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e a década
de 1960
“Não somos homens com raiva. Fomos enfurecidos.
Vocês não podem mais impedir o meu sonho. Eu vou cantá-lo.
Dançá-lo. Gritá-lo. E se for necessário, o roubarei da própria terra.”
Introdução
O jazz é um campo de batalha. Não há uma linha evolutiva que possa descrever seu
"progresso" rumo a uma possível evolução musical. Em todos os seus momentos, desde o
início do século XX, não houve no jazz uma linha única que o conduzisse rumo ao
desenvolvimento. Pelo contrário, é ainda hoje um terreno no qual se interrelacionam as
mais variadas propostas, do saudosismo à experimentação, do tradicionalismo ao avant-
garde, da pureza à fusão. E esse terreno passou e ainda passa por incríveis mutações, tanto
de estilo, conteúdo ou público. O jazz reflete a história do século XX, pois seus metais,
madeiras, baquetas, cordas e teclas marcaram o ritmo da Era dos Extremos, penetrando nas
casas e clubes através das ondas do rádio ou através de 78, 45 e 33 rotações, gerando reações
de euforia ou comentários reprovadores de tal arte “vulgar”, dando base para o que se
tornaria a música popular, alterando a moda, a cultura e o comportamento e a relação entre
as gerações, os gêneros e as classes sociais, agregando identidade ou diferenciação.
A relação do jazz com o seu público variou de forma surpreendente durante o século
XX, desde a primeira gravação disponível no mercado, quando a Original Dixieland 'Jass'
Band entrou em um estúdio de Nova Iorque para gravar um compacto de 78 rotações, que
continha "Dixie Jass Band One Step" e "Livery Stable Blues". Daí para frente, houveram
dois períodos no qual o gênero gozou de grande prestígio dentro de território norte-
americano, entre a crítica especializada e o público consumidor: o final da década de 1930,
com a explosão do fenômeno do Swing, que desencadeou a expansão massiva dos discos e
bandas por todo o mundo durante a Segunda Guerra Mundial; e a década de 1950, depois
da estruturação do fenômeno conhecido como jazz moderno, em uma época na qual se
assistia a popularização do Long-Play de 33 rotações, formato de reprodução analógica na
qual é possível registrar mais de 50 minutos de áudio. O impacto dessa nova tecnologia,
aliado ao intenso crescimento econômico da década, deu o impulso necessário à
popularização do jazz em escala global, entretanto, com notáveis diferenças entre o
movimento que havia sido desencadeado por Benny Goodman e Glenn Miller vinte anos
antes.
O jazz era originalmente uma música para ser apreciada pelos menos intelectuais ou
especialistas, pelos menos privilegiados, menos educados ou experientes, tanto quanto por
outras pessoas – embora os aficionados e esecialistas de jazz tenham relutado muito mais em
admitir isso do que os músicos2. Na década de 1950, o jazz adquiriu uma respeitabilidade até
então inédita para as formas de música popular norte-americana.
“Jazz sobe o rio”, declarava o título de um artigo do New York Times Magazine em
24 de agosto de 1958. “A longa jornada dos bares de Nova Orleans até a respeitabilidade
pública termina em triunfo”. O autor do artigo, Gilbert Millstein, não estava sozinho em
reconhecer o apoteótico desfecho da trajetória da música. Leonard Feather declarava em
1955 na revista Downbeat que “O Jazz alcança prestígio social”. Na revista Esquire, falava-se
2
HOBSBAWM, 2004. p. 275.
que o Jazz havia se tornado a “maior forma artística original norte-americana”, dando-lhe o
status de arte, título sustentado por um público que havia se transformado rapidamente.3
O grafite “Bird Lives” (Bird está vivo) ainda podia ser visto em alguns muros isolados
de Nova Iorque.4 Bird era a alcunha dedicada ao saxofonista Charlie Parker, falecido em
1955, líder da geração de músicos negros que havia reestruturado o jazz na década de 1940,
transformando o que havia sido uma forma de música popular e dançante em uma forma
complexa de sons que aos poucos transformaram o repertório norte-americano. O bebop
havia sido uma forma musical liderada pelos negros, mas com uma audiência entusiasta
formada em sua maioria por brancos. Essa forma de música havia se tornado o símbolo da
modernidade urbana, cada vez menos associada às audiências jovens em busca de diversão
dançante, agora estava associada à mais variada sorte de poetas, beatniks, artistas plásticos e
pessoas influentes do circuito musical de Nova Iorque. Tornou-se célebre a declaração do
poeta beat Allen Ginsberg:
3
ANDERSON, Iain. This is our music: free jazz, the Sixties, and American culture.
The arts and intellectual life in modern America. Philadelphia: University of Pensylvania Press, 2007. p.
10.
4
HOBSBAWM, 2004. p. 13.
5
YAFFE, David. Fascinating rhythm: reading jazz in American writing. Princeton: Princeton University
Press, 2006. p. 46.
Out”, do quarteto liderado pelo pianista Dave Brubeck. Segundo recente publicação6 sobre
o mercado fonográfico norte-americano da década de 1950, “Time Out” foi o terceiro
álbum mais vendido do período, enquanto “Time Out” ocupa a décima posição. “Love is
the thing”, de Nat King Cole, ocupa a oitava posição. Já a primeira posição revelava um
novo ídolo norte-americano: Elvis Presley com “Elvis Christmas Album”.
Logo após a publicação da História Social Do Jazz, a idade de ouro teve um fim
abrupto, fazendo com que o jazz se retraísse em um isolamento rancoroso e pobre que durou
uns vinte anos. O que fez essa geração de solidão tão melancólica e paradoxal foi que a música
que quase matou o jazz tinha a mesma origem e as mesmas raízes do jazz: o rock and roll era e
é, muito claramente, uma derivação do blues negro americano. Os jovens, sem os quais o jazz
não pode existir, - dificilmente se fazem novos fãs de jazz com mais de vinte anos-, o
abandonaram com uma rapidez espetacular. Três anos depois, quando a idade de ouro estava
em seu auge, no ano de triunfo dos Beatles em todo o mundo, o jazz tinha sido virtualmente
jogado para fora do ringue.7
Avant-
Avant-Garde: o sumo-
sumo-sacerdote e o visionário
6
GREIG, Charlotte. Os 100 álbuns mais vendidos dos anos 50. Lisboa: Estampa, 2005. p. 14
7
HOBSBAWM, 2004. p. 13.
Entre a cena de jazz, dois saxofonistas negros que desenvolveram suas carreiras no
fim da década de 50 vão se provar extremamente importantes na década posterior: John
Coltrane e Ornette Coleman. Coltrane iniciou sua carreira tocando na banda de Dizzy
Gillespie, e em pouco tempo se revelou um jovem talentoso. No fim dos anos 50,
entretanto, sua carreira teve um brusco corte devido ao vício pelo álcool e heroína. Em
1957, presenciou o que chamou de “despertar religioso”, se livrou dos vícios, passou a se
interessar por religiões orientais e sua carreira assumiu outro caráter. Nas palavras do
ensaísta Gerald Early:
O que aconteceu foi que o movimento avant-garde teve em John Coltrane seu sumo-
sacerdote. E Coltrane surgiu e realmente pensava que sua música possuía um caráter religioso.8
8
EARLY, Gerald. Entrevista a Ken Burns, 1996 Disponível no website:
www.pbs.org/jazz/about/pdfs/Early.pdf. Acessado em 05/11/2009.
9
Sua história e seus princípios podem ser acessados através de seu website: www.coltranechurch.org.
Acessado em 11/11/2009.
Ornette Coleman seguiu um caminho paralelo. Oriundo do estado do Texas,
deslocou-se para Los Angeles em busca de reconhecimento musical durante o início dos
anos 50. Enquanto trabalhava como ascensorista, Coleman desenvolvia sua técnica
característica para o saxofone alto. O trompetista Bobby Bradford, que havia tocado com
Coleman durante os anos 50, afirmou:
Ornette Coleman reverteu uma das mais aceitas práticas musicais do jazz moderno,
na qual a sequência de acordes – cada vez mais complexa desde o bebop – determinaria os
parâmetros da exploração musical. O padrão convencionado no jazz moderno se baseava,
em grande parte dos casos, em um tema inicial, de doze ou catorze compassos (herança do
Blues), uma fase de solos, nos quais convencionava-se qual instrumento criaria variações
desse mesmo tema, sobre uma progressão de acordes bem definidos, e por fim um retorno
ao tema inicial. Com Ornette Coleman, quando um instrumento solava, os outros não
tinham a necessidade de manter a progressão. Enfrentando as convenções musicais que
ainda mantinham o jazz dentro de suas formas musicais específicas, o músico foi responsável
por guiar a música popular em outra direção, aproximando-a da música erudita
contemporânea, explorando sonoridades ocasionais ou aleatórias, declarando a total
liberdade de condução após a explanação de um tema principal. Afirmava Ornette
Coleman: “O tema que você toca no início de um número é o território, e o que vem a
seguir, que pode ter pouco a ver com aquilo, é a aventura.”
Em 1959, parte com o seu quarteto, formado por Charlie Haden, Don Cherry e
Billy Higgins para Nova Iorque, para uma série de apresentações no clube Five Spot, ponto
de reunião da vanguarda artística de então, incluindo Jackson Pollock e pintores do
expressionismo abstrato. Ornette Coleman chamou a atenção do mundo do jazz. Surgiu
tocando um saxofone de plástico branco, com uma sonoridade estranha e uma linguagem
musical desconcertante, baseada em um suporte temático aparentemente simples. Com o
impacto que costuma marcar as revoluções artísticas, Ornette fazia história. O seu estilo não
possuía precedentes, e tanto o público como a crítica não sabiam muito bem como reagir. A
sua música era inclassificável. As opiniões sobre esta música oscilavam entre dois extremos:
10
ANDERSON, 2007. p. 61.
Leonard Bernstein e John Coltrane consideraram-na genial, Roy Eldridge e Miles Davis,
uma fraude.
Era o início do Free Jazz. O que outrora foi caracterizado como uma
experimentação das formas anteriores, já não dava mais crédito à forma. Uma peça-chave
para o Free é o álbum This is Our Music, do quarteto de Ornette Coleman. A primeira
faixa, Blues Connotation, baseia-se no blues, forma de música americana da qual se
originaram diversos outros gêneros. Entretanto, no meio da obra, as estruturas harmônicas
vão desaparecendo, causando uma sensação de deslocamento em relação ao tema principal.
Outra música na qual podemos perceber essas características é a obra Ghosts de Albert
Ayler. Essa sensação foi comentada pelo escritor Albert Murray:
11
MURRAY, Albert. IN: MAGUIRE, Roberta. Conversations with Albert Murray. p. 114. Jackson:
University of Mississippi Press, 1997.
12
MURRAY, Albert. IN: BURNS, Ken & WARD, Geoffrey C. Jazz: A History of America's Music. Nova
Iorque: Alfred A. Knopf, 2000. p. 343.
13
HOBSBAWM, 2004. p. 18.
A inserção de elementos musicais latino-americanos no Jazz não era novidade na
década de 1960, pois já na década de 1940 músicos como Dizzy Gillespie e Stan Kenton
haviam inserido marcantes influências da música cubana, no que convencionou-se
denominar Afro-Cuban Jazz, com a inserção em suas bandas de músicos provenientes de
Cuba. O violonista Laurindo Almeida também já tocava com Stan Kenton em 1953,
inserindo a abordagem musical brasileira no jazz desde então.
O início da década será marcado pela explosão da Bossa Nova nos Estados
Unidos: em 1962 foi organizada uma lendária apresentação de músicos brasileiros no
Carnegie Hall, sucesso já precedido pelo lançamento do álbum Brazil’s Brilliant João
Gilberto, em 1961. Mas diferentemente do que muitos acreditam, a Bossa Nova não se
limitava a exaltar o estilo de vida da elite da zona sul carioca ou receber a influência da
cultura norte-americana de braços abertos. Um dos músicos que se apresentaram no
Carnegie Hall foi Carlos Lyra, um dos primeiros músicos da Bossa Nova a estabelecer uma
dimensão explicitamente crítica em suas músicas. Aqui analisaremos uma delas, chamada
Influência do Jazz, apresentada em Nova Iorque em 1962:
conteúdo “intimista” da maioria das letras da Bossa Nova, trazendo novos elementos
interpretativos da música popular brasileira, compositores como Carlos Lyra e Sérgio
Ricardo passaram a desenvolver canções que atentassem para as questões de temática
social. Esses dois compositores foram os que mais influenciaram a formação de uma música
engajada no Brasil, que no final dos anos 60 será conhecida como MPB, celebrada na Era
dos Festivais.
14
NAPOLITANO, Marcos Francisco. Cultura brasileira: utopia e massificação (1950-1980). São Paulo:
Contexto, 2001. p. 33.
permanência provou ser muito mais do que um modismo, pois até os dias de hoje algumas
músicas brasileiras fazem parte do repertório jazzístico principal. A imagem da música e dos
músicos brasileiros se alterou substancialmente devido à expansão da Bossa Nova. Ela foi
responsável por modernizar a forma e a linguagem musicais, alterando a imagem da cultura
brasileira perante o mundo. O que outrora havia sido uma música exótica, festiva, sob o
estereótipo de Walt Disney e Carmen Miranda, havia se transformado em uma produção
original e criativa. Afirma Caetano Veloso15:
A bossa nova nos arrebatou. O que eu acompanhei como uma sucessão de delícias
para minha inteligência foi o desenvolvimento de um processo radical de mudança de estágio
cultural que nos levou a rever o nosso gosto, o nosso acervo e - o que é mais importante – as
nossas possibilidades. João Gilberto, com sua interpretação muito pessoal e muito penetrante do
espírito do samba, a qual se manifestava numa batida de violão mecanicamente simples mas
musicalmente difícil por sugerir uma infinidade de maneiras sutis de fazer as frases melódico-
poéticas gingarem sobre a harmonia de vozes que caminhavam com fluência e equilíbrio,
catalisou os elementos deflagradores de uma revolução que não só tornou possível o pleno
desenvolvimento do trabalho de Antônio Carlos Jobim, Carlos Lyra, Newton Mendonça, João
Donato, Ronaldo Bôscoli, Sérgio Ricardo - seus companheiros de geração - e abriu um caminho
para os mais novos que vinham chegando - Roberto Menescal, Sérgio Mendes, Nara Leão,
Baden Powell, Leny Andrade -, como deu sentido ás buscas de músicos talentosos que, desde os
anos 40, vinham tentando uma modernização através da imitação da música americana - Dick
Farney, Lúcio Alves, Johnny Alf, o conjunto vocal Os Cariocas -, revalorizando a qualidade de
suas criações e a legitimidade de suas pretensões (mas também driblando-os a todos com uma
demonstração de domínio dos procedimentos do cool jazz, então a ponta-de-lança da invenção
nos Estados Unidos, dos quais ele fazia um uso que lhe permitiu melhor religar-se ao que sabia
ser grande na tradição brasileira: o canto de Orlando Silva e Ciro Monteiro, a composição de
Ary Barroso e Dorival Caymmi, de Wilson Batista e Geraldo Pereira, as iluminações de Assis
Valente, em suma, todo um mundo de que aqueles modernizadores se queriam desmembrar
em seu apego a estilos americanos já meio envelhecidos); marcou, assim, uma posição em face
da feitura e fruição de música popular no Brasil que sugeria programas para o futuro e punha o
passado em nova perspectiva - o que chamou a atenção de músicos eruditos, poetas de
vanguarda e mestres de bateria de escolas de samba.
We shall overcome
overcome:
rcome: Jazz e movimento pelos direitos civis dos afro-
afro-americanos
Uma importante face que jamais deve ser deixada de lado ao se falar sobre o Jazz
na década de 1960 é o seu papel político. Até 1965, alguns estados do Sul mantinham leis
de segregação racial de negros, e a violência racial nesses locais foi explicitado pelo Jazz
desde seu início. Um dos mais importantes momentos dessa conduta durante a primeira
fase do jazz foi a gravação, em 1939, da música Strange Fruit, por Billie Holiday:
15
VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 21
Black bodies swinging in the southern breeze,
Strange fruit hanging from the poplar trees.
O autor da letra foi Abel Meeropol, um professor de Nova Iorque e ativista sindical
que escreveu o poema como forma de demonstração de horror pelas fotos do linchamento
de dois homens negros, Thomas Shipp e Abram Smith em Marion, Indiana, no ano de
1930. Strange Fruit foi apresentada pela primeira vez em uma reunião do sindicato de
professores de Nova Iorque e foi assistida pelo gerente de uma casa noturna, que apresentou
a cantora ao autor. A gravadora de Billie Holiday primeiramente recusou a gravação, o que
levou a cantora a gravar em um selo de menor proporção. A música foi rapidamente
adotada como lema de militantes contra a violência dos brancos racistas.
O jazz é uma música de protesto, pois era originalmente a música dos povos e classes
oprimidas: mais das últimas do que dos primeiros, talvez, embora, as duas categorias não
possam ser rigidamente separadas. O seu apelo mais forte aos aficionados da classe média e alta
pode ter acontecido, sem dúvida, por causa dessas origens sociais.16 (...) Paradoxalmente o
16
HOBSBAWM, 2004. p. 275.
protesto musical do negro contra o seu destino foi um dos elementos menos importantes no
apelo do jazz, e um dos últimos a se tornar influente.17
17
HOBSBAWM, 2004. p. 278.
escola de Little Rock, sob a proteção da Guarda Nacional em 1957. A posição de Charles
Mingus quanto ao episódio é clara. A partir de 1960, os músicos de jazz que se engajaram na
luta por direitos civis vão assumir um radicalismo explícito, utilizando de sua arte como
forma de protesto. A segunda obra analisada é a suíte We Insist! Freedom Now, do grupo
liderado pelo baterista Max Roach. A primeira referência ao momento político de 1960 é a
capa do disco, uma referência aos Sit-ins, ocupações forçadas de lanchonetes segregadas. O
disco tem início com a canção Driva’ Man, cantado por Abbey Lincoln, fazendo referência
ao passado de escravidão, referenciado na figura de um capataz18.
Imagem 1 – Capa do disco We Insist! Max Roach’s Freedon Now Suíte, 1960
18
MONSON, Ingrid Tolia. Freedom sounds: civil rights call out to jazz and Africa
Africa. Nova Iorque:
Oxford University Press US, 2007. p. 176.
Keep a movin’ with that plow
Driva’ man’ll show ya how
Git to work and root that stump
Driva’ man’ll make ya jump
Já John Coltrane não foi um ativista declarado, mas entrou para a história da luta por
direitos civis em 1963. Durante esse ano ocorreu um dos mais importantes episódios
políticos dessa trajetória, a “Marcha por empregos e liberdade”, em Washington, no qual o
pastor batista Martin Luther King proferiu seu mais famoso discurso. No mesmo ano,
segregacionistas brancos colocaram uma bomba em uma igreja de Birmingham, Alabama,
levando à morte de 4 garotas. No ano seguinte, Coltrane tocou em um série de oito
concertos em apoio a King e o movimento por direitos civis. Escreveu uma série de músicas
dedicadas à causa, das quais se destaca Alabama, obra instrumental, mas que capta seu
sentimento em relação à tragédia ocorrida recentemente.
O movimento por direitos civis adotou uma série de temas musicais em suas
manifestações, entretanto nenhum possuiu a mesma importância de “We shall overcome”,
um spiritual adaptado por Guy e Carawan a uma manifestação em 1959. Foi regravada por
diversos artistas na década de 60, inluindo Pete Seeger e Charlie Haden, que adaptou-a ao
Jazz em 1968, no seu álbum Liberation Music Orchestra. Haden havia feito parte do grupo
de Ornette Coleman, portanto, é um artista que circulou em diversas esferas do Jazz nos
anos 1960. Seu álbum de 1968 está permeado por radicalismo político: continha quatro
músicas da Guerra Civil Espanhola, “Song of the united Front”, de Hanns Eisler e Bertolt
Brecht, e uma homenagem a Che Guevara19. Archie Shepp, uma das maiores figuras do
avant-garde, criou um Attica Blues inspirado no famoso levante da prisão negra e em 1965
registrou sua inconformidade com o recente assassinato de Malcolm X:
A song is not what it seems. A tune perhaps - burned - whistled while even America
listened. We play. But we aren't always down. We are murdered in amphitheatres, on the
podium of the autobahn... Philadelphia 1945! Malcolm! My people! Dear God! Malcolm!
Uma cantora que também construiu uma carreira com fortes vínculos com o
movimento foi Nina Simone. Em 1964 deu início a seus protestos abertos contra a situação
política do país, gravando Mississippi Goddam em seu álbum Nina Simone In Concert:
19
HOBSBAWM, 2004. p. 19.
I don’t belong here
I don’t belong there
I’ve even stopped believing in prayer
Don’t tell me
I tell you
Me and my people just about due
I’ve been there so I know
They keep on saying “Go slow!”
Picket lines
School boycotts
They try to say it’s a communist plot
All I want is equality
for my sister my brother my people and me
O final da década de 1960 presenciou um novo recomeço para o jazz. Na década de 1960,
nenhum dos vinte discos mais vendidos se aparentava ao que havia sido o Jazz em 195920.
Entretanto, o seu destino não se esgotou, apenas se voltou a públicos diferentes, tanto por
questões de gosto musical quanto em termos geográficos. Nos Estados Unidos e Inglaterra,
o rock se estabeleceu como principal produto do mercado fonográfico, além de encabeçar
uma revolução comportamental sem precedentes. Para o Jazz os anos 70 menos produtivos,
mas não eliminaram seu brilho. Um exemplo é disso é o Art Ensemble of Chicago, que no
início da década estabeleceu uma carreira de grande relevância, unindo elementos da World
Music e do Funk ao Jazz. O outro destino seguido pelo jazz foi geográfico. Vanguardas se
desenvolveram de maneira representativa em lugares tão distantes como Alemanha e Japão.
Um exemplo é a produção de Peter Brötzmann e Kaoru Abe, que instituíram novas
abordagens para o saxofone. Como no nosso objeto de estudo, aqui voltamos, depois da
execução dos solos, ao tema inicial: o jazz é um campo de batalha. Não há uma linha
evolutiva que possa descrever seu "progresso" rumo a uma possível evolução musical.
20
SCULATTI, Gene. Os 100 álbuns mais vendidos dos anos 60. Lisboa: Estampa, 2005. p. 14.
Lista de músicas incluídas na coletânea:
Notas: Os trechos que não se encontravam disponíveis em português foram traduzidos pelo
próprio autor.
Bibliografia
ADORNO, Theodor W. & HORKHEIMER, Max. A indústria cultural: o iluminismo como
mistificação de massas.
massas In: LIMA, Luiz Costa. Teoria da cultura de massa. São Paulo: Paz e Terra,
2002.
ANDERSON, Iain. This is our music: free jazz, the Sixties, and American culture
The arts and intellectual life in modern America.
America Philadelphia: University of Pensylvania Press, 2007.
MONSON, Ingrid Tolia. Freedom sounds: civil rights call out to jazz and Africa.
Africa Nova Iorque:
Oxford University Press US, 2007.
NINENSON, Eric. The Making of Kind of Blue; Miles Davis and His Masterpiece.
Masterpiece Nova Iorque:
St. Martin’s Press, 2000.
YAFFE, David. Fascinating rhythm: reading jazz in American writing. Princeton: Princeton
University Press, 2006.