As escolas, atualmente, foram transformadas em depósitos de gente. As famílias estão
sendo desestruturadas lentamente, por fenômenos sociais como o da crescente atividade profissional da mulher. Considera-se também a propagação maciça, através da fartura dos meios de comunicação, de princípios de liberdade juvenil precoce. Essa é uma combinação que induz uma extensa camada da sociedade, notadamente os componentes mais jovens da população, a práticas comportamentais incompatíveis com sua idade, ou até mesmo indesejáveis para o convívio social normal entre as demais pessoas do grupo. A saída da mulher do ambiente doméstico para o mercado de trabalho, quando ela já tem responsabilidades maternas além das conjugais naturais, de um lado, contribuí para o desmantelamento da família. Isso porque, sob o pretexto, e, aliás, perfeitamente aceitável, de que a mulher precisa também conquistar seus espaços, as pessoas se esqueceram de um detalhe: quem cuidará da casa e das crianças? Historicamente, o homem saía da toca, isto é, de casa, para caçar, ou seja, trabalhar, e as funções domésticas ficavam a cargo da mulher. Atualmente, a sociedade, motivada por diversos fatores, mas, essencialmente, pela solidificação dos justos direitos da mulher, percebe que nem o homem e nem a mulher cuidam mais de seus filhos e pertences. Ambos ficam o dia todo fora de casa e terceirizam tudo, da limpeza dos móveis à educação dos filhos e, geralmente, essas atividades são executadas pelas empregadas domésticas em parceria com a televisão, internet e os videogames. De outro lado, combinando-se com esse dado, temos o descaso do poder público, que insiste em atacar os problemas sociais pelos efeitos e não pelas causas, acentuando o impacto dessa desestruturação social que aconteceu a partir da remodelação da família, e ainda permitindo ou possibilitando a perpetuação destes problemas, mascarando-os com soluções temporárias, que não resistem muito no tempo e afloram, cada vez mais, com maior intensidade e descontrole, alastrando-se para além do ambiente familiar. Um desses casos típicos de mascaramento nós acreditamos que seja o da chamada progressão continuada, implantada nas escolas públicas. Tentando-se resolver estatisticamente o problema do alto índice de repetências e evasão escolar, o poder público simplesmente decidiu camuflar a sua incapacidade gerencial das escolas e das verbas públicas, fazendo mágica. Todos os alunos, agora, passam de ano, independentemente de terem aprendido alguma coisa, os números negativos das estatísticas são positivados e todos nós ficamos felizes, para sempre, amém. Os defensores deste sistema dizem que ele é bem intencionado em suas matrizes, e que foi subvertido pela prática de determinados profissionais da educação. Tudo bem, pode até ser. No entanto, muitas outras experiências sociais bem intencionadas, como o Socialismo, foram corrompidas por práticas inescrupulosas que as inviabilizaram, sofreram transformações radicais, e, de alguma forma, perduram: a Rússia trocou de sistema econômico, a China deixou as portas de sua economia entreabertas, e Cuba, ficou sem economia nenhuma. No entanto, não devemos ignorar que, apesar de todos os resultados negativos apontados na verificação de aprendizagem dos alunos, o sistema da progressão continuada até teria mesmo uma boa intenção. Esse sistema até seria bastante eficiente se o alunato a ser contemplado por ele correspondesse a um grupo de pessoas bem intencionadas, que realmente estudassem em casa, fizessem suas tarefas extracurriculares regularmente, não tivessem carências sociais que variam desde as relativas ao âmbito afetivo, chegando ao nível das necessidades básicas na alimentação e no vestuário, e que também respeitassem o patrimônio público, os professores e a si próprios. Entretanto, como já foi demonstrado pela prática e pelos dados coletados por pais e pelas secretarias estaduais e municipais da educação, o alunato das escolas públicas é, predominantemente, e com raríssimas exceções, até mesmo nas escolas particulares, o oposto de tudo o que se esperaria. Esse conflito de expectativas entre o aluno desejável e o aluno disponível, associado aos elementos de desestruturação social e da família, acaba gerando a ineficácia desse sistema. Isso contribui, não para a aceleração do progresso intelectual pretendido, mas sim para uma rápida queda no ânimo profissional de toda uma geração de professores, que não vêem resultados intelectuais e financeiros que seriam os frutos de seu trabalho. Resta, aos alunos, o terrível consolo de chegar às universidades do país em condições intelectuais precárias que, em alguns casos, beiram ao analfabetismo, a fim de que nelas sejam convenientemente reciclados, armazenados, embalados e entregues em condições ideais de consumo pêlos tentáculos implacáveis do mercado de trabalho, lugar onde serão treinados para reproduzirem a história do atual sistema. Marcelo Pessoa