1. No século 18, houve a invenção do conceito de "homem" como objeto de estudo científico, separado do sujeito do conhecimento.
2. Desenvolveu-se um método empírico e indutivo para observar o homem em sua existência concreta e nas sociedades, comparando-as a organismos naturais.
3. Uma questão central foi a da diferença humana, rompendo-se com a noção de que há apenas um modo de ser humano.
1. No século 18, houve a invenção do conceito de "homem" como objeto de estudo científico, separado do sujeito do conhecimento.
2. Desenvolveu-se um método empírico e indutivo para observar o homem em sua existência concreta e nas sociedades, comparando-as a organismos naturais.
3. Uma questão central foi a da diferença humana, rompendo-se com a noção de que há apenas um modo de ser humano.
1. No século 18, houve a invenção do conceito de "homem" como objeto de estudo científico, separado do sujeito do conhecimento.
2. Desenvolveu-se um método empírico e indutivo para observar o homem em sua existência concreta e nas sociedades, comparando-as a organismos naturais.
3. Uma questão central foi a da diferença humana, rompendo-se com a noção de que há apenas um modo de ser humano.
Laplantine, Franois. O Sculo XVIII: a inveno do conceito de homem. In:
Aprender Antropologia. So Paulo: Brasiliense, 1994.
- No Renascimento, no sculo XVI, h a explorao geogrfica de continentes desconhecidos. Esse Encontro, esse choque cultural, leva s primeiras interrogaes sobre a existncia mltipla do homem, do ser humano. - No Sculo XVII, passa a ser aceita a evidncia do cogito. Cogito, ergo sum significa "penso, logo existo"; uma concluso que Descartes alcanou aps duvidar de sua prpria existncia, que comprova ao ver que pode pensar e se est sujeito tal condio, deve de alguma forma existir. - Ren Descartes (La Haye en Touraine, 31 de maro de 1596 Estocolmo, 11 de fevereiro de 1650) foi um filsofo, fsico e matemtico francs. considerado por muitos o pai do Racionalismo da Idade Moderna. Ou o primeiro filsofo moderno. Dentre outras coisas, dividia a realidade em res cogitans (conscincia, mente) e res extensa (matria). Da a noo de que o sujeito cartesiano constitui- se de uma oposio entre corpo e mente. Frase: Penso, logo existo. O que interessante para ns aqui que, a partir dessa noo, criam-se figuras de anormalidade [que no pensam] o louco, a criana, o selvagem, figuras que escapam da ordem, do que tido por normal. [Um dos pensadores que estudaram esses processos foi Michel Foucault. Os Anormais. Tambm a Histria da Sexualidade inveno da figura do homossexual como desvio da norma] (p. 54). - O projeto de fundao de uma cincia do homem vai se dar somente no sculo XVIII. Um saber no mais especulativo [no mais etnocntrico, no mais imaginativo], mas tambm positivo sobre o homem [Cincia positiva lembra o positivismo a idia de constituio de um saber cientfico racional, distanciado, objetivo. Essa positividade tambm evoca a idia de que o sabewr cria as realidades que estuda, na nossa acepo corrente. Ex.: Positividade dos discursos sobre a sexualidade, na Medicina, na Psiquiatria, na Religio discursos positivosporque tambm criam essa realidade Foucault sexualidade no como represso, mas como incitao ao discursos, nos ltimos sculos. Coero a falar sobre, e no represso. Mas um falar sobre imiscudo em relaes de poder e de saber-poder. Maneiras corretas de se falar sobre. Convenes, regras. Cria-se a sexualidade a partir de discursos que a nomeiam. Desnaturaliza-se a sexualidade. Sexualidade natureza x cultura. Tema clssico. Noo de natureza varia; s existe dentro dos discursos histricos e culturais que a imaginam enquanto Natureza. Interesse para a Antropologia]. - Sculo XVI elementos de pr-histria da Antropologia. Sculo XVIII espcie de represso; Sculo XVIII (Iluminismo, Revoluo Francesa) entra-se de vez na Modernidade (segundo Foucault). Apenas nessa poca, e no antes, que se pode apreender as condies histricas, culturais e epistemolgicas de possibilidade daquilo que vai se tornar a antropologia (p. 54). - Foucault vai dizer que antes do Sculo XVIII, o Homem no existia. - O que pressupe esse projeto antropolgico? - 1. A construo de um certo nmero de conceitos. O primeiro deles? O conceito de homem. E no apenas como sujeito de conhecimento, mas como objeto de conhecimento. [Cincias exatas e Naturais pressupunham separao entre sujeito 2
e objeto de conhecimento; elas sero o modelo, o paradigma, para a antropologia no seu incio. Logo, essa separao est presente aqui tambm. preciso desenvolver um conhecimento objetivo, distanciado, do homem pelo prprio homem] (p. 55). - 2. A constituio de um saber que no seja apenas reflexivo, mas de observao. Busca por um entendimento do ser humano em sua existncia concreta. Separao entre idealismo e materialismo. O homem entendido como um ser determinado seja pela biologia (pelo seu organismo), seja pelas relaes de produo material (Marx), seja pela linguagem, pelas instituies e comportamentos sociais. Sociedade como materialidade, como realidade emprica, que determina o homem.Assim comea a constituio dessa positividade de um saber emprico (e no mais transcendental [especulativo]) sobre o homem enquanto ser vivo (biologia), que trabalha (economia), pensa (psicologia) e fala (lingstica) (p. 55). E tambm como um ser social, que vive em sociedade e determinado, localizado socialmente. Surge uma cincia da sociedade, uma Sociologia. [E surge uma cincia inicialmente preocupada com as sociedades simples, ou primitivas a Antropologia, em seu incio. Essa era uma das formas de se separar a Sociologia da Antropologia nesse momento. Ela era uma Sociologia em pequena escala, em sociedades menores, mais simples]. - - 3. Uma problemtica essencial: a da diferena. No scuilo XVIII, rompe-se com a evidncia do cogito, coloca-se a relao com o impensado. Laplantine vai dizer que no sculo XVIII rompe-se com o pensamento do mesmo [ que dado, o que natural, o que sempre foi assim]. A sociedade do sculo XVIII vive uma crise de identidade do humanismo e da conscincia europia. Parte de suas elites busca suas referncias em um confronto com o distante (p. 56). - Em 1724, por exemplo, o padre Lafitau publica Os Costumes dos Selvagens Americanos Comparados aos Costumes dos Primeiros Tempos. Seu objetivo era fundar uma cincia dos costumes e dos hbitos humanos e tinha um esforo comparativo. - [Essa uma poca, por exemplo, em que se questionam sobre onde se inicia a humanidade. O mito da criana-lobo, por exemplo, contemporneo ao sculo XVIII. O Enigma de Kasper Hauser, sculo XIX. Hauser passou os primeiros anos de sua vida aprisionado numa cela, no tendo contacto verbal com nenhuma outra pessoa, facto esse que o impediu de adquirir uma lngua. Porm, logo lhe foram ensinadas as primeiras palavras, e com o seu posterior contacto com a sociedade, ele pde paulatinamente aprender a falar, da mesma maneira que uma criana o faz. Afinal, ele havia sido destitudo somente de uma lngua, que um produto social da faculdade de linguagem, no da prpria faculdade em si. A excluso social de que foi vtima no o privou apenas da fala, mas de uma srie de conceitos e raciocnios, o que fazia, por exemplo, que Hauser no conseguisse diferenciar sonhos de realidade durante o perodo em que passou aprisionado. Hauser, supostamente com quinze anos de idade, foi deixado em uma praa pblica de Nuremberg, em 26 de maio de 1828, com apenas uma carta endereada a um capito da cidade, explicando parte de sua histria, um pequeno 3
livro de oraes, entre outros itens que indicavam que ele provavelmente pertencia a uma famlia da nobreza. Entre as idiossincrasias originadas pelos seus anos de solido, Hauser odiava comer carne e beber lcool, j que aparentemente havia sido alimentado basicamente por po e gua. Aprendeu a falar, a ler e a se comportar, e a sua fama correu a Europa, tendo ficado conhecido poca, como o "filho da Europa". Obteve um desenvolvimento do lado direito do crebro notoriamente maior que o do esquerdo, o que teoricamente lhe proporcionou avanos considerveis no campo da msica. Hauser foi assassinado com uma facada no peito, em Dezembro de 1833, nos jardins do palcio de Ansbach. As circunstncias e motivaes ou autoria do crime jamais foram esclarecidas, apesar da recompensa de 10.000 Gulden (c. 180.000,00 Euros) oferecida pelo rei Lus I da Baviera. A sua histria foi representada no filme de Werner Herzog, "Jeder fr sich und Gott gegen alle" (em lngua portuguesa, "Cada um por si e Deus contra todos"), de 1974, lanado em Portugal com o ttulo "O Enigma de Kaspar Hauser"] - Rousseau, no Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade. Desenvolve o programa para a antropologia clssica. - 4. Um mtodo de observao e de anlise o mtodo indutivo. Os grupos sociais eram comparados a organismos vivos. So considerados sistemas naturais, que devem ser estudados empiricamente, a partir da observao direta de fatos, a fim de se extrair princpios ou leis gerais, vlidas para todas as sociedades. Isso vai ser chamado de naturalismo. uma emancipao em relao ao pensamento teolgico. algo que surge antes na Inglaterra do que na Frana. A busca aqui por um entendimento da Natureza Humana. Os filsofos ingleses colocam as premissas de todas as pesquisas que procuraro fundar, no sculo XVIII, uma moral natural, um direito natural, ou ainda uma religio natural (p. 57). - Esse era o projeto de um conhecimento positivo, cientfico, sobre o homem, que Laplantine vai dizer que constitui um evento importante na histria. Um evento que se originou no Ocidente, no sculo XVIII e que acabou por se tornar, gradativamente, constituinte da idia de Modernidade. - Ento ele questiona mas o que mudou efetivamente, quais as diferenas que podemos perceber entre o estudo do homem iniciado no sculo XVI e o do sculo XVIII? - 1. A primeira questo que ele vai salientar diz respeito natureza dos objetos observados. No sculo XVI, o objeto de observao era sobretudo o cosmos, a Natureza a flora, a fauna, o cu e a terra. Havia tmidas incurses a respeito de costumes ou inclinaes, temperamentos etc. mas o foco no recaa a. J no 4
sculo XVIII se coloca mais claramente o interesse pelo ser humano, pelo Homem, e suas variabilidades. - 2. A segunda diz respeito prpria atividade de coleta e de observao. No sculo XVI, ele vai dizer, observava-se e coletava-se curiosidades. Exotismos, aquilo que era grotesco, curioso. Surgem os gabinetes de curiosidades [Lembrete: como falamos que a chamada pr-histria da Antropologia era de gabinete conhecimento meio que museolgico no mau sentido da palavra; sem contato direto; lembrar de Sir. James Fraser Deus me livre!]. No sculo XVIII, j se busca ordenar esses achados, essas observaes. A questo do mtodo utilizado para coletar dados sobre as populaes estudadas passa ser levada em conta. Organizao e elaborao dos materiais. Em 1789, surge o termo etnologi a como referncia a esse saber. - no sculo XVIII que se forma o par do viajante e do filsofo o viajante coleta as informaes. Ex.: James Cook [O capito James Cook FRS RN (Marton, 27 de Outubro de 1728 Hava, 14 de Fevereiro de 1779) foi um explorador, navegador e cartgrafo ingls no final alcanando a posio de Capito na Marinha Real Britnica. Cook foi o primeiro a mapear Terra Nova antes de fazer trs viagens para o Oceano Pacfico durante a qual ele conseguiu o primeiro contacto europeu com a costa leste da Austrlia e o Arquiplago do Hava, bem como a primeira circunavegao registrada da Nova Zelndia] exemplo de viajante. O filsofo vai buscar esclarecer com suas reflexes as observaes trazidas pelos viajantes. Ex.: Rousseau. - H mesmo uma espcie de disputa entre viajantes e filsofos. Para os filsofos naturalistas do sculo das luzes, se essencial observar, preciso ainda que a observao seja esclarecida. Uma prioridade portanto conferida ao observador, sujeito que, para apreender corretamente seu objeto, deve possuir um certo nmero de qualidades (p. 59). [Interessante: separao entre Etnografia e Etnologia no sculo XX tem a ver com isso]. - Busca-se orientar, a partir de manuais de investigao, o olhar do observador. D o exemplo de uma obra de De Gerando, de 1800, chamada Consideraes sobre os Diversos Mtodos a Seguir na Observao dos Povos Selvagens. Essa nova cincia, chamada de cincia do homem ou cincia natural, sobretudo uma cincia da observao, devendo o observador participar da existncia dos grupos sociais observados. - Laplantine vai dizer que esse projeto ainda no pode ser considerado cincia antropolgica. Em primeiro lugar, porqueno se distinguia, ainda, entre um saber cientfico e um saber filosfico do Homem. importante termos em mente que esse conceito de unidade e universalidade do homem, pela primeira vez claramente afirmado no sculo XVIII, coloca condies para um novo saber sobre o homem. Mas ainda no era um saber propriamente cientfico. Porque? Porque o 5
conceito de homem do sculo das Luzes ainda por demais abstrato. No se estudam indivduos pertencentes a uma poca e a uma cultura, e o sujeito que observa no visto como algum que, ele tambm, faz parte de uma poca e de uma cultura especficas. Conceito de homem ainda por demais abstrato e transcendental. Em segundo lugar, porque o discurso antropolgico do sculo XVIII no pode ser separado de seu contexto. E qual ele? A concepo de uma histria natural, j liberada da teologia, mas que ainda acredita na marcha das sociedades a caminho de um progresso universal, portanto, nico. Essa concepo vai desembocar, no sculo XIX, na noo do evolucionismo [Lembrete: Morgan, histria nica, unilinear e universal]. - Captulo seguinte algumas ponderaes. - Sculo XVI Descobrimento e explorao de espaos desconhecidos. Discurso selvagem sobre o Outro. - Sculo XVIII Organizao desse discurso sobre o Outro. Ele iluminado pelos filsofos. s no Sculo XIX que vai se constituir a Antropologia enquanto cincia. Objeto: sociedades primitivas, em todas as suas dimenses (biolgica, tcnica, econmica, poltica, religiosa, lingstica, psicolgica etc). - Europa Revoluo industrial (Inglaterra) e poltica (Frana) sculo XVIII-XIX. Constituio daquela polaridade. Outro negativoxns positivado; Outro positivoxns negativo (Rousseau). Para Rousseau, a infelicidade est do lado da civilizao, no da Natureza. - Sculo XIX: o indgena no mais o selvagem do sculo XVI, XVII e XVIII torna-se o primitivo (ancestral do civilizado, destinado a reencontr-lo) (p. 65).
STRATHERN, Marilyn. O Efeito Etnográfico e Outros Ensaios - Coordenação Editorial: Florencia Ferrari. Tradução: Iracema Dullei, Jamille Pinheiro e Luísa Valentini. São Paulo: Cosac Naify, 2014. 576 P.