A escada e o elevador

De Sérgio Praça

Tenho medo de trovão e de elevador. A chuva paulistana me fez descer os

catorze andares de escada no prédio onde trabalho em higienópolis. Há uma
câmera no elevador ligada à tevê do porteiro. Desci as escadas, mochila nas
costas, apressado, e ao passar pela pequena portaria vi o homem (porteiros
têm nome? odioso, medonho, perguntar isto, mas não sei o dele) meio
envergonhado. Levantava, atrás da bancada, pequeno peso no braço direito.
Musculação tímida, inexistente para quem desce de elevador. (Ele olha a tevê,
vê que tem gente vindo, esconde o bíceps.)

Descer de escada pode ser uma metáfora para o que o jornalismo tem de
melhor. Observar pequenos momentos significativos e relatá-los com paixão.
Encontrar meio sem querer, meio por ofício, o que se esconde por pudor
excessivo ou temor pilantra. (O porteiro não faz musculação em academia
porque não tem tempo nem dinheiro. O porteiro faz musculação porque é
vaidoso como qualquer outro. O porteiro não faz musculação porque na
academia ririam de seu sotaque. O porteiro faz musculação de camisa e
gravata, roupa errada. O porteiro não faz musculação nem joga futebol aos
sábados porque guarda os carros do casamento na igreja em higienópolis.)

Descer de elevador com os catorze andares apertados pode ser uma metáfora
para o trabalho acadêmico. Quase impossível notar o fora do comum. Mesmo
quando isso ocorre, como relatá-lo de modo a fazer a ciência avançar? Dos
ombros de Newton (não sou físico, mas a citação é tentadora demais) é raro
olhar para baixo, sem nariz empinado. Cada parada de andar pode ser o
equivalente a um conjunto de referências bibliográficas, a “literatura”, todas
devidamente reverenciadas, nem todas edificantes. (O porteiro olha sem
surpresa e protocola seu boa-noite na imaginária máquina de bater ponto.)

Andar de elevador também é bom. É confortável, seguro, sabe-se de onde

parte e para onde se vai. Mas descer correndo as escadas oxigena.

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