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Caracterização
1. O que são os cuidados paliativos?
A doença que primeiro beneficiou dos cuidados paliativos foi o cancro. De algum
modo até se criou a ideia que são uma abordagem exclusiva desta doença. Mas não.
Todas as doenças crónicas, nas suas fases avançadas, podem beneficiar destes
cuidados. São exemplos a insuficiência cardíaca, a cirrose, a insuficiência renal, o AVC,
a SIDA, a demência, a senilidade, a esclerose em placas, entre outras. O movimento
actual dos cuidados paliativos, vai exactamente no sentido de incluir todas as doenças
incuráveis, nos últimos meses de vida, que podem ser seis meses, mas também um ano
ou mesmo mais.
5. Aceitar os cuidados paliativos significa aceitar que se tem uma doença incurável, e em
estado terminal. Como é que o doente deve gerir este processo?
Penso que a questão colocada assim pode levar a equívocos. Não são os
cuidados paliativos que determinam a incurabilidade de uma doença crónica. É antes o
facto de a doença ser crónica e estar na sua fase avançada que tem indicação para estes
cuidados. Penso que em qualquer situação, a informação conveniente deve acompanhar
todos os processos. O médico não pode mentir nunca e deve corresponder aos
interesses do doente. E é humano morrer. Tal processo poderá ser natural se bem
apoiado pela equipa de cuidados paliativos. A nossa experiência, já longa, desde 1993,
com mais de dois mil casos seguidos, prova que a vida no seus últimos tempos, pode
ser vivida com alguma qualidade, sabendo o doente que tem uma doença grave e que
pode morrer. O que ele pede é que não o abandonemos e lhe aliviemos o sofrimento. E
esse é o papel dos cuidados paliativos.
6. De que forma é que os cuidados paliativos conferem uma maior qualidade de vida ao
doente?
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Entrevista
A família faz parte do foco de atenção da equipa. Ajudando o doente é logo uma
ajuda importante para a família. Os familiares são envolvidos em todo o processo,
fazem-se conferências familiares e avaliam-se as suas necessidades. Uma questão
importante tem a ver com a escolha do local onde vai estar o doente, quando precisa
destes cuidados. Defendemos que compete ao doente e à família essa escolha. E a
escolha só pode ser genuína se a equipa puder responder sem entraves em qualquer
local que lhes interesse.
Para além da ajuda ao seu familiar doente, os familiares mais próximos podem
necessitar de apoio psicológico, ou de outro tipo de ordem social. A questão do luto
tem uma importância primordial e os lutos patológicos devem ser identificados, se
possível prevenidos, e sempre apoiados. A psicóloga tem aqui um papel
fundamental, mas qualquer elemento da equipa pode ajudar.
10. Existem cursos para familiares? Onde? Qual o valor efectivo destes cursos?
A aproximação pode ser feita assim: 85% de todos os doentes que morrem,
anualmente, por cancro e cerca de 66% de todos os outros doentes que morrem com
doenças crónicas. Pelo menos. Esta estimativa decorre da presença de sintomas
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Entrevista
muito peníveis nesses doentes, como é o caso da dor crónica, que necessitam de
controlo efectivo. Fazendo as contas para a situação portuguesa teremos cerca de
66.000 doentes, aos quais temos que associar mais os seus familiares. Falar em
cerca de cento e cinquenta mil pessoas não é despiciendo.
12. Qual a evolução da taxa de portugueses que necssitam de cuidados paliativos nas
ultimas décadas? Como deverá evoluir nos próximos anos?
É ainda uma área muito incipiente. Nós começámos há mais de 15 anos, com a
fundação da Unidade de Tratamento da Dor, no então Hospital Distrital do Fundão, e se é
certo que os cuidados paliativos têm hoje mais visibilidade, ainda são algo que muitos
médicos desconhecem simplesmente ou não valorizam. Este é que é o grande problema.
Sem formação apropriada pouco se caminhará. No entanto, a legislação actual dos
cuidados continuados vai promover mudanças significativas. Também a maior
disponibilidade de medicamentos essenciais, como a passagem recente dos opióides
para o primeiro escalão da comparticipação, vai ter um efeito considerável. Estamos,
efectivamente, em tempo de mudança e isso só pode regozijar-nos.
Eu resumiria assim:
1. Problemas de formação dos profissionais;
2. Discurso público pouco adequado sobre a sua importância na moderna
medicina, transparecendo às vezes que são considerados cuidados de 2ª
classe;
3. Peso excessivo dos serviços médicos para doenças agudas, tendo em vista
as necessidades reais da população portuguesa;
4. Impossibilidade de implementar os cuidados paliativos se não se estabelecer
um equilíbrio de acordo com as necessidades reais de toda a medicina;
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