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Para a psicanalista Maria Rita Kehl, a forma como a sociedade lida com o
tempo só faz bem para a indústria de antidepressivos
É por isso que o público aceita, por exemplo, que o autor da novela
da noite leve o grande vilão, um crápula que roubou tudo da mãe
de seu filho, a se redimir, quem sabe até ficar com a moça?
Isso tem a ver com essa tese de que os valores sentimentais é que contam.
Impressiona muito nas novelas que seja raro o bandido ser punido na forma
da lei. No final, ou morre num desastre, ou alguém o mata – é a vida que
castiga. É raro uma novela terminar com o bandido preso e julgado. No
Brasil, no nosso imaginário, primeiro a gente ouve muito que "Deus vai
castigar". E há essa pressa em perdoar. Basta ver o modo como terminou a
ditadura: terminou, terminou, não se fala mais nisso. Não houve pressão
para punir os ditadores. Agora acontecem algumas indenizações, mas não
houve julgamento. Todo mundo foi perdoado e nem sequer pediu perdão.
Nem se dá nome aos responsáveis. O brasileiro tem horror ao
enfrentamento do conflito.
Mesmo que seja um picareta, mas sem receita você não compra. Há
médicos convencidos de que você tem de tratar aquilo que a gente chama
de "dor de viver" – que é vital no ser humano – com antidepressivo. Até
amigos dizem "ah, você tem de tomar um antidepressivo, você está muito
caído". A ideologia é esta: não tente curar suas dores pela reflexão, não dê
o tempo que o luto precisa, tome um remédio e toque em frente. O trabalho
é cada vez mais competitivo, quanto mais depressa o cara estiver
bombando de novo, melhor. E não tem a ver só com trabalho, mas com os
imperativos do consumo. É isso que impede que as pessoas tenham o
tempo que precisam para se recuperar das quedas, perdas, crises. Tenho
observado e conversado com psicanalistas, e há um aumento alarmante de
suicídios entre adolescentes, pelo menos de classe média. Alarmante! Não
sei se isso significa que os adolescentes estão passando por crises mais
graves do que as crises de adolescência de 20 ou 30 anos atrás. A
adolescência dos anos 60, 70 tinha um prestígio. O adolescente em crise
juntava os amigos para falar, tinha uma certa rede de solidariedade e de
interesse, a crise significava que você estava amadurecendo.