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UNIVERSIDADE TIRADENTES

REGINA MARIA MOTA ARAÚJO

A CULINÁRIA COMO ATRATIVO TURÍSTICO EM

SERGIPE

Aracaju

2005
REGINA MARIA MOTA ARAÚJO

A CULINÁRIA COMO ATRATIVO TURÍSTICO EM

SERGIPE

Trabalho de conclusão de curso (TCC)


apresentado à Universidade Tiradentes
como um dos pré-requisitos para a
conclusão do Curso Seqüencial de Gestão
de Empreendimentos Turísticos.

ORIENTADOR:

Prof. Ms. C. José Carlos Santos Cunha

Aracaju

2005
3

REGINA MARIA MOTA ARAÚJO

A CULINÁRIA COMO ATRATIVO TURÍSTICO EM SERGIPE

Trabalho de conclusão de curso


(TCC) apresentado à Universidade
Tiradentes como um dos pré-
requisitos para a conclusão do
Curso Seqüencial de Gestão de
Empreendimentos Turísticos.

Aprovada em: __________________


RESUMO

A gastronomia representa hoje um setor de grande importância dentro do

chamado turismo cultural devido ao seu significado social implícito. Assim também, a

cozinha sergipana traz ingredientes e modos de preparar únicos, que comunicam ao

turista muito sobre a cultura do Estado que quer conhecer. A presente pesquisa

justifica-se por abordar um tema importante embora recente, e sobre o qual ainda há

carência de estudos. Quanto ao objetivo geral, é a reflexão sobre os aspectos culturais

e não apenas econômicos envolvidos no turismo gastronômico, especialmente em

Sergipe; quanto aos objetivos específicos, são divulgar conhecimentos sobre a cozinha

sergipana e nordestina, servir de base para futuros aprofundamentos no assunto,

sugerir propostas para a divulgação, desenvolvimento e consolidação dos atrativos

encontrados. Utilizando a pesquisa bibliográfica, foram levantadas as questões mais

relevantes a respeito da relação turismo/gastronomia, da cozinha como patrimônio

cultural, da importância econômica da alimentação para o turismo dos elementos da

culinária nordestina e das iniciativas válidas na área do turismo gastronômico. Todas as

questões são trazidas para a realidade sergipana, e a partir daí é possível a elaboração

de propostas ao mesmo tempo vantajosas para a economia do Estado e para o

desenvolvimento sócio-cultural da população que produz essa culinária.

Palavras-chave: Turismo; Gastronomia; Culinária nordestina; Cozinha regional;

Atrativos turísticos, Turismo em Sergipe.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Distribuição do PIB do turismo entre seus setores........................................14.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................1

GASTRONOMIA E TURISMO..........................................................................5

Turismo cultural........................................................................................5

A gastronomia no PIB do turismo............................................................7

A CULINÁRIA SERGIPANA............................................................................10

Origens...................................................................................................10

Principais atrativos culinários.................................................................14

Culinária junina.......................................................................................15

Culinária sergipana, referencial de identidade......................................16

DISCUSSÕES SOBRE O TURISMO GASTRONÔMICO EM SERGIPE.......19

Introdução: o regionalismo.....................................................................19

A culinária elevada a patrimônio............................................................21

Roteiros gastronômicos..........................................................................22

Museus da alimentação.........................................................................25

Cenários gastronômicos.........................................................................26

Sugestão de metodologia.......................................................................31

CONCLUSÃO..................................................................................................34

BIBLIOGRAFIA................................................................................................35

BRANDÃO, Darwin. A cozinha baiana. 2. ed. Rio de Janeiro:

Tecnoprint/Ediouro. [197-]................................................................................................35
ARBACHE, Jorge Saba et al. Matriz de contabilidade social do Brasil para o

turismo – 2002. Relatório da pesquisa Competitividade do Preço do Turismo no Brasil –

Impactos Econômicos Intersetoriais e Políticas Públicas. Centro de Excelência em

Turismo da UnB. Brasília. 2004. Disponível em: <http://www.unb.br/cet/relatorio.pdf>

Acesso em: 29 out. 2005. p. 7.........................................................................................35

FREYRE, Fernando. A culinária no manifesto regionalista. In: ENCONTRO

CULTURAL DE LARANJEIRAS: 20 Anos. 1994, Aracaju. Anais... Aracaju: Governo do

Estado de Sergipe, 1994. p. 57-61..................................................................................35

NASCIMENTO, Luzia Maria da Costa. Os três santos juninos. Aracaju:

Academia Sergipana de Letras, 2005. p. 223-4..............................................................35

SCHLÜTER, Regina G. Gastronomia e turismo. São Paulo: Aleph, 2003.

(Abc do turismo)...............................................................................................................35

SERGIPE (Estado). Governo do Estado. Home Page Oficial do Governo de

Sergipe. Sergipe. [200-] Disponível em:

<http://www.se.gov.br/HomePages/Governo.nsf/0/d5c4bb0a0f09658203256d9b0042d6

1f?OpenDocument> Acesso em: 30 out. 2005................................................................35

_______________. Secretaria de Estado do Turismo. Turismo Sergipe.

Sergipe. [200-] Disponível em: <http://www.turismosergipe.net> Acesso em: 30 out.

2005..................................................................................................................................35

VIANNA, Hildegardes. Breve notícia da alimentação na Bahia. In:

ENCONTRO CULTURAL DE LARANJEIRAS: 20 Anos. 1994. Aracaju. Anais... Aracaju:

Governo do Estado de Sergipe, 1994. p. 63-71..............................................................35


INTRODUÇÃO

A culinária regional tem uma grande importância na Gestão de

Empreendimentos Turísticos. A gastronomia é hoje responsável por 37,56% do PIB em

Turismo no Brasil, ou seja, a maior parte1. Além disso, para se divulgar e “vender” um

determinado destino turístico, é preciso conhecer com detalhes todas as características

do lugar, não apenas geográficas ou climáticas, mas culturais. A cozinha é uma delas.

Desde que foi criado o conceito de “patrimônio cultural” pela Unesco, em

1997, foi dado enorme impulso ao turismo cultural, voltado não somente para os

lugares, mas para os valores intangíveis das pessoas que habitam tais lugares. Aí se

incluem tanto museus, peças arquitetônicas pelo patrimônio histórico, mas o

artesanato, a música e a culinária, dentre outras manifestações culturais.

O presente estudo analisa as questões ligadas à importância da gastronomia

para o turismo em Sergipe, enfatizando principalmente seus aspectos culturais. O

Estado possui um cardápio de pratos típicos bastante rico, o que se deve não somente

à herança das várias culturas que aqui deixaram sua marca ao longo da história da

região, como a africana, a indígena e a européia, mas aos sabores originais dos

gêneros alimentícios locais (mandioca, milho, coco, bovinos e caprinos). São exemplos

dessas iguarias a canjica, o mungunzá, a tapioca, a carne-de-sol, o pirão e o caruru.


1
ARBACHE, 2004, p. 7.
Esta constatação vai contra a noção, outrora muito difundida, de que Sergipe

não poderia ser inserido nas rotas de turismo nacionais e internacionais em pé de

igualdade com outros destinos da região, como Bahia, Pernambuco e Ceará. A

divulgação da cozinha sergipana vem, muito oportunamente, somar-se à crescente

política de valorização de atrativos naturais do Estado nos últimos quinze anos. A

reforma do Aeroporto de Santa Maria e o conseqüente aumento no número de vôos

diretos para Aracaju é um sinal claro disso.

No plano nacional, a abertura de cursos superiores voltados para a

Gastronomia em muitas faculdades também gera um aumento do interesse pela

cozinha regional. Ao mesmo tempo, o investimento de restaurantes e hotéis na

culinária nordestina não se justificaria se esta não fosse um elemento importante no

cenário turístico.

Embora a relação entre culinária e turismo no Brasil seja um tema muito

atual, não encontramos nenhum trabalho de vulto sobre o assunto. A escassez de

títulos é ainda maior quanto ao plano regional. Assim, esta pesquisa se justifica pela

necessidade de se ampliar nossos horizontes sobre o potencial turístico sergipano –

afinal, a divulgação da cozinha sergipana atrai interesse sobre o Estado, sendo

elemento estratégico para a implantação, alavancagem e consolidação do turismo.

O objetivo geral do trabalho é uma reflexão sobre o recente fenômeno do

turismo gastronômico que vá além dos índices econômicos, mas considere os aspectos
culturais envolvidos, especialmente em Sergipe. Como objetivos específicos, estão

contribuir para o conhecimento dos principais pratos da cozinha sergipana e

nordestina; deixar aos interessados no assunto, especialmente em Sergipe, uma

referência a mais; sugerir propostas para a divulgação, desenvolvimento e

consolidação dos atrativos encontrados.

A pesquisa está organizada no sentido das questões mais amplas para as

mais específicas. A primeira parte trata das relações entre gastronomia e turismo, os

conceitos por detrás do turismo gastronômico, a participação da cozinha típica para o

turismo cultural etc. Uma vez lançadas as bases para a discussão, procede-se ao

próprio atrativo turístico, ou seja, a culinária em Sergipe, suas origens e modalidades.

Haja vista que muitas informações sobre a cozinha sergipana foram obtidas em

trabalhos sobre a cozinha baiana e nordestina, devido às diversas similaridades entre

elas.

A metodologia utilizada é a pesquisa bibliográfica, tendo como fontes livros,

revistas e publicações em meio eletrônico. O principal referencial teórico é o livro

Gastronomia e turismo, de Regina G. Schlüter, Bacharel em Turismo e Doutora em

Psicologia Social pela Universidad Argentina, além de diretora do Centro de

Investigações e Estudos Turísticos de Buenos Aires. Adotamos a discussão sobre os

aspectos sociais da culinária e seu impacto sobre o turismo em geral, direcionando

nossa atenção para o caso sergipano.


O estudo se valeu ainda da matriz de contabilidade social (MCS) do Brasil

para o turismo em 2002, elaborada no Centro de Excelência em Turismo da

Universidade de Brasília para avaliar o impacto da gastronomia sobre o PIB do turismo,

o que dá um lastro também econômico a uma discussão eminentemente cultural.

O estágio também se enquadra na área de gastronomia. Trata-se de dois

estabelecimentos, ambos da marca “Drop’s”, mas com perfis diferentes, de acordo com

a localização. O primeiro é uma choperia situada à Av. Adélia Franco, que oferece,

além das bebidas, várias opções de pratos inspirados na cozinha internacional,

petiscos e sanduíches.

A segunda casa encontra-se na segunda fase da orla de Atalaia. Aí a ênfase

é dada nos sanduíches, e não há pratos mais sofisticados. Embora se enquadre no

ramo de fast-foods, o Drop’s inspirou esta pesquisa sobre comida típica. Explica-se: em

resposta à popularidade das tapiocas na orla, os proprietários pretendem incluir esta

iguaria no seu cardápio.

Relacionando os âmbitos nacional e regional do turismo gastronômico, é

possível enxergar a atual importância da culinária como atrativo turístico no Estado, as

soluções encontradas e a viabilidade dessa tendência para o futuro, sempre de uma

forma sustentável e de forma a promover a cultura e os habitantes que a produzem. As

conclusões dessa pesquisa inédita podem ser tomadas como referência não apenas

para estudos sobre Sergipe, mas sobre o nordeste brasileiro.


GASTRONOMIA E TURISMO

Turismo cultural

Desde as suas origens, o turismo baseia-se nas manifestações patrimoniais,

quer naturais, quer culturais. Exemplos são os locais históricos, que exercem forte

atração sobre os turistas do mundo todo. Mas além desse patrimônio visível, existe o

patrimônio intangível, definido pela Unesco desde 1997 como um conjunto de formas

de cultura tradicional e popular. Segundo SCHLÜTER (2003, p. 10):

Os aspectos tradicionais da cultura, como as festas, as danças e a


gastronomia, ao conter significados simbólicos e referirem-se ao
comportamento, ao pensamento e à expressão dos sentimentos de
diferentes grupos culturais, também fazem parte do consumo turístico,
sejam por si mesmas ou como complemento de outras atrações de
maior envergadura.

Apesar do reconhecimento, o patrimônio cultural é extremamente frágil, pois

além de estar sujeito às transformações naturais de seu grupo de origem, agora sofre o

efeito da “homogeneização da cultura” promovida pelos meios de comunicação. Assim,

as comunidades periféricas que possuem tradições próprias acabam adotando valores

dos países que ocupam o centro da economia global.

Contudo, a globalização, ao mesmo tempo em que leva aos países menos

industrializados o modus vivendi dos países industrializados, também faz conhecer a


estes a riqueza de tradições espalhadas pelos lugares mais longínquos do mundo. É

então que surge o turismo cultural, em que a gastronomia ocupa um lugar especial

como uma das chaves para a compreensão da cultura de um povo. “Ainda que o prato

esteja à vista, sua forma de preparação e o significado para cada sociedade constituem

os aspectos que não se vêem, mas que lhe dão seu caráter diferenciado” (Ibid., p. 11).

O documento-base elaborado no Congresso da Unesco sobre Turismo

Cultural na América Latina, em Havana, Cuba, eleva o valor das receitas culinárias ao

nível dos monumentos nacionais e defende políticas culturais que considerem o ato de

comer sob o ponto de vista da tradição e da criatividade, e não somente da

alimentação. Aqui se faz necessária a transcrição das palavras de Regina Schlüter a

respeito:

No ato da alimentação o homem biológico e o homem social ou cultural


estão estreitamente ligados e reciprocamente implicados, já que nesse
ato pesa um conjunto de condicionamentos múltiplos, unidos mediante
interações complexas: condicionamentos e regulagens de caráter
bioquímico, termodinâmico, metabólico ou psicológico; pressões de
caráter ecológico; modelos socioculturais [sic]; preferências e aversões
individuais ou coletivas; sistemas de representações ou códigos
(prescrições e proibições, associações e exclusões); “gramáticas
culinárias”, etc (Ibid., p. 12-3).

Contudo, para que a culinária seja considerada um atrativo turístico, não

basta apenas apontar suas qualidades, mas relacioná-la com o seu local de origem –

melhor dizendo, o “cenário gastronômico”. É a partir desse lugar que é vista a

comensalidade, ou o ato social de comer, seja entre parentes, seja entre amigos:

De todos os rituais, o da comida é o mais comum, já que se pratica em


todos os lugares e é um fator de diferenciação social e cultural com
base na forma de preparar e ingerir a comida, o que e com quem se
come, e os ciclos da alimentação diária (Ibid., p. 51).

Os dados a seguir confirmam a importância do turismo e da gastronomia

para a da economia brasileira.

A gastronomia no PIB do turismo

Para uma noção do atual peso da gastronomia sobre o turismo nacional, é

útil recorrer à matriz de contabilidade social (MCS) do Brasil para o turismo em 2002,

primeira parte do estudo Competitividade do preço do turismo no Brasil: impactos

econômicos intersetoriais e políticas públicas, coordenado pelo Professor Jorge Saba

Arbache na Universidade de Brasília. Incluindo atividades produtivas, distribuição de

renda, emprego, consumo de bens e serviços, investimentos e comércio exterior, a

MCS descreve a estrutura de toda a economia e permite uma simulação das relações

desta com o turismo.

As fontes utilizadas para essa matriz foram: Pesquisa Nacional por Amostras

de Domicílio de 2002, Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2002/2003, Pesquisa de

Contas Satélite do Turismo 1999, Tabelas de Recursos e Usos do Novo Sistema de

Contas Nacionais de 2002 e Contas Econômicas Integradas de 2002. A partir de tais

indicadores foi possível dividir a economia em cinqüenta e quatro setores produtivos,

doze destes sub-setores turísticos.


Os restaurantes e outros estabelecimentos de serviços de alimentação

estão, juntamente com agências de viagens, atividades auxiliares de transporte,

aluguel de automóveis, hotéis e serviços recreativos ou culturais, entre as atividades

que compõem o segmento turístico, definidas de acordo com as diretrizes da

Organização Mundial do Turismo para a construção de contas satélites do turismo

(WTO, 2000 apud ARBACHE, 2002, p. 4).

Esta pesquisa traz conclusões muito interessantes para o caso em estudo. O

PIB do turismo corresponde a 5,56% do PIB da economia nacional, valor acima da

média dos outros setores econômicos e que corresponde a 77,5 bilhões de reais em

2002. Deste valor, a gastronomia é responsável pela maior parcela, ou seja, 37,56%

(figura 1). É surpreendente observar que o turismo alcançou tamanha participação na

economia tendo apenas 0,17% do investimento privado na economia (Ibid., p. 6-7).


Figura 1. Distribuição do PIB do turismo entre seus setores (ARBACHE, 2004, p. 7)

Isso indica que o setor ainda tem uma enorme capacidade de crescimento, e

dentro dele, a gastronomia tem um dos maiores potenciais de geração de emprego e

renda a baixo custo.


A CULINÁRIA SERGIPANA

Origens

Desde os tempos coloniais, Sergipe tem sido um ponto estratégico nas rotas

de comércio e informação entre a Bahia e Pernambuco. Nesse território foram

introduzidas culturas apropriadas aos regimes climáticos do nordeste, tais como cana-

de-açúcar, algodão, fumo, arroz, mandioca, além do couro. Esses produtos eram

exportados para os Estados vizinhos.

Devido à sua formação, o Estado comunga dos mesmos valores culturais da

região a que pertence, incluindo a culinária. A proximidade com a Bahia fez com que

incorporasse muito da cozinha de seu vizinho maior, afinal, a emancipação política

sergipana só veio em 1823.

Daí não se deduza que a gastronomia de Sergipe é um mero transplante de

outros lugares. O sergipano possui um modo peculiar de preparar seus pratos típicos, o

que pode ser constatado por uma cozinha simples e ao mesmo tempo perfumada e

saborosa. Nesta cozinha está a contribuição do índio, do português e do negro

africano.
O índio, primeiro habitante do país, trouxe ao branco conhecimentos

privilegiados sobre o território e seus meios de subsistência, incluindo a caça, a pesca,

a confecção de remédios e a utilização de folhas, frutos, cascas e raízes na

alimentação. Entre estas estão o inhame e a macaxeira. A mandioca ocupa um lugar

de destaque, devido aos múltiplos produtos que dela são extraídos:

A mandioca, abstração feita do aipim, que pela ausência do ácido


cianídrico pode ser utilizado diretamente no seu estado natural, fornece
a farinha de guerra, a farinha seca e a farinha d’água; a tapioca e a
farinha de tapioca, a carimã ou mandioca puba, ou apenas puba; o
polvilho, amido ou goma (VIANNA, p. 65).

Esta raiz, por ser comum na região nordeste e base de grande parte de sua

culinária, acabou criando uma “cultura” em torno de si, devido à afetividade e ao

caráter simbólico que lhe conferem a sociedade nordestina.

A maior contribuição do negro foi o azeite de dendê ou “azeite de cheiro”,

marca distintiva da cozinha baiana. A palmeira que lhe dá origem, a Elaeus Guineense,

veio do litoral africano. A fabricação caseira do azeite possui várias etapas. Do cacho

maduro são separados os “cafunés”, coquinhos de sabor adocicado, e levados para

cozimento. Após amolecerem, são pisados e batidos com uma colher de pau, a

“apuração.” O azeite que coalha é separado e refinado num filtro, e passa a ser

chamado “flor do azeite.” A borra restante, chamada Bamba, é engarrafada também

para consumo. Da seiva do dendezeiro, fermentada e filtrada, obtém-se ainda o vinho

de dendê.
Embora os índios consumissem pimenta, deve-se aos africanos a sua

incorporação à cultura popular. Como não encontrassem aqui todos os tipos de

pimenta encontrados em sua terra natal, especialmente a “pimenta da costa”, os

escravos adotaram as espécies brasileiras, chamadas genericamente de “pimenta de

cheiro” ou “malagueta.”

A pimenta, chamada atarê no idioma nagô, como hoje, é fundamental na

cozinha dos orixás (Ibid., p. 66). Dentro da realidade baiana, a cozinha ritual do

candomblé ocupa uma posição central. A cozinheira é parte da hierarquia das

sacerdotisas, sendo escolhida entre as filhas-de-santo, sempre sob orientação de uma

mulher mais velha. O azeite e a pimenta são as bases da culinária africana,

acompanhados por outros ingredientes, como o gengibre, o camarão seco. O coentro,

o cominho etc.

O consumo de carnes, embora presente no português, recebeu muita

influência dos escravos africanos:

Os negros, por sua vez, comiam a carne seca e aquelas partes menos
nobres que deram origem a pratos bastante apreciados por aqui: o
sarapatel (nas versões de porco, boi e frango), a rabada e a feijoada,
que em Sergipe é preparada com bastante verdura. Estes
enriqueceram as receitas que conheciam com ingredientes que a
natureza local oferecia (SERGIPE, [200-]).

O legado português pode ser encontrado, entre outros lugares, nos doces e

guloseimas. Boa parte desses quitutes são feitos à base de coco, cuja presença no

litoral nordestino também se deve aos colonizadores. Dele é extraio o leite de coco, e
apartir dele são feitos doces muito apreciados, como as famosas cocadas, atração à

parte em São Cristóvão/SE. A tradição das quituteiras remonta a 1802, quando surgem

os primeiros relatos sobre as baianas quituteiras, portando o seu tabuleiro de cocadas

pelas ruas. Quem relata é Darwin Brandão, em A cozinha baiana [197-].

O mesmo autor menciona três tipos de culinária encontrados no nordeste: a

cozinha brasileira, a africana e a sertaneja. O primeiro gênero é assim denominado por

considerar genuinamente nacional só a contribuição indígena (concepção muito

estreita para os tempos atuais), e assim engloba as tapiocas, beijus e carimãs, à base

de mandioca, encontrados na região norte e no litoral do Brasil.

O segundo tipo se distingue pela origem africana, já mesclada com outros

elementos, à medida em que teria passado para mesas mais refinadas. Em terceiro

lugar, temos a cozinha sertaneja, “mais pobre e mais simples”, encontrada ao sul de

Feira de Santana e na direção do rio São Francisco (BRANDÃO, [197-], p. 24). A

cozinha existente no resto do país seria uma cozinha internacional, carente de

autenticidade no preparo e nos condimentos.

Guardado o devido distanciamento em relação a esta fonte, podemos incluir

a cozinha sergipana nas duas primeiras modalidades, uma vez que possui tanto

elementos indígenas quanto africanos, e guarda grande semelhança com a culinária

baiana.
Principais atrativos culinários

Sergipe, embora seja o menor Estado da Federação, apresenta, dentro de

seus limites geográficos, climas e relevos diversificados, que determinam diferentes

modos de vida. Assim, há o clima sub-úmido (litoral, com largura de 20 a 40 km), o de

transição semi-árido (agreste, como Itabaiana e Lagarto) e o semi-árido (oeste do

Estado, com seca de 7 a 9 meses ao ano). O relevo é predominantemente plano, com

pequenas altitudes que vão aumentando para o interior.

O litoral sergipano destaca-se pelos seus frutos do mar, como camarão,

lagosta, peixes de diferentes espécies e os famosos caranguejos, preparados de

diversas maneiras: ensopados, escaldados, cozidos ou fritos. Já o Sertão das

caatingas possui uma cultura bem diferente, devido ao isolamento geográfico, à

formação da população, descendente de brancos e índios, ao clima semi-árido e à

criação de gado, atividade marcante na região. Daí o tão difundido consumo de carnes

como a de bode e a de carneiro. Pratos comuns são a buchada e a carne-do-sol com

pirão de leite.

O tradicional café nordestino está presente em todo o Estado, sendo servido

de manhã e à noite e composto de delícias como a torta de macaxeira com charque, o

cuscuz, o beiju de tapioca, arroz-doce, batata-doce, inhame e pé-de-moleque, entre

outros pratos.
As frutas da região desempenham um papel muito importante no preparo de

sucos, sorvetes e sobremesas. Suas cores e sabores são os mais variados. Exemplos:

mangaba, graviola, pitanga, sirigüela, cajá, carambola, manga, araçá, caju, entre outras

frutas, também apreciadas in natura.

Culinária junina

A culinária associada às festas juninas, comemoradas intensamente no

Estado, deve ser tratada à parte, devido à sua importância no contexto dos rituais, ou

seja, atos sociais que expressam mensagens, valores e sentimentos de um grupo

através de várias gerações. A comida assume características especiais nas ocasiões

festivas individuais ou coletivas de fundo religioso, como é o caso.

As festas juninas, importantes em todo o Brasil, mas principalmente no

nordeste, podem ser classificadas como ecofestas, cerimônias realizadas desde a

Antigüidade para propiciar boas colheitas por ocasião de certos acontecimentos

astronômicos ou estações. No caso em estudo, a homenageada era a deusa Juno (daí

o nome Junônias, e depois, Juninas), quando da chegada do verão no hemisfério

norte. Com a era cristã, os ritos pagãos foram substituídos pelas comemorações em

honra de Santo Antônio, São João e São Pedro, com muita dança e comida, esta feita

com gêneros de cada região.


No nordeste a maioria dos pratos é feita à base de milho, mandioca,

macaxeira e amendoim. No período são muito populares os bolos de milho, a canjica, a

pamonha, o beiju e o cuscuz de coco. Entre as bebidas, destacam-se os licores de

umbu, jenipapo, pitanga e tamarindo.

Se no Sul do Brasil a comida é introduzida nas festas típicas para “reforçar a

autenticidade da italianidade” (SCHLÜTER, 2003, p. 32), incluindo massas, polenta e

vinho, pode-se dizer que no nordeste a culinária enriquece as festas juninas com seu

forte referencial de nordestinidade, importante na criação de um ambiente diferenciado.

Culinária sergipana, referencial de identidade

Assim como no clima, na geografia, na história e na economia, Sergipe tem

um laço cultural íntimo com a região a que pertence. No caso da culinária, suas

influências foram as mesmas, apenas combinadas de maneiras diferentes, de modo a

produzir cores locais. É por isso que a maioria dos pratos apresentados aqui pode ser

encontrada em todo o nordeste, mas com maneiras de prepara diferentes.

Regina Schlüter (2003) aponta cinco motivações principais ligadas aos

hábitos alimentares: satisfação das necessidades básicas, necessidade de segurança

(armazenamento), necessidade de pertinência, status e auto-realização. Dentre estas,

a motivação que parece mais claramente representar o caso nordestino é a


necessidade de pertinência, pois aqui a comida vai além do aspecto nutricional: ela

indica fazer parte de um grupo.

Estamos falando aqui de identidade, uma forma simbólica de classificação

que cria uma posse. Ora, a gastronomia é um meio de comunicá-la, pois através dela

as pessoas transmitem suas preferências, mesmo que estejam distantes de sua terra

natal. Haja vista as “casas do norte” e os restaurantes de São Paulo, onde os

emigrantes nordestinos vendem, respectivamente, os ingredientes e a própria comida

dos seus Estados de origem.

Um alimento pode ser símbolo de um determinado espaço geográfico. É o

caso das massas, associadas à Itália; do arroz, ligado à Ásia; do uísque, marca da

Escócia. Da mesma forma, ao saborear uma carne-de-sol, o brasileiro imediatamente

faz uma associação com a região nordeste.

Sobre a presença marcante e diversificada da cozinha do nordeste, da qual

Sergipe faz parte, a mesma autora afirma: “Com suas múltiplas formas de preparo e

sabor, a cozinha nordestina entrega ao visitante uma árdua tarefa: descobrir qual é a

melhor tradução do espírito desse povo.” (SCHLÜTER, 2003, p. 24)

Contudo, é preciso ter muita coerência ao se apresentar os pratos típicos, a

fim de que não sejam usados como referência versões estilizadas. Por volta da década

de setenta, Darwin Brandão alerta para a contrafacção de pratos baianos feita em

restaurantes do Rio de Janeiro. Como em Sergipe, as casas de família são o ambiente

privilegiado para se conhecer a comida nordestina. Como afirma o autor,


Assim é o baiano, assim é o nordestino, como o nortista, de um modo
geral; se gosta da pessoa leva-a para casa para comer. A dona da casa
ou a cozinheira, por sua vez, tratam de oferecer não um, mas vários
pratos para o convidado escolher. É a forma de homenagear
(BRANDÃO, [197-], p. 23).

Se o turismo cultural, valorizando todos os usos e costumes das populações,

está em evidência, certamente o clima familiar aqui referido há de ser um elemento

essencial a ser incorporado ao prato típico e ao ambiente em que este é servido.


DISCUSSÕES SOBRE O TURISMO GASTRONÔMICO EM

SERGIPE

Introdução: o regionalismo

No contexto da culinária brasileira, a contribuição nordestina, da qual

Sergipe comunga, é, sem dúvida, uma das mais ricas e originais. A consciência dessa

importância vem se desenvolvendo desde longa data, encontrando-se já no 1°

Congresso Regionalista do nordeste, realizado de 7 a 11 de fevereiro de 1926, em

Recife.

O evento, formado por intelectuais de várias áreas do conhecimento, tinha

por objetivo valorizar a cultura regional, não como elemento de divisão, mas como

definidora da própria identidade nacional. Na ocasião, o hoje célebre escritor Gilberto

Freyre sugere a instalação da seção de culinária e confeitaria locais num evento

chamado Exposição Geral de Pernambuco.

Como o próprio autor afirma, a idéia ainda causa estranheza para a alta

sociedade da época, mas nem por isso deixa de defender uma posição de destaque

para a culinária nordestina dentro do movimento regionalista, ao lado das artes


plásticas, da engenharia e da literatura. Vale a pena transcrever a sua lista de pratos

típicos apreciados até hoje:

Seja como for, é esta a idéia do pavilhão: um pavilhão de quitutes.


Quitutes pernambucanos. Quitutes de milho, feijão e farinha de
mandioca; ensopados e peixes condimentados com leite de coco; o
doce e noz ralada, a cocada, a água de coco com o clássico ‘Catarro.’
E o ‘doce de caju seco.’ Doce de caju em calda. E ‘pé de moleque’
fatalmente condimentado com a castanha de caju e maturi. E doce de
goiabada em calda e em massa. E doce de araçá. E geléia de goiaba.
E todos esses doces e bolos de que outrora eram as donas de casa
que desciam à cozinha para tomar o ponto; o arroz doce; e a canjica; a
‘manguzá’ e ‘grudes’; e quantas cousas [sic] nos deixou a glutoneiria
dos engenhos (FREYRE, 1924 apud FREYRE, 1994, p. 59-60).

O interesse despertado nos regionalistas pelos pratos nordestinos não se

deve somente ao seu sabor único, mas às suas origens portuguesa, indígena e

africana, imagem da própria cultura brasileira. Contudo, a mescla desses elementos

formadores é tal que às vezes se torna difícil delimitar as suas competências.

Nos tempos atuais, devido ao fenômeno da globalização e a conseqüente

intensificação das diferenças nacionais e regionais, tem crescido o interesse dos

turistas pelos restaurantes étnicos. A cozinha do nordeste certamente tem se

favorecido dessa tendência, a julgar pela profusão de restaurantes especializados nos

pratos da região no Brasil inteiro (a cozinha mineira também é um exemplo).

Contudo, nem sempre o turismo ganha com isso. Como bem observa

Regina Schlüter (2003, p. 45), “em sua maioria serve-se a gastronomia tradicional sem

um valor agregado, representado por elementos que permitam uma melhor


compreensão da cultura.” Vejamos a seguir como obter um desenvolvimento

sustentável tendo por base a culinária regional.

A culinária elevada a patrimônio

Vimos, no capítulo intitulado “Gastronomia e turismo”, a definição de

patrimônio. Contudo, antes que surja essa denominação, há um procedimento a ser

seguido. Assim esclarece SCHLÜTER (2003, p. 69):

Para que algum elemento de uma cultura seja considerado patrimônio


deve ser previamente ativado, ou seja, deve ser considerado como tal
por um agente social interessado em propor uma versão da identidade
e conseguir adesões para a mesma (...) já que não é somente algo que
se leva dentro e se sente, mas que também é necessário expressar
publicamente.

Ora, o turismo certamente é um ativador de patrimônios, ao valorizar

elementos que às vezes não têm apelo para o habitante local, mas sim para o turista.

Na Argentina, por exemplo, vários alimentos são considerados patrimônio

gastronômico nacional, como o malte, o doce de leite e o vinho tinto Malbec. Essa

ativação foi obra conjunta de órgãos públicos, iniciativa privada e ONGs. Voltamos a

citar a mesma autora sobre a importância da gastronomia nos novos moldes do

turismo:

A gastronomia como patrimônio local está sendo incorporada aos novos


produtos turísticos orientados a determinados nichos de mercado,
permitindo incorporar os atores da própria comunidade na elaboraão
desses produtos, assistindo ao desenvolvimento sustentável da
atividade (Ibid., p. 70).

A despeito do bem-sucedido exemplo argentino, não vemos essa iniciativa

difundida em território brasileiro, menos ainda no que se refere ao nordeste. Tal

postura é injustificável, primeiro porque nossa culinária apresenta uma variedade e

originalidade sem paralelo em outros lugares do globo e representativa dos elementos

formadores do povo brasileiro; segundo, porque, se este patrimônio gastronômico não

for reclamado por seu país de origem, outros países podem fazê-lo em nosso lugar.

Roteiros gastronômicos

O turismo cultural, que engloba a gastronomia, é atualmente responsável

pela geração de renda e empregos. Contudo, nem sempre a cultura está entre as

maiores motivações dos turistas, tornando-se mesmo um elemento acidental. Tendo

em vista esse empecilho, há uma estratégia muito usada para que a gastronomia seja

uma motivação dos deslocamentos turísticos: as rotas temáticas e culturais que

agrupam em um unico produto rentável vários produtos menos atrativos

individualmente.

As rotas organizadas em função de um determinado produto têm por

objetivo incentivar o seu consumo, e conseqüentemente, o desenvolvimento da área

rural que lhe deu origem. Na Argentina, essa iniciativa se insere no Plano Nacional de

Turismo Rural, desenvolvido pela Secretaria da Agricultura, Pecuária e Pesca e a


Secretaria de Turismo. Há sete rotas: do caprino, do marisco, da truta, da pêra e maçã,

da fruta fina, do ovino e do cervo. Embora o ambiente urbano tenha potencial para

rotas gastronômicas, é no âmbito rural que estão os maiores esforços.

A Unesco elaborou o conceito denominado “rotas do diálogo”, que é a

interconexão entre diferentes povos e seus usos, costumes, religiões e tradições num

contexto globalizado, propiciando, assim, que as pessoas conheçam melhor a si

mesmas através do outro. No caso específico das rotas gastronômicas, os valores

culturais de uma determinada localidade são transmitidos tendo por meio a

alimentação. Assim, Muito mais interessante que apenas mostrar os produtos agrícolas

é relacionar a sua produção e preparação com a cultura que os rodeia.

No Brasil destaca-se a rota que promove o desenvolvimento rural do sul do

país tendo por tema as tradições trazidas pelos imigrantes italianos até fins do s. XIX.

O projeto Roteiros de Turismo Rural e Patrimônio da Imigração Italiana é uma iniciativa

do município de Caxias do Sul/RS, que com a cooperação dos municípios de Bento

Gonçalves e Flores da Cunha, chegou inclusive a obter financiamento da União

Européia.

A cultura da região foi muito valorizada com o resgate de antigas tradições

culinárias por especialistas e historiadores, tendo por base livros de receita antigos,

depositários de segredos de família. Além dos pratos típicos, o vinho também exerce

um papel fundamental nesses projetos nascidos no sul do Brasil.


No México foram criadas rotas gastronômicas ligadas às regiões indígenas e

às regiões de longo passado colonial. No primeiro caso, temos as rotas “Mixteca”,

“Mística” e “Istmenha”, todas no Estado de Oaxaca, onde o turista pode encontrar

comidas e utensílios preservados há séculos pelas tribos locais. No segundo, o alvo

são as cidades mexicanas tombadas pela Unesco como Patrimônio da Humanidade.

O web site da Secretaria de Turismo de Sergipe traz os roteiros turísticos

mais famosos do Estado: Aracaju, Cidades Históricas, Litoral Norte, Litoral Sul, Foz do

São Francisco, Canyon de Xingo e “Roteiros Alternativos” (ou seja, os passeios

ecológicos), contudo, apenas na página da capital sergipana são listados os

estabelecimentos gastronômicos. Haja vista que os restaurantes típicos, sob o título

“Delícias Regionais”, estão colocados em último lugar na lista, depois das comidas

japonesa, italiana etc. e que alguns já estão fora de funcionamento há algum tempo, o

que evidencia a falta de manutenção da página.

Isto indica que um vasto potencial de atrativos turísticos está deixando de

ser aproveitado, talvez devido à novidade dos conceitos que estão sendo aqui

abordados. Contudo, num Estado que tem como prioridade o desenvolvimento

turístico, é preciso desertar a consciência para as rotas gastronômicas o quanto antes.

Muito ainda há por fazer em nossa realidade. Assim como no caso gaúcho e

argentino, em Sergipe há produtos em torno dos quais podem ser criadas rotas. Para

citar apenas um exemplo, temos a mandioca, uma das bases da alimentação no


interior do Estado. Em muitas localidades que possuem antigas casas de farinha há

ricas tradições e belas paisagens que representam atrativos para o turista.

Museus da alimentação

Também no quesito patrimônio histórico o Estado não deixa nada a dever a

outros locais do país e do exterior. São Cristóvão, a quarta cidade mais antiga do Brasil

(foi fundado em 1590 por Cristóvão de Barros), possui vários conjuntos arquitetônicos

do período colonial e um museu de arte sacra, a terceira mais importante coleção do

país no gênero.

Contudo, o município não é conhecido apenas por seus atrativos históricos,

mas culinários. Destacam-se as deliciosas cocadas vendidas nas portas de antigas

residências e os biscoitos suíços bricelets, feitos por freiras franciscanas. Atualmente, o

projeto “São Cristóvão, Cidade da Seresta” está atraindo muitos visitantes, grande

parte sergipanos, para a cidade nas noites de sexta-feira, para ouvir seresteiros

famosos tocando e cantando.

Uma alternativa original, que se relaciona com o contexto das cidades

históricas, é o do museu especializado em gastronomia. Assim como a arquitetura, a

escultura e a pintura representam a cultura de um povo, a culinária também, pois está

dentro do conceito de patrimônio intangível.


Um museu da alimentação deve elaborar uma representação que

compreenda o funcionamento dos sistemas alimentares com suas cinco etapas e suas

interconexões: produção, distribuição, preparação, consumo e eliminação, além de

suas localizações: plantações, depósitos, mercados, cozinhas. Essa iniciativa é

relativamente nova, por enquanto focalizada nas bebidas alcoólicas (museu da cerveja,

no Chile). Como observa Regina Schlüter (2003, p. 84):

Ainda que a gastronomia faça parte dos museus etnográficos ao


mostrar as diferentes maneiras de produzir e consumir alimentos de
diversas culturas, não são muitos ainda os museus dedicados
exclusivamente a um produto alimentar ou a um prato em particular.

O exemplo da mandioca, dado anteriormente, poderia também servir a esta

proposta dentro da realidade do Estado de Sergipe.

Cenários gastronômicos

A observação de iniciativas bem-sucedidas de culinária como atrativo

turístico no Brasil pode trazer vários insights para os casos nordestino e sergipano.

Anteriormente foram abordados os “cenários gastronômicos”, em que o caráter social

da alimentação pode se desenvolver. Ao mesmo tempo, viu-se que os restaurantes

étnicos podem desperdiçar todo o potencial turístico da gastronomia, ao desprezar os

elementos culturais agregados aos pratos que apresentam.


Contudo, há exemplos do contrário. Regina Schlüter (2003) refere o caso do

Durski, restaurante de comida ucraniana, polonesa e russa, situado em Curitiba,

Paraná. Esse estabelecimento apresenta vários diferenciais em relação a outros do

gênero, em que se encontram trajes típicos e quadros evocativos de determinado

lugar: um espaço de artesanato, apresentação ocasional de danças folclóricas e o

menu, que além dos nomes dos pratos, fornece fotos, descrição dos mesmos e

informações sobre as características daquela culinária específica.

Em Sergipe há um exemplo que reúne a maioria dos atributos encontrados

no exemplo anterior: o Cariri, na Passarela dos Caranguejos da orla de Atalaia. Ao

adentrar o estabelecimento, o primeiro aspecto que salta aos olhos é o arquitetônico,

tanto no telhado à mostra e no acabamento rústico do interior quanto na decoração,

feita com objetos comumente encontrados nas casas do interior sergipano, incluindo

utensílios de cozinha e vasos de barro. Há várias referências a símbolos da região,

como o vaqueiro e o cangaceiro.

A casa possui dois ambientes: o restaurante e a pista de dança. No primeiro

e mais externo funciona o restaurante de comidas típicas. Lá encontram-se as mesas e

um pequeno palco para música ao vivo, feita por bandas especializadas em MPB. O

segundo, separado do primeiro por uma bilheteria, é a pista de dança, localizada ao

redor do palco maior onde se apresentam diversas bandas de forró tradicional,

conhecido como “pé-de-serra.” Esta parte é climatizada através de ar condicionado e

pequenos jatos de água fria que são lançados sobre os casais dançantes de modo a

aliviar o calor. As mesas aqui ficam mais ao fundo, e a decoração também é típica.
O local tem movimento muito bom, incluindo as noites de segunda-feira, em

que outrora os bares e restaurantes de Aracaju estavam sempre fechados. No referido

horário a casa de forró oferece a “Noite do meu Bem”, espaço não para os forrós desta

vez, mas para boleros nostálgicos que convidam os solteiros que querem encontrar

companhia. Boa parte das pessoas que visitam o restaurante é de turistas, atraídos

pelo ambiente, pela dança e pela comida típica.

É significativo o fato de o proprietário do Cariri ser oriundo de outro Estado

nordestino, o Ceará. Isso mostra que Sergipe oferece oportunidades de lucro para

empresários que queiram aqui investir. O restaurante Recanto da Paraíba, um dos

mais tradicionais de Aracaju, também foi criado por um nordestino de outro Estado. Lá

pode-se encontrar uma enorme variedade de pratos e temperos da culinária

nordestina, principalmente sertaneja: charque, feijão de corda, pirão, manteiga de

garrafa etc. O Miguel, que é referência em Aracaju, também oferece esses produtos,

porém sua ênfase é no churrasco. Outros destaques da cozinha regional: Carne do Sol

do Ramiro, Texano e Amanda (caranguejos e frutos do mar).

Esses empreendedores trazem consigo o know-how de outros centros mais

desenvolvidos no turismo e assim estimulam iniciativas locais. Dentre os

empreendimentos mais recentes, destacam-se: O Paió, com a peculiaridade de

funcionar num casarão de características coloniais e pelo típico café nordestino lá

servido; e o Mangará, casa especializada em sopas e pratos da região.


Com o crescimento do turismo no Estado nos últimos quinze anos, a

culinária local saiu dos tradicionais restaurantes e ganhou notoriedade em dois outros

locais: a praça de alimentação dos shopping centers e a rede hoteleira.

Quanto ao primeiro caso, tanto o Shopping Riomar quanto seu concorrente

mais novo, o Jardins, trazem restaurantes de comida nordestina, ao lado de outros

estabelecimentos especializados em fast-food, comida japonesa, chinesa, italiana e

internacional. A manutenção de um espaço em qualquer um desses centros é de custo

muito alto, o que comprova a lucratividade da culinária local. Outro aspecto importante

é o da maior divulgação da cultura local num local por onde passam milhares de

pessoas das mais variadas procedências a cada instante.

Em virtude do desenvolvimento do setor hoteleiro no Estado também

cresceu o interesse por uma cozinha que pudesse ser apresentada ao visitante como

“típica.“ O Hotel Parque dos Coqueiros é um exemplo. Segundo informações da própria

empresa, veiculadas em seu web site, o Parque dos Coqueiros foi o estabelecimento

que mais cresceu em termos de hospedagem e eventos no último ano.

Nos fóruns, seminários e congressos nacionais e mesmo internacionais são

de praxe as amostras da cultura sergipana, na qual a culinária tem papel

preponderante. No ramo dos hotéis merecem menção: Delmar, Celi, Aquarius, entre

outros, além de diversas pousadas, como a Pousada dos Kiriris e a Relicário. Todos os

exemplos estão no bairro de Atalaia.


Outro cenário gastronômico muito importante é o dos mercados, que, como

vimos, são referenciais de identidade até mesmo para nordestinos radicados em outras

regiões do Brasil. Tal importância deve-se ao fato desses locais apresentarem os

ingredientes para o preparo das comidas regionais e a oportunidade privilegiada para o

turista de fazer contato com a cultura local.

No mercado municipal de Aracaju os comerciantes vendem, em suas

respectivas bancas, produtos muito variados, que vão de gêneros alimentícios locais,

incluindo verduras, legumes, peixes e carnes, até esculturas de barro, passando por

ervas medicinais e afrodisíacas, utensílios de cozinha e diversos produtos do

artesanato local. É indispensável a visita às feiras do interior, onde se pode encontrar o

comércio sertanejo em uma forma mais espontânea e variada. Entre os aspectos que

mais chamam a atenção estão aves, caprinos e ovinos, vendidos ou trocados ainda

vivos, e os folhetos de cordel. A Feira de Itabaiana é a mais famosa do Estado.

Mas o turismo gastronômico de Sergipe tem seu ponto alto em uma época

determinada do ano: nas festas juninas, ocasião em que os turistas têm uma

oportunidade única de ver e experimentar a cultura local.

Durante os meses de junho e julho, a Prefeitura de Aracaju e o Governo do

Estado realizam eventos ligados às comemorações dos santos juninos que vêm

atraindo uma quantidade crescente de pessoas, especialmente turistas. Na capital

destacam-se: o Forró Caju, atualmente o evento de maior divulgação e que conta com

a apresentação de artistas de fama nacional nos diversos palcos montados no Teatro


Municipal; o tradicional Forró da Rua São João, realizado no primeiro bairro de Aracaju

e apoiado pela prefeitura, como o primeiro; e a Vila do Forró, que vai do meio de junho

ao fim de julho, realizado numa pequena cidade cenográfica montada na praça de

eventos da Orla de Atalaia, estrategicamente localizada próxima a grandes hotéis. Aqui

também ocorrem shows de artistas famosos e exibição de quadrilhas.

Esses eventos oferecem aos interessados apresentações de grupos

folclóricos e bandas de forró, feiras de artesanato, apresentações de quadrilha e muitas

barracas de comidas típicas. No interior também há festas com a mesma linha das

realizadas em Aracaju. Destaque especial seja dado aos forrós de Areia Branca e

Estância.

Nesses eventos, a cozinha junina é valorizada como elemento cultural,

dentro de um contexto maior, juntamente com outros produtos turísticos. Fora essas

ocasiões, a culinária regional não tem a projeção que poderia ter nas rotas em torno de

determinados produtos alimentícios.

Sugestão de metodologia

A esta altura é importante citar aqui a metodologia aplicada aos projetos de

roteiros culturais com ênfase na gastronomia do México, entendendo que possa vir a

ser útil ao caso sergipano, pelo menos como diretriz. A seguir, a transcrição dos passos

a serem tomados, do livro de Regina Schlüter (2003, p. 77):


a) Criação de uma base de dados com todos os atrativos turísticos,
culturais e gastronômicos.
b) Preparação de um mapa onde se localizam os atrativos mais
importantes.
c) Projetos de circuitos que combinem arte e gastronomia, assim como
outros aspectos de interesse turístico.
d) Realização de visitas de campo para assegurar que os serviços
oferecidos reúnam um mínimo de qualidade e os tempos estimados
para as visitas sejam corretos.
e) Submissão das propostas a um painel de especialistas, composto
por operadores de turismo e agentes de viagem das cidades onde
se quer captar o fluxo turístico, para conhecer sua opinião.

Destacam-se a integração entre elementos artísticos e gastronômicos na

criação das rotas (afinal, cozinhar também é uma arte), o assessoramento de

especialistas nas áreas envolvidas e a busca de constante atualização de meios,

atitudes que podem impulsionar em muito as iniciativas já existentes no Estado e

fundamentar tantas outras.

Por fim, inclui-se também o questionário de perguntas semi-estruturadas

para avaliação do potencial das rotas, elaborado por Alicia Bernard e Patrícia

Dominguez:

• Você considera que pode haver turismo interessado em circuitos de


arte e gastronomia?
• Você considera que os circuitos propostos podem ser de interesse?
• Que tipo de mercado pode interessar-se pelos circuitos propostos?
• Que tipo de promoção você considera ser mais adequada para esta
proposta?
• Você acredita que se dispõe de infra-estrutura mínima necessária?
• Você considera que as cidades com Patrimônio Histórico necessitam
de mais promoção?
• Você considera que as rotas devam combinar-se com as de outro
Estado? (ibid., p. 78)
As perguntas formuladas acima são de grande utilidade na elaboração de

táticas de turismo gastronômico, pois levam em conta aspectos mercadológicos

(público-alvo, busca de parcerias), de marketing (promoção das rotas) e estruturais

(avaliação da infra-estrutura existente).


CONCLUSÃO

A culinária em Sergipe apresenta um enorme apelo turístico, tanto pela

qualidade dos seus pratos quanto pelo seu valor cultural, síntese das culturas ibérica,

negra e indígena. Entretanto, com exceção talvez das festas juninas, esse potencial

está sendo sub-aproveitado pelas políticas de promoção do turismo no Estado. Tal fato

se deve, em grande parte, à novidade do conceito de turismo cultural, do qual a

gastronomia é parte muito importante.

Ao mesmo tempo, há iniciativas bem-sucedidas em outros Estados e países

que podem ser perfeitamente adaptadas ao caso sergipano: a elevação de certos

gêneros alimentícios à categoria de patrimônio intangível; as rotas gastronômicas

envolvendo localidades que produzem determinado produto; os museus de

alimentação, que oferecem aos visitantes aspectos singulares do alimento em questão;

e os cenários gastronômicos, que enfatizam o aspecto social dos pratos a serem

consumidos.

O turismo gastronômico, desde que seja desenvolvido de forma sustentável,

certamente trará muitas vantagens para a economia do Estado. Mas o benefício mais

importante é o da promoção da cultura de Sergipe, que em face das culturas dos seus

visitantes se enriquece e se auto-afirma.


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