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A
Igreja é, por sua natureza, missionária. Com o objetivo
de recordar aos cristãos essa identidade, todos os anos,
no mês de outubro, realiza-se a Campanha Missionária.
Temos ainda bem presente em nossa memória o tema da
CF 2007: “Amazônia, Vida e Missão nesse chão”. Inspi-
rado por esse convite, o tema da Campanha Missionária
alarga os horizontes da fé com um surpreendente desafio: “Deus 1 - Representação de um olhar
Ama sem Fronteiras: da Amazônia para o Mundo”. Como assim? Há aberto ao mundo.
Foto: iStockphoto/Duncan Walker
poucos meses a CF nos convocava a fazer missão na Amazônia, e
agora a Campanha Missionária nos incentiva a partir da Amazônia 2 - Irmã Célia Cristina Báez
para o mundo? Como é possível convidar uma Igreja pobre, com missionária em Djibuti, África.
necessidades urgentes a enviar missionários para outras partes Foto: Arquivo Pessoal
do planeta? Esse apelo somente tem sua lógica quando colocado
no contexto da Missão universal. Os ensinamentos de Jesus nos
ajudam a entender essa Missão quando ele ordena: “Ide, pregai a MURAL DO LEITOR--------------------------------------04
Boa Nova a toda criatura” (Mt 28), a todos Cartas
Jaime C. Patias
- Outubro 2007 3
Mural do Leitor
Ano XXXIV - Nº 08 Outubro 2007 Revista Missões
4 Outubro 2007 -
Quando os
OPINIÃO
excluídos aparecem
Os pobres de hoje continuam a gritar, embora da opressão e do capitalismo. Chegados aos anos 90, auge
do sistema neoliberal e da reestruturação produtiva, os pobres
para o sistema neoliberal eles não existam. tornaram-se, sem mais, excluídos. Agora são tratados como
excedentes, descartáveis, não-gente, incômodos...
"Q
“apareceu” e aos que fizeram a imagem negra aparecer – os
uem não é visto, não é lembrado”, ensina o provérbio bispos falaram dos rostos sofridos presentes em nossa América
popular. Porém, nem sempre os que são esquecidos Latina e Caribe. No documento final, identificaram como novos
estão ocultos. No caso dos excluídos, acham-se excluídos, entre outros, os povos indígenas e afro-americanos,
por toda parte. Mesmo assim, não são lembrados e mulheres, jovens, desempregados, migrantes, estrangeiros, re-
não contam no sistema capitalista. Quem são eles, fugiados, desaparecidos, sem-terra, moradores de rua, crianças
afinal? Por que se multiplicam tanto? O que tem a submetidas à prostituição, portadores de doenças, dependentes de
Igreja a dizer sobre essa realidade? Como ajudar a tirá-los dos drogas, vítimas da violência, idosos, presos... (DA 65 e 402).
“porões da humanidade?” As questões pululam em busca de O pior da exclusão é que não se trata de uma ocorrência
respostas objetivas. conjuntural, passageira. É um problema estrutural, que perma-
Há cerca de 500 anos está em curso, no Brasil, um processo nece e se amplia. Diante disso, os bispos perceberam grandes
de exclusão social. A colonização imprimiu essa marca, que desafios. Disseram que a Igreja é chamada a promover uma
está difícil de superar. Em tempos mais recentes – anos 60/70 educação de qualidade centrada na pessoa humana (cf. DA
334). Adiante, reafirmaram a opção do amor
preferencial pelos pobres e o compromisso
Jaime C. Patias
- Outubro 2007 5
Conselho Missionário
realiza encontro estadual
C
erca de 100 pessoas participaram do 27º encontro
estadual missionário organizado pelo Conselho Mis- Encontro do COMIRE Sul 1 em Ribeirão
sionário Regional - COMIRE Sul 1 da CNBB na casa
Bakhita, em Ribeirão Preto, São Paulo. O evento, Preto, São Paulo, analisa a V Conferência
realizado entre os dias 17 e 19 de agosto, discutiu
as conclusões da V Conferência de Aparecida e a do CELAM, o papel dos jovens na Igreja e as
Juventude Missionária.
O arcebispo de Ribeirão Preto, dom Joviano de Lima Júnior, experiências missionárias.
deu as boas vindas aos participantes e ressaltou a importância
de dar um rosto cada vez mais missionário às nossas Igrejas
Jaime C. Patias
particulares. Disse ainda que esse encontro veio revigorar o
Projeto Ser Igreja Missionária (SIM) da arquidiocese, nesse
Ano Jubilar em que a Igreja de Ribeirão Preto celebra seus 100
anos de instalação.
6 Outubro 2007 -
Um entre mil
pró-vocações
Eu tinha certeza que você viria! ajuda as pessoas a se realizarem. Há quem diga que muitos não
conseguem ter e nem ser nada, porque nunca tiveram um amigo
verdadeiro. A amizade é comparada a uma fonte borbulhante: ela
de Rosa Clara Franzoi
não retém a água só para si, transborda e se doa gratuitamente,
renovando a vida de quem a dá e de quem a recebe num movi-
mento recíproco. Para a amizade, não existem barreiras de cor,
A
sexo, idade, cultura, classe social...
Bíblia, no Livro do Eclesiástico, faz um belíssimo elogio
ao amigo fiel: Diz: “Dá-te bem com todos, mas escolhe Você tem amigos?
por confidente e conselheiro, um entre mil” (Eclo 6, 6). Claro que estamos falando da boa amizade, porque existem
E mais adiante: “Um amigo fiel é uma poderosa prote- também os falsos amigos, que se aproveitam dos sentimentos
ção e quem o tem, encontrou um tesouro” (Eclo 6, 14). alheios em benefício próprio. Com certeza, você já topou com um
Uau! Isso tem peso! A afirmação é maravilhosa. Seria amigo-tenaz, que usa sua amizade só para ganhar uma colinha na
interessante perceber-lhe o sentido na vida prática. Comecemos hora da prova; ou um amigo-caixa, para você pagar a conta no bar;
tentando entender como isso funciona. O que é a amizade? O que ou ainda, um amigo-pronto socorro, para que o salve nas horas de
significa ter um amigo/a? E o que é ser amigo/a? Sabemos que aperto; um amigo-calculista, que se dá alguma coisa, mais tarde é
a amizade é um dos dons mais preciosos que Deus colocou no capaz de cobrá-la com juros; um amigo da onça, que procura sua
coração do ser humano. É um nobre sentimento que aproxima e amizade só quando lhe convém; ou então, um amigo-iô-iô, que fica
sempre de olho no que voltará para ele; dá, se vê a
Divulgação
- Outubro 2007 7
maioria tâmil, controlado parcialmente pelos rebeldes
do “Liberation Tigers of Tamil Eelam”, que combatem
contra o exército regular. É, portanto, uma espécie de
“primeira linha do conflito”, área na qual há freqüentes
operações militares, muitos refugiados e a carência de
bens de necessidade primária. As autoridades civis
declararam que “fazem o possível para salvar os civis
inocentes”, mas há vítimas. Boa parte da população
não pode viver normalmente e teve que abandonar
suas casas. A Igreja de Mannar acolheu mais de 400
famílias de desalojados.
Peru
Jovens ajudam vítimas do terremoto
A Pastoral Juvenil Missionária das Pontifícias Obras
Missionárias, Jovens Sem Fronteiras (JSF) encerrou
a campanha de solidariedade “Olhe o mundo com o
Nova York - ONU mesmo olhar de Cristo”. Um grupo de jovens do movi-
Direitos dos Povos Indígenas mento visitou os lugares atingidos pelo terremoto que
VOLTA AO MUNDO
A Assembléia Geral da Organização das Nações abalou o Peru no dia 15 de agosto. O grupo de jovens
Unidas (ONU) aprovou, no dia 13 de setembro, a esteve principalmente na localidade de El Carmen, em
Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas. Este Ica, um dos lugares mais atingidos pelo sismo, onde
instrumento internacional protegerá os mais de 370 ajudaram as pessoas da comunidade. Para os Jovens
milhões de indígenas do mundo. “A Declaração é um Sem Fronteiras que tiveram a oportunidade de viver
importante instrumento para a luta dos povos indígenas esta experiência, foram dias inesquecíveis, e eles pe-
por seus direitos”, avalia Saulo Feitosa, representante dem ajuda a todas as pessoas “para que continuem a
do CIMI na Comissão Nacional de Política Indigenista. colaborar com nossos irmãos, porque precisam ainda
Ele destaca que o texto aprovado reconhece o auto- de todos, e nada é pouco quando se trata de ajudar
governo e a livre determinação dos povos. “A ONU as pessoas”. Diversos grupos da arquidiocese de
recomenda, com esta decisão, que as nações do mundo Lima, formados por cerca de 12 sacerdotes cada um,
respeitem as formas políticas, sociais e jurídicas de realizaram já mais de 30 viagens às regiões atingidas
cada povo”, completa. O texto foi aprovado por 143 para oferecer assistência espiritual às vítimas. Alguns
votos a favor, 4 contra – Canadá, Estados Unidos, dos sacerdotes foram às regiões do desastre com
Nova Zelândia e Austrália – e 11 abstenções. Um dos pequenos grupos de jovens voluntários. Prevê-se
pontos mais importantes do documento se refere ao que este apoio continue até que a situação nas áreas
direito à terra. Segundo a Declaração, os Estados devastadas pelo terremoto retorne à normalidade. A
devem assegurar aos povos a proteção jurídica de Cáritas do Peru elaborou um documento que resume
seus territórios e recursos. Pelo texto, nenhuma ação a situação no país andino: as notícias oficiais indicam
deve ocorrer em terras indígenas sem consentimento 519 mortos e 1.844 feridos. 59.800 famílias foram
prévio e informado dos povos. As formas de consultá- atingidas, com 59.795 casas destruídas, e outras 20
los devem ser de acordo com a organização de cada mil ficaram parcialmente danificadas.
povo. A aprovação da Declaração é considerada uma
vitória para os povos indígenas. "Isso mostra que os África do Sul
Estados e a comunidade internacional percebem que Vacina contra Aids
a nossa articulação buscando nossos direitos está Testes de uma vacina contra a Aids realizados por
cada vez mais forte", comemora Sandro Tuxá, da pesquisadores da África do Sul mostraram resultados
Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas animadores. A pesquisa foi feita com 480 pessoas
Gerais e Espírito Santo. não contaminadas pelo vírus HIV e a maioria teve
resposta imunológica positiva. A vacina HVTN 204
Sri Lanka conseguiu ativar o sistema de defesa do organismo
Apelo à comunidade internacional para a produção de anticorpos contra o vírus. Os efeitos
As igrejas cristãs de Sri Lanka pedem à comunidade colaterais mostraram-se moderados. Os resultados
internacional que não se esqueça da castigada ilha do foram anunciados em um encontro patrocinado pela
subcontinente indiano, na qual um conflito civil está Iniciativa Sul-Africana da Vacina contra Aids, realizado
provocando sofrimentos inenarráveis à população e a em Johanesburgo. De acordo com os pesquisadores,
morte de tantos inocentes. Uma delegação do Conse- um sistema imunológico saudável contribui para evitar
lho Mundial das Igrejas esteve recentemente no país, a contaminação, enquanto pessoas com um siste-
visitando as áreas de conflito e encontrando-se com ma imunológico comprometido têm chances muito
líderes civis e religiosos, constatando as dificuldades maiores de contraírem o vírus. Para os cientistas os
de sobrevivência da população, as desastrosas con- testes mostraram que a vacina pode, futuramente, ser
dições das crianças, a pobreza praticamente crônica eficiente no controle dos níveis do vírus e até mesmo
dos refugiados. “Estamos felizes que vocês vieram na sua prevenção, mas ainda há um longo caminho a
aqui e perceberam a situação” - disse, acolhendo a percorrer.
delegação, dom Ryappu Joseph, bispo de Mannar,
no Centro-Norte da ilha. Mannar é um distrito de Fontes: CIMI, Fides, Notícias do Planalto.
8 Outubro 2007 -
INTENÇÃO MISSIONÁRIA
A fim de que o Dia Missionário Mundial internas e externas e das necessidades destes novos tempos;
É necessário investir fortemente na formação dos agentes
seja uma ocasião propícia para suscitar de pastoral, no sentido de fazer-lhes compreender que são cha-
uma consciência missionária cada vez mais mados a uma vocação universal de santidade e de serviço;
É necessário ajudar os padres e tornarem-se eles, os pri-
profunda em cada um dos batizados. meiros missionários em seus próprios territórios de apostolado
e também diante das necessidades de toda a Igreja. Afinal de
contas, o que define o nosso sacerdócio não é a incardinação
de Vitor Hugo Gerhard territorial, mas a universalidade do sacerdócio de Cristo no qual
somos formatados (para usar uma palavra moderna);
P
É necessário aproveitar bem o material produzido pelas
elos dados estatísticos, somos no mundo de hoje cerca Pontifícias Obras Missionárias e não desperdiçá-lo. Preparar
de 6,5 bilhões de habitantes. Destes, aproximadamente bem as homilias, motivar bem os grupos de apostolado leigo nas
30% professam a fé cristã, nas paróquias, incentivar a coleta missioná-
P
ai Nosso Missionário
Pai Nosso - Pai dos seis bilhões de e da guerra, da miséria e da perseguição,
pessoas que povoam a terra inteira. da exclusão e da injustiça, do analfabetis-
Que estais nos céus - na nossa família, mo e do abandono, da droga e do álcool,
no nosso país, e em todo o mundo. do desespero e da falta de sentido para
Santificado seja o vosso nome - sobre- a vida.
tudo na pessoa dos mais pobres e dos Perdoai-nos as nossas ofensas assim
mais abandonados. como nós perdoamos a quem nos tem
Divulgação
Venha a nós o vosso reino - e aos irmãos ofendido - mesmo a quem nos faz mal,
dos cinco continentes, sobretudo, os que nos odeia e nos persegue.
não vos conhecem. E não nos deixeis cair em tentação - de
Seja feita a vossa vontade assim na terra cruzar os braços diante dos problemas
como no Céu - para que todos vivam na por egoísmo, por medo ou por cansaço.
justiça, na paz e no amor e sigam pelo Mas livrai-nos do mal - sobretudo de es-
caminho da verdade. quecer ou ignorar o vosso apelo missio-
O pão nosso de cada dia nos dai hoje - nário de amar e servir todas as pessoas.
às vítimas da fome e do ódio, da violência Amém.
- Outubro 2007 9
Em Deus,
espiritualidade
E
m 11 anos como religioso mis-
sionário, graças a Deus, tenho
tido a oportunidade de aprender
com cada pessoa que Deus vai
colocando no meu caminho. E
descubro que cada um encontra
a Deus de uma maneira diferente. Porém,
só quem faz experiência profunda do Seu
amor incondicional começa a abrir-se
ao mundo com um olhar samaritano e
missionário.
Descubro, ainda, que não é fácil o
caminho da santidade cristã. O autêntico
amor a Cristo levou-me a superar um co- Padre Moisés Fachini, missionário da Consolata na Tanzânia.
ração tribal para inaugurar um horizonte
universal. O Cristo crucificado, ressuscitado Redemptoris Missio: “O verdadeiro mis- Ninguém se faz santo sozinho. Thomas
e missionário, é o mesmo Cristo que um sionário é o santo”. É uma expressão não Merton dizia, com absoluta razão: ninguém
dia me desafiou a ter um coração aberto, muito diferente de uma outra, proferida é uma ilha.
escancarado à universalidade do Reino. há mais de 100 anos por José Allamano,
Caso contrário a minha espiritualidade fundador dos missionários e missionárias Descobrir-me no outro
não seria mais que a soma de piedades da Consolata, quando exortava os seus Atribuem a Tony de Mello a história
egoístas e abstratas. E a espiritualidae pupilos a “serem primeiro santos e de- que trago aqui para ilustrar o que pretendo
missionária não passa por aí. pois missionários”. Alguém na sala, com transmitir. Contava ele que, certo dia, um
razão, no meu modo de ver, arrematou grupo de rapazes deslocara-se para uma
Santo é o missionário que também se poderia inverter a frase pequena cidade do interior a fim de par-
Sabemos que a vida da Igreja tem sido da RM, que ficaria assim: “O verdadeiro ticipar de uma festa. Divertiram-se numa
marcada, ao longo da história, por homens santo é o missionário”. Explicação sim- atmosfera estimulante, eufórica. Com o
e mulheres extraordinários. Pessoas que ples: às vezes pode-se pensar, de forma cair da noite, caminhando, voltavam para
decidiram seguir o Mestre, na fidelidade à individualista e até narcisista que, como a sua cidade. O percurso era longo. Com
Palavra, sem reservas. Muitos estão nos nunca chegarei a ser santo, nunca serei o frio e a chuva que impiedosamente co-
altares para veneração. missionário. Acomodo-me. Então, é na meçava a cair, procuravam um abrigo no
O certo é que me encontrei estes dias prática missionária que se faz caminho meio do caminho. Avistaram uma cabana.
a pensar numa questão, lançada à reflexão de santidade. É entrando na água que se Servia! O frio da noite levou-os a se acon-
e ao debate, por um colega num curso em aprende a nadar, não a seco! O verdadeiro chegarem, por mais calor. Amanheceu e,
que também participei. Está na encíclica santo é o que se faz santo com outros. ainda meio dormindo, com a ressaca do
10 Outubro 2007 -
álcool, o frio e o lugar diferente, não con- tantas partes do mundo, humilhado e opri-
seguiam recuperar a consciência corporal. Precisamos de uma mido por causa das pobrezas endêmicas,
A um camponês madrugador, que por da violência e da negação sistemática
ali passava a caminho da roça, pediram espiritualidade que leve dos direitos humanos”, frisa Bento XVI.
ajuda, para sair daquele novelo em que se A Igreja, toda ela, - prossegue o papa
encontravam. Disseram-lhe que estavam a Igreja a manifestar a - “não pode subtrair-se” a essa missão
mareados e não conseguiam reconhecer universal. O amor dos fiéis avalia-se na sua
o seu próprio corpo. A solução do sábio salvação de Cristo na “coragem para evangelizar”. E reconhece
camponês foi fácil: tirou um arame da o trabalho dos missionários no mundo:
sela do burro, aproximou-se do grupo sociedade atual. “O Dia Missionário Mundial seja ocasião
de rapazes confusamente entrelaçados para recordar na oração estes nossos
e picando um pé notou que rapidamente irmãos e irmãs na fé e quantos continuam
alguém acusava o golpe. Ai!, ouvia o À Igreja toda, e a todas as Igrejas locais a prodigalizar-se no vasto campo missio-
murmúrio. O homem perguntava: Quem se foi-lhes dada a missão de evangelizar, sem nário. Peçamos a Deus que o seu exemplo
manifestou? Fui eu! Pois, então, esse pé é exceção, até aos confins do mundo. E as suscite em toda a parte novas vocações
seu!, rematava o camponês. Em seguida Igrejas jovens, já evangelizadas, devem e uma renovada consciência missionária
picava uma mão. Ui! É minha! E, pouco assumir agora o compromisso de serem, no povo cristão”. Novas vocações? Claro!
a pouco, foi encontrando os membros de elas também, missionárias. Missionários santos!
cada unidade corporal. Isto já não é novidade para nós: a
Pois bem, na perspectiva da santidade missão é tarefa de todos. Onde é que Universalidade do Reino
e da espiritualidade missionária, o “nós” o processo emperra, então? Se a teo- A Missão não é uma comunidade de
aparece quando alguém pica o nosso pé, logia da missão descobriu, faz tempo, interesses, mas sim a descoberta de um
ou a nossa mão, a dor aparece no coração esta urgência da missão, o mesmo não "nós", de uma Igreja-comunidade geradora
do outro e somos nós que dizemos: ai! É acontece com a pastoral e, até mesmo, de vida, porque evangelizadora, de pes
aí que começa o “nós”: quando a dor ou com a espiritualidade. Há muito caminho soas, povos, culturas com quem se partilha
a alegria, a angústia ou a esperança do a percorrer. Não raro, muitos cristãos, a força do Evangelho consolador, criando
outro, como por vasos comunicantes, chega movimentos e Igrejas locais vivem uma fraternidade, comunhão. Com Deus em
à nossa consciência e nos faz responder espiritualidade de gueto, muito centrada tudo e em todos. Encarnado. Inculturado.
como se fosse nosso. É o dinamismo da em piedades fáceis, em liturgias frias, Feito pão, chão, oração. É aprender a olhar
parábola do samaritano. É o momento em ritualizadas e pouco vitais, em pastorais o mundo com os olhos do pobre, a partir
que se dá o passo do “eu” ao “nós”. Do meramente sacramentalistas, pouco da- do seu universo de referências. E acolhê-lo
individualismo à comunidade. Do tribal das ao desafio da evangelização: do ir ao no meu universo afetivo, oferecendo-lhe
ao universal. encontro daquele que não experimentou gratuitamente a energia amorosa do Pai,
o Evangelho da consolação, da ação na misericórdia e na compaixão: vibrar
Das Igrejas para o mundo transformadora e libertadora de Deus. com, padecer com, alegrar-se com, nas
Nesta linha, a mensagem do papa Bento Enfim, “a espiritualidade” - diz o papa na múltiplas formas de manifestar o rosto
XVI, para o Dia Mundial das Missões, a mensagem - “do envio e do êxodo”. de Deus-Amor.
celebrarmos no dia 21 de outubro, é clara. O Precisamos de uma espiritualidade Outubro missionário é um mês que
tema da mensagem “Todas as Igrejas para que leve a Igreja a manifestar a salvação nos convida a viajar. Mas, “sem devo-
o mundo inteiro”, convoca todos à Missão. de Cristo ao homem do nosso tempo “em rar quilômetros”, como diria dom Hélder
Câmara. E pensar em gentes, tantas!
Por isso lembro, agora, o livro “Todos os
Nomes”, de um ateu, porém, humanista:
José Saramago, que me faz viajar por
todos esses nomes, tantos! Que, de tão
desconhecidos, de tão diferentes, de tão
distantes do coração estão certamente
no coração de Deus, antes mesmo de
entrarem no nosso. Ali estão as vítimas
da perseguição em Darfur, do terremoto
no Peru, da violência gratuita das nossas
cidades, do terrorismo no Iraque, ou nas
profundezas da Amazônia ferida. Sentir
com eles é ter coração Eucarístico. Um
coração capaz de compaixão e de indig-
nação. Um coração que sente o outro
e, sobretudo, que sente com o outro.
Permitam-me dizer quase em segredo:
em Deus, Pai amoroso, eu também sou
você. A propósito, alguém picou o seu pé?
É que eu senti!
- Outubro 2007 11
Missionária
testemunho
entre os muçulmanos O povo de Djibuti é muito religioso, língua somali. Porém, existe o gesto, o
Irmã Célia Cristina Báez, crê na grandeza e onipotência de Deus. olhar, o beijo, o abraço; e isto, creio eu,
Vivendo lado a lado, vou descobrindo os enriquece a comunicação.
missionária da Consolata, é muitos valores que possui sua cultura,
como a simplicidade, o perdão, a hospi- Rosto feminino da Missão
argentina e está há três anos talidade, a partilha, a grande confiança Atualmente trabalho no "Orfanato a
em Alá. O toque do Muezin que chama à Mãe e a Criança", uma instituição gover-
em Djibuti, na África. oração, cinco vezes por dia, é para mim namental fundada depois da independên-
um convite a crescer na minha relação cia, em 1978, com o objetivo de acolher
com Deus. Aqui se aprende a dar sem jovens, oferecendo-lhes assistência social
de Célia Cristina Báez esperar nada em troca, sem sequer ouvir e educativa para reduzir a miséria, a
D
um obrigado; esta palavra nem existe na delinqüência juvenil e a prostituição. No
jibuti é um país sem atrações,
sem encanto, sem a cor verde
Arquivo Pessoal
12 Outubro 2007 -
Nome oficial ������������������������������������� República do Djibuti
Djibuti Capital �������������������������������������������� Djibuti, 200.000 hab
Outras cidades ��������������������������������� Kikhil, Ali-Sabieh, Tadjourah e Obock
Sistema de governo �������������������������� República Parlamentar
Superfície ��������������������������������������� 23.200 Km2
Moeda �������������������������������������������� Franco djibutino
População �������������������������������������� 693.000 hab
Djibuti
Povos ��������������������������������������������� Issa (50%); Afar (40%); restante (10%),
árabes e de outras nacionalidades.
Distribuição da população ����������������� Urbana (84,2%), Rural (15,8%)
Djibuti Analfabetismo ���������������������������������� 23% homens; 43,2% mulheres
Línguas ������������������������������������������� Cositica (oficial), árabe e francês
Expectativa de vida ��������������������������� 45,7 anos
Religião ������������������������������������������� 96,6% muçulmanos, 2,5% católicos, 0,5%
ortodoxos e 0,1% protestantes
Médicos ������������������������������������������ 14 para cada 1.000.000
momento são duzentas meninas e jovens, As minhas primeiras impressões foram dendo mais porque é tão importante um
entre dois a 20 anos. Algumas são órfãs, positivas, porque senti que neste país, conhecimento real da fé cristã e da vida
outras estão aqui porque não têm condi- exclusivamente muçulmano, a mulher é social do outro para saber testemunhar
ções de se sustentar, foram abandonadas mais valorizada que em outros países e falar com uma linguagem que todos
pela família. Procuramos dar a elas uma islâmicos. Comecei este trabalho com entendam. Claro que para me aproximar
formação social e cultural, para poderem muito interesse e entusiasmo. Quando de alguém, com eficácia, tenho que co-
se assegurar no futuro. Já são quase três cheguei as jovens ficavam me olhando nhecê-lo, porque quanto mais o conheço,
anos que estou colaborando neste centro. com muita curiosidade. Admiravam-se mais posso amá-lo respeitando sua fé,
ao ver que eu conversa- suas convicções e sua cultura. Creio que
va e brincava com todas, a nossa presença, de religiosas missio-
indistintamente, até com nárias em terras muçulmanas seja um
as menorzinhas. Aos sinal. Estou convencida que aqui temos
poucos, fui ganhando a uma missão a cumprir, que é a de asse-
sua confiança e estima. gurar uma presença viva do Evangelho
Agora, tudo é diferente; de Jesus, através do nosso empenho
a desconfiança e suspeita vivido com alegria e muito amor. Tudo
desapareceram. Muitas isso se demonstra na acolhida alegre e
vezes elas me procuram serena; na disponibilidade total, na vida
para pedir orientação nas simples que levamos.
suas decisões e dificul- Às vezes pergunto a mim mesma: o que
dades. Elas me dizem: significa ser missionária aqui em Djibuti?
“Célia, você parece ser Para mim, penso que a resposta seja esta:
do nosso grupo”. Iniciei ser missionária nesta terra é um convite
com elas um caminho de contínuo ao reconhecimento e gratidão ao
testemunho e diálogo. Tes- Senhor que me elegeu. Porém, é também,
temunhar o amor de Deus um chamado a voltar constantemente
e a sua ternura; fazendo ao essencial: Cristo e seu Evangelho. É
esse percurso com elas, acreditar, com convicção, que o amor de
no seu ritmo. Tudo isso, Deus chama a nós cristãos, a não nos
me ajudou e continua me fecharmos em nós mesmos; mas, a nos
ajudando a conhecer, abrir e sair, ir além das nossas fronteiras,
mais a fundo esta cultu- ao encontro dos outros irmãos e irmãs; é
ra árabe, mesclada com aceitar até, de não poder falar da própria
a cultura dos Afar, tribo fé e viver fraternalmente no meio de um
autóctone destas terras, povo cuja fé se oponha à nossa. A cruz
muito diferente das de- de Jesus que eles rejeitam, é o que me
mais culturas africanas. purifica, me sustenta e me convida a pôr
As meninas maiores já toda a confiança nele e dizer-lhe: “Faze
me abordam, para uma Senhor, que hoje eu olhe meus irmãos e
série de perguntas sobre irmãs com um olhar de amor. Faze que
a minha vida particular: O os acolha como quem tu queres amar por
que significa ser religiosa? meu intermédio. Faze, sobretudo, Senhor,
Por que não tenho filhos? que eu seja compreensiva, serena e que
Elas me contam a vida de todos os que me encontram, sintam tua
Maomé, o que ele fez e o presença e teu amor”.
que disse. Através dessas
conversas, estou enten- Célia Cristina Báez, MC, é missionária em Djibuti, África.
- Outubro 2007 13
fé e política
Os preparativos da Igreja
para 2008 O papel político suprapartidário e
educador da Igreja Católica.
de Humberto Dantas isolamento. Por vezes nos sentimos enxugando gelo. Nós mis-
sionários, que acreditamos no princípio fundamental da educação
E
como base da democracia, nos percebemos sozinhos em um
m agosto participei de um encontro de Escolas de Fé e país que entende a política como arena de corrupção e descaso.
Política no bairro do Ipiranga, em São Paulo. Apesar da Encontros dessa natureza servem como elo capaz de arrefecer
rápida passagem pelo evento, tive a oportunidade de o desânimo e fortificar a alma justa, a mesma que inspirava São
conhecer cristãos verdadeiramente preocupados com a Thomas More (1478-1535) na Inglaterra.
formação de nossos leigos e religiosos para a democracia. A construção de um Brasil mais justo passa por esse esforço,
Já mostramos aqui, em outros artigos, que o papel político que sob a égide da democracia requer cidadãos compromissados
da Igreja tem como tema central a educação suprapartidária. Tal com o bem coletivo.
posicionamento pôde ser verificado nas palavras do papa Bento
XVI e em tantos outros momentos e ações marcantes. Na revista Papel político da Igreja
Vida Pastoral, em número destinado à Fé e Política, reafirmei tal Em minha rápida participação no evento fiquei responsável
posição em artigo assinado com o filósofo Neivor Schuck. por estabelecer uma relação entre a democracia, a cidadania e
No encontro do Ipiranga estiveram presentes representantes a educação. Tarefa teoricamente fácil e árdua do ponto de vista
das Escolas do Rio de Janeiro e de São Paulo. A primeira grande da realidade. O desafio por vezes esbarra na resistência da
contribuição se concentrou no sentido de fortalecer a rede de sociedade, dos dirigentes políticos e até mesmo de setores de
cristãos que acredita no papel político da Igreja. Os trabalhos de nossa Igreja Católica. Ouvi relatos de cidadãos que se diziam
Fé e Política, quando desarticulados, transmitem a sensação de ameaçados e desencorajados por cristãos. Difícil aceitar que isso
ainda exista. Preocupante pensar que alguns de nossos irmãos
ainda tenham dúvidas sobre o papel político suprapartidário e
Jaime C. Patias
Humberto Dantas é cientista político, professor do Centro Universitário São Camilo. Co-autor do
livro Introdução à Política Brasileira, Paulus, 2007.
14 Outubro 2007 -
FORMAÇÃO mISSIONÁRIA
A Conferência de Aparecida
Exigências do
discipulado missionário
A partir do evangelista Lucas, vamos aprofundar a vocação do
discípulo missionário de Jesus Cristo.
A
Conferência de Aparecida
nos fala do discipulado e
da missão de todo batizado
no seguimento do Senhor
para dar vida aos povos da
América Latina e do Caribe. O
ícone que queremos seguir para traçar
as exigências do discipulado e da missão
é o mesmo do discípulo Lucas. Ele, na
sua obra do Evangelho e dos Atos dos
Apóstolos, nos acompanhará no estu-
do e exposição das exigências dessa
vocação. Não podemos pretender ser
“discípulos missionários” de Jesus sem
parar para refletir sobre as exigências
concretas para seguir seus passos e
sobre as forças com que devemos con-
tar para essa tarefa. Nunca Jesus quis
seguidores autômatos, mas, pessoas
lúcidas e responsáveis. Com freqüên-
cia devemos sentar para refletir sobre
as verdadeiras exigências, os riscos
e as forças com as quais contamos
para realizar a missão. Não podemos
“construir uma torre” sem sentar-nos
para ver os meios que temos.
Na primeira parte, o terceiro Evange-
lho nos descreve a proposta que Jesus
faz aos seus discípulos se querem ser
seus seguidores e construtores do Reino
de Deus; na segunda parte, nos Atos
dos Apóstolos, Lucas relata concreta-
mente os primeiros missionários e as
primeiras experiências da missão.
- Outubro 2007 15
As condições
Jaime C. Patias
Tomamos o seguimento de Jesus
como condição para ser discípulo e
missionário. “Jesus escolheu seus dis-
cípulos para que estivessem com Ele
e para enviá-los a pregar” (Mc 3, 14)
para que o seguissem com a finalidade
de “ser dEle” e fazer parte “dos seus”
e participar de sua missão. O discípulo
experimenta que a vinculação íntima
com Jesus no grupo dos seus “é par-
ticipação da Vida saída das entranhas
do Pai, é formar-se para assumir seu
estilo de vida e suas motivações (cf. Lc
6, 40), correr sua mesma sorte e assu-
mir sua missão de fazer novas todas
as coisas” (DA 131). Estar com Jesus
e ser enviado em Missão é a síntese
perfeita do discípulo cristão.
O tema do discipulado está intima-
mente unido ao anúncio do Reino. Jesus
veio ao mundo para anunciar este Reino
de Deus. Quando Jesus o anuncia e o
povo vai ao seu encontro, nunca o vê Aparecida Severo, missionária leiga, durante encontro do COMIRE em Ribeirão Preto, SP.
sozinho, mas sempre rodeado de discí- e anuncia o Evangelho aos pobres. problemas sociais apoiados em estru-
pulos. Um dos primeiros resultados da O acompanham até Jerusalém onde turas onde os que perdem são sempre
missão de Jesus, e o mais duradouro, experimentarão o triunfo da Cruz e a os pobres, de sistemas políticos que
é o discipulado. O discipulado é, pois, glória da Ressurreição. pensam e programam quase sempre
uma conseqüência do projeto do Rei- para os privilegiados. O caminho de
no de Deus e uma necessidade para Projeto pedagógico Jesus na nossa América Latina tem
implantá-lo. No Evangelho de Lucas, O projeto pedagógico da formação muitas encruzilhadas, curvas, subidas
Jesus envia em missão não só os 12 dos discípulos não estará apoiado em e descidas. Como ser discípulo e
apóstolos, mas também outros 72 com estruturas externas nem em grandes missionário em todas estas situações?
diversos poderes. obras, mas, na força única da persona- Precisaremos de muita coragem e
O seguimento de homens e mu- lidade de Jesus. Neste caminho Jesus profecia para anunciar que o Reino de
lheres não é só para estar com Ele. vai colocar exigências para quem quiser Deus está perto, ou de muita vocação
É também para anunciar o Reino de segui-lo e os discípulos vão ver quais martirial para denunciar os sinais do
Deus, são duas faces da mesma moeda. são os preferidos da sua atividade: “contra-Reino” que encontraremos
Jesus precisa de anunciadores do os pobres, os pequenos, os que não com freqüência. Aparecida fala do
Reino para que o projeto do Pai seja contam. Jesus ressuscita mortos, faz olhar do discípulo missionário sobre
realizado, não quer anunciadores de milagres e conta parábolas. Tudo isto a realidade, e todas estas realidades
qualquer jeito, mas, do jeito Dele. Estar são sinais de que o “Reino de Deus tão diferentes existentes no nosso
com Jesus e partir. Contemplá-lo e está no meio de vocês”. continente devem seguir o olhar de
anunciá-lo porque Jesus é a perfeita Este caminho de Jesus deve ser o Jesus. Tão claro, direto e incisivo foi
imagem do Reino. O anúncio se realiza caminho dos discípulos e discípulas. O seu olhar que tantos ficaram entusias-
de dois em dois, em comunidade, por- projeto pedagógico nasce nos caminhos. mados com a sua mensagem e outros
que será na comunidade onde melhor Jesus não leva livros consigo, leva o também ficaram perturbados nas suas
se expressarão mais sensivelmente os projeto do Pai que vai encontrando acomodações sociais, políticas e até
valores do Reino. respostas nas situações com que se religiosas. Jesus não foi nunca indife-
Lucas nos apresenta a imagem do depara no mesmo caminho. E a forma- rente perante a realidade, olhou para
caminho como momento e “estrutura” ção dos missionários e missionárias ela com amor que o impelia a falar, agir
da formação dos seus discípulos. Da deverá confrontar-se continuamente e denunciar. Os “ai de vocês...” que
Galiléia a Jerusalém. É o caminho com esta caminhada de Jesus. E no final proclamava, eram claras denúncias
formativo de Jesus que apóstolos e todos deveríamos prosseguir na Missão dos diferentes sistemas. Quanta coisa
discípulos percorrem. Contemplam falando por parábolas, ressuscitando linda encontrará o discípulo olhando
Jesus orante que precisa entrar em mortos e fazendo milagres. para a nossa realidade e “quantos ais
contato para conhecer a vontade e Pensemos nos caminhos da nossa de vocês...” deverá também proclamar
o projeto do Pai. Falará do serviço e América Latina que vai da Patagônia perante certas situações.
da grandeza de ser pequeno, do ser- ao Rio Grande, na fronteira com os Abramos Aparecida no seu segundo
viço como categoria social para eles. Estados Unidos, passando por milhares capítulo para ver o olhar da Assembléia
Contemplam Jesus que acolhe, cura de situações de pobreza, de raças, de sobre o nosso continente.
16 Outubro 2007 -
FORMAÇÃO mISSIONÁRIA
Em Jerusalém termina o aprendiza- fere ao serviço à missão. “A admiração para Jerusalém, alguém lhe afirma: “Te
do ou a formação, é o ponto de chegada pela pessoa de Jesus, seu chamado seguirei para onde quer que vás” (Lc
do caminho de Jesus. De Jerusalém e seu olhar de amor despertam uma 9, 57). É uma abertura total ao segui-
saem para a Missão, derrubando fron- resposta consciente e livre desde o mais mento, demonstra uma confiança plena
teiras e construindo pontes para que íntimo do coração do discípulo, uma daquele que quer seguir Jesus, mas,
todos os povos possam fazer parte do adesão a toda a sua pessoa ao saber Ele responde com contundência: “as
Reino de Deus que Jesus anunciou que Cristo o chama pelo nome” (cf. Jo raposas têm tocas e as aves do céu
pagando com a própria vida. E tudo 10, 3). É um “sim” que compromete ninhos, mas o Filho do Homem não
isto realizado em comunhão, como radicalmente a liberdade do discípulo a tem onde reclinar a cabeça” (Lc 9, 58).
nos fala Aparecida: “Jesus no início do se entregar a Jesus, Caminho, Verdade Perante o seguimento são desfeitas por
seu ministério, escolhe os 12 para viver e Vida (cf. Jo 14, 6). É uma resposta Jesus todas as ilusões das pessoas
em comunhão com Ele” (cf. Mc 3, 14). de amor a quem o amou primeiro “até que querem segui-lo. Tem um preço
Para favorecer a comunhão e avaliar a o extremo”. A resposta do discípulo o seguimento e o ser seu discípulo: a
missão... Jesus age da mesma forma amadurece neste amor de Jesus: “Eu pessoa estará menos segura que as
com o grupo dos 72 discípulos (cf. Lc te seguirei por onde quer que vás” (Lc raposas e os pássaros, nem sequer
10, 17-20): “ao que parece, o encontro 9, 57) (DA 136). uma cama em que possa descansar
a sós indica que Jesus quer falar-lhes tranqüila. Para aqueles que pergun-
ao coração” (cf. Os 2, 14), (DA 154). Renúncia e cruz tam, Jesus expõe o radicalismo e as
Os envia de dois em dois, mostrando “Se alguém quer vir após mim, re- durezas das condições para segui-lo:
a comunhão também na Missão. Esta nuncie a si mesmo, tome a sua cruz de abandonar o conforto, para participar
comunhão se estenderá depois com a cada dia e siga-me” (Lc 9, 23). A pessoa da existência daquele que escolheu
própria comunidade, com a Igreja local que o busca, que quer conhecê-lo deve ser pobre entre os pobres, solidário
e universal. Não existe discípulo nem segui-lo pelo mesmo caminho, carregar com todos os marginalizados. Não
missionário solitário, mas, sempre em a cruz de cada dia e arriscar a vida. teorias, palavras ou ideologia, Jesus
comunhão com outros e outras que Só quem se arrisca, que perde a sua quer que os seus discípulos vivam
formam a mesma Igreja. vida vai encontrá-la. Perder a vida não como ele vive.
significa a eliminação de si mesmo e de
Exigências do discipulado sua identidade como pessoa humana, Vida e morte
Seguindo Lucas como ícone da mas, sim abraçar o projeto do Pai, que “Segue-me. Deixa que os mortos
nossa reflexão encontramos algumas é projeto de Jesus, deixando à parte enterrem seus mortos; quanto a ti,
exigências sobre o discipulado que outros projetos pessoais ou maneiras vai anunciar o Reino de Deus” (Lc 9,
nascem do seu contato com pessoas de enfocar a própria vida. 59-60). A vocação do discípulo para
que querem seguir o seu caminho a missão exige rapidez na resposta,
ou se perguntam sobre o que fazer Despojamento está antes a vida que a morte, mesmo
para segui-lo. São perguntas simples “As raposas têm tocas e as aves que enterrar um morto seja um dever
e respostas claras. Mas podemos do céu ninhos, mas o Filho do Homem sagrado. É mais importante pregar o
completá-las com outras dos outros não tem onde reclinar a cabeça” (Lc 9, Reino da vida que enterrar um morto
evangelistas, sobretudo no que se re- 57-58). Sempre no caminho, subindo corporalmente. O anúncio do Reino
está acima de qualquer valor humano.
Ele dá a vida incondicionalmente e têm
Jaime C. Patias
- Outubro 2007 17
FORMAÇÃO mISSIONÁRIA
Paco
“Quem põe a mão no arado e olha e políticas da nossa sociedade. Houve
para trás, não é apto para o Reino de intuições no Concilio Vaticano II quando
Deus” (Lc 9, 62). Arar na Palestina era o papa João XXIII falava da Igreja dos
um trabalho duro, exigia uma atenção pobres. Dom Hélder Câmara é para
concentrada sem dirigir o olhar à direita todos os que caminhamos com Jesus
ou à esquerda, muito menos para trás, nesta América Latina um daqueles que
com risco de comprometer o preparo da melhor plasmou na sua vida e no seu
terra para receber a semente. A aradura ministério a opção preferencial pelos
devia ser perfeita. O Reino de Deus pobres e excluídos deste mundo. Ele
está pedindo que todas as energias abraçou a causa de Jesus, tomou a
humanas se concentrem nesse Reino. sério a sua prática diante de todas as
Jesus tem um compromisso com o Pai categorias de pessoas com as quais
e não pode condescender às exigências tinha contato.
pessoais. Quem ara deve olhar para
frente e ir abrindo espaços para que os Conclusão
que encontrarem no caminho possam O papa Bento XVI esteve entre os
entrar nos sulcos traçados pelo mesmo dias 1 e 2 de setembro participando
Reino. Às vezes pode parecer que Padre Renzo Meneghini, Gambo, Etiópia. de um encontro de jovens na cidade
Jesus é duro apresentando exigências italiana de Loreto. No Santuário do
inumanas, é a urgência da exigência bens aos pobres. Os bens escravizam mesmo nome está uma capelinha onde
missionária em relação ao Reino o que e quem está escravizado por eles não se venera a Santa Casa, a casa de
Ele quer sublinhar. pode seguir totalmente Jesus. Os bens Nazaré onde se realizou a Anuncia-
pesam demais para poder realizar o ção e foi a morada de Jesus, Maria
Bens materiais caminho do seguimento. O seguidor- e José. Segundo uma tradição muito
“Uma coisa ainda te falta. Vende discipulo tem que ser uma pessoa enraizada no povo, os anjos levaram
tudo o que tens, distribui aos pobres e ligeira de bagagem. Os caminhos da até lá a casa da Sagrada Família.
terás um tesouro nos céus; depois vem solidariedade são os caminhos da mis- O papa fez um discurso visitando a
e segue-me” (Lc 18, 23). No diálogo de são, que exigem o despojamento e a capela. Ela tem só três paredes, falta
Jesus com o rico, Lucas nos apresenta partilha. Lembremos a imagem de Jesus a quarta que é uma grande porta de
um Jesus que faz um julgamento evan- quando fala do camelo e da agulha: “É entrada e saída. O papa aproveitou
gélico dos bens. Em relação a outros mais fácil que um camelo passe pelo para fazer um bonito discurso que
Evangelhos, é Lucas quem carrega na buraco de uma agulha que um rico tem muita relação com o nosso tema
dose de abandonar os bens e vendê-los entre no Reino de Deus” (Lc 18, 25). de discípulos missionários. Disse o
ou dá-los aos pobres. Não por nada Há certamente um exagero semítico papa: “antes de terminar esta nossa
Lucas é chamado o evangelista dos nesta figura. Mas a finalidade é gravar Assembléia, deixemos, portanto, por
pobres. O discípulo ou seguidor deve ser na memória dos ouvintes a influência um momento, esta praça e entremos
uma pessoa solidária e a solidariedade sinistra que, muitas vezes, as riquezas idealmente na Santa Casa. Há uma
começa com a partilha de tudo aquilo podem ter até sobre as pessoas que união recíproca entre a praça e a casa.
que se tem ou possui. Só se pode seguir desejam sinceramente seguir Jesus A praça é grande, é aberta, é o lugar do
Jesus depois de haver distribuído os Cristo. A mesma coisa podemos dirigir encontro com os outros, do diálogo, da
confrontação; a casa, em vez, é o lugar
do recolhimento e do silêncio interior,
Jaime C. Patias
18 Outubro 2007 -
“Os venenos da vida!”
Sabendo das dificuldades de alguns jovens nas paróquias na preparação dos encontros de reflexão, esta
página de Missões sugere dinâmicas para facilitar esses momentos de partilha.
Roteiro de Encontro
Tema do mês: “Venenos da vida!”
Jaime C. Patias
a) Acolhida
b) Invocação do Espírito Santo
c) Dinâmica
d) Apresentação do tema, questionamentos e debate
e) Pai Nosso Missionário
f ) Oração conclusiva
A
juventude é umas das etapas fundamentais na vida de
cada um. Ela se caracteriza por ser um tempo em que
se busca um sentido para a existência. Nessa busca,
o jovem está suscetível de encontrar venenos que não
lhe permitam alcançar seus objetivos, em outras pala-
vras, venenos que o impedem de ser feliz. Ser jovem
hoje não é fácil, apesar de nos quererem fazer crer o contrário.
Dom Orlando Brandes, arcebispo de Londrina, apresenta cinco
venenos que podem ser obstáculos na vivência da juventude e
que, portanto, devem ser banidos do nosso dia-a-dia:
Encontro da juventude com o papa no Estádio do Pacaembú, SP.
O apego: é a raiz de todo o sofrimento moral, de ciúmes,
invejas, agressões. O apego nos torna escravos de coisas e tempo. Nosso lema deve ser: ocupação sim, preocupação não.
pessoas, roubando-nos a liberdade e a paz. Pior ainda, o apego Evitemos lamentar os problemas e busquemos as soluções
é uma dependência emocional servil, que nos deixa angustiados, cabíveis. Mudar o que pode ser mudado e aceitar o que não
ansiosos, atemorizados. A única solução está em tomar cons pode ser mudado. Libertar-se das preocupações é terapia, é
ciência de nossos apegos e urgentemente abandoná-los. sabedoria.
A rotina: torna a vida, as pessoas e a existência corriquei- A omissão: é deixar de fazer o bem, fazê-lo pela metade,
ras e chatas. Faz as pessoas perderem o elã vital e viver na contentar-se com o mínimo, não usar os dons, as qualidades,
mesmice, na superficialidade, na falta de sentido. A rotina reduz as graças, as oportunidades que nos são dadas. Os maus são
a beleza da vida, acaba em cansaço e quando não em depres- atrevidos, os bons são omissos, eis o drama! Quem prejudica
são. O mistério da vida acaba em trivialidade e pessimismo. A alguém pela omissão tem a obrigação moral de reparar os da-
rotina corrói a vida como a traça, a ferrugem, o cupim e a cárie. nos. A educação e a religião podem nos libertar do veneno da
Há muitas maneiras de superação da rotina, como: a oração, o omissão. (Adaptado de Missão Jovem, agosto 2004).
amor ao trabalho, a valorização do cotidiano, a gratuidade do
agir, a intenção de dar glória a Deus e servir a humanidade em Para refletir:
tudo que fazemos. Sem a esperança na glória futura, seremos - Quais destes venenos estão presentes na sua vida?
vítimas da rotina. - Você acha que existem outros venenos? Quais?
A mediocridade: é a falta de empenho, de interesse e de - Um veneno tem que ser combatido com um remédio que
cuidado. Muito parecida com a preguiça e com a indolência, a elimine seus efeitos. Quais remédios você pode apontar como
mediocridade nos coloca no patamar da acomodação, da ética soluções para estes venenos?
do jeito, da instalação, da meia ciência, da inconsciência. O me-
díocre diz: “as coisas são assim mesmo, deixa como está para Rezar o Pai Nosso Missionário (pag.9)
ver como é que fica”. É o aburguesamento, a vida soft e light, o
levar tudo com a barriga, sob o comando da alienação, da lei do Oração Conclusiva
menor esforço, da facilidade, da brincadeira. Só o sofrimento, a Senhor, desperta em nós o ideal missionário para que
conscientização, um choque emocional, e a graça da conversão possamos viver, testemunhar e anunciar corajosamente a Sua
podem mudar o ritmo da pessoa medíocre. palavra. Aceita o nosso coração para amar, as nossas mãos
As preocupações: nada trazem de soluções, pelo contrário, para servir, os nossos lábios para rezar, os nossos bens para
aumentam os problemas que são antecipados. É falta de sabe- repartir, a nossa vida para louvar. Amém.
doria e de discernimento deixar-se afetar pelas preocupações
que tiram o sono, apressam o estresse, precipitam o nervosismo, Patrick Gomes Silva é missionário, membro da equipe de formação do Centro de Animação
destroem a paz e o bom senso, acarretando a velhice antes do Missionária José Allamano, SP.
- Outubro 2007 19
Deus Ama sem
Destaque do mês
"T
têm contribuído com
odos os cristãos são chama- a comunhão eclesial,
dos a serem missionários e a mediante inúmeras
testemunharem o Evangelho” iniciativas... A Igreja
são palavras bem conhecidas na Amazônia surge
que nos convidam a refletir e no horizonte de outras
a entrar em comunhão com to- Igrejas do Brasil, repe-
dos os povos, num compromisso com a tindo o clamor: vem à
construção do Reino de Deus. Amazônia! Socorre-
Há 15 anos, por ocasião da visita de nos!” (Comissão Epis-
dom Gutemberg Freire Régis, cssr, na quela copal da Amazônia, A
altura bispo de Coari, Amazonas, à minha missão da Igreja na
terra natal no Canadá, fiquei impressionado Amazônia, p. 9-10).
quando ele conversou sobre a situação
sociocultural e nos falou das necessidades, Missão além-
tanto materiais quanto humanas para toda fronteiras
a região da Amazônia. Porém, eu fiquei
muito mais comovi-
Fraternidade e Amazônia do quando o mesmo
A Campanha da Fraternidade des- bispo amazonense,
te ano, tendo como tema a Amazônia, aquele que eu tinha
destacou o lema “Vida e Missão neste encontrado na minha
chão” com a preocupação de provocar terra e com quem eu
uma reflexão e chamar a atenção dos estava colaborando na
cidadãos de nosso país e também do Prelazia, demonstrou
mundo para a solidariedade. Foi “um uma notável abertura
convite para que se conheça, se aprecie e um real apoio aos
e se respeite toda a vida que a Amazônia leigos da Amazônia
guarda: seus povos, sua biodiversidade, que queriam se prepa-
sua beleza”. Foi também um chamado rar e se dedicar para
que continua para que “aprendamos, com a missão além-fronteiras Ad Gentes. Ele de Cristo ao homem do nosso tempo, em
eles, a fortalecer uma cultura que proteja entendeu muito bem que a nossa Igreja muitas partes do mundo humilhado e opri-
a vida e a garanta para toda a humanida- da América Latina e mesmo da Amazônia mido por causa de pobrezas endêmicas,
de”. Tornou-se uma ocasião para que a têm um “dever” de “dar de sua pobreza” da violência e da negação sistemática dos
Igreja não só na Amazônia, mas em todo partilhando sua experiência e oferecendo direitos humanos”.
o Brasil “reveja com confiança, ousadia algo de original e importante (Puebla, A Igreja não pode omitir-se e nem perder
e destemor sua ação pastoral, de modo 368). tempo diante da urgência da missão e de
a ser sinal vivo da presença do Reino de Na sua Mensagem para o Dia Mun- sua responsabilidade universal de anun-
Deus na Amazônia” (CF 266). dial das Missões 2007, o papa ressalta ciar a Boa Nova a todos os povos. “Ide,
“As Igrejas da Amazônia respondem claramente que “o compromisso missio- portanto, e fazei que todas as nações se
por um território de quase metade de nosso nário permanece o primeiro serviço que a tornem discípulas” (Mt 28, 19a). O mandato
país e, ao lado de dificuldades antigas, Igreja deve à humanidade para orientar e de Jesus é eminentemente missionário.
enfrentam novas situações que exigem evangelizar as transformações culturais, E esta missão que Jesus deixou a seus
redobrada presença pastoral. Diante do sociais e éticas; para oferecer a Salvação discípulos continua ainda hoje para nós
20 Outubro 2007 -
Fronteiras
oferta de uma vida plena para todos” (DA
361). Hoje, somos convidados a continuar
a missão de Jesus em comunhão com as
pessoas que vivem marginalizadas, que
vivem na rua, particularmente das grandes
cidades, dos migrantes, dos enfermos,
dos dependentes de drogas e detidos em
prisão (DA 407-430).
Questionamentos e desafios: A
conversão pessoal à qual a V Conferên-
que reconhecemos a dimensão missionária com a sua realidade de fragilidade e de cia deu tanta atenção e ênfase no seu
de nosso batismo. “Fazer que todas as vitalidade, a Igreja que está nas outras texto chama os discípulos de Cristo a se
nações se tornem discípulas” é uma tarefa regiões do Brasil. E isso se faz em nome questionar sobre a sua própria vocação
que não está terminada e que ainda hoje da missionariedade e da solidariedade, missionária de seguidores. O grande de-
os cristãos têm o “dever” de continuar. Na características essenciais da vida cristã. safio da decisão missionária é de inserir e
nossa atualidade latino-americana, essa Esta situação se confina não somente a impregnar todas as estruturas eclesiais. O
mesma fé que animou a vida e a cultura uma realidade interna de nossa Igreja documento fala de conversão pastoral e
de nossos povos tem como responsabili- local do Brasil, mas tem a sua incidência renovação missionária das comunidades.
dade e missão “enfrentar sérios desafios, com toda a Igreja universal. De fato, “a conversão pastoral requer que
pois estão em jogo o desenvolvimento as comunidades eclesiais sejam comuni-
harmônico da sociedade e a identidade Fraternidade missionária dades de discípulos missionários ao redor
católica de seus povos” como afirmava “A fraternidade missionária é essen- de Jesus Cristo, Mestre e Pastor. Dali
o papa no seu discurso inaugural da V cial para a Igreja. É urgente construir um nasce a atitude de abertura, de diálogo
Conferência de Aparecida. renovado relacionamento entre a Igreja e de disponibilidade para promover a co-
da Amazônia e as demais Igrejas de responsabilidade e participação efetiva de
A Campanha Missionária nosso país” e do mundo. É o chamado a todos os fiéis na vida das comunidades
A Campanha Missionária resgata o renovar o compro-
tema da Campanha da Fraternidade e misso missionário
Marco Purin
aprofunda em leitura e chave missionária: com as populações.
"Deus Ama sem Fronteiras: da Amazônia E a Conferência
para o Mundo". de Aparecida nos
“A relação entre a Igreja que está na trouxe uma reflexão
Amazônia e as demais Igrejas particulares que vai dinamizar e
de nosso país e do mundo, com todas alimentar o nosso
as implicações, é uma relação de mão espírito missionário
dupla. A Amazônia tem muito a ensinar e universal.
e a aprender” (CF 309). É só lembrar do Para nos ajudar
que os bispos da Amazônia refletiram e durante a Campa-
escreveram em 1997 no Documento “A nha Missionária,
Igreja se faz carne e arma sua tenda na eu sugiro alguns
Amazônia”. Nesta ocasião, os bispos elementos relacio-
pedem perdão pela omissão em relação à nados à missão dos
violência que sofrem os povos da Região; discípulos e inspira-
proclamam a necessidade de uma teologia dos no Documento Angelo Casadei, celebração em Itacoatiara, AM.
amazônica da criação e de uma espiritu- da V Conferência (DA): cristãs” (DA 368). É urgente uma pastoral
alidade e pastoral ecológica; denunciam Reflexão e aprofundamento: O tema decididamente missionária.
a biopirataria, a privatização das florestas da missão atravessa todo o Documento e Compromisso e envio: Os discípulos,
públicas, a devastação realizada pelas o projeto é ambicioso. Ele orienta nossa que por essência são missionários por
madeireiras, a exploração do subsolo nas Igreja para uma reflexão que exigirá uma causa do Batismo e da Confirmação, “são
terras indígenas, o aumento do narcotráfi- mudança de mentalidade e de compor- formados com um coração universal, aberto
co, da prostituição infantil e da corrupção; tamento e também propõe elementos a todas as culturas e a todas as verda-
apóiam os movimentos populares e as de formação para uma visão aberta e des, cultivando a capacidade de contato
pastorais sociais, comprometendo-se a missionária. Isso necessita não só ter humano e de diálogo” (DA 377). O desejo
lutar contra todo tipo de violência na defesa conhecimento da Palavra de Deus, mas dos bispos é que a V Conferência seja um
dos direitos humanos. fazer e aprofundar o seu relacionamento estímulo para que muitos discípulos das
Certo, “na Amazônia, a nossa Igreja com Jesus Cristo. Igrejas locais latino-americanas partam,
é pobre e seus pastores são simples e Proximidade e comunhão: Jesus sejam enviados e evangelizem em outras
conscientes de seus limites. Para cumprir foi muito humano nas suas relações com regiões até outras “margens”. A fé não tem
a missão que Deus lhes confia, preci- todas as pessoas encontradas, fazendo- fronteiras. Ela se dinamiza e se fortalece
sa que toda a Igreja seja missionária se próximo da realidade de seu povo, ao quando é partilhada.
e participativa”. Esse apelo não pode mesmo tempo, consciente de sua missão.
ser esquecido, menos ainda ignorado Ele foi sempre fiel à vontade de seu Pai Guido Labonté, da Sociedade das Missões Estrangeiras - SME
pelas pessoas que acreditam no envio que deseja a instauração do Reino. “A de Quebec, Canadá, missionário no Amazonas e no Japão.
missionário de Jesus a todas as nações proposta de Jesus Cristo a nossos povos, Secretário-executivo do Centro Cultural Missionário – CCM,
da Terra. A Igreja amazônica interpela, o conteúdo fundamental desta missão, é a em Brasília, DF.
- Outubro 2007 21
Mártires da fé
Atualidade
N
onoai, município situado ao
norte do Rio Grande do Sul,
com 459 km2, e uma popu-
lação com cerca de 13.000
habitantes, numa distância
de 416 km da capital, Porto
Alegre, abriga, no Santuário Nossa Senho-
ra da Luz os restos mortais dos mártires
Manuel Gómez Gonzalez e Adílio Daronch,
sacerdote e coroinha respectivamente, que
serão beatificados no dia 21 de outubro
próximo, em Frederico Westphalen, RS,
sede da diocese.
Padre Manuel nasceu aos 29 de maio
de 1877, em São José de Riberteme, dio-
cese de Tuy, Província de Fontevedra, na
Espanha. Foi ordenado sacerdote em 24
de maio de 1902, recebendo a nomeação
de Coadjutor da Paróquia das Neves. Em
1904 passou para a vizinha arquidiocese
de Braga, em Portugal, onde se incardi-
nou e foi pároco de Nossa Senhora dos
Extremos, nos Arcos de Valdevez (1905
a 1911) e Santo André e São Miguel de
Taias e Barrocas (1911 a 1913). Devido à
perseguição religiosa em Portugal, a partir
da República proclamada em 1910, no ano
22 Outubro 2007 -
família, ajudava o padre e, às vezes, vingança, pois para ele aqueles mortos
acompanhava-o nas visitas às capelas. não mereciam as honras do sepultamento.
Numa dessas, encontraram a morte. Foram Outro fato que também ajudou a marcar
cruelmente assassinados, no cumprimento o padre Manuel deu-se por ocasião de
do dever sacerdotal, em nome da fé, no um sermão que ele proferiu na Igreja
dia 21 de maio de 1924, na localidade de Matriz de Palmeira, RS: admoestou os
Feijão Miúdo, perto de Três Passos, RS, revolucionários a usarem de moderação
por um grupo anticlerical. e respeito com os adversários, já que
eram todos irmãos, cristãos e brasileiros,
Motivos do assassinato agravando ainda mais o atrito com o
Em 1923, perto da Vila Nonoai, houve chefe chimango. Mataram o padre porque
um combate entre chimangos e maragatos. não gostavam do seu modo de ensinar.
Na escaramuça, os primeiros mataram Outro provável motivo foi porque Manuel
alguns soldados maragatos. O chefe do falava contra o banditismo de então e
partido contrário ordenou que os corpos contra os homicídios que aconteciam.
ficassem sem sepultura para serem de- Fora do grupo ninguém o acusou de ser
vorados pelos cães e aves de rapina. O político ou partidário. Pelo contrário, todos
diziam: o padre Manuel não manifesta
suas opiniões sobre política, ou é neutro
Divulgação
- Outubro 2007 23
O que “tá” pegando?
Infância “Deixa eu plantar no presente uma canção dolorida!
Missionária
Um instante de silêncio e esta canção pela vida!” (Zé Vicente)
Divulgação
de Roseane de Araújo Silva
B
om, “tá” pegando ultimamente entre os nossos pe-
queninos e os adolescentes uma tendência crescente
de individualismo e consumo preocupantes. Em uma
sociedade que valoriza o ter em detrimento ao ser, os
valores transmitidos por nós adultos a nossas crianças
e adolescentes, vêm sendo substituídos pela televisão
e internet. São muitas informações, o que não significa
dizer que possam compor a formação deles. Neste mês dedicado
às Missões quero falar de algo considerado antagônico em relação
a este tema.
Observamos de fora (ou nem tanto) a gradativa invasão em
nossos espaços domésticos de aparelhos eletrônicos: computado-
res, mp3s e outros trequinhos que enchem os olhos e o dia-a-dia
da nossa criançada. Com estes aparelhos, chega também uma
nova linguagem, quase corriqueira para uma parcela dos nossos É um mundo totalmente desconhecido para a grande maioria dos
leitores: blogs, flogs, orkut, downloads, chats etc. Outro dia refleti adultos, que acabam por deixar que suas crianças e adolescentes
sobre o quanto é paralelo este universo da internet, ao qual estão se distraiam diante da tela mágica dos computadores (ou PC, abre-
submetidos as nossas crianças e adolescentes (aliás não só eles). viatura de Personal Computer). É bacana, é “manero” conhecer o
bloguês, falar através de monossílabos quase enigmáticos aos olhos
menos atentos, a rapidez de um bate-papo no Messenger (apesar
dos arrepios causados aos mestres defensores da nossa língua
Sugestão para o grupo materna). Os meninos e meninas que dominam esta linguagem
“se acham”, como diriam os seus colegas de escola.
Acolhida
Motivação (objetivo): refletir com as crianças a vocação mis- Obscuro revelado ou revelado obscuro?
sionária de cada uma, o mundo da internet e suas novidades Vamos lembrar aqui o momento que o menino Samuel despertou
e o serviço ao próximo, a exemplo de Maria.
a sua vocação profética, sendo chamado pelo próprio Javé (I Sm
Oração: Ó Deus, Pai Todo Poderoso, neste mês em que co-
memoramos as Missões, abençoa todos os missionários e mis- 3, 1-4, 1). Ele demorou a perceber que a voz de Deus nos coloca
sionárias crianças, adolescentes, jovens e adultos que animam a serviço do seu Reino e outras vozes que ouvimos muitas vezes
e contribuem na construção do teu Reino em nosso meio. contribuem para uma estrutura de sociedade que escraviza. Em
Partilha dos compromissos semanais. nossos dias, a sedutora voz da internet se apresenta também como
Leitura da Palavra de Deus: Lucas 1, 39-45 e 46-56 É Deus uma terra sem lei, cheia de impunidade, um mundo que presta um
que se manifesta. desserviço à formação das nossas crianças e adolescentes quando
Compromissos missionários: Neste mês também dedicado
a Maria, nossa Mãe, Missionária fiel à causa do Reino de
não a acompanhamos. Não se trata de diabolizar a internet, mas
Deus saibamos assumir o nosso sim como ela soube. O gesto de fomentar a reflexão entre a utilização da mesma pelos nossos
corajoso de Maria renovou a esperança dos que esperavam a meninos e meninas, quando pajeados por estes equipamentos
vinda de Jesus, Boa Nova do Pai, glorificando-o plenamente. eletrônicos. Vamos contribuir de fato para que as nossas crianças
Neste mês Mariano convidaremos uma líder da Pastoral da tornem-se jovens e adultos sujeitos ativos de sua própria história?
Criança para falar do trabalho junto às mães da comunidade Assim como Jesus em Cafarnaum trouxe ao centro a criança desva-
ou paróquia. Preparar na seqüência um teatrinho falando do lorizada na época (Mc 9, 36), quero reforçar aqui que este modelo
trabalho das líderes no acompanhamento às futuras mamães e
a pesagem dos bebês (outro grupo que poderia ser convidado
de sociedade não serve a este propósito porque nos quer apenas
seria aquele que visita os doentes, por exemplo, a Legião de como consumidores. Um dos nossos desafios como missionárias
Maria). É no gesto concreto de doação ao próximo que ma- e missionários, é estar atento ao novo que nos cerca, abertos ao
nifestamos o nosso chamado missionário e tornamos Jesus “serviço, testemunho e palavras, partilhando a fé com os irmãos
mais conhecido. e irmãs” (Diretrizes e Orientações da IM), sendo, no entanto,
Momento de agradecimento a Deus, que é Pai e Mãe da gente, “prudentes como as serpentes e simples como as pombas” (Mt
pela vida das crianças e adolescentes do continente africano,
10, 16b). De todas as crianças do mundo – sempre amigas!
sobreviventes dos altos índices de mortalidade infantil.
Canto e despedida.
Roseane de Araújo Silva é missionária leiga e pedagoga da Rede Pública do Paraná.
24 Outubro 2007 -
- Outubro 2007 25
Missão
Eu recebi a notícia do meu envio com
Entrevista
na Etiópia
e o aprendizado da língua amharico (se-
mítica), nada fácil.
D
epois de escutar, cheio de entu- A Etiópia situa-se numa importante
siasmo, as aventuras missioná- área do leste africano conhecida como
rias da Bem-aventurada Madre “Chifre da África”. Como está a situa-
Laura, grande figura da Igreja ção sociopolítica hoje, principalmente
colombiana e latino-americana, a relação com os vizinhos Eritréia e
Oscar Clavijo, conheceu os Somália?
missionários da Consolata e se consagrou A tensão com os países fronteiriços
para a missão Ad Gentes. Terminando é ainda forte e, às vezes, teme-se pelo
seus estudos elementares em seu país, reinício dos conflitos armados. Um pouco
foi cursar Teologia em Nairóbi, no Quênia, de história nos ajuda a entender melhor
e após sua ordenação sacerdotal, em a situação atual. A Eritréia esteve sob a
1991, se dedicou à missão na Etiópia, um influência italiana desde o final do século
país do leste africano, onde permanece XIX até a II Guerra Mundial. Em 1952, ela
até hoje. Participando de um curso de entrou na Confederação com a Etiópia.
atualização em São Paulo, padre Oscar Porém, em 1961, o imperador Haile Selas-
concedeu entrevista à Missões: sie anexou-a unilateralmente, dando início
à guerra pela independência, que durou
Padre Oscar, quais foram as suas até 1991. Em 1993, a Eritréia realizou um
expectativas e temores diante do tra- referendo (99%) e conseguiu a liberdade.
balho na Etiópia? Porém, algumas zonas limítrofes não
26 Outubro 2007 -
foram demarcadas. Em 1998, a Eritréia
atacou algumas delas, especificamente
a região de Badme, que estava sob a
administração da Etiópia, o que provocou
a guerra das trincheiras, causando mais
de 80.000 mortos, de ambas as partes.
Em 2000, a Etiópia recuperou os territórios
invadidos e um frágil acordo de paz, com
a supervisão das Nações Unidas e uma
comissão internacional designou diversas
partes das zonas disputadas a ambas
as partes. Porém, o povo de Badme foi
entregue a Eritréia. Tal demarcação de
fronteira continua sendo uma das razões
do conflito latente entre os dois países. As
relações com a Somália também causam
conflitos. Em 2006, a Etiópia enviou ajuda
militar (soldados e armas) para apoiar o
governo de transição que estava isolado
em Baidoa, já que as cortes islâmicas
tinham tomado o controle da grande parte
do país e da capital, Mogadíscio. Com a
ajuda da Etiópia, o governo de transição Mães em Missão de Shambu, Etiópia.
obteve uma grande vitória em pouco tempo. damentalista e chegou ao país em 615, Aids (aproximadamente um milhão e meio
Mas, os seguidores da corte islâmica se quando o profeta Maomé recomendou de pessoas infectadas) e o fenômeno da
organizaram e atacaram diversas vezes as a um pequeno grupo que se refugiasse aceleração urbana.
tropas etíopes, que prometeram deixar o em Axum, escapando da perseguição na
território tão logo a situação se normalizasse Arábia. Forma hoje a segunda religião do Que trabalho específico realizam
e uma força de paz africana continuasse país (entre 35% e 40%). os missionários no país?
com a transição. Para agravar o problema, Os missionários estão comprometi-
a região etíope de Ogaden, na fronteira O que significa rito copta e Igreja dos em muitos e variados serviços: na
com a Somália, com uma população étnica Copta? primeira evangelização (sul do país), nas
somali, formou grupos armados indepen- O termo copto faz referência aos cris- lutas pela erradicação da pobreza, das
dentes e está incrementando ataques tãos nativos do Egito que pertenciam enfermidades e do analfabetismo. Porém,
contra as forças da Etiópia. à Igreja Ortodoxa Copta de Alexandria o específico dos missionários (muito mais
(que não aceitou a interpretação sobre que o trabalho em si) é a mesma presença:
Como é a convivência entre os cris- as duas naturezas de Cristo dadas pelo sinal e testemunho do amor de Deus e da
tãos católicos (minoria) e os cristãos Concílio Ecumênico de Calcedônia, em Igreja que não conhece clã, tribo, nação
ortodoxos (maioria)? 415). Os cristãos da Etiópia e Eritréia ou continente.
São respeitosas e cordiais. Os católi- também foram chamados de coptos, pro-
cos somam 0,9% da população, ou seja, vavelmente pela sua relação histórica com Sendo latino-americano o que você
meio milhão de habitantes, enquanto os o patriarcado de Alexandria. A maioria aprendeu na convivência com o povo
ortodoxos são 61%. Alguns poucos têm dos cristãos na Etiópia pertence à Igreja etíope?
medo, pois recordam ainda o aconte- Ortodoxa Etíope que chegou ao país no Nesses anos de missão, eu aprendi
cimento de 1624, quando o imperador IV século. O termo rito copta se refere que as grandes obras sociais (mesmo
Susenyos se converteu à Igreja Católica à liturgia da Igreja Ortodoxa Copta, que feitas com boas intenções e vontade) não
Romana e intentou (com os jesuítas) de é uma maneira própria e inculturada de são suficientes para chegar ao coração
“romanizar” a igreja local provocando celebrar os mistérios da fé. das pessoas. Necessita-se de “algo mais”.
uma rebelião e uma guerra civil. Sobre Aprendi que para se viver a missão hoje
as diferenças e semelhanças pode-se Quais são os desafios mais urgen- não podemos estar atrelados às posições
dizer que a Igreja Católica tem dois tipos tes que o governo e a Igreja devem do poder religioso, econômico e social. Na
de presença: ao norte e centro do país, responder para o bem de todo o povo convivência com o povo etíope, aprendi a
ela é parte das Igrejas Orientais e segue etíope? ser mais humilde. Chegando lá, eu tinha a
o rito litúrgico etíope, portanto, bastante A Etiópia é um país com a maioria idéia de ser o missionário que ia ensinar.
semelhante. Já o sul do país segue o rito da população constituída por jovens sem Hoje me sinto como um dos peregrinos
latino (onde a liturgia é diversa). Outras futuro. São milhares que terminam cada de Emaús, que no caminhar com os ou-
diferenças referem-se às questões de ano a escola média e técnica e a univer- tros e na busca constante espera ver a
disciplina eclesiástica. sidade, e não conseguem um trabalho. presença de Jesus. Uma atitude que se
Eles passam a fazer parte da grande expressa muito bem parafraseando uma
Como está a relação e a convivên- massa dos desempregados e subem- canção latino-americana: Hermano, dame
cia entre as duas maiores religiões da pregados do país. Até quando resistirão tu mano, vamos juntos a buscar uma cosa
Etiópia: islamismo e cristianismo? a tal situação? Mesmo que a economia pequeñita que se llama la verdad.
As relações atuais entre ambas são tenha crescido nos últimos anos, ela não
de respeito, principalmente por parte do consegue absorver esta força de trabalho. José Tolfo é missionário e animador vocacional no Centro
povo. Não é o islamismo de linha fun- Entre outros desafios estão a epidemia da Missionário José Allamano, São Paulo.
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Um pastor no coração
amazônia
da Amazônia
Dom Alcimar Caldas Magalhães, bispo de Tabatinga é exemplo de fé e
humildade, vivendo com simplicidade entre os ribeirinhos e indígenas.
Despojamento total
Deus, que nunca abandona seu povo, especialmente os
pobres e oprimidos, ontem e hoje, continua suscitando profetas
e pastores, reavivando a esperança na vitória do bem. No Alto
Solimões não é diferente. E esse profeta-pastor tem um nome:
dom Alcimar Caldas Magalhães.
Filho da terra e, por isso, conhecedor profundo dos reais
problemas, plenamente identificado com as lutas de seu povo,
dom Alcimar assume seus costumes e sua cultura. Por isso, fora
do templo, faz do chapéu de roceiro sua mitra, do arado e da
enxada seu cajado, da capa de chuva sua casula e da bota de
borracha seu calçado. É desta forma que ele se apresenta junto
aos pequenos e aos trabalhadores, que se sentem à vontade
Texto e fotos de Cecília Tada diante da simplicidade e da pobreza de seu bispo.
Vê-se que dom Alcimar despojou-se do seu status de mestre
E
em Teologia Dogmática pela Universidade Lateranense de Roma
stamos em Tabatinga, Alto Solimões, na encantadora e de jornalista formado pela Rede Audiotelevisiva Italiana (RAI)
Amazônia. Encantadora por sua riqueza cultural, étnica, para assumir a condição de um “peão” entre os peões, fazendo-se
ambiental. Não há como não se embevecer pela exube- semelhante ao povo, em tudo. O discurso sobre aculturação e
rância de seus povos, suas matas, rios e tudo que faz inculturação tão necessários na vida missionária, é muito bonito
desta Região o pulmão do mundo. Como seria bom se na teoria, mas quando vemos dom Alcimar totalmente esvaziado
houvesse apenas essa Amazônia! Um olhar mais atento de si, entendemos o alcance desta exigência para assumir a
para a realidade do Alto Solimões, porém, nos faz enxergar outra condição do povo, tornando-se um irmão entre os irmãos.
Amazônia, fruto da ganância dos que, sem escrúpulos e sem Um jeito diferente, sem dúvida, de exercer o múnus episcopal
consciência ecológica, depredam a natureza, dizimam culturas, que nos faz compreender que não podemos viver de idéias, de
matam povos. Aqui, a maior parte da população constitui-se teorias, de devoções e piedades, mas da ação que, pela força
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do amor, pela força do Evangelho,
ajuda a transformar a realidade,
atualizando a promessa de Jesus:
“Eu vim para que todos tenham vida,
e a tenham em abundância”.
Na Amazônia, só se evangeliza
pelo amor que se traduz em soli-
dariedade. Sem isso, as pregações
e palavras bonitas não ressoarão
nesta realidade sofrida do povo sem
perspectivas, no meio da floresta,
sem energia, sem escola, sem hos-
pitais e com os serviços públicos
que funcionam mal. Como ensinar o
Pai Nosso aos que estão de barriga
vazia e a um povo que não encontra
saída para seus dramas?
A solução não está na criação
de meios que tornem o povo mais
dependente. Ao contrário, é preciso,
com dedicação, torná-lo autônomo,
independente, libertando-o de todo
sistema que escraviza. É para essa
direção que aponta o trabalho de
dom Alcimar. Sua inteligência e
sabedoria são usadas para arti- Café da manhã dos índios Tikunas.
cular os homens públicos, prefeitos e vereadores, em fóruns de Amar servindo
debate como, por exemplo, o Solifórum e o SEVAS – Seminário Contemplando a ação deste incansável bispo e olhando a
de Vereadores do Alto Solimões, criando a Meso-Região do Alto extensão do Alto Solimões com seus desafios, vem-nos à men-
Solimões. Todo seu esforço é voltado para desenvolver projetos te a imagem do Cristo que reconhece a imensidão do campo
sociais que recuperem a auto-estima dos índios, ribeirinhos e contrastando com a escassez de operários.
marginalizados urbanos e para planejar ações eficazes que Nesse momento, mais uma vez, é dom Alcimar quem nos
ensina quando diz que, “realmente, é preciso rogar ao Senhor
da Messe que envie operários para a sua vinha, mas que sejam
operários despidos das vestes de mestres e senhores e reves-
tidos do mais nobre sentimento de quem quer amar servindo o
outro a partir de sua necessidade e pobreza. Nós estamos numa
escola espetacular de convivência evangélica, de encontro de
raças, de cultura e etnias. A realidade de sermos poucos é uma
oportunidade de sermos humildes e abertos para receber a ajuda
de quem queira ser irmão nosso, viver a experiência de Deus
conosco, aqui nessa terra”.
A Conferência de Aparecida falou de um grande mutirão
missionário na América Latina. No Alto Solimões temos a encru-
zilhada dessa América Latina, de um Peru que está descendo
da montanha e vem para a floresta de Loreto, em Iquitos, e
uma imigração que converge para a fronteira brasileira. Nossos
caminhos se cruzam com os caminhos da Colômbia por causa
dos fugitivos da guerrilha que buscam entre nós uma convi-
vência mais fraterna, mais tranqüila, com mais paz. Na parte
brasileira temos todas as etnias de indígenas, principalmente a
tribo Tikuna, que hoje se diz a mais numerosa de todo o país,
com 40 mil indígenas aproximadamente e que espera muito de
Dom Alcimar em reunião com líderes.
nós. Etnias como os Marubo, os Matiz, os Kanamari e outras
evitem o esvaziamento das comunidades indígenas. que renascem das cinzas como os Cambebas, os Cocamas.
Dom Alcimar se preocupa, também, com iniciativas que Essa é uma Messe, com um campo de ação muito parecido
garantam a segurança alimentar nas sedes municipais e comu- com aquilo que Aparecida indica como uma miscigenação de
nidades, ameaçadas pelo esgotamento das reservas naturais e raças dessa nossa América Latina e, portanto de desafio maior
pelo abandono da agricultura familiar. Consciente de que, quanto para a missionariedade da nossa Mãe Igreja.
mais gente houver na luta pela defesa do povo do Alto Solimões,
ele está permanentemente atento às novas lideranças que vão Cecília Tada é misssionária CMST e secretária-executiva
surgindo, oferecendo-lhe capacitação a fim de que, a partir de sua da Comissão Episcopal para a Amazônia, da CNBB.
formação ética e cristã, atuem nos meios políticos. Conhecedor
profundo do potencial da juventude, dom Alcimar tem presença Informações: Tel.: (61) 2103-8300
constante nos meios universitários da região. E-mail: amazonia@cnbb.org.br
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Manaus - AM também se comprometem a não entrar na zona de
Encontro dos Bispos da Amazônia segurança que será definida pela Polícia Federal. As
Entre os dias 11 e 13 de setembro, realizou-se em lideranças devem convencer os indígenas que estão
Manaus, o Encontro Inter-Regional dos Bispos da Ama- em fazendas de não-índios a saírem destas áreas.
zônia, do qual participaram prelados dos Regionais Norte O governo se comprometeu a garantir a segurança,
1 (norte do Amazonas e Roraima), Norte 2 (Amapá e proteção e vigilância das terras indígenas. Também
Pará) e Noroeste (Acre, sul do Amazonas e Rondônia). irá desenvolver políticas públicas e projetos de de-
O Encontro foi marcado “por momentos fortes de estudo senvolvimento sustentável e, por meio de parcerias
e reflexão em torno de questões que atingem a Amazô- com órgãos governamentais, fomentar a economia
nia e sua população, sobretudo os povos tradicionais”, e sustentabilidade das comunidades. “As ações do
afirmou a assessora da Comissão Episcopal Pastoral acordo são como um complemento. Além de retirar os
para a Amazônia, Ir. Cecília Tada. fazendeiros da nossa terra, o governo vai promover
No documento final do evento, os bispos ressaltaram ações para melhorar a situação das aldeias. E nós,
aspectos da Conferência de Aparecida e convocaram vamos unir as forças de todos os povos, de todas
os amazônicos para o discipulado, a missionariedade as organizações. Não vamos mais ficar separados”,
e a inculturação, “não como algo esporádico ou ex disse Terêncio Salamão Manduca, vice-coordenador
traordinário, mas como novo padrão pastoral, de uma do Conselho Indígena de Roraima, uma das sete
Igreja em estado de missão”, esclareceu a assessora. organizações indígenas que assinaram a carta.
Os bispos constataram, ainda, “com perplexidade, o Mais uma vez uma decisão no Supremo Tribunal
VOLTA AO BRASIL
imenso jardim, a biodiversidade do planeta, verdadeira Federal (STF) favoreceu a reivindicação dos indígenas
dádiva divina que abriga diversos povos e culturas, mais da Raposa Serra do Sol. O ministro Carlos Ayres Britto
do que nunca ameaçados pela devastação”. Também negou, liminarmente, o pedido do Estado de Roraima
denunciaram “a morosidade do governo na busca de de suspender, em parte, a homologação da terra, que
soluções para os problemas sociais que atingem as aconteceu em 15 de abril de 2005. A Raposa abriga
famílias como o alcoolismo que cresce, o narcotráfico, a aproximadamente 18 mil indígenas, numa área de 1,74
prostituição e exploração sexual de menores”. Apelaram milhão de hectares.
“por justiça para uma ação eficaz diante das vidas de
índios e colonos ceifados por interesses do capital”. Rio de Janeiro - RJ
Por fim, conclamaram os povos para “defenderem seus Exército atua com repressão no Haiti
direitos e continuarem promovendo um desenvolvimento Enviado pela Ordem dos Advogados do Brasil
sustentável, diante dos grandes projetos do governo e (OAB) ao Haiti, o conselheiro efetivo da entidade no
a expansão do agronegócio”. Rio de Janeiro, Aderson Bussinger, entregou no dia 6
de setembro um relatório com duras críticas à atuação
Aparecida – SP naquele país da Missão de Estabilização da ONU,
2º Congresso Missionário Nacional liderada pelo Brasil. Bussinger viajou em uma delega-
Foi confirmada a realização do 2º Congresso Mis- ção de representantes de entidades da sociedade civil
sionário Nacional em preparação ao CAM3-COMLA8, brasileira com objetivo de verificar as condições sociais
entre os dias 1 e 4 de e a relação das tropas com os haitianos. Na sua opinião,
maio de 2008, na cidade a intervenção brasileira utiliza o mesmo método das
de Aparecida. A organi- tropas estadunidenses em outros países. “Trata-se de
zação do evento estará uma presença fundamentalmente militar. Ela não tem,
a cargo das Pontifícias a meu ver, nada de humanitário. O que eu vi no Haiti é
Obras Missionárias e do que 85% dos componentes destas forças são destinados
Conselho Missionário às atividades repressivas. Então, aquela imagem que é
Nacional. Os trabalhos passada aqui, de que é uma força de paz, humanitária,
do Congresso serão de- não é real! Eu não vi a Força construindo escolas, não
senvolvidos em torno vi construindo hospitais. Eu conversei com pessoas que
do tema: “Do Brasil de foram espancadas pelos soldados”. Bussinger afirmou
batizados ao Brasil de que os militares brasileiros responsabilizaram a polícia
discípulos missionários” haitiana pela violência. Porém, ele destacou que as tropas
e do lema: “Igreja no estrangeiras normalmente dão suporte à ação policial.
Brasil, escuta, segue e Ele relatou que quando há movimentos reivindicatórios
anuncia”. no país a polícia atua na repressão direta, enquanto o
Exército se movimenta na retaguarda, em uma tenta-
Roraima – RR tiva de constranger a manifestação. O representante
Invasores deixam Raposa Serra do Sol da OAB questionou a falta de ações humanitárias dos
No dia 12 de setembro, lideranças indígenas da militares, que afirmaram ter realizado basicamente uma
Raposa Serra do Sol, o presidente Luís Inácio Lula da campanha de vacinação e a tentativa de cavar alguns
Silva e representantes de órgãos federais e estaduais poços artesianos. As tropas brasileiras estão há mais
assinaram um documento que define as responsa- de três anos no Haiti.
bilidades da União e dos indígenas na retirada dos
invasores que ainda estão na terra indígena. Pelo
acordo, as organizações indígenas irão trabalhar para
que não haja confrontos envolvendo indígenas durante
a retirada dos não-índios. Durante a desocupação, Fontes: CIMI, CNBB, Notícias do Planalto, POM.
30 Outubro 2007 -
Centro Missionário ATENDEMOS:
Congregações e grupos
José Allamano religiosos, movimentos,
paróquias, empresas,
Casa de Retiros e Encontros associações e outros.
Lançada a Agenda
Latino-americana mundial 2008
"A POLÍTICA MORREU. VIVA A POLÍTICA!"
Tabela de preços
01 assinatura R$ 40,00 A Revista Missões publica 10 edições no ano.
02 a 09 assinaturas R$ 35,00 cada assinatura Nos meses de Jan/Fev e Jul/Ago a edição é
10 ou mais assinaturas R$ 30,00 cada assinatura bimensal.
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