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O documento discute a relação entre o petróleo e os conflitos armados na Nigéria, especialmente na região do Delta do Níger. O petróleo é crucial para a economia nigeriana, porém a distribuição desigual dos rendimentos do petróleo entre as regiões e a população levou a insurgências armadas, como do Movimento pela Emancipação do Delta do Níger, que ataca oleodutos para exigir maior participação nos lucros do petróleo.
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OLIVEIRA e CEPIK - 2007 - RSI - Petroleo e Conflitos na Nigeria.pdf
O documento discute a relação entre o petróleo e os conflitos armados na Nigéria, especialmente na região do Delta do Níger. O petróleo é crucial para a economia nigeriana, porém a distribuição desigual dos rendimentos do petróleo entre as regiões e a população levou a insurgências armadas, como do Movimento pela Emancipação do Delta do Níger, que ataca oleodutos para exigir maior participação nos lucros do petróleo.
O documento discute a relação entre o petróleo e os conflitos armados na Nigéria, especialmente na região do Delta do Níger. O petróleo é crucial para a economia nigeriana, porém a distribuição desigual dos rendimentos do petróleo entre as regiões e a população levou a insurgências armadas, como do Movimento pela Emancipação do Delta do Níger, que ataca oleodutos para exigir maior participação nos lucros do petróleo.
A Nigria um dos grandes fornecedores africanos de petrleo para os Estados Unidos e vem ampliando suas exportaes petrolferas tambm para a China. Neste artigo, analisamos a relao entre o petrleo e os conflitos armados neste pas, em especial na regio do Delta do rio Nger.
Desde sua independncia em 1960, a Nigria passou por muitos conflitos armados e perodos de instabilidade poltica. Desde a guerra de Biafra (1967-1970), quando quase um milho de nigerianos da etnia ibo foram mortos, h uma tendncia da mdia e dos analistas de poltica internacional em caracterizar os conflitos naquele pas como sendo motivados exclusivamente por razes tnicas. Mesmo quando a violncia civil decorrente de padres de amizade e inimizade constitudos por meio de outras dicotomias (muulmanos versus cristos, sul versus norte, seguidores do Partido Democrtico do Povo versus outros partidos, partidrios do regime versus oposio etc.), predomina na mdia um enquadramento tnico para o conflito que j teria custado a vida de mais de dez mil pessoas entre 1999 e 2006.
Embora constitudos por diferentes etnias (23% de haus, 22% de fulanis, 21% de iorubs e 18% de ibos, entre outros), grupos lingsticos e crenas religiosas (cristos protestantes e catlicos, muulmanos sunitas e xiitas, crenas animistas tradicionais), os mais de 140 milhes de habitantes da Nigria formam um pas no qual o processo de construo de um Estado democrtico e efetivo crucial para o futuro da frica e para a estabilidade da regio do Golfo da Guin. Este papel decisivo da Nigria ficou demonstrado no caso das intervenes lideradas por este pas na Comunidade Econmica dos Estados da frica Ocidental (em ingls, Economic Community of West African States (ECOWAS)) nas guerras civis da Libria, Serra Leoa e Costa do Marfim.
* Artigo produzido em maio de 2007. ** Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 2 Assim, para que se considerem adequadamente os problemas de segurana internacional decorrentes dos conflitos internos na Nigria, preciso levar em conta tambm os problemas associados ao desenvolvimento econmico e construo institucional dessa repblica presidencialista e federativa (formada por 36 estados, alm da capital federal, Abuja). No caso do conflito armado no Delta do Nger, a questo central do contencioso tem sido o petrleo, mais especificamente a diviso dos rendimentos advindos de sua explorao.
O restante deste artigo divide-se em duas partes. Na primeira parte, situamos o papel do petrleo na economia da Nigria. Na segunda parte, analisamos as aes armadas do Movimento pela Emancipao do Delta do Nger (em ingls, Movement for the Emancipation of the Niger Delta (MEND)) e da Fora Voluntria dos Povos do Delta do Nger (em ingls, Niger Delta People's Volunteer Force (NDPVF)) desde 2004, no contexto do conflito pela redistribuio dos rendimentos do petrleo e da precariedade das instituies governamentais responsveis pelo provimento de ordem pblica e justia.
I Petrleo e Gs na Economia na Nigria
A Nigria hoje o maior produtor de petrleo do continente africano, posto que alcanou aps dcadas de crescimento da produo, que atualmente ultrapassa a marca dos 2,6 milhes de barris dirios, dos quais mais de 65% so formados por leo leve com baixos teores de enxofre, alm de quantidades menores de petrleo mdio e pesado.
A produo nigeriana comeou em 1958, inicialmente com 5.100 barris por dia. Em 1964, o pas j ultrapassava a marca dos 120.200 b/d. O crescimento da produo foi acelerado e atingiu 1.083.100 b/d em 1970. Apesar de chegar a 2.054.300 b/d em 1973, a produo nigeriana oscilou bastante no perodo 1970-1980, chegando a cair novamente para 1,2 milho de b/d. Ainda em 1977, foi criada a empresa estatal que passou a controlar a produo nacional e que se tornaria a atual Nigeria National Petroleum Corporation (NNPC). 3
Durante as dcadas de 1980 e 1990, a produo nigeriana variou entre 1,4 e 1,9 milho de barris, ultrapassando novamente os dois milhes de barris dirios em 2000. Esta variao menor ao longo de duas dcadas, acompanhada de uma relativa estabilidade nos preos internacionais do petrleo, resultou em relativa estabilidade no valor das exportaes, que atingiram um pico de pouco mais de US$ 16,5 bilhes em 1996-1997.
O crescimento do valor das exportaes nos ltimos cinco anos teve grandes efeitos no PIB nigeriano, que passou de US$ 46 bilhes em 2002 para mais US$ 72 bilhes j em 2004. No perodo entre 2000 e 2005, apesar de uma variao relativamente pequena na produo de petrleo, a tendncia geral foi de crescimento das exportaes nigerianas, que passaram de US$ 25,45 bilhes em 2000 para US$ 47,93 bilhes em 2005, mesmo considerando as oscilaes de 2001 e 2002, quando as exportaes caram respectivamente para US$ 17,69 bilhes e para US$ 18,57 bilhes.
De forma semelhante ao caso angolano, na Nigria as exportaes totais mais do que dobraram entre 2000 e 2005. Este crescimento nas exportaes totais se deu principalmente pelo aumento de mais de 130% nas exportaes petrolferas e foi acompanhado de um crescimento de 115% do PIB no mesmo perodo. Se for considerado que a produo no cresceu tanto em termos relativos (apenas 15%), o aumento dos preos do barril de petrleo foi o principal responsvel pelo crescimento do PIB e das exportaes totais nigerianas entre 2000 e 2005.
Apesar do PIB nigeriano ter mais que dobrado em menos de cinco anos, o pas continua tendo a menor renda per capita entre os pases-membros da Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo (OPEP), de apenas US$ 752. Isto significa quase quatro vezes menos que a mdia da OPEP, de US$ 2.649,00 per capita. Isto em um contexto em que outros pases africanos da OPEP tm uma renda per capita bem superior, como a Arglia, que pouco mais de quatro vezes maior (US$ 3.113), ou a Lbia, cuja renda per capita quase nove vezes maior do que a nigeriana (US$ 6.618).
4 De fato, sendo a Nigria o pas mais populoso do continente, h um evidente desequilbrio na distribuio da riqueza decorrente do petrleo, tanto em termos da renda per capita quanto em termos regionais. Alm disso, este um ramo da atividade econmica em que a renda geralmente concentrada nas mos de poucas grandes empresas, essencialmente exportadoras, e os benefcios de sua explorao dificilmente so percebidos pela populao, mesmo que a quantidade de petrleo exportado seja muito grande. Pases que conseguem distribuir a renda do petrleo na forma de benefcios sociais ou servios a toda sua populao so casos raros entre os pases exportadores de petrleo. Muitas vezes, a Noruega citada como exemplo, mas talvez seja o nico pas que consiga beneficiar a maior parte da sua populao (de 4,5 milhes) com os rendimentos das exportaes petrolferas.
A maior parte das exportaes nigerianas tem como destino a Amrica do Norte, especialmente os EUA, para onde a Nigria exportou cerca de 877 mil b/d em 2004. Depois dos EUA, o maior mercado comprador de petrleo nigeriano a Europa, com 505 mil b/d, seguida da sia, com 450 mil b/d, da Amrica Latina, com 236.200 b/d e outros pases da frica, com 211 mil b/d. Em termos percentuais, segundo a estatal nigeriana do petrleo, metade do petrleo exportado pela Nigria em 2005 teve como destino a Amrica do Norte, principalmente os Estados Unidos, outros 17,55% para Europa e 17,54% para sia e Pacfico. No caso das exportaes para a Europa, houve aumento geral, mas o grupo de principais compradores europeus foi modificado, pois em 2000 eram Frana (1), Alemanha (2) e Holanda (3), passando a ser Espanha (1), Frana (2), Itlia (3), Holanda (4) e Portugal (5) em 2005.
O grupo de compradores mais tradicionais reduziu as compras de petrleo nigeriano, entre outros motivos, em virtude das constantes interrupes na produo na regio do Delta do Nger ao longo de 2005, resultado de ataques de grupos rebeldes s instalaes e do seqestro de funcionrios de algumas empresas petrolferas como a Shell e a Total.
Somente em 2004, aconteceram cerca de dois mil casos de ataques aos oleodutos, classificados como vandalismo pela NNPC, sendo 1.017 casos no duto de Port Harcourt e outros 769 casos em Warri. Em 2006, essas interrupes temporrias 5 continuaram freqentes, reduzindo a capacidade mxima de produo nigeriana em mais de 400 mil b/d.
Praticamente todas as grandes companhias petrolferas do mundo possuem reas de produo ou explorao na Nigria, principalmente a Chevron-Texaco, a Exxon-Mobil, Shell, Total-Fina-Elf, Eni-Agip, British Petroleum, Britsh Gas, Statoil, Sinopec, CNPC e Petrobras. Tambm h uma grande quantidade de pequenas e mdias empresas, geralmente classificadas como independentes, atuando no pas, tais como a SunOil, Tenneco, ConocoPhillips, Deminex, Nexen etc. Porm, mesmo com esta variedade de empresas com concesses de explorao, a estatal NNPC responsvel pela maior parte da produo petrolfera do pas (60%). A produo da NNPC seguida pela Shell, Chevron-Texaco, Exxon-Mobil e Total. A empresa estatal nigeriana tambm responsvel pelas concesses de blocos de explorao e produo petrolfera em parceria com as grandes multinacionais, seja na forma de Joint Operating Agreements (JOAs) ou de Production Sharing Contracts (PSCs). No caso das empresas classificadas como independentes, a NNPC costuma fechar contratos de risco para explorao e produo.
A Nigria tambm o nico pas subsaariano que tem uma grande quantidade de pequenas e mdias empresas petrolferas nacionais privadas, tambm classificadas como companhias independentes. Entre estas, destacam-se a EER, Equity Energy Resources, Conoil, Zenon Petroleum, Petroman, Afren PLC, Addax Petroleum, Amni International e a Equator Petroleum Ltd. Na maior parte das vezes, estas empresas nigerianas exploram e produzem petrleo em parceria com multinacionais. Algumas destas empresas tambm possuem investimentos e operaes de explorao e produo de petrleo em outros pases africanos, principalmente do Golfo da Guin. A Afren e a Equator Petroleum possuem reas de explorao entre Nigria e So Tom e Prncipe, sendo que a primeira tambm possui blocos no Congo e no Gabo.
Outra empresa importante na Nigria a semi-estatal Nigeria Liquefed Natural Gas Company (NLNG), responsvel pela liquefao de gs exportado atualmente. A estatal NNPC possui 49% desta empresa. A Nigria possui reservas de gs natural com volume 6 total de 5,1 trilhes de metros cbicos, pouco mais de um tero das reservas africanas. Apesar disso, s recentemente o pas comeou a exportar este recurso, comeando com um total de 740 milhes de m 3 em 1999 e atingindo 12 bilhes de m 3 em 2005. Este volume significativamente menor que o exportado pela Arglia no mesmo ano, um total de 64,26 bilhes de m 3 , mas foi quase o dobro das exportaes lbias, de 5,4 bilhes de m 3 .
No contexto mundial, as exportaes africanas de gs natural atingiram 89,69 bilhes de m 3 de gs natural em 2005, quase 40 bilhes a mais que as exportaes do Oriente Mdio, que foram de 50,43 bilhes de m 3 . O peso relativo na produo mundial (%) significativo se a produo africana for considerada em bloco, mas quase insignificante se for considerada s a frica subsaariana, pois a maior sub-regio produtora o Norte da frica. Enquanto a Nigria exporta 12 bilhes de metros cbicos, o norte da frica exporta os outros 77.696 bilhes, sendo 64,2 bilhes exportados pela Arglia, 8 bilhes pelo Egito e 5,4 bilhes de metros cbicos pela Lbia.
Do total de gs exportado pela Nigria, 2,4 bilhes de metros cbicos so exportados na forma de Gs Natural Liquefeito (GNL) utilizando dezoito navios-tanque especficos para este tipo de transporte. Nesta modalidade de transporte de gs (GNL), a exportao nigeriana sozinha representa quase um tero das exportaes da OPEP (7,51 bilhes de m 3 ) e pouco mais de 10% do total mundial, que foi de 22,87 bilhes de m 3 de GNL em 2005.
Apesar do crescimento das reservas nigerianas de petrleo, de 29 para 36 bilhes de barris em 2005, a produo total nigeriana j acumulava 24,4 bilhes de barris produzidos desde 1958. Isso significa que, se no for mantido um ritmo intenso de descobertas de novas reservas, dentro de doze ou no mximo quinze anos a Nigria ter consumido metade de suas reservas conhecidas atualmente, o que normalmente coincide com o pico de produo petrolfera. Como raro um pas aumentar a produo depois de alcanado o pico de produo relativo ao volume de reservas conhecidas, geralmente este momento marca o incio da depleo produtiva. No entanto, se o ritmo de novas descobertas se mantiver como nos ltimos cinco anos, a reposio das reservas em 7 depleo ser tranqilamente mantida pelas novas descobertas, permitindo inclusive atingir as projees mais otimistas de mais de 4,5 milhes de barris dirios em 2020.
Recentemente, o ministro do petrleo nigeriano afirmou que at 2008 a Nigria estaria produzindo quatro milhes de barris dirios, com a meta de alcanar 4,5 milhes de b/d em 2010. Segundo as autoridades nigerianas, esta produo seria sustentvel por pelo menos uma dcada e permitiria ao pas aumentar significativamente suas exportaes para mercados em rpida expanso como o chins. Em troca, o governo chins tem investido mais de quatro bilhes de dlares por ano em obras de infra-estrutura e iniciativas de explorao conjunta de petrleo. Mais de 90% das exportaes nigerianas so representadas pelo petrleo e o restante formado majoritariamente por riquezas minerais como estanho e minrio de ferro, alm do gs natural. Dada a centralidade do petrleo na economia nigeriana, notvel que as anlises sobre os conflitos naquele pas tendam a minimizar este fator em favor da chave interpretativa dos conflitos tnicos ou da linha de fratura do choque de civilizaes.
II O Conflito no Delta do Nger
Eleito presidente em 1999 e reeleito em 2003, o general Olusegun Obasanjo governou a Nigria at a ltima semana de maio de 2007, quando transferiu pela primeira vez na histria do pas o governo para outro presidente eleito. Aps fracassar a tentativa de emenda constitucional que permitiria a Obasanjo concorrer a um terceiro mandato de quatro anos, o ento presidente passou a apoiar o governador do estado nortista de Katsina, Umaru Musa YarAdua, contra outros pr-candidatos do prprio Partido Democrtico do Povo (PDP) e, j nas eleies, contra os dois principais candidatos dos partidos de oposio. Como nas duas eleies anteriores que consolidaram as vitrias de Obasanjo, o presidente YarAdua foi eleito em pleito criticado pela oposio e por observadores internacionais por suas irregularidades, mas obteve em abril 70% dos votos (24,6 milhes de votos).
Mesmo sem entrar em maiores detalhes sobre os processos polticos, sociais e econmicos em curso na Nigria e o papel do governo Obasanjo, importante lembrar 8 que, ao mesmo tempo em que o PIB do pas mais do que dobrou entre 1999-2006, a dvida externa do pas foi praticamente eliminada e a instalao de uma comisso federal para combater crimes econmicos e financeiros (EFCC) sinalizou alguma melhora na legitimidade das agncias de governo, houve tambm ao longo do perodo significativa elevao do custo de vida, aumento do desemprego, abundncia de escndalos de corrupo, degradao dos servios de gua e eletricidade, aumento das tenses religiosas no norte do pas (onde a maioria dos estados aplica a lei muulmana arah) e conflitos armados na regio sul do pas onde se concentra a produo do petrleo.
Ao suceder Obasanjo, um militar cristo da etnia iorub originrio do sul, o presidente YarAdua, um professor de qumica muulmano da etnia fulani originrio de uma famlia aristocrtica do norte, ter como principal desafio lidar com o agravamento do conflito armado na regio do Delta do Nger.
Os ataques armados contra as instalaes da indstria do petrleo agravaram-se a partir de 2004, quando os grupos rebeldes Movimento pela Emancipao do Delta do Nger (MEND) e Fora Voluntria dos Povos do Delta do Nger (NDPVF) passaram a politizar um confronto que at ento era caracterizado pelas autoridades de Abuja como atos criminais e vandalismo. Estes grupos, geralmente formados predominantemente por etnias do Sul da Nigria como os ijos (sudeste) e ogoni (sudoeste), tm apoio popular local e vm conseguindo manter um longo enfrentamento com as foras governamentais, sempre ameaando ampliar a escala do conflito.
Os dois grupos seqestraram mais de 180 trabalhadores estrangeiros das empresas de petrleo nos ltimos dezoito meses, tanto nas prprias instalaes das indstrias quanto no centro de Port Harcourt, capital do estado de Rivers. Alm dos seqestros e enfrentamentos armados com as foras do governo, os grupos insurgentes tm sido capazes de explodir oleodutos, interromper a produo e desviar petrleo para contrabando, afetando em nveis diversos 25% da produo nigeriana em 2006. O governo nigeriano declarou perdas de mais de quatro bilhes de dlares em 2006, sendo que as rendas advindas do petrleo tiveram apenas ganhos marginais em um ano de 9 forte alta dos preos internacionais. Alm disso, as aes dos bandos armados e grupos insurgentes comearam a afetar a vida de toda a populao nigeriana, pois a falta de gasolina que assolou o pas recentemente esteve diretamente ligada aos ataques contra as refinarias das cidades de Warri, no delta, e Kaduna, no centro-norte do pas.
Em resposta deteriorao da situao no ltimo ano, o presidente Obasanjo havia estabelecido uma fora tarefa militar conjunta (em ingls, Joint Task Force (JTF)) e iniciado uma campanha de contra-insurgncia na regio (Operation Restore Hope). Entretanto, as tropas da prpria JTF sofreram pesadas baixas nos ltimos meses, na medida em que o MEND e o NDPVF foram se transformando, de bandos de jovens dclasse indisciplinados e mal-armados, em foras relativamente bem armadas, disciplinadas e capazes de sustentar combates.
Inicialmente, o governo de Abuja tambm contou com vrios acordos de vendas de armas, assistncia e treinamento militar com os Estados Unidos, culminando com um acordo de patrulhamento das guas da regio do Delta do Nger. Alm disso, o governo Bush classificou alguns dos grupos insurgentes do Delta do Nger como terroristas internacionais, em um sinal de apoio ao quinto maior fornecedor de petrleo dos Estados Unidos.
H, no entanto, uma percepo mais clara da parte do novo governo liderado por Umaru YarAdua de que o problema dificilmente ser resolvido sem que se enfrente o problema das conseqncias distributivas da atual legislao a respeito das rendas do petrleo. Na Nigria, o governo central e as provncias do centro-norte, que produzem pouco petrleo, mas compem os grupos politicamente dominantes, ficam com 87% da renda petrolfera, enquanto as provncias do sul, produtoras de petrleo, ficam com 13%. Mesmo este percentual precisa de um esclarecimento adicional, pois a partir de 1999 as provncias do sul passaram a receber 13% da renda da explorao petrolfera onshore no pas, mas nenhuma porcentagem da explorao martima (offshore).
As etnias minoritrias que habitam as zonas produtoras do sul, como os ogoni, ijos e ibos, sentem-se discriminadas e fornecem base social de recrutamento para os 10 movimentos de contestao armada que, por sua vez, utilizam o argumento tnico para mobilizar a luta pela renda petrolfera e por reivindicaes de maior autonomia, combate corrupo e melhorias na qualidade de vida. Na maioria dos estados do sul, com altas densidades populacionais e nveis elevados de pobreza e misria, muitos dos chefes de grupos insurgentes transitam em uma nebulosa fronteira entre a luta poltica armada e o mero banditismo econmico. Ainda assim, tratar a questo exclusivamente como caso de polcia ou operao de contra-terrorismo pode at atender a uma audincia internacional fortemente influenciada pelos ataques contra as empresas petrolferas estrangeiras, mas dificilmente resolveria o fundamento constitucional do conflito que coloca na pauta, na verdade, os termos de um pacto federativo extremamente complexo no caso nigeriano.
Mesmo as empresas petrolferas receberam com certo alvio a proposta do MEND de um cessar fogo de um ms, feita logo depois da posse de YarAdua, e do anncio da libertao de seis empregados da Chevron seqestrados recentemente. Neste perodo, o novo governo comprometeu-se a formular um plano de paz. Entretanto, as prprias empresas estrangeiras de petrleo que produzem 43% do petrleo cru da Nigria so vistas pelas populaes locais como parcialmente responsveis pela situao existente.
No caso da Shell, por exemplo, que vinha perdendo 10% da sua produo diria em funo de ataques e sabotagem, os lderes do MEND acusam a companhia de explorar e poluir a regio sem oferecer contrapartidas reais populao local. Na Nigria, a Shell produz 15% de toda sua produo mundial e faz propaganda de ter investido US$ 60 milhes em infra-estrutura e desenvolvimento do pas. Porm, deste total, US$ 33 milhes teriam sido gastos somente na construo de estradas para escoar sua prpria produo petrolfera.
No resta dvida de que o conflito tnico existe na Nigria, mas o pas simultaneamente mais complexo do que suas 250 etnias e grupos lingsticos e mais simples do que o recurso interpretativo a esta condio adscrita. No caso do Delta do Nger, a chave da soluo do problema reside em alterar a Constituio e redistribuir de 11 maneira mais eqitativa as rendas do petrleo, entre os estados, mas tambm entre os cidados nigerianos. Reside a um dos principais desafios da Presidncia YarAdua.