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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES


GRADUAÇÃO EM JORNALISMO
Janaína Castilho Marcoantonio – no USP 3096577

TRABALHO FINAL:
CJE0497 – Lógica e Práticas Discursivas Jornalísticas
Profa Rosana Lima Soares

I. Introdução

As seis propostas de Calvino, mais do que esboçar um certo estilo narrativo, vislumbram
um conjunto de valores a serem compreendidos como normas de conduta, na construção de
um mundo mais plural e verdadeiro.

1. Leveza

“Logo me dei conta de que entre os fatos da vida, que deviam ser minha matéria-prima, e
um estilo que eu desejava ágil, impetuoso, cortante, havia uma diferença que eu tinha cada
vez mais dificuldade em superar. Talvez só então estivesse descobrindo o pesadume, a
inércia, a opacidade do mundo – qualidades que se aderem logo à escrita, quando não
encontramos um meio de fugir a elas” (pág. 16).

A leveza, para Calvino, consiste num despojamento de linguagem por meio do qual seria
possível capturar as sutilezas sobre as quais se apóia a realidade aparentemente imutável
das coisas. Como estilo narrativo, vale-se do humor, da ironia, da abstração e também da
metáfora – como forma de construir imagens figurativas que transmitam essa sensação.
Como postura diante da vida e do mundo, significa buscar sempre um outro ponto de vista,
uma outra lógica, uma outra forma de conhecimento e apreensão da realidade, que não
aquela que nos é imposta por uma certa hierarquia de poder e de valores.

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2. Rapidez

“O trabalho do escritor deve levar em conta tempos diferentes: o tempo de Mercúrio e o


tempo de Vulcano, uma mensagem de imediatismo obtida à força de pacientes e
minuciosos ajustamentos; uma intuição instantânea que apenas formulada adquire o
caráter definitivo daquilo que não poderia ser de outra forma; mas igualmente o tempo
que flui sem outro intento que o de deixar as idéias e sentimentos se sedimentarem,
amadurecerem, libertarem-se de toda impaciência e de toda contingência efêmera” (pág.
66).

A rapidez caracteriza-se pela agilidade, mobilidade, desenvoltura. São recursos da rapidez a


iteração (o raciocínio encadeado, dedutivo), a concisão (a linguagem enxuta, necessária) e
também a digressão, como forma de prolongar o tempo narrativo, não com palavras
desnecessárias, mas com reflexões que permitam explorar outros significados, sem que com
isso o texto se torne arrastado e inconcluso. A rapidez, entretanto, não deve ser associada à
impaciência e afobação, mas sim ao resultado definitivo de um planejamento minucioso –
muito bem ilustrado por Calvino na história do chinês que pediu cinco anos para desenhar
um caranguejo, e depois mais cinco, e então com uma única pincelada desenhou o
caranguejo mais perfeito que jamais se viu.

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3. Exatidão

“A palavra associa o traço visível à coisa invisível, à coisa ausente, à coisa desejada ou
temida, como uma frágil passarela improvisada sobre o abismo. Por isso o justo emprego
da linguagem é, para mim, aquele que permite o aproximar-se das coisas (presentes ou
ausentes) com discrição, atenção e cautela, respeitando o que as coisas (presentes ou
ausentes) comunicam sem o recurso das palavras” (pág. 90-91).

Calvino entende a exatidão como um projeto de obra bem definido e calculado; a evocação
de imagens visuais nítidas e memoráveis; o uso da linguagem de forma precisa em sua
capacidade de traduzir o pensamento e a imaginação. É também a tarefa de delinear
contornos precisos para a obra, estabelecendo o limite entre o dito e o não-dito. Segundo
Calvino, essa tarefa dificilmente alcança a satisfação absoluta, pois oscilamos entre o receio
de dizer coisas demais (o que causa um rumor na comunicação) e a constatação de que,
diante da densidade do mundo, a linguagem se revela lacunosa e fragmentária, sempre
dizendo algo menos. A exatidão coloca-se como valor oposto à generalização, que dilui os
significados.

4. Visibilidade

“Penso numa possível pedagogia da imaginação que nos habitue a controlar a própria
visão interior sem sufocá-la e sem, por outro lado, deixá-la cair num confuso e passageiro
fantasiar, mas permitindo que as imagens se cristalizem numa forma bem definida,
memorável, autosuficiente, ‘icásitca’” (pág. 108).

A visibilidade é a força poética do imaginário. Inspiração divina, epifania, inconsciente


coletivo; seja qual for sua origem, essa força poética está relacionada, conforme Calvino, a
processos que exorbitam nossas intenções e nosso controle, assumindo em relação ao
indivíduo uma espécie de transcendência. Calvino compartilha a idéia de que a imaginação
nos conecta à “alma do mundo”. Diversos elementos contribuem para a formação do nosso

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imaginário: a observação direta da realidade, o onírico, o mundo figurativo que é parte de
nosso legado cultural, e um processo de abstração, condensação e interiorização da
experiência sensível. A questão levantada por Calvino é a de que, no mundo de hoje, somos
bombardeados por uma quantidade tão grande de imagens que muitas vezes se torna difícil
distinguir entre a experiência vivida e a compartilhada pela mídia. Daí a proposta de uma
possível “pedagogia da imaginação”, que nos permita reciclar essas imagens de forma
inusitada, ou então “limpar tudo e recomeçar do zero”.

5. Multiplicidade

“Quem nos dera fosse possível uma obra concebida fora do self, uma obra que nos
permitisse sair da perspectiva limitada do eu individual, não só para entrar em outros eus
semelhantes ao nosso, mas para fazer falar o que não tem palavra, o pássaro que pousa no
beiral, a árvore na primavera e a árvore no outono, a pedra, o cimento, o plástico...” (pág.
138).

Calvino entende o romance contemporâneo como uma enciclopédia, não no sentido original
do termo, que nos remete a algo encerrado em si mesmo, mas como método de
conhecimento, como uma visão plural e multifacetada do mundo. A multiplicidade reside
no discurso que permite várias interpretações; reside também no discurso que é a soma de
vários sujeitos, vozes, visões de mundo; ou ainda numa visão fragmentária, não-sistêmica;
ela é a constatação da simultaneidade e da diversidade; a “pluralidade de linguagens como
garantia de uma verdade que não seja parcial”.

6. Consistência

A sexta proposta não chegou a ser escrita por Calvino, devido à sua morte. Imagino que na
sexta conferência talvez o autor tentasse salientar a ligação que une as cinco propostas
anteriores. Entendo, no entanto, que essa relação está bastante clara: quando Calvino fala de
buscar entender o mundo sob uma outra ótica, nos leva a associar a leveza a uma
multiplicidade de visões; quando fala da agilidade no ritmo narrativo, não podemos deixar

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de associar a leveza à rapidez; quando usa a palavra “concisão” para definir seu conceito de
rapidez, nos remete por sua vez à exatidão, uma vez que concisão significa economia de
palavras e argumentos, mas também precisão. Quando, a respeito da visibilidade, nos fala
sobre a reutilização de imagens pré-fabricadas dentro de um novo contexto, buscando certo
estranhamento, nos traz de volta à multiplicidade. A possibilidade de diálogos entre as
propostas é inesgotável e estas formam, por isso, um todo consistente.

II. Desdobramentos

As seis propostas de Calvino podem ser aplicadas ao Jornalismo, uma vez que não se
encerram na definição de uma forma narrativa, mas, como já mencionado, num conjunto de
valores, numa declaração de ética.

Calvino entendia o escritor como dotado de um dever de retratar sua época; esta é, também,
a função esperada do jornalista. Escritor e jornalista são, a um tempo, observadores e
protagonistas no desenrolar da história presente. Se, por um lado, a imparcialidade
jornalística está desacreditada desde o momento em que a física quântica constatou a
influência do observador sobre o objeto observado – rompendo com uma tradição de
pensamento que vinha se sedimentando há séculos, por outro, a aceitação de uma total
subjetividade comprometeria seu trabalho, na medida em que o impediria de enxergar a
realidade sob ângulos diversos. Um certo distanciamento se faz necessário para a
compreensão da realidade, mas sem jamais esquecer que continuamos sendo parte dela:
“Para decepar a cabeça da Medusa, sem se deixar petrificar, Perseu se sustenta sobre o
que há de mais leve, as nuvens e o vento; e dirige o olhar para aquilo que só pode se
revelar por uma visão indireta, por uma imagem capturada no espelho” (pág. 16).

Ou ainda:
“É sempre na recusa da visão direta que reside a força de Perseu, mas não na recusa da
realidade do mundo de monstros entre os quais estava destinado a viver, uma realidade
que ele traz consigo e assume como um fardo pessoal” (pág. 17).

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A leveza, para o jornalista, consiste num estado de atenção, de alerta, para que o peso do
mundo não seja capaz de petrificá-lo. “Estou pensando (...) sobretudo naquela específica
modulação lírica e existencial que permite contemplar o próprio drama como se visto do
exterior, e dissolvê-lo em melancólica ironia”, escreve Calvino (pág. 32).

O autor coloca ainda que, para Milan Kundera, em seu romance A insustentável leveza do
ser, o peso da vida está em toda forma de opressão: “a intrincada rede de constrições
públicas e privadas acaba por aprisionar cada existência em suas malhas cada vez mais
cerradas” (pág. 19). A intervenção do jornalista, a fim de “subtrair peso da vida”, consiste
também em lutar contra toda forma de opressão, aqui entendida não somente enquanto luta
de classes, mas principalmente como a imposição de uma hierarquia de valores, por meio
de mecanismos sutis, entre eles a própria mídia.

A rapidez apontada por Calvino difere do imediatismo que impera nas redações
jornalísticas. A corrida frenética pelo furo de reportagem, por dar a notícia antes do
concorrente, resulta num jornalismo superficial, que é o jornalismo da iteração enquanto
repetição (no sentido de que os meios não fazem mais do que repetir as informações
mínimas veiculadas pelas agências de notícias), e não enquanto raciocínio encadeado,
articulação, desdobramento. É a iteração nesse segundo sentido que falta ao jornalismo de
hoje, e é justamente sua sede de rapidez que termina por encerrá-lo num sistema fechado.

O tempo do jornalismo é demasiado curto; não há espaço para as digressões que


permitiriam diálogos e conexões enriquecedoras; o jornalismo se apressa em chegar às
conclusões, e peca pelo reducionismo, pela simplificação: “Numa época em que outros

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media triunfam, dotados de uma velocidade espantosa e de um raio de ação extremamente
extenso, arriscando reduzir toda comunicação a uma crosta uniforme e homogênea, a
função da literatura é a comunicação entre o que é diverso pelo fato de ser diverso, não
embotando mas antes exaltando a diferença, segundo a vocação própria da linguagem
escrita” (pág. 58).

Essa exaltação da diferença se faz necessária também ao fazer jornalístico: ao tentar


enquadrar a realidade do mundo à nossa volta em esquemas pré-concebidos, o jornalismo
desrespeita a “verdade das coisas”. Ao eleger uma pauta, o jornalista, na maior parte das
vezes, já tem em mente o desenrolar dessa pauta; passa então a procurar fontes que possam
declarar as respostas que ele já esperava. Uma resposta inesperada, que poderia mudar o
rumo da matéria, não se encaixa na pauta, sendo por isso descartada. Essa tendência
homogeneizante da mídia significa perda de precisão:

“Às vezes me parece que uma epidemia pestilenta tenha atingido a humanidade inteira em
sua faculdade mais característica, ou seja, no uso da palavra, consistindo essa peste da
linguagem numa perda de força cognoscitiva e de imediaticidade, como um automatismo
que tendesse a nivelar a expressão com fórmulas mais genéricas, anônimas, abstratas, a
diluir os significados, a embotar os pontos expressivos, a extinguir toda centelha que
crepite no encontro das palavras com novas circunstâncias” (pág. 72).

Também o uso das imagens peca pela arbitrariedade: “Vivemos sob uma chuva ininterrupta
de imagens; os media todo-poderosos não fazem outra coisa senão transformar o mundo
em imagens, multiplicando-o numa fantasmagoria de jogos de espelhos – imagens que em
grande parte são destituídas da necessidade interna que deveria caracterizar toda imagem,
como forma e como significado, como força de impor-se à atenção, como riqueza de
significados possíveis. Grande parte dessa nuvem de imagens se dissolve imediatamente
como os sonhos que não deixam traços na memória; o que não se dissolve é uma sensação
de estranheza e mal-estar” (pág. 73).

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Apresentadas dessa maneira, as imagens, que deveriam servir como informações
complementares ou, em muitos casos, fundamentais, acabam por solidificar conceitos e
valores já incrustados na memória coletiva, sem questioná-los. A mídia torna-se, então,
responsável pela reafirmação dos estigmas sociais, ao delinear certos campos dentro dos
quais esses personagens podem mover-se; e os limites entre um campo e outro se mostram
barreiras impermeáveis.

A visibilidade necessária ao jornalismo consiste na inversão desse processo, por meio de


uma imaginação aberta ao que é inusitado, não por sua bizarrice ou escatologia (o que por
sinal é um critério decisivo dentro de certos segmentos da mídia), mas por oferecer um
ponto de vista até então impensado; uma abordagem inovadora. A visibilidade como
conceito a ser aplicado não só em relação ao conteúdo visual (seja ele uma fotografia ou a
imagem visual sugerida por um texto), mas em todo o processo jornalístico, começando
pela pauta – o momento de decidir o que é e o que deixa de ser um fato jornalístico.

Por fim, o jornalismo deve buscar também uma multiplicidade de discursos, a única forma
de aproximar-se o máximo possível de uma verdade menos subjetiva, uma vez que essa
verdade passa a ser a soma de visões distintas da realidade. Em sua constante preocupação
em dar credibilidade aos fatos narrados, o jornalismo comumente ocorre ao depoimento de
autoridades oficiais, sejam elas ocupantes de cargos governamentais, dirigentes de grandes
empresas ou professores e pesquisadores especializados neste ou naquele assunto. Contudo,
todo fato tem múltiplas versões, e dar voz somente às “autoridades” resulta num discurso
unilateral e simplificado. O jornalismo deve compartilhar do mesmo desafio da
literatura:“(...) o de saber tecer em conjunto os diversos saberes e os diversos códigos
numa visa pluralística e multifacetada do mundo” (pág. 127).

III. Seis propostas para o jornalismo

1. Sensibilidade

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Como emblema do que pretendo propor por sensibilidade, escolho uma matéria da revista
TPM número 5. Trata-se da entrevista feita com quatro mulheres sobreviventes ao
lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima, em 1944. Há alguns anos li essa matéria, e
não quero recorrer a ela para refrescar minha memória. Quero apenas relatar uma imagem
que até hoje permanece gravada, e sintetiza todo o horror de Hiroshima: uma das
sobreviventes relata que presenciou algumas pessoas correndo, e notou que elas arrastavam
uns tecidos…e depois se deu conta de que os tecidos na verdade eram as peles de seus
próprios corpos, que se arrastavam penduradas em seus dedos.

A sensibilidade consiste em dar uma dimensão humana às matérias. São cada vez mais
raros os espaços em que isso é possível. Os noticiários de TV relatam diariamente os casos
de violência com a frieza dos números, o que tem o estranho poder de anestesiar o
telespectador, a ponto de ele não mais se abalar ao ouvir a notícia de uma chacina no Rio de
Janeiro: isso acontece todo dia. O jornalismo deve ter a missão de não deixar que adormeça
o sentimento de indignação diante da crueza da vida.

2. Transparência

Em relação à transparência como valor, quero propor duas coisas:

a) O discernimento entre informação e opinião.

O jornal, em seu formato atual, tem seus espaços reservados à opinião. São eles o editorial,
as colunas e artigos assinados. Tudo o que é apresentado ao leitor fora desse espaço é tido
como informação, e será interiorizado com força de verdade. No entanto, a postura política
do jornal acaba permeando até mesmo os textos não-opinativos. Dessa forma, um editor
contrário à reforma agrária poderá decidir-se por uma foto de membros do MST,
maltrapilhos, sujos, armados e violentos, invadindo uma propriedade; lado a lado com a
foto de uma plantação de soja mecanizada, moderna, produtiva; não necessariamente a
propriedade invadida é a mesma terra produtiva da outra foto, mas não há preocupação

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alguma em esclarecer esse ponto. Pelo contrário, o que se almeja é uma associação direta e
nem sempre verdadeira, que não permita ao leitor raciocinar e concluir.

Esperar uma postura de neutralidade é, a meu ver, um tanto ingênuo. Por outro lado, não é
ético que tais crenças e opiniões sejam transmitidas aos leitores nas entrelinhas. Na medida
em que um jornal se autonomeia socialista, fascista ou populista, fica mais fácil ao leitor
assumir uma visão crítica. Nesse ponto a imprensa brasileira está bastante distante da
francesa, por exemplo, em que algumas publicações assumem claramente sua posição
política (como é o caso dos jornais L’Humanité e Le Monde, de esquerda e Le Figaro, de
direita).

b) o esclarecimento sobre os interesses das fontes.

Não só no campo político, mas sempre que houver – e quase sempre há – um jogo de
interesses, o jornalista deve estar ainda mais atento para apresentar as informações de forma
clara. O jornalismo científico é um terreno pantanoso, pois há aí outro fator agravante: a
falta de conhecimento do assunto, que muitas vezes deixa o jornalista à mercê das
autoridades científicas. Isso é notável, por exemplo, nas matérias sobre alimentos
transgênicos: as opiniões a favor dos transgênicos estão sempre comprometidas com as
empresas que financiam as pesquisas (leia-se Monsanto); na outra ponta, as opiniões
contrárias são pronunciadas por ambientalistas tão leigos em ciência quanto o próprio
jornalista. Essa discrepância no peso dos argumentos confunde o leitor, quando deveria
ajudá-lo a formar sua própria opinião.

3. Responsabilidade

Uma das funções primordiais do jornalismo é a de educar: não somente transmitir


conhecimentos, mas educar para a cidadania, para a diversidade, para a paz. O jornalista
deve ser consciente de sua responsabilidade enquanto educador, e agir com cautela e
comprometimento.

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Como exemplo do que entendo por responsabilidade, escolho a matéria de capa da Revista
Vida Simples, de maio de 2004, “Sexo sem manual”. A matéria ironiza as inúmeras revistas
femininas e manuais de sexo que ensinam mil e uma formúlas para se chegar ao orgasmo
múltiplo. De maneira leve e delicada, propõe um não à “ditadura do orgasmo” como forma
de encontrar mais prazer e felicidade no sexo e fora dele. A matéria contraria outras revistas
da própria editora, como a Revista Nova, em que quatro entre cinco chamadas de capa
convidam a mulher a aprender truques infalíveis para segurar o namoro – obviamente, a
serem aplicados na cama.

Por sua vez, a Revista Capricho, destinada a meninas adolescentes, já prepara as futuras
leitoras de Nova. Nas entrevistas com astros famosos, não faltam informações sobre a
marca de cada peça de roupa que vestem; as tabelas de calorias e os exercícios para o
bumbum ditam as normas desde cedo. Acredito haverem coisas muito mais importantes a
serem ditas a meninas de quinze anos: poderiam ser convidadas a repensar valores, normas,
condutas; em vez disso, são tentadas a reproduzir padrões que solidificam preconceitos,
isolam e alienam.

4. Abrangência

É curioso como a grande mídia é facilmente confundida com o “mundo real”.


Proporcionalmente, ela representa uma parcela infimamente pequena da população. É feita
pela classe média e para a classe média. Quando fala de miséria, é a visão da classe média
sobre a miséria. E ainda assim, acreditamos conhecer bastante bem a realidade à nossa volta
por acompanharmos os noticiários; isso nos qualifica como pessoas bem informadas.

A abrangência é um valor um tanto utópico, mas não por isso menos desejável, de um
jornalismo de todos e para todos. Passa certamente pelos meios eletrônicos, uma vez que o
jornalismo impresso é ainda mais elitista. O rap é um exemplo de linguagem capaz de
comunicar com exatidão a realidade da periferia negra, justamente porque seus porta-vozes
estão inseridos nessa mesma realidade. O veículo – a música – mostrou-se eficaz, e o

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movimento adquiriu tal força de expressão que rasgou o tecido social, chegando aos
ouvidos da classe média.

Por meio da rádio comunitária é possível estabelecer uma relação direta com a comunidade,
mas esses órgãos têm seu trabalho dificultado por uma legislação precária, que prioriza
sempre o grande capital: “Precisamos impor limites à propriedade privada dos meios de
comunicação. É questão de garantia de pluralidade de votos e uma questão de competição
da ordem econômica a confluência de vários meios potencializa a concentração. É
antidemocrático. Os empresários precisam escolher que negócio ter. Nos Estados Unidos,
uma emissora não pode ser produtora da maior parte dos conteúdos que transmite. Faz
parte das leis antitruste. No Brasil, convive-se apenas com trustes”, afirma o jornalista
Eugênio Bucci, em debate do Projeto Direitos Humanos e Mídia, promovido em abril de
2001 pelo Consórcio Universitário pelos Direitos Humanos.

Uma legislação democrática deveria exigir o compromisso, por parte da grande mídia, de
fomentar a formação de núcleos de comunicação locais, cedendo espaço em sua grade de
programação e promovendo oficinas livres de capacitação.

5. Investigação

[Do lat. investigatione.] S. f. 1. Ato ou efeito de investigar; busca, pesquisa. 2. Indagação


minuciosa; indagação, inquirição: o ato de investigar é o pilar da atividade jornalística. Um
jornalista que não investiga trata a informação com negligência.

A pressa em concluir, antecipando-se inclusive às investigações policiais, pode causar


graves danos. É o caso, por exemplo, do escândalo envolvendo a Escola Base, noticiado em
março de 1994: professores foram acusados de manter relações sexuais com os alunos,
nessa escola situada no bairro da Aclimação, em São Paulo. A imprensa ignorou o fato de
que a acusação não passou de um boato. A repercussão da notícia gerou danos morais aos
dois casais donos da escola; um dos casais se divorciou e, mesmo sendo inocentados, os
quatro tiveram sua vida profissional arruinada.

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A investigação não deve se encerrar com a veiculação de uma matéria: ela exige
continuidade, acompanhamento. É comum ouvirmos a notícia de um assassinato na
periferia, associado à informação: “provavelmente envolvido com drogas”. Essa
informação é suficiente, para a mídia e para a polícia, para que o caso seja encerrado. Nem
mais uma palavra será pronunciada a respeito.

O jornalismo deve exercer um papel vigilante e cobrar posicionamentos. A investigação


também fica comprometida por um certo protecionismo, seja por medo ou respeito pela
fonte. Um candidato a presidente é fortemente instigado pelos jornalistas acerca de suas
promessas e propostas de governo. Depois de eleito, a partir do momento em que assume
um cargo de autoridade, passa a ser tratado com cautela exacerbada, e deixa de ser cobrado
pelas promessas que não cumpriu.

6. Positividade

Michael Moore, em seu documentário Tiros em Columbine (2002), traça um contraste


interessante entre a mídia norte-americana e a canadense: enquanto a primeira consiste num
bombardeio frenético de notícias de assassinatos, estupros, conspirações terroristas e
suicídios, na segunda predominam relatos otimistas, de ações que de alguma forma
contribuem para solucionar ou melhorar problemas sociais; ações individuais ou coletivas
que tecem uma rede de confiança e bem-estar.

A cultura do medo tem um poder paralisante sobre a sociedade. O medo fecha todas as
portas, tornando-nos incapazes de vislumbrar soluções. Leva a uma sensação de impotência
diante dos problemas; adormece o raciocínio. O jornalismo deve começar por desmistificar
números alarmantes, pois muitas vezes são inexatos e dão a impressão de um problema sem
solução: “Teve um número de que se falava muito tempo, que tinha meio milhão de
menores prostitutas. Fui fazer a conta na Fundação Carlos Chagas e faltava homem pra
transar com todas essas meninas no Brasil. Isso induz a um erro. Se dissessem que temos
40 mil ou 50 mil seria um problema que dá para solucionar, ou seja, dá para pensar numa

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política para solucionar. Mas chutar esse número para meio milhão, a coisa fica insolúvel,
não é?”, indaga Oscar Vilhena, secretário executivo do Instituto Latino-Americano das
Nações Unidas (ILANUD), no livro Manual de Mídia e Direitos Humanos.

Sensibilidade, transparência, responsabilidade, abrangência, investigação e positividade.


Nessas seis propostas encerra-se o meu desejo por um jornalismo que ajude a integrar os
diversos setores sociais na construção de uma realidade em que o ser humano seja o valor
central.

Bibliografia

CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. Cia das Letras, 1990. 1ª Edição.
PAPPA, Fernanda C. & FACCIO, Liane (org). Manual de Mídia e Direitos Humanos.
Consórcio Universitário pelos Direitos Humanos, 2001. 1ª Edição.
QUINO. 1. Mafalda. Biblioteca Clarín de la Historieta, Diario Clarín, 2003. 1ª Edição.

Filmografia
Tiros em Columbine (Bowling for Columbine, Michael Moore, 2002)

Sites
Editora Abril: www.abril.com.br

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