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Este documento resume a terceira edição do livro "São Paulo: Três Cidades em um Século" de Benedito Lima de Toledo. A nova edição inclui mais imagens históricas da cidade de São Paulo entre 1860 e 1970 e um mapa identificando locais das imagens. O texto analisa a recepção positiva do livro quando lançado em 1981 por usar iconografia pouco explorada anteriormente para descrever as transformações urbanas de São Paulo.
Este documento resume a terceira edição do livro "São Paulo: Três Cidades em um Século" de Benedito Lima de Toledo. A nova edição inclui mais imagens históricas da cidade de São Paulo entre 1860 e 1970 e um mapa identificando locais das imagens. O texto analisa a recepção positiva do livro quando lançado em 1981 por usar iconografia pouco explorada anteriormente para descrever as transformações urbanas de São Paulo.
Este documento resume a terceira edição do livro "São Paulo: Três Cidades em um Século" de Benedito Lima de Toledo. A nova edição inclui mais imagens históricas da cidade de São Paulo entre 1860 e 1970 e um mapa identificando locais das imagens. O texto analisa a recepção positiva do livro quando lançado em 1981 por usar iconografia pouco explorada anteriormente para descrever as transformações urbanas de São Paulo.
S OPAULO: TRS CIDADES EM UM SCULO, de Benedito Lima de Toledo. So Paulo: Cosac & Naify/Duas Cidades, 2004. FRAYA FREHSE Vinte e quatro anos depois de ter vindo a pblico, o mais conhecido livro do arquiteto Benedito Lima de Toledo reaparece em sua terceira edio. O autor aproveitou a oportunidade para, subsidiado por um bem cuidado projeto grfico, apresentar ao leitor uma variedade comparativamente maior de reprodues em preto e branco de desenhos, aquarelas, fotografias e de cartes postais referidos ao centro da cidade de So Paulo entre as dcadas de 1860 e de 1970. As editoras acolheram o intento com grande sensibilidade, anexando ao verso da segunda capa do livro um mapa atual do centro paulistano no qual aparecem identificados os pontos de vista a partir dos quais foram feitas 24 das 120 imagens desenhos e aquarelas por artistas-viajantes do sculo XIX, fotografias e cartes postais fotogrficos por autores diversos, oitocentistas e novecentistas. Isso para no falar de um til "ndice de logradouros e edifcios" mencionados ao longo da obra, e que aparece nas pginas finais da publicao (pp. 188-92). No que se refere ao texto, Toledo o ampliou em alguns momentos e reagrupou seus itens e subitens o autor no fala em captulos, e, com efeito, no h como faz-lo, uma vez que o que est em jogo so breves contextualizaes histricas das transformaes por que passaram, no perodo contemplado, as reas e bairros centrais, as ruas, os logradouros pblicos (largos, praas, jardins e parques), o mobilirio urbano (pontes, viadutos), os edifcios pblicos e particulares retratados nas imagens. Acompanhada dos respectivos textos, a farta iconografia o sub- sdio documental mais importante para a formulao da tese principal do livro, sintetizada pelo arquiteto numa metfora que se tornou clebre: So Paulo seria um "palimpsesto" que de tempos em tempos receberia uma escrita nova, de qualidade literria inferior (p. 77);uma cidade que entre as dcadas de 1870 e o momento em que veio a pblico o livro teria sido reconstruda sobre si mesma trs vezes. Percorrer as reprodues de desenhos, aquarelas, fotografias, e tambm os mapas originais apresentados ou retrabalhados por Toledo, de fato subsidia, primeira vista, a impresso de trs momentos histricos distintos na aparncia arquitetnica e urbanstica da cidade: a era das igrejas, das casas trreas e dos sobrados coloniais; a dos palacetes e edifcios pblicos neoclssicos e eclticos; a dos arranha-cus modernistas. So momentos, alis, que o projeto grfico empregado nesta edio ajuda a discernir melhor como tais atravs da tonalidade acinzentada que distingue entre si trs blocos de texto que insinuam ser as trs partes principais da obra "A cidade de taipa", "Palimpsesto", "Projetos para uma metrpole" , antes que a concluso sinalize, no ttulo, a tese do autor: "Em um sculo, trs cidades". Antes de vir a pblico no formato de livro em 1981 e de ser reeditado em 1983 1 , o texto tinha aparecido no Suplemento do Centenrio de O Estado de S. Paulo, no prprio jornal O Estado de S. Paulo e no Jornal da Tarde, conforme explicita uma nota no verso da folha de rosto das primeiras duas edies da obra. Infelizmente, essas informaes, cruciais para uma compreenso contextualizada da obra, no integram a atual edio. Alis, menes ao fato de esta ser a terceira, revista e ampliada, s aparecem respectivamente na ficha catalogrfica apresentada na pgina final do livro e no texto da quarta capa, do fotgrafo Cristiano Mascaro. Ao ser lanado, So Paulo: Trs cidades em um sculo foi saudado por um arquiteto como "alerta tardio" em relao "viabilidade dos nossos assentamentos urbanos de hoje" 2 . Outro profissional da rea apontou como "sugestivo" o ttulo da obra, que mostraria a "evoluo dessa 'incontrolvel' cidade" 3 . Essas duas manifestaes expressam uma recepo positiva da proposta de Toledo, ao menos por parte de alguns arquitetos. E foi elogiada principalmente a riqueza da iconografia utilizada 4 , at ento "pouco explorada" 5 . De fato, at aquele momento o emprego desse tipo de documentao na historiografia paulistana produzida dentro ou fora dos muros da Universidade tivera um carter eminentemente ilustrativo, constituindo as imagens anexos pouco comprometidos com o texto escrito, meras exemplificaes de como So Paulo teria sido num passado mais ou menos distante 6 . Foi em 1981 que veio a pblico, contando, alis, com a colaborao de Toledo, uma primeira obra com e sobre reprodues at ento inditas de vistas de So Paulo produzidas pelo fotgrafo carioca Milito Augusto de Azevedo (1837- 1905) respectivamente em 1862 e 1887 7 , na seqncia defesa de uma dissertao de mestrado em que era apresentada de forma pioneira a coleo de vistas urbanas e de retratos do mesmo Milito 8 . Quando se tem em conta esse contexto mais amplo de publicaes sobre a So Paulo do sculo XIX e do incio do XX, consegue-se compreender a inovao que So Paulo: Trs cidades em um sculo representou para o debate sobre as mudanas arquitetnicas e urbansticas que a cidade atravessara nesse perodo. Era a primeira vez que um autor utilizava imagens at ento pouco conhecidas do grande pblico como [1] Cf. respectivamente Toledo, Bene- dito Lima de. So Paulo: Trs cidades em um sculo, So Paulo: Livraria Duas Cidades, 1981, e Toledo, Be- nedito Lima de. So Paulo: Trs cida- des em um sculo. 2 a ed. ampl. So Paulo: Livraria Duas Cidades, 1983. [2] Cf. Segawa, Hugo. "So Paulo: trs cidades em um sculo". Projeto. Arquitetura, planejamento, desenho industrial, construo (So Paulo), 31, julho 1981, p. 16. [3] Cf. Bruna, Paulo. "Refazendo a paisagem". Folha de S. Paulo, 25 de janeiro de 1982. [4] Ibidem. [5] Cf. Segawa. Hugo, op. cit. [6] Cf., por exemplo, Freitas, Affonso A. de. Tradies e reminiscncias paulistanas. 2 a ed. rev. e ampl. So Paulo, Livraria Martins Editora, 1955 [1 a ed. 1921]: Bruno. Ernani da Silva. Histria e tradies da cidade de So Paulo. 3 vols. So Paulo: Hucitec, 1983 [1 ed. 1953-1954]. [7] Cf. Toledo, Benedito Lima et alii. lbum comparativo da cidade de So Paulo 1862-1887. Milito Augusto de Azevedo. So Paulo: Prefeitura do Municpio de So Paulo, 1981. [8] Cf. Kossoy, Boris. Milito Au- gusto de Azevedo e a documentao fotogrfica de So Paulo (1862-1887): Recuperao da cena paulistana atra- vs da fotografia. Dissertao de Mestrado em Cincia. So Paulo, Fundao Escola de Sociologia e Poltica, 1978. [9] Cf., entre outros, Lemos, Carlos A. Alvenaria burguesa. Breve hist- ria da arquitetura residencial de tijo- los em So Paulo a partir do ciclo econmico liderado pelo caf. So Paulo: Nobel, 1985; Toledo, Benedito Lima de. Prestes Maia e o urbanismo moderno em So Paulo. So Paulo: Empresa das Artes, 1996; Barbuy, Heloisa Maria Silveira. A cidade-ex- posio: Comrcio e cosmopolitis- mo em So Paulo, 1860-1914 (Estudo de histria urbana e cultura materi- al). Tese de Doutorado em Arquite- tura e Urbanismo. So Paulo, Facul- dade de Arquitetura e Urbanismo USP, 2001. [10] Cf. Lima, Solange Ferraz de e Carvalho, Vnia Carneiro de. Foto- grafia e cidade: Da razo urbana lgica de consumo. lbuns de So Paulo, 1887-1954. Campinas: Merca- do de Letras/Fapesp, 1997; Cavena- ghi, Airton Jos. Imagens que falam: Olhares fotogrficos sobre So Pau- lo (Milito Augusto de Azevedo e 'So Paulo Light and Power Co.', fins do sculo XIX e incio do sculo XX). Dissertao de Mestrado em Hist- ria. So Paulo, Faculdade de Filoso- fia, Letras e Cincias Humanas - USP, 2000; Melo, Leandro Lopes Pereira de. Histria & energia 9: A Light re- vela So Paulo: Espaos livres de uso pblico do centro nas fotografias da Light (1899-1920). So Paulo: Fun- dao Patrimnio Histrico da Energia de So Paulo, 2001. [11] Cf. Marins, Paulo Csar Garcez. Atravs da rtula. Sociedade e arqui- tetura urbana no Brasil. Sculos XVII- XX. Tese de Doutorado em Histria. 2 vols. So Paulo, Faculdade de Filo- sofia, Letras e Cincias Humanas, 1999; Lima, Solange Ferraz de. Orna- mento e cidade: Ferro, estuque e pin- tura mural em So Paulo (1870-1930). Tese de Doutorado em Histria So- cial. So Paulo, Faculdade de Filoso- fia, Letras e Cincias Humanas USP, 2001. [12] Cf. Frehse, Fraya. Vir a ser transe- unte. Civilidade e modernidade nas ruas da cidade de So Paulo (entre o incio do sculo XIX e o incio do sculo XX). Tese de Doutorado em documentao primria para escrever sobre as transformaes urbansticas paulistanas. Quase um quarto de sculo depois da primeira edio da obra, j no novidade o uso de pinturas e fotografias de vistas urbanas paulistanas do passado novecentista como fonte para pesquisas, sejam elas sobre as mudanas fsicas que alcanaram So Paulo no perodo 9 , sobre a relao entre essas transformaes ou sobre o modo de representar visualmente, por exemplo, a cidade 10 ; a sociabilidade 11 ; a civilidade nas ruas 12 . Em face de um universo investigativo com tais contornos, a reedio do livro de Toledo representa, em especial no aniversrio de 450 anos da cidade, uma celebrao da importncia documental da iconografia, em particular da fotografia, na abordagem do passado paulistano por parte das mais diversas disciplinas, do urbanismo histria e s cincias sociais. verdade que o argumento da destruio e reconstruo seqencial da cidade ao longo de um sculo se sustenta mais por meio do texto do que da iconografia. Neste, Toledo enfatiza justamente a dinmica de demolies e construes que marcou determinadas edificaes pblicas e particulares, ruas e largos de So Paulo a partir de finais do sculo XIX. J quando se contempla a seleo de imagens, outra lgica vem tona. A maioria se refere "cidade de taipa" e quela erguida at os anos de 1930 no centro paulistano. E o leitor fica com dificuldade de reconhecer visualmente a terceira cidade, anunciada textualmente como realidade histrica na seqncia metrpole dos anos de 1930 (p. 125), em particular depois da "Segunda Grande Guerra", quando "os grandes empreendimentos vieram destruir, um a um, os documentos arquitetnicos da cidade" (p.181). H como ressaltar um aspecto adicional, tendo-se em mente possibilidades analticas que as imagens, em especial as fotografias, oferecem ao observador. Muitas reprodues fotogrficas daquilo que seria a segunda cidade e mesmo a nica vista que parece, pela altura e aparncia dos arranha-cus retratados, se referir terceira urbe (p. 179) revelam que se So Paulo como um "palimpsesto", que periodicamente recebe uma nova escrita, isso no impede que permaneam no pergaminho indcios da escrita anterior, traos do passado. E aqui no penso tanto na presena, nas cenas retratadas, de detalhes que insinuam indivduos em movimentos corporais reveladores de regras de conduta do passado escravista, como pude constatar recentemente, ao estudar fotografias de rua de So Paulo entre finais do sculo XIX e o incio do XX 13 . Restringindo-me estritamente ao enfoque arquitetnico e urbanstico privilegiado por Toledo na abordagem da iconografia, penso na paisagem construda que vrias das imagens representam. Embora as composies ressaltem a ento moderna arquitetura neoclssica e ecltica, a presena viva do passado se deixa intuir, por exemplo, na extenso dos lotes ou na aparncia dos velhos telhados coloniais escondidos atrs de fachadas ornadas muitas vezes por artesos formados no Liceu de Artes e Ofcios 14 . A presena persistente desses e outros detalhes nas fotografias, perceptveis ainda hoje quando se passeia pelo centro da urbe, contriburam e contribuem tanto quanto as respectivas "novas escritas" para a aparncia arqui- tetnica que So Paulo foi assumindo ao longo do sculo XX. Sob esse prisma, as trs cidades no se sucederam num sculo, mas coexistem e perfazem no apenas a metrpole do momento em que Toledo lanou o seu livro, mas tambm aquela deste incio de sculo XXI. Deixemos, entretanto, tais ponderaes entre parnteses, para os fins deste texto. Afinal, So Paulo: Trs cidades em um sculo j obra adulta ao reaparecer, revista, em 2004. O que merece ser abordado o impacto que a forma e o contedo dessa reapario pode ter sobre o leitor que tiver o livro em mos pela primeira vez. A reestruturao dos itens e, conseqentemente, das imagens que acompanham o texto, contribuiu de maneira significativa para sistematizar mais, em comparao com as edies anteriores, os dados referidos s diversas reas da cidade. Em especial o agrupamento dos itens em torno daquilo que venho chamando de trs partes da obra favoreceu uma transmisso mais didtica da proposta do autor. Se essas modificaes enaltecem a reedio de uma obra que marcou poca na reflexo urbanstica sobre a histria de So Paulo, no se podem, entretanto, obliterar algumas dificuldades implcitas s mudanas operadas para a atual edio. O local das imagens foi, em alguns casos, alterado, mas no aquele em que, no texto, aparecem referncias a essas mesmas imagens. Isso no seria problema se a nova localizao tivesse sido sinalizada no texto, mas, como isso nem sempre ocorreu, s vezes o leitor se depara com descries de aquarelas e fotografias que ver apenas nas pginas subseqentes, sem ter sido para esse fato previamente orientado (pp. 23, 68, 69, 103). Tambm a reestruturao do texto acarretou, s vezes, nus para a compreenso do livro. A alterao da seqncia de alguns itens fez com que a necessria contextualizao de determinados assuntos aparecesse em um momento posterior quele em que o assunto referenciado pela primeira vez. Foi o que aconteceu, por exemplo, com dados profissionais a respeito do arquiteto sueco Carlos Ekman. Eles so elencados vinte pginas depois de o nome ter sido mencionado de passagem pela primeira vez (cf. respectivamente pp. 116-17 e 91). H como entender o porqu de tal seqncia confrontando esta edio com as duas anteriores de So Paulo: Trs cidades em um sculo. Na segunda edio, por exemplo, verso ampliada da primeira, o item que contextualiza a atuao de Ekman aparece antes daquele em que o nome do arquiteto apenas brevemente citado 15 . H como perceber o empenho em adequar as referncias temporais utilizadas por Toledo ao momento atual, o que faz todo o sentido se no se forneceram informaes sobre a data da primeira edio do livro. No entanto, o intento do ajuste nem sempre foi bem-sucedido. Antropologia Social. So Paulo, Fa- culdade de Filosofia, Letras e Cinci- as Humanas - USP, 2004. [13] Ibidem, pp. 527-30. [14] Sobre os ornamentos na arquite- tura paulistana at os anos de 1930, cf. Lima, Solange Ferraz de, op. cit., esp. pp. 56-62. [15] Cf. Toledo, Benedito Lima de. op. cit., 1983, respectivamente pp. 90 e 96. No foram alteradas todas as indicaes temporais utilizadas por referncia ao incio dos anos de 1980, quando saram as primeiras duas edies do livro. A afirmao, por exemplo, de que os desenhos do britnico Charles Landseer sobre So Paulo em 1827 teriam sido divulgados "recentemente" (p. 23) se explicita tendo-se por referncia 1981, mas no 2004. Se no se queria alterar o contedo do texto original, teria sido apropriada a incluso de uma nota explicativa contextualizando a que momento o termo "recentemente" se refere (cf. nesse sentido tambm p. 49). Caso contrrio, o leitor pouco fami- liarizado com a documentao de poca sobre a So Paulo oitocentista pode se confundir. Face a outros trechos do texto, necessrio conhecer a histria de So Paulo e as edies anteriores da obra de Toledo para compreender plenamente o significado do que est sendo dito. Assim, por exemplo, a afirmao de que "qualquer mapa de So Paulo de fins do sculo passado ou incio do presente nos d a impresso de inacabado" (p. 78). A aluso ao final do sculo XIX e ao incio do XX, e no, como se poderia pensar com base na data da edio atual do livro, ao final do XX e ao incio do XXI. Uma dvida semelhante poderia vir tona diante da pergunta de Toledo "como seria So Paulo no incio deste sculo?" (p. 82). Em meio ao muito que mudou entre as primeiras duas e a atual edio, alguns aspectos permaneceram inalterados. O arquiteto con- tinua, como no passado, no se restringindo iconografia como fonte primria. Alm de apresentar imagens e comparar entre si al- gumas de tipos documentais distintos aquarelas e fotografias , em determinado momento (pp. 23 ss) o autor lana mo, para descrever "a cidade de taipa" do perodo colonial, de correspondncia jesutica, documentao em relao qual aponta para a necessidade de "discernimento" (p. 17). Assim, esboa uma crtica de fontes que inexiste em relao ao material iconogrfico utilizado. Outra fonte que perpassa a obra so relatos de viagem (em especial referidos ao sculo XIX), alm de, em alguns momentos, documentao oficial, como a transcrio de um relatrio decisivo para a aparncia do Vale do Anhangaba a partir do sculo XX: o documento produzido pelo arquiteto francs Joseph Antoine Bouvard para a prefeitura pau- listana em 1911 acerca das potencialidades urbansticas que enxer- gava para a cidade (pp. 126-27). Infelizmente, nem sempre o que permaneceu inalterado na atual verso pode ser considerado positivo. Sobretudo quando se leva em conta que a atual uma "reedio revista" de um livro que veio a pblico h mais de duas dcadas. O arquiteto atribui a Milito Augusto de Azevedo a autoria de algumas fotografias que identifica como tendo sido feitas no incio dos anos de 1860, apesar de essas imagens no serem referenciadas num livro recente que traz o at agora mais com- pleto inventrio j publicado da obra produzida pelo fotgrafo na dcadaem questo 16 , e que apresenta at mesmo reprodues da coleo de Toledo 17 . No somente a identificao da autoria de algumas imagens contm problemas. A datao tambm. Numa fotografia do Largo de So Francisco que Toledo define, na legenda, como sendo de Milito em 1862, aparece um bonde a burros (p. 52). Ora, os primeiros veculos do tipo comearam a circular em So Paulo a partir de outubro de 1872, como evidenciam os jornais da poca 18 . Em outro momento, Toledo identifica, tambm na legenda, uma imagem do Rio Tamanduate como tendo sido feita por Milito em 1860 (p. 63). Todavia, perto do canto esquerdo da metade superior da imagem aparece a fachada do primeiro mercado da cidade, "construdo", segundo o historiador Ernani da Silva Bruno, em 1867 19 , ou seja, depois de 1860, ano indicado pelo arquiteto para a produo da imagem (p. 62). Se Bruno no fornece evidncias histricas para a data que prope, tampouco Toledo o faz, em relao fotografia em questo. Outro signo que, presente na mesma imagem, dificulta apontar "1860" como ano de produo desta a presena de chamins de fbrica no fundo da cena retratada: as primeiras indstrias teriam comeado a operar na cidade na dcada de 1870 20 . Outras imprecises na datao se fazem notar no corpo principal do texto. A demolio da Igreja do Palcio do Governo, por exemplo, data de 1896 21 , e no de 1899 (p. 86). E se nos anos de 1950 foram construdas uma "rplica da igreja e do colgio primitivos", a questo, que o autor no explicita no livro, qual a aparncia "primitiva" utilizada como parmetro para a construo, tendo-se em conta que a edificao demolida em finais do XIX no se assemelhava em nada choupana de pau-a-pique que existia no local nos primeiros anos da povoao, nem s edificaes em taipa ali erguidas e reerguidas nos sculos XVII e XVIII. H ambigidade em alguns dados apresentados mais de uma vez na obra: eles no coincidem. o caso da abertura do novo Viaduto do Ch, referida uma vez como tendo ocorrido em 18 de abril de 1938 (p. 135) e outras duas vezes, em 1936 (pp. 153-54). J o local de origem da estrutura arquitetnica da Estao da Luz, por sua vez, , conforme uma primeira meno nesse sentido, a Inglaterra (p. 97) e, em outro momento, a Esccia Glasgow a cidade referida (p. 176). Tampouco alguns dados histricos conferem. Toledo atribui, por exemplo, a autoria de uma citao sobre a construo da estrada de ferro entre So Paulo e Santo Amaro ao empresrio carioca "Henrique" Raffard em 1883 (p. 125). No entanto, naquela que a fonte da citao 22 , referenciada na atual edio, o trecho aparece como parte de uma transcrio que o mencionado autor, que assina o texto como Henri Raffard, teria feito de "alguns tpicos do prospecto publicado em 1883 pela Companhia de Carris de Ferro S. Paulo a Santo Amaro" 23 . Outra incorreo: uma das denominaes da Praa da Repblica "at o advento da Repblica, em 1889" parece ter sido Largo 7 de Abril 24 , e [16] Cf. Lago, Pedro Corra do. Mili- to Augusto de Azevedo. So Paulo nos anos 1860. Rio de Janeiro: Con- tra Capa Livraria/Editora Capivara, 2001, esp. pp. 231-50. [17] Ibidem, pp. 50-52, 53, 56-7, 108-9. [18] Cf. Frehse, Fraya. O tempo das ruas na So Paulo de fins do Imprio. So Paulo: Edusp, 2005, pp. 122. [19] Cf. Bruno, Ernani da Silva, op. cit., vol. 3., p. 1133. [20] Ibidem, pp. 1168-173. [21] Cf., por exemplo, N/a [No assi- nado], "Igreja do Collegio", O Estado de 5. Paulo, 15 de maro de 1896. [22] Cf. Raffard, Henri. Alguns dias na Paulicia. So Paulo: Academia Paulista de Letras, 1977 [ia ed. 1892]. [23] Ibidem, p. 59. [24] Cf. "Mappa da capital da Pcia. de S. Paulo. Seos Edifcios pblicos, Hotis, Linhas frreas, Igrejas Bonds Passeios etc. publicado por Frdo. Albuquerque e Jules Martin em Julho 1877", reproduzido in Comisso do IV Centenrio da Cidade de So Pau- lo. So Paulo antigo. Plantas da cida- de. So Paulo: Melhoramentos, 1954, planta 8. [25] Cf. respectivamente "Mappa da capital da Pcia...", loc. cit.; Freitas, Affonso A. de, op. cit., p. 134 A/B. [26] Cf. Santos, Carlos Jos Ferreira dos. Nem tudo era italiano. So Pau- lo e pobreza (1890-1915). So Paulo: Annablume/Fapesp, 1997, pp. 83-119. no "Largo 7 de Setembro" (p. 170). Este ltimo era, na poca aludida no texto, o nome dado ao antigo largo do Pelourinho, localizado onde hoje se encontra o Frum Joo Mendes 25 . Justamente porque o objetivo foi produzir uma "reedio revista" de So Paulo: Trs cidades em um sculo, a atual verso poderia ter incorporado revises desse tipo, assim como de interpretaes que, contidas nas edies anteriores, estudos histricos produzidos no nte- rim acabam, mesmo involuntariamente, colocando em xeque. Assim, por exemplo, a idia de que a "vrzea do Carmo manteve-se pouco ocupada at 1918". Pesquisa recente mostra a intensa presena de comunidades africanas ali no sculo XIX e no incio do XX 26 . Chamo a ateno para essas questes tendo em vista eventuais dificuldades de leitores no familiarizados com a histria ou a historiografia paulistanas. Nesse sentido tambm, no fica claro em que contexto histrico se deram algumas das transformaes urbanas que, evocadas por Toledo, subsidiam a imagem do palimpsesto. Uma referncia, mesmo que passageira, s crescentes exportaes aucareiras do interior paulista teria auxiliado na compreenso do tipo de obra de cunho urbanstico incentivada pelo capito-geral Bernardo Jos Maria de Lorena na cidade de finais do sculo XVIII (pp. 14-7). Em outro momento do texto, apenas mencionado o bombardeamento do Con- vento da Luz por "disparos da revoluo", em 1924 (p. 58). E o leitor mais desavisado fica sem conhecer o alcance histrico da afirmao, tributria do fato de que edificaes do centro e do subrbio paulis- tano foram bombardeadas pelas foras do governo federal durante as trs semanas em que a cidade permaneceu dominada pelos militares rebelados sob o comando de Isidoro Dias Lopez 27 . Aludir a esses aspectos variados no impede que se aplauda a iniciativa de reeditar, com um projeto grfico to sensvel, um livro relevante para a histria da reflexo urbanstica de cunho acadmico produzida por arquitetos brasileiros acerca de cidades brasileiras, acerca de So Paulo. A obra de Toledo evidencia no somente a busca de alguns desses profissionais por um maior aprofundamento terico em relao lgica urbanstica que envolve a cidade como cenrio e objeto de sua prtica projetual. So Paulo: Trs cidades em um sculo ainda testemunho pioneiro do reconhecimento, por parte desses arquitetos, de que uma compreenso arquitetnica e urbanstica mais aprofundada da cidade no prescinde de uma interlocuo intensa com a histria. E desse dilogo que brota a possibilidade da formulao de metforas to criativas quanto a do palimpsesto, que, provocativa, fornece um parmetro a partir do qual refletir sobre as apropriaes urbansticas de que So Paulo objeto ainda hoje em dia. [27] Cf., entre outros, Corra, Anna Maria Martinez. A Rebelio de 1924 em So Paulo. So Paulo: Hucitec, 1976, esp.pp. 95-181; Martins, Jos de Souza. Subrbio. Vida cotidiana e histria no subrbio da cidade de So Paulo: So Caetano do Sul, do fim do Imprio ao fim da Repblica Velha. So Paulo/So Caetano do Sul: Hucitec/Prefeitura de So Caetano do Sul, 1992, pp. 259-98. FRAYA FREHSE, doutoranda em antropologia social pela USP, professora de antropologia na Escola de Sociologia e Poltica e de histria da cidade na Escola da Cidade, alm de pesquisadora do Ncleo de Antropologia Urbana da USP.