Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
Poesia
1. Poesia profana
1.1.Contexto
1.2.Origem
1) A mulher cantada:
na lírica provençal é sempre uma mulher casada (midons, senhor), real e
concreta, já que:
● tem independência
● considera-se que tem uma maior maturidade, física e psicológica,
requerida para tal paixão erótica
● achava-se que não existia o amor entre casados, já que o matrimónio
respondia a outros interesses (económicos...), pelo que o facto de a
mulher estar casada não impede que seja cantada pelos trovadores.
Deste modo, é uma lírica com um carácter adulterino.
na lírica galego-portuguesa canta-se a uma mulher ideal, platónica, não
concreta:
● perde-se o carácter adulterino
● responde sempre às mesmas características físicas (bela) e
psicológicas (esquiva, tímida)
1
Os adjectivos e substantivos terminados en –or são invariáveis em relação ao género nos séculos XII,
XIII e primeira metade do XIV.
2
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
3
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
desta lírica, já que todas têm parte de razão2. Na actualidade, considera-se que o
trovadorismo é um fenómeno sincrético, no que intervêm vários factores. Estas teses
são:
1) Tese folclórica: diz que a origem da lírica galego-portuguesa está no
folclore, em manifestações lúdicas como canções de trabalho rural (maias)
ou doméstico:
dá-se um processo pelo que as cantigas populares se introduziriam na
corte;
estabelecem-se duas fases: pretrovadoresca e trovadoresca;
foi uma tese que esteve em voga no Romantismo, mas teve muitas
contestações posteriormente. Hoje é aceitada em parte, já que não se
nega que há um substrato folclórico (em especial nas cantigas de amigo).
2) Tese árabe ou arábigo-andaluça:
a influência árabe seria mais visível nos lugares em que houve lutas de
reconquista;
foi uma tese que também teve sucesso no Romantismo, pela paixão que
naquela altura havia pelo exótico.
3) Tese moçárabe: é uma variante da anterior. Alguns estudiosos defenderam
que a cantiga de amigo deriva das carjas3 moçárabes, com as que tem
pontos em comum:
voz lírica feminina que se dirige a um amigo,
expressão coloquial,
ambiente
...
4) Tese latinista:
considera que a origem está na literatura latina medieval que deslocar-
se-ia para uma literatura em língua vulgar;
insiste nos traços compartilhados pelo trovadorismo e o cristianismo:
● êxtase perante a mulher / êxtase perante a virgem;
● submetimento perante a mulher / submetimento perante a virgem.
latino vulgar
conversão
divino profano
2
Neste campo destaca o estudioso Rodrigues Lapa.
3
As carjas são pequenas composições em moçárabe que fazem parte duma composição maior em
árabe clássico, o muaxá.
4
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
d) Vias de penetração
1.3.Tradição manuscrita
4
Muitos nomes de tecidos têm em português origem francesa, já que vieram da França nesta época.
5
“Quer’eu em maneira de provençal” (B 529b / V 123), “Provençais soem mui bem trobar” (B 524 / V
127).
5
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
2) Cancioneiro da Vaticana:
Descoberto a mediados do século XVIII.
É um códice de pergaminho organizado numa ou duas colunas.
Copistas:
• Um transcreve as cantigas.
• Outro(s) copia o nome dos autores, numera algumas cantigas, escreve
notas (alguma atribuída ao próprio A. Colocci).
É multigenérico.
Parece datar dos séculos XV – XVI e deveu ser copiado no scriptorio
do humanista italiano Angelo Colocci Brancutti.
Edições modernas:
• Teófilo Braga.
• Lindley Cintra.
3) Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa:
Descoberto a finais do século XIX e adquirido pelo governo português
em 1924.
É o cancioneiro no que se distinguem mais copistas.
É o mais completo no que se refere ao número de composições.
Deveu ser copiado entre os séculos XV e XVI no scriptorio de Colocci
Brancutti.
Uma edição moderna é a de Machado e Cacheco.
Contém um documento chamado Arte de Trovar ou Poética de B, o
único manual teórico da lírica galego-portuguesa medieval:
• É uma poética fragmentária (faltam capítulos e alguns capítulos não
estão completos).
• Num princípio considerou-se uma poética muito rigorosa por pensar-
se que pertencia à época de auge da lírica galego-portuguesa, mas
hoje sabemos que foi escrita numa época de decadência, razão pela
6
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
que é possível que o que se expõe nela não seja o que domina na lírica
medieval. Podemo-la considerar uma tentativa de manter viva a
lírica galego-portuguesa medieval num momento de crise.
• A edição mais recente é de Tavani.
Outros manuscritos:
Cancioneiro Berkeley, descoberto nos anos 80 do século XX por dois
estudantes da Universidade de Berkeley (Califórnia). Não é mais que
uma cópia incompleta do Cancioneiro da Vaticana. Na actualidade
conserva-se na Universidade de Berkeley.
Pergaminho Vindel (PV): pergaminho encontrado em Madrid por
Pedro Vindel na sua livraria (estava protegendo outro livro). Contém
sete cantigas de amigo de Martim Codax, seis delas com notação
musical (as únicas cantigas de amigo com notação musical).
Pergaminho da Torre do Tombo (T): pergaminho que, como no
caso anterior, estava protegendo um livro. Contém sete cantigas de
amor de D. Dinis com notação musical (as únicas cantigas de amor
com notação musical).
Pergaminho que contém uma tenção entre Afonso Sanches e
Martins de Resende (M): há duas cópias, uma está em Madrid e a outra
no Porto. Esta tenção também se encontra em B e V.
Tavola Colocciana (TC): é um índice de 8 folhas com nomes de
autores galego-portugueses e números. Parece o índice dum
cancioneiro perdido e coincide bastante com a ordem de B, mas não
totalmente.
Códice dos cinco lais de Bretanha: são três folhas de pergaminho
nas que se conservam estas cinco composições sobre a matéria de
Bretanha. São utilizados como indícios da recepção da matéria de
Bretanha no âmbito galego-português.
1.4.Análise formal
Os cavaleiros e cidadãos
que d' este rei aviam dinheiros
e outrossi donas e scudeiros
matar se deviam com sas mãos,
por que perderom a tam bôo senhor,
de que posso eu bem dizer sem pavor
6
Usam-se maiúsculas para indicar que os versos são de refrão.
7
Esquema típico das cantigas de amigo.
8
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
Cobras capcaudadas: o último verso duma cobra tem a mesma rima que
o primeiro verso da cobra seguinte. É um modo de ligar cobras muito
habitual na lírica galego-portuguesa. Exemplo:
Proençaes soen mui bem trobar
e dizem eles que é com amor;
mais os que trobam no tempo da flor
e nom em outro, sei eu bem que nom
am tam gram coita no seu coraçom
qual m' eu por mha senhor vejo levar.
9
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
Se eu podesse desamar
a quen me sempre desamou,
e podess' algun mal buscar
a quen mi sempre mal buscou!
Assy me vingaria eu,
se eu podesse coyta dar,
a quen mi sempre coyta deu.
1.5.Géneros maiores
a) Tem como temática o amor, ao igual que a cantiga de amigo, mas observa-se
mais aristocracia no tom e na forma.
b) A cantiga de amor estrutura-se como declaração amorosa ou lamento
perante a dama pela sua indiferencia ou altivez.
11
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
12
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
A que tenh' eu por lume d' estes olhos meus - Bernal de Bonaval é um autor de
e por que choran sempr', amostrade-mh-a, Deus, Compostela.
se non dade-mh-a morte.
- É relativamente anómala, já que o
Essa que vós fezestes melhor parecer trovador dirige-se a Deus e pede-lhe
de quantas sey, ay, Deus!, fazede-mh-a veer, ver a sua senhor.
se non dade-mh-a morte.
- Há expressões estereotipadas, como
Ay, Deus! que mh-a fezestes mays ca min amar, lume destes olhos meus.
mostrade-mh-a hu possa com ela falar,
se non dade-mh-a morte.
13
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
14
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
10
Embora a simbologia erótica do cervo seja anterior, esta aparecia na Bíblia no Livro do Cantar dos
Cantares.
15
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
A) Denominação:
1) Na Poética de B diferencia-se entre:
Cantigas de escárnio: são aquelas que “dizem mal de alguém
cobertamente”, é dizer, usam palavras com “dois entendimentos” o
que dá lugar a ambiguidade (equivocatio).
Cantigas de maldizer: são as que “dizem mal de alguém chãamente”,
usando palavras com um só entendimento.
2) Na actualidade defende-se a denominação geral de cantigas de escárnio e
maldizer sem a distinção que se faz na Arte de Trovar porque:
16
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
2) Próprios:
Falta do ethos trovadoresco, é dizer, ausência da ética trovadoresca e
presença do mundo ao revês ou do mundo às avessas. Aparece, em
geral, em sátiras com carácter moral.
Alimentação: referência a produtos comestíveis ou bebidas (vinho)
para ridiculizar a fome e a o o facto de serem avarentos certos
homens que dizem ser ricos.
Polémica social: ataca-se a todos os grupos sociais. Alguns exemplos
são:
jograis e trovadores;
ricomens e infanções, que presumem de riqueza mas não a têm;
físicos (assim são chamados os médicos nesta altura);
as três religiões existentes na Península nessa altura:
• dos judeus critica-se que são avaros;
• dos árabes critica-se a propensão a manter relações sexuais;
• dos cristãos critica-se a todo o clero, desde o Papa até os freires.
Obscenidade: léxico referido aos órgãos sexuais e às relações sexuais
(homossexuais e heterossexuais) como é o caso de pissa, pissuça,
cono, conon, talho ou merenda. Normalmente ataca-se a impotência
ou o tamanho dos órgãos sexuais (pissuça, conon).
17
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
11
O mais habitual para se referir aos testículos é o termo companhões.
18
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
19
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
Os namorados que trobam d' amor Chora-se a morte do rei D. Dinis seguindo duma
todos deviam gram doo fazer
e nom tomar em si nem ũu prazer,
forma bastante fiel o esquema do planh provençal:
por que perderam tam boo senhor - Elogio das características do defunto (como rei,
como el rei dom Denis de Portugal,
como trovador e como mecenas).
de que nom pode dizer nem ũu mal
homem, pero seja posfazador. - Demanda de amostras de dor e luto (mesmo
mãos tratos físicos).
Os trobadores que pois ficarom
eno seu regno e no de Leom, - Consolação num sucessor, que neste caso
no de Castela, e no d' Aragom,
20
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
Os cavaleiros e cidadãos
que d' este rei aviam dinheiros
e outrossi donas e scudeiros
matar se deviam com sas mãos,
por que perderom a tam bõo senhor,
de que posso eu bem dizer sem pavor
que nom ficou d' al nos cristãos.
seria D. Pedro o Cru.
E mais vos quero dizer d' este rei
e dos que d' el aviam bem fazer:
deviam-se d' este mundo a perder
quand' el morreu, per quant' eu vi e sei,
ca el foi rei atam mui prestador
e saboroso e d' amor trobador:
tod' o seu bem dizer nom poderei!
21
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
22
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
2) Pastorela:
D. Dinis
(B 534; V 137)
Pelo souto de Crecente Aproxima-se mais ao género da pastora que a anterior, mas
ũa pastor vi andar
muit' alongada de gente,
interrompe-se a historia pelo que fica como uma tentativa de
alçando voz a cantar, pastorela.
apertando-se na saia,
quando saía la raia
do sol, nas ribas do Sar.
Johan Airas
(B 967; V 554)
24
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
1.7.Textos conservados
A) Os inícios da lírica galego-portuguesa medieval
1) “No mundo non me sei parella” de Pai Soarez Taveirós
26
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
Estes textos, dos inícios do século XIII, são os mais antigos conservados,
mas isto não quer dizer que já existissem composições trovadorescas anteriores a esta
data.
B) O final da lírica galego-portuguesa medieval
Emblematicamente considera-se a que a lírica galego-portuguesa
medieval remata com a morte de D. Pedro, Conde de Barcelos, em 1354, já que se
considera o último mecenas e trovador. Pelo que o trovadorismo galego-português
remata a meados do século XIV.
2.2.Autoria
São compostas por vários autores organizados por Afonso X (quem
também compõe algumas) entre os que destaca Airas Nunes pelo número de
composições. Com todo, a autoria das cantigas de Santa Maria é uma questão sem
resolver.
2.3.Fontes
a) Lendas orientais.
b) Lendas tiradas de lendários latinos.
c) Impressões e recordos dos autores (algumas declaram-se autobiográficas).
d) Provérbios ou conselhos orais.
e) Colecções de milagres em romance:
Los milagros de Nuestra Señora de Gonzalo de Berceo, cuja influencia
nas cantigas de Santa Maria é hipotética, já que não é seguro que se
conhecesse esta obra na corte de Afonso X.
27
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
2.4.Estrutura
As cantigas de Santa Maria apresentam uma estrutura simétrica baseada
em fórmulas numéricas:
a) As cantigas que ocupam o número 10 e os seus múltiplos são sempre de loor
e as restantes posições correspondem a cantigas de milagres, que se
caracterizam por estarem localizadas, geralmente em santuários como o de
Santa Maria de Salas (Huesca), Montserrat (Catalunya) ou Santa Maria del
Puerto (Cádiz).
b) Outras cantigas formam ciclos como as festas de Maria ou os pesares da
Virgem pelo seu filho.
2.5.Motivação
a) Imperialista: têm um carácter propagandístico já que Afonso X pretende
demostrar o poder da sua Igreja e concorrer com a Igreja. Filgueira Valverde
tem qualificado as cantigas de Santa Maria de anti – galegas.
28
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
Cantiga LX
A demostra AVOGADA,
APOSTA e AORADA,
e AMIGA e AMADA
da mui santa conpannia.
Eno nome de Maria...
29
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC
1. Período trovadoresco. Poesia
Cantiga LLX
Cantiga XXIII
(CSM 23)
30
Literatura Portuguesa I
(das origens à Renascença)
2007/2008
USC