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QUARTA-FEIRA
I. O TRABALHO É um dom de Deus, um grande bem para o homem, ainda
que seja “o sinal de um bem árduo, conforme a terminologia de São Tomás [...].
E é não somente um bem útil ou para ser usufruído, mas um bem digno, isto é,
um bem que corresponde à dignidade do homem, que expressa essa dignidade
e a aumenta”1. Uma vida sem trabalho corrompese, e, no trabalho, o homem
“tornase mais homem”2, mais digno e mais nobre, se o realiza como Deus
quer.
O trabalho é consequência do preceito de dominar a terra3 dado por Deus à
humanidade, que se tornou penoso pelo pecado original4, mas que constitui o
“eixo da nossa santidade e o meio sobrenatural e humano apto para levarmos
Cristo connosco e fazermos o bem a todos”5. É como que a coluna vertebral do
homem, que dá base de sustentação a toda a sua vida, e o meio através do
qual devemos alcançar a nossa santidade e a dos outros. Um modo erróneo de
equacionar o trabalho profissional pode repercutir em toda a vida do homem,
mesmo nas suas relações com Deus.
São Paulo, como lemos na primeira Leitura da Missa7, fala aos primeiros
cristãos de Tessalónica do modo como se comportou com eles enquanto lhes
pregava a Boa Nova de Jesus: Estais lembrados – dizlhes – dos nossos
trabalhos e fadigas; trabalhando noite e dia para não sermos pesados a
nenhum de vós...8 E mais tarde, na segunda Epístola: Vós mesmos sabeis
como deveis imitar nos; pois não vivi entre vós sem trabalhar, nem comi de
graça o pão de ninguém, mas trabalhei e cansei me de noite e de dia para não
ser pesado a ninguém9. O Espírito Santo, com este exemplo, inculcavanos um
princípio prático bem claro a seguir: Se alguém não quiser trabalhar, que não
coma.
Hoje, na nossa oração serena e sossegada, temos que ter presente que o
Senhor também espera de nós esse mesmo espírito de laboriosidade, de
trabalho intenso, que se viveu entre os primeiros cristãos. Um dos escritos
cristãos mais antigos – a Didaquê – deixounos este admirável testemunho:
“Todo aquele que chegar a vós em nome do Senhor, seja recebido; depois,
examinandoo, vireis a conhecêlo [...]. Se quem chega é um viajante, não
permanecerá entre vós mais do que dois dias ou, se for necessário, três. Mas,
se quiser estabelecerse entre vós, tendo um ofício, que trabalhe e assim se
alimente. E se não tiver ofício, provede conforme a vossa prudência, de modo
que não viva entre vós nenhum cristão ocioso. Se não quiser fazer assim, é um
traficante de Cristo; estai alerta contra esses”10.
A sua própria maneira de falar, as parábolas e imagens que emprega na sua
pregação revelam um homem que conheceu muito de perto o trabalho; fala
sempre “para quem se afana, para uma vida ordinária sempre regida pela lei da
normalidade, pela aparição previsível dos mesmos problemas para as mesmas
pessoas. Este é o ambiente da pregação de Cristo; os seus ensinamentos
ficaram graficamente inseridos neste contexto. Não era o “filósofo”, nem o
“visionário”, mas o artesão. Alguém que trabalhava, como todos”12.
Durante a sua vida pública, o Mestre chamou para junto de si pessoas que
estavam habituadas ao trabalho: São Pedro, pescador de ofício, voltará às
suas tarefas de pesca logo que tiver a primeira oportunidade13; São Mateus é
convidado a seguir o Senhor num momento em que estava ocupado no seu
ofício de cobrador de impostos, e o mesmo aconteceu com os outros
Apóstolos.
Quando São Paulo partiu de Atenas e chegou a Corinto, encontrou um judeu
chamado Áquila, originário do Ponto, e sua esposa Priscila. Juntouse a eles. E
como era do mesmo ofício, hospedouse em casa deles e trabalhava em
companhia de Áquila; ambos eram fabricantes de lonas14. Foi durante essa
estadia de ano e meio em Corinto que São Paulo escreveu as exigentes
exortações que dirigiu aos cristãos de Tessalónica, convencido de que muitos
dos males que vinham afligindo aquela comunidade cristã se deviam à
circunstância de que alguns eram mais dados a falar e a andar de casa em
casa do que a ocuparse no seu trabalho.
Devemos examinar com frequência a qualidade humana do nosso trabalho:
se o começamos e terminamos no horário previsto, ainda que alguns dos
nossos colegas, ou mesmo todos, não o façam; se o realizamos com ordem,
sem deixar para o fim os assuntos mais difíceis ou menos gratos; se
trabalhamos intensamente, procurando evitar conversas, chamadas telefônicas
inúteis ou menos necessárias; se procuramos melhorar constantemente a
qualidade desse trabalho com o estudo oportuno, procurando estar atualizados
nas novas questões que surgem em todas as profissões; se nos excedemos
em cumprilo, como acontece com tudo o que se ama, mas com prudência e
rectidão, sem prejudicar o tempo que devemos à família, ao apostolado, à
nossa formação espiritual e religiosa... Numa palavra, contemplemos Jesus na
sua oficina de Nazaré, peçamos licença ao Senhor para entrar ali com os olhos
da fé, e então veremos se o nosso trabalho tem a qualidade e a profundidade
que Ele pede aos que o seguem.
III. TEMOS QUE AMAR e cuidar do nosso trabalho porque é um preceito do
nosso PaiDeus. Mediante o trabalho de todos os dias, a personalidade
desenvolvese, ganhase o preciso para as necessidades da família e para as
pessoais, bem como para prestar ajuda às boas obras de formação, de
apostolado, etc. Temos que amar o trabalho e convertêlo ao mesmo tempo em
tema e campo de oração, porque, acima de tudo, é caminho de santidade.
Podemos oferecer todos os dias ao Senhor imensas coisas que procuramos
que estejam bem feitas: o estudante poderá oferecerlhe horas de estudo
intensas e seguidas; a mãe de família, a solicitude eficaz pelos filhos, pelo
marido, o cuidado dos mil detalhes que fazem da sua casa um verdadeiro lar; o
médico, a par da competência profissional, o trato amável e acolhedor com os
pacientes; as enfermeiras, essas horas cheias de serviço contínuo, como se
cada um dos doentes fosse o próprio Cristo...
E por fim, lembremonos de que São Paulo, no meio da preocupação por
sustentarse e não ser gravoso a ninguém, continuava a ser o Apóstolo das
gentes, o eleito de Deus, e serviase da sua profissão para aproximar os outros
de Cristo. Assim devemos nós fazer, qualquer que seja o nosso ofício e o
nosso lugar na sociedade.
(1) João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 14IX1981, I, 9; (2) ib.; (3) cfr. Gen 1, 28; (4) cfr. Gen
3, 17; (5) Josemaría Escrivá, Carta, 14II1950; (6) São João Crisóstomo, Homilia sobre Priscila
e Áquila; (7) 1 Tess 2, 913; Primeira leitura da Missa da quartafeira da vigésima primeira
semana do TC, ano I; (8) 1 Tess 2, 9; (9) 2 Tess 3, 78; (10) Didaquê ou Doutrina dos Doze
Apóstolos; (11) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 14; (12) R. Gómez Pérez, La fe y los
dias, pág. 20; (13) cfr. Jo 21, 3; (14) cfr. At 18, 13.