação de um trabalhador para
operar uma máquina com a qual não estava familiarizado e que culminou com a ocorrência do acidente.
Relatos desse tipo tem ocorrido em sistemas complexos, como usinas de energia atômica, empresas
aeroespaciais, industrias químicas ... Nessas empresas, consideradas seguras, geralmente a história do
acidente revela tolerância pregressa à presença de fatores que, isoladamente, não seriam suficientes para
desencadea-lo. Tal tolerância provavelmente relaciona-se com o fato de cada uma das alterações,
isoladamente, não ser considerada perigosa.
É necessário salientar que, na classificação proposta por Monteau, não existem limites estanques entre
um tipo de acidente e outro, mas toda uma gradação que vai de situações nas quais os acidentes são
fenômenos relativamente simples, com fatores causais diagnosticáveis por inspeções de segurança, até
situações altamente complexas, que exigem utilização de métodos que dêem conta dos múltiplos fatores
envolvidos na gênese dos casos investigados.
IMPLICAÇÕES DA CONCEPÇÃO CAUSAL NA PREVENÇÃO DE ACIDENTES
Acreditar que o acidente do trabalho é fruto da fatalidade implica em aceitar que não há como preveni-lo.
Concebê-lo como castigo de Deus, em buscar a solução em orações.
Entender que os acidentes do trabalho são fenômenos uni ou pauci-causais, decorrentes, sobretudo, de
atos inseguros praticados pelos trabalhadores, implica em centrar as ações preventivas no
comportamento dos trabalhadores. Aliada à identificação de responsável pelo acidente, tal concepção
acaba por atribuir ao acidentado, culpa pela ocorrência de que foi vitima. Cabe salientar que o encontro de
responsável ou culpado, torna desnecessário investigar as causas do acidente, deixando intocados os
fatores que lhes deram origem.
De acordo com concepções mais recentes, os acidentes de trabalho resultam de modificações ou desvios
que ocorrem no interior de sistemas de produção, modificações ou desvios esses que por sua vez
resultam da interação de múltiplos fatores. Concebendo a empresa como um sistema sócio-técnico aberto
e o acidente como um sinal de mau funcionamento desse sistema, investigá-lo implica em analisar
aspectos do sub-sistema técnico (instalações, máquinas, lay-out, tecnologia, produtos ...) e do sub-
sistema social da empresa (idade e sexo dos trabalhadores, qualificação profissional, organização do
trabalho, relações pessoais e hierárquicas, cultura da empresa, contexto psico-sociológico, etc.).
2. ACEITABILIDADE DE RISCOS
Determinadas condições de trabalho configuram situação que pode ser resumida como acidente
esperando para acontecer (2). Elas resultam da aceitação de situações descontroladas do ponto de vista
da segurança do trabalho, constituindo condição de risco assumido pela empresa.
Estudos recentes revelam que a aceitabilidade de riscos varia de acordo com algumas
características sociais e que sociedades afluentes (ricas) aceitam menos os riscos que sociedades
pobres. Vários fatores permeiam essa aceitabilidade particularmente os culturais, assim como o
grau de organização dos diferentes grupos sociais. Estudo realizado na França (Bonnefous, 1995)
revelou que os acidentes do trabalho estão em 6º lugar na percepção de riscos pela população,
com 43% dos entrevistados referindo sentirem-se ameaçados pelo risco de acidentar-se no
trabalho. Nesse estudo, verificou-se que riscos de acidentes em rodovias, de poluição das águas,
de poluição atmosférica, de Aids e de transporte de cargas perigosas são percebidos em ordem
decrescente pelos entrevistados.
Simard parte do pressuposto que as empresas operam em função de fatores como racionalidade
econômica, relações sociais e evolução cultural da sociedade, afirmando que, na ausência de
movimento social em prol da prevenção de acidentes do trabalho, acabam prevalecendo interesses
dos profissionais que planejam o trabalho, que dificilmente aceitam que houve falhas em seu
planejamento, delas resultando acidentes do trabalho.
3. A INVESTIGACÃO DO ACIDENTE
Recomenda-se dispor de um "kit" pronto (papel, prancheta, lápis, caneta, borracha, trena, maquina
fotográfica e, ou filmadora, e filmes).
A coleta de dados é uma fase crucial que deve ser realizada no próprio local de ocorrência do acidente.
Uma boa coleta deve possibilitar a compreensão de como o acidente ocorreu, quase como se fosse
possível visualizá-lo passo a passo.
A sistematização da coleta de dados facilita esta tarefa, além de ajudar a evitar que aspectos importantes
deixem de ser investigados. Em nossas investigações, mesmo quando não utilizamos o método de Árvore
de Causas, realizamos a coleta de dados com auxílio de suas categorias de análise, ou seja, atividade em
desenvolvimento, desdobrada nos componentes:
indivíduo - (qualificação, treinamento recebido, função / posto de trabalho habituais e por ocasião do
acidente etc.);
Recomenda-se:
• Tirar fotografias / filmar; fazer esquemas do cenário / máquinas... relacionados ao acidente que
ocorreu;
• descrever instalações físicas, condições de iluminação, nível de ruído, posição de máquinas,
equipamentos etc.;
• verificar o tipo de energia utilizada; se for o caso, descrever máquinas e, ou equipamentos (tipo,
forma de acionamento, de alimentação, etc.);
• descrever a forma habitual de execução da atividade em desenvolvimento no momento de
ocorrência do acidente;
• identificar, em relação às condições de trabalho habituais (trabalho real, não trabalho
prescrito), isto é, sem ocorrência de acidente, o que mudou /alterou /variou, investigando as origens das
alterações / mudanças / variações ocorridas. É extremamente importante identificar as condições do
sistema que permitiram o aparecimento dessas mudanças (ou variações). Em outras palavras, buscar as
"causas das causas".
A obtenção dessas informações exigirá a realização de entrevistas com vários interlocutores: acidentado
(que não estará vivo para informar em casos de acidentes fatais), testemunhas do ocorrido, colegas de
trabalho, chefias, membros de CIPA e SESMT (quando houver), outros acidentados que tenham sofrido
acidentes semelhantes etc. Em casos de acidentes envolvendo mais de uma empresa, incluir seus
membRos na relação de pessoas a entrevistar.
Durante as entrevistas, diante de expressões como "foi um descuido", "acho que não prestei muita
atenção", "fiz uma bobeira", utilizadas pelos próprios acidentados vítimas de acidentes não fatais para
descrever os episódios de que foram vítimas, é imprescindível indagar - e, se necessário, insistir -, como
foi o tal "descuido", a "falta de atenção" ... procurando caracterizar o sentido da expressão utilizada pelo
trabalhador (ou testemunha, ou colega ... em casos de acidentes fatais). Sobretudo, é da maior
importância investigar suas causas. Freqüentemente os "descuidos" ocorrem em situações de pressão de
tempo para execução de tarefas (urgências de varias naturezas e origens), ao final de turnos noturnos, ao
final de jornadas de trabalho prolongadas por horas-extras, em situações de fadiga evidente do
trabalhador, durante execução de tarefas anexas / secundárias, ou de tarefas eventuais, como por exemplo
as de manutenção.
Investigações cuidadosas geralmente permitem identificar se os limites das capacidades humanas foram
ultrapassados. Mesmo em grandes empresas é freqüente encontrar situações em que a segurança do
trabalhador dependia, quase exclusivamente, de seu desempenho na execução da tarefa.
É fundamental que durante a coleta de informações sejam descritos fatos passíveis de constatação. Por
exemplo, ao invés de registrar "expôs-se desnecessariamente ao perigo", descrever ações, posições, etc.
adotadas pelo trabalhador, sem emitir juízo de valor. Da mesma forma, não incluir interpretações e ou
conclusões do investigador durante a fase de coleta de dados.
Uma boa descrição de acidente é objetiva e precisa, desprovida de juízos de valor, de interpretações, e de
conclusões. Para conseguir executar uma coleta de dados que atenda esses requisitos, é muito
importante ter sempre em mente que se buscam as "causas das causas" do acidente visando a prevenção,
e não a identificação de responsáveis e, ou culpados (objetivos de investigações com finalidades
jurídicas).
Deve-se evitar:
tampa no "panelão" que transportava aço fundido para as lingoteiras. Isso porque a tampa provocaria
modificações no aço que eram incompatíveis com as especificações do produto. Posteriormente,
verificou-se que tal afirmação era falsa.
Os dados coletados devem ser organizados, isto é, deve ser elaborada uma descrição coerente do
acidente, baseada em fatos passíveis de serem observados / constatados, sem emissão de juízos de valor
e, ou interpretações, e que permita ao(s) investigador(es) "visualizar" da maneira mais completa possível,
como o episódio se desenrolou. Esta etapa é fundamental na investigação. Embora aparentemente fáceis
de serem realizadas, boas descrições exigem treinamento. Pode-se considerar adequada uma descrição
cuja leitura permita a compreensão de como o acidente ocorreu, por profissionais que não participaram da
investigação.
Somente após elaborar a descrição do acidente é que se deve analisar e interpretar as informações
registradas e que nortearão a prevenção.
5 - A PREVENÇÃO
Recomenda-se listar o maior número de medidas de prevenção possível, de tal forma que, no momento da
seleção haja um leque de medidas para escolher.
• não ter efeitos negativos sobre a produtividade (se isso ocorrer, correm o risco de ser
abandonadas).
Alguns autores citam a relação custo-benefício das medidas como um dos critérios de seleção. Esse pode
ser um dos critérios em situações em que uma das medidas dentre as várias possíveis não oferece
benefícios adicionais e apresenta custo elevado ou relação custo / benefício elevada. Cabe assinalar que
os escalões hierárquicos superiores / gerências decidem que medidas adotar, porém ressaltando que
quem se expõe é o trabalhador. Se a empresa não arcar com o custo da prevenção, ocorrendo o acidente,
o custo passa para o trabalhador e para a sociedade.
Além das características mencionadas acima, deve-se dar preferencia a medidas automáticas, ou seja,
que independam de mudanças de comportamento / adesão dos trabalhadores e que, em geral, tendem a
se enfraquecer ao longo do tempo, exigindo reforços periódicos.
De acordo com Hale e Glendon (3), o acidente indica que as capacidades de controle do sistema foram
excedidas e que, muito tempo antes disso acontecer, era possível prever sua ocorrência. Para esses
autores, embora o comportamento do acidentado possa ser o fator imediatamente antecedente ao
acidente, esse comportamento geralmente é irrelevante para a prevenção.
Considera-se seguro o sistema capaz de tolerar erros do operador sem ocorrência de acidente. Nessa
condição, diz-se que o sistema foi concebido considerando-se o princípio da falha segura.
A negociação com a empresa sobre as medidas de prevenção requer a criação de condições capazes de
facilitar seu desenrolar. Negociar, entretanto, não exclui os aspectos técnicos e o conhecimento da
legislação em vigor de tal sorte que, se as condições de segurança estão em desacordo com as normas
legais, não há muito que discutir em termos da necessidade de adequa-las, cabendo, eventualmente,
acordar prazos.
A presença de representantes dos trabalhadores, particularmente dos sindicatos, tem papel fundamental
nas negociações. Entretanto, nem sempre isso é possível, dada a fragilidade e mesmo a inexistência de
sindicatos em muitas regiões do pais.
6. OBSERVAÇÕES FINAIS
Existem alguns métodos de investigação de acidentes disponíveis na literatura. No Brasil, tem havido
difusão e, ou recomendação de métodos nem sempre indicados para os tipos de episódios a serem
investigados. Além disso, não é raro que a realização de treinamentos e reciclagens seja negligenciada,
acarretando utilização inadequada do método adotado.
Existem formulários / questionários (check list) capazes de auxiliar na identificação de "situações de risco
grave e iminente" e de acidentes com máquinas, e que podem ser de grande auxílio. Entretanto, é
importante salientar que tais instrumentos não suprem as carências de treinamento visando capacitar os
profissionais na investigação de aspectos não explorados pelos questionários.
É muito importante ter em mente que a investigação de um acidente é um processo de construção
coletiva que envolve os membros da equipe investigadora e os interlocutores da empresa. No tocante ás
empresas, acidentado(s), chefias, colegas de trabalho e, quando existentes, responsáveis pela
manutenção, pela aquisição de materiais, técnicos e engenheiros de segurança, são pessoas que detém
conhecimentos acerca de aspectos que podem ser fundamentais na identificação das "causas das
causas" do episódio investigado. É indispensável que essas pessoas sejam ouvidas. É também
importante consultar laudos e documentos diversos eventualmente existentes a respeito de máquinas e
equipamentos direta ou indiretamente envolvidos na ocorrência do acidente.
Qualquer que seja o tipo de acidente a ser investigado, a equipe de investigação deve procurar instruir as
empresas existentes em sua área de atuação, utilizando os meios de divulgação adequados à realidade
local, acerca da importância de receber as informações sobre a ocorrência dos acidentes o mais
rapidamente possível, particularmente em se tratando de casos graves. Alem disso, deve divulgar a
importância de preservar o local do acidente facilitando a coleta de informações que, com raras exceções,
deve ser realizada no próprio local de ocorrência.
É aconselhável que os dados sobre as condições de segurança da empresa, a medida em que forem
sendo obtidos, sejam organizados de forma sistematizada - arquivo /banco de dados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
2. Carter FA & Corlett EN. Shiftwork and accidents. In Psychological aprroaches to night and shiftwork.
International Research Papers. Edited by Alexander Widenburn and Peter Smith. Heriot-Watt University,
Edinburgh, Scotland. 1984.
3. Hale AR & Glendon AI. Individual Behaviour in the Control of Danger. Amsterdam, Elservier, 1987.