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Resumo
Apesar das crescentes lutas contra as mais variadas formas de preconceito, em uma sociedade
que recebeu como herança a cultura patriarcal, o sexo feminino ainda não encontra o seu devido
reconhecimento. Nessa ótica, identificam-se na linguagem alguns fatores que podem ser vistos
(por alguns ramos de estudo) como mais um meio de reprodução do discurso sexista, ao utilizar
palavras de gênero masculino como unificadoras em situações de indeterminação do gênero
sexual. Em oposição a essa prática supostamente inadequada, surge a chamada linguagem
inclusiva, que busca a inclusão de palavras tanto masculinas quanto femininas no discurso. Essa
visão deu origem a um projeto de lei (elaborado pela deputada Iara Bernardi, do PT), segundo o
qual os termos sexistas devem ser substituídos pela linguagem inclusiva em documentos
oficiais. Partindo dessas premissas, este trabalho objetiva discutir a legitimidade da linguagem
inclusiva, tendo em vista que gênero gramatical não corresponde a gênero sexual. Além do
mais, a suposta inclusão de ambos os sexos no discurso não garante uma mudança na sociedade,
podendo se tornar uma espécie de eufemismo, assim como a substituição da palavra negro por
afro-descendente não garante uma superação do preconceito racial.
Abstract
In spite of several discussions against the most diversified ways of prejudice, in a society that
inherited a patriarchal culture, women have not found their owed recognition yet. Thus, it is
identified in language some factors that may be interpreted (by some study fields) as a means of
reproducing the sexist speech, when using male gender words to refer to both male and female.
Against this supposedly inadequate practice, appears the so-called inclusive language, which
aims to include words both male and female in speech. This view originated a bill (elaborated
by Deputy Iara Bernardi, from PT), as which the sexist terms should be replaced by inclusive
language in official documents. Based on those premises, this paper aims to discuss the
inclusive language legitimacy, arguing that grammatical gender does not correspond to sexual
gender. Moreover, the supposed inclusion of both genders in speech does not guarantee a
change in society, what may becomes a kind of eufemism, as well as replacing the word black
for afro-descendent does not guarantee the end of racial prejudice.
Expressões como Bom dia a todos e a todas! ou Prezados alunos e alunas têm
surgido com maior freqüência em reuniões, encontros, eventos, entre outros tipos de
comunicação. Elas refletem a proposta da linguagem inclusiva, que propõe a inclusão de termos
tanto masculinos quanto femininos no discurso. Essa proposta objetiva combater a perpetuação
de crenças e práticas contribuintes para a manutenção de uma sociedade patriarcalista que já
deveria ter sido superada há muito tempo. Entretanto, na maioria das localidades do mundo
inteiro, as mulheres ainda não encontraram o seu devido reconhecimento.
Nesse âmbito, inicialmente, este trabalho realiza uma breve abordagem sobre o gênero
na sociedade, conceituando sexo e gênero enquanto construtos históricos e sociais,
reconhecendo que o sexo feminino não deve ser discriminado por essa ideologia que tem
perdurado há séculos.
Com o advento dos movimentos feministas, destaca-se a proposta da linguagem
inclusiva, que interpreta o próprio idioma como mais um meio de reprodução da cultura
machista, tendo em vista que língua e cultura se confundiriam ao utilizar a figura do sexo
masculino como modelo, fazendo com que palavras de gênero masculino sejam utilizadas para
se referirem a ambos os sexos, como em o homem referindo-se a homens e mulheres de modo
geral.
Desse modo, apresentamos dois questionamentos que nortearão a problemática deste
trabalho: i) Será que a suposta inclusão de termos femininos no discurso pode garantir uma
mudança social no que se refere à discriminação contra as mulheres? ii) Os gêneros gramaticais,
enquanto categorias simbólicas, corresponderiam sempre ao sexo de seus respectivos
significantes?
Com base nesses questionamentos, o presente trabalho fundamenta-se principalmente
nas considerações de Iliovitz e Miranda (2007), Mattoso Câmara Jr. (2004 apud ILIOVITZ;
MIRANDA, 2007) e Ross (2009), que têm trazido contribuições significativas para esta
discussão.
2. O GÊNERO NA SOCIEDADE
As discussões em torno das questões de gênero ainda não se tornaram obsoletas, uma
vez que as tendências de manutenção de uma cultura patriarcalista parecem persistir em todas as
esferas da sociedade contemporânea. Sua origem, como ressalta Boff e Muraro (2002), reside
nos tempos mais remotos, pois, desde quando as atividades que exigiam a força de trabalho
(caça, agricultura, etc.) foram atribuídas ao sexo masculino nas comunidades primitivas, se
iniciou todo um processo de reprodução da cultura machista que classifica o homem como sexo
superior, posicionando-o como chefe da família. Essa ideologia estendeu-se às demais funções
sociais, como trabalho, política, religião, e assim por diante.
Nesse contexto, do mesmo modo como os nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial,
tentaram comprovar cientificamente que os judeus eram uma raça inferior (a fim de justificar
seus atos e crimes contra a humanidade), houve uma tendência machista de classificar as
características femininas como fatos biológicos. Soihet (2004 apud JESUS, 2009) destaca que
A medicina do século XIX afirmava que a fragilidade, o recato e o predomínio das faculdades
afetivas sobre as intelectuais eram características biologicamente femininas, assim como a
subordinação da sexualidade ao instinto maternal.
Embora sejamos completamente a favor das lutas contra as mais variadas formas de
preconceito presentes na sociedade, incluindo as ideologias defensoras de uma suposta
superioridade do sexo masculino em detrimento das mulheres, pretendemos questionar a
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Original: [...] the theory of sexist language seems to say that words cannot have more than
one meaning: if man and he in some usage mean males, then they cannot mean both males
and females in other usage [...]
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Original: Historically, if a language possesses a gender system and distinguishes between he
and she then one or the other will also tend to be the commom gender for when both genders
are involved.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar das mudanças significativas que vêm ocorrendo nas últimas décadas, o sexo
feminino ainda tem enfrentado barreiras diante dos papéis sociais a ele atribuídos por uma
sociedade que ainda demonstra algumas características da cultura machista. Contra esse tipo de
comportamento, o advento dos movimentos feministas reflete uma reação legítima que almeja
nada mais que um princípio ético: o direito à igualdade.
Nesse sentido, defendemos que o sexo feminino deve sim obter seu devido
reconhecimento e inserção em todas as esferas em que se tem deparado com barreiras
completamente preconceituosas e desprovidas de qualquer justificativa consistente. No entanto,
identificamos a proposta da linguagem inclusiva como um meio sem fundamentos lógicos e/ou
eficazes de combate a esse tipo de preconceito, pois a simples inclusão de palavras de gênero
feminino ou a substituição de palavras de gênero masculino por substantivos coletivos no
discurso não garantem uma mudança na sociedade, tornando-se apenas uma espécie de
eufemismo.
Finalmente, este trabalho argumentou que o gênero gramatical representa uma categoria
puramente simbólica que não está intimamente ligada ao sexo dos respectivos significantes. Isso
ocorre porque a língua portuguesa não possui o gênero neutro, por isso, todas as palavras dessa
língua são ou do gênero masculino ou do gênero feminino, mesmo que o significante ao qual se
referem sejam desprovidos de sexo. Assim, tanto palavras de gênero masculino quanto palavras
de gênero feminino podem ser utilizadas como unificadoras em situações em que se referem a
ambos os sexos, pois o fator mais importante é que as intencionalidades discursivas fiquem
claras.
6. REFERÊNCIAS
BOFF, Leonardo; MURARO, Rose Marie. Feminino e masculino: uma nova consciência para o
encontro das diferenças. Rio de Janeiro: Sextante, 2002.