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POLÍTICA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO

1 À guisa de introdução
Pensar o desenvolvimento nacional na atualidade e as suas relações com a política
social é um enorme desafio. Contudo, entende-se ser essa uma tarefa necessária para
se avançar qualitativamente nas análises das situações concretas que nos rodeiam.
Admite-se que assim procedendo se ganha em clareza e se torna menos problemático
encontrar os nexos que possibilitam relações fortes entre política social e desen-
volvimento. Importa estabelecer, desde o início, que a perspectiva a ser impressa à
tarefa não é a de natureza teórico-abstrata. A inserção institucional dos técnicos
responsáveis pelo periódico Políticas Sociais: acompanhamento e análise obriga a que se
pense o desenvolvimento como um projeto nacional coordenado pelo Estado e
conduzido, na prática, sob a liderança do governo federal. Trata-se, portanto, de pensar as
relações entre desenvolvimento e política social com o intuito de colocar conhecimento
e informação a serviço da ação, seja do governo ou dos atores sociais interessados.
Posto isso, cabe reconhecer que desenvolvimento nacional é uma noção que
ainda carece de conceituação pacífica. Ademais, sofreu influência profunda de
formulações impregnadas de poderoso determinismo evolucionista-mecanicista. Em
suas inúmeras variações (liberal–conservadora, reformista e revolucionária), havia
uma crença implícita de que o desenvolvimento das forças produtivas, materializado
na industrialização, resolveria se não todos, pelo menos a maior parte dos problemas
nos países considerados subdesenvolvidos. Mas a história dos últimos sessenta anos
revelou a insuficiência de todas aquelas correntes de pensamento influenciadas pelas
visões evolucionista-deterministas. Nesse período de tempo ocorreram transformações de
vulto em nosso país e em muitos outros da América Latina, sem que tivéssemos
alcançado a condição de desenvolvidos. Mais recentemente ainda aconteceram mudanças
profundas em escala mundial e nacional que tiraram grande parte da capacidade
explicativa e orientadora das idéias elaboradas nas décadas posteriores à II Grande Guerra.
A criação de novos materiais, a química fina, a indústria de alta precisão, a
biotecnologia e principalmente as novas tecnologias da microeletrônica, da
informática, da automação e a integração planetária pelas comunicações via satélites
deram forças novas aos países centrais. Por conta da potência dessas tecnologias e das
virtuosidades que criaram, esses países foram deslocados para patamares muito
superiores em termos de poderio econômico, tecnológico, comercial, militar e
diplomático. Ficaram ainda mais distantes da periferia, industrializada ou não,
democrática ou não, produtora de energia ou não, detentora ou não de recursos
naturais importantes. O acelerado ritmo de introdução de inovações nos processos
produtivos de bens e serviços tem feito com que as distâncias não diminuam, mas
aumentem cada vez mais.
A formulação, pelos centros hegemônicos (a partir de meados da década de
1970), do que ficou posteriormente conhecido como o Consenso de Washington, a

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sua difusão (mesclada com imposição) pelos organismos multilaterais (com destaque
para o Banco Mundial e para o Fundo Monetário Internacional – FMI) e centros
acadêmicos de prestígio internacional (devidamente imitados pelos sediados no
interior de nossos países) e a implementação do receituário pelos governos nacionais
fizeram com que os problemas se agravassem, fossem reduzidos os potenciais e
destruídos poderosos instrumentos de promoção do desenvolvimento nacional.1 A partir
de então, a criação de novas regras (não eqüitativas) para o comércio interna-
cional (Organização Mundial do Comércio – OMC), para o acesso ao conhecimento,
à tecnologia e à informação (Trips),2 para o crédito e o financiamento (Acordo de
Basiléia) produziram restrições pesadas para os países periféricos, dadas as assimetrias
de poder, conhecimento e organização existentes nesses espaços.
Esses e outros processos ocorrendo quase simultaneamente moldaram a chamada
globalização. Nela, ganha ascendência a forma financeira de riqueza, possibilitada
pela mobilidade excepcional dos capitais entre ativos, setores, países. Exigindo cada
vez mais liberdade de movimento, consegue, pela combinação dos instrumentos
descritos anteriormente, reduzir as barreiras e os controles nacionais sobre o comércio e
sobre os fluxos do dinheiro, até mesmo investimentos e aplicações especulativas. A con-
trapartida é os países da periferia verem reduzidos seus respectivos poderes de ditarem os
próprios destinos nacionais. Se, por um lado, essa reconfiguração do mundo estreitou as
possibilidades de projetos nacionais de desenvolvimento, ao mesmo tempo os fez mais
necessários e prementes. Todavia, é forçoso reconhecer que quase todas as
formulações produzidas pelos nossos grandes teóricos e formuladores sociais foram
feitas em uma época cujas características eram muito diferentes da situação presente.
Hoje, empreender o desenvolvimento de uma nação passa a ser uma tarefa de
toda a sua sociedade. Trata-se, então, de construir o futuro de acordo com as von-
tades expressas democraticamente pela maioria dos atores sociais integrantes da
nacionalidade. É um processo complexo, que se manifesta em múltiplas dimensões,
demanda diversos e variados recursos, sendo muito exigente em coesão social e
liderança política. Requer, ademais, fina coordenação produtora das necessárias
convergências e das sinergias potencializadoras de novas qualidades. Ou seja, não se
faz sem um Estado com ampla e competente capacidade de direção, sem governos
perseverantes, íntegros e unos. É o que nos mostra a história dos séculos XIX e XX e a
presente trajetória exitosa de importantes países.
Nessa perspectiva, o desenvolvimento não comportaria qualificativos do tipo
desenvolvimento econômico, desenvolvimento social, desenvolvimento político-
cultural, entre quaisquer outros. Ele tampouco se confunde com o simples
crescimento econômico, ainda que esse seja um dos seus requisitos se realizado em
bases promotoras de eqüidade social e de sustentabilidade ambiental. O desen-
volvimento, como o que a sociedade brasileira está, difusamente, a reclamar, tem de
se manifestar, simultaneamente, em todas as dimensões relevantes da vida nacional:

1. Seja aqui lembrado que esse processo foi antecedido pelo acelerado endividamento dos países da periferia, iniciado com a
crise do petróleo, incentivado pela elevada liquidez internacional dos anos 1970, tornado dramático com a elevação abrupta
dos juros americanos entre 1979 e 1982. A crise que então se instala faz os governos nacionais dos países periféricos presas
fáceis das pressões e das imposições referidas.
2. Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio.

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política, social, cultural, ambiental, institucional, econômica, financeira, tecnológica,
regional, comunitária, administrativa etc. Tem de se espraiar por todo o território:
rural, urbano e metropolitano. Tem de articular direcionadamente todos os Poderes
da República: o Executivo, o Legislativo, o Judiciário. Tem de envolver virtuosa e
integradamente todas as instâncias federativas: a União, os estados, o Distrito Federal
e os municípios.
Não obstante, se há alguma dimensão mais decisiva para o processo de
desenvolvimento é a da política. É nela que se dão as escolhas que conformarão um
novo país, é dela que surgem os acordos sociais que darão o suporte necessário a
executar as escolhas feitas. Na política democrática se constróem viabilidades, são
criadas as condições para se fazer o necessário. Na política democrática e participativa
são ampliados os espaços de possibilidades. Mediante o sincero diálogo entre os diferentes
interesses sociais organizados torna-se possível construir os consensos necessários,
concertar perspectivas diferentes, estabelecer acordos e o desenvolvimento desejado pode
ser alcançado. É com a política que desafios são enfrentados e os obstáculos são
transpostos. Na política, as sociedades fazem-se, a cidadania afirma-se e a democracia
realiza-se. É pela vontade política que a coletividade sustenta a determinação
governamental através dos tempos, levando as nações aonde elas aspiram chegar.
Há de ser reconhecido, entretanto, que as condições sociopolíticas nacionais
estão um tanto distantes de serem das mais favoráveis. Ademais, os conceitos, as
teorias, os métodos, as técnicas e as concepções organizacionais que permitem
elaborar propostas de ação exeqüíveis, abrangentes o suficiente para dar expressão
prática ao conceito mais ambicioso de desenvolvimento, tal como o antes exposto,
ainda estão por serem produzidos, testados e consagrados. Conceber tais instrumentos
é uma necessidade imperiosa, mas que exige o compartilhamento de esforços de todos
os que puderem cooperar com o propósito. É um repto e uma ambição, que se espera
de muitos. Esta publicação, Políticas Sociais: acompanhamento e análise, tem a
pretensão de contribuir para que tal ambição se realize.
As edições semestrais deste periódico realizam um esforço considerável no
sentido de reunir uma quantidade variada de temas e áreas sociais, com o intuito de
apresentar um acompanhamento e análise sistemáticos dos processos concretos que as
afetam. A edição anterior (no 13 – edição especial) realizou uma avaliação global do
desenho institucional e do desempenho da política social do governo federal entre os
anos de 1995 e 2005, buscando identificar os avanços obtidos, bem como os desafios
ainda presentes para a obtenção de uma gestão pública mais eficaz no campo social.
O projeto, além de gerar uma contribuição importante para a análise das políticas
sociais brasileiras no período recente, permitiu consolidar uma compreensão analítica
mais geral acerca dos movimentos e das grandes tendências nas diversas políticas setoriais
e em seu conjunto. A presente edição retoma o escopo costumeiro de análise, vol-
tando a atenção para o ano de 2006. No entanto, isso é feito de um outro patamar.
O amadurecimento analítico alcançado ao longo das 13 edições anteriores, e em especial
da última, tornou o olhar mais qualitativamente aguçado e capaz de identificar aqueles
aspectos das políticas sociais que encerram perspectivas de inclusão promissoras e podem
estar a esboçar um projeto de desenvolvimento tal como o sugerido anteriormente.

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2 Olhando o movimento recente da realidade brasileira
A adoção pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de uma nova me-
todologia para o cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) proporcionou novas
interpretações a respeito da economia brasileira. Além de constatar um produto maior
nos últimos anos, colocou em xeque as estimativas derivadas de modelo econométrico
de previsão das possibilidades de crescimento econômico sem pressões inflacionárias.
Tal modelo, adotado pelo Banco Central para calibrar a política monetária, justificou
taxas de juros muito altas e por longo período, no suposto de que se assim não fosse o
crescimento sem sustentação provocaria, inevitavelmente, aceleração inflacionária.
Essas projeções estipulavam o limite de crescimento em 3,5%, a partir do que
surgiriam fortes movimentos altistas. Os novos números permitem esperar que o
potencial de crescimento da economia brasileira encontrar-se-ia um tanto além das
projeções mais conservadoras e que não só as taxas de juros podem baixar, como, e
principalmente, a economia nacional pode crescer mais, gerando mais empregos e maio-
res rendas, com relativa estabilidade de preços e, quem sabe, com menores
desigualdades sociais.
Uma outra conclusão é a de que apesar de a taxa de formação bruta de capital
fixo não ter crescido como era entendido necessário, ainda assim proporcionou
elevação do produto consideravelmente superior. Esta poderia ser uma indicação de
que o investimento estaria se fazendo com uma produtividade bastante maior do que a
registrada em passado não muito distante. Se assim for, ampliam-se as possibilidades de
crescimento sustentado e sem maiores riscos de surgir pressões inflacionárias endógenas à
economia nacional. Inclusive, parece ser essa a expectativa do empresariado.
Segundo o IBGE, as contas nacionais do primeiro trimestre de 2007, o
investimento e o consumo das famílias (mais empregos, renda maior e crédito
facilitado, com prazos largos e taxas cadentes) foram os principais responsáveis pela
expansão do PIB de 4,3%, em relação ao mesmo período do ano passado. Ou seja, se
a tendência persistir o crescimento do produto, em 2007, pode ser algo superior aos
3,7% de 2006. O Banco Central (BC), no Relatório de Inflação de junho de 2007,3
projetava um aumento do PIB da ordem de 4,7%, com a projeção de crescimento dos
investimentos subindo de 7,1% para 8,5%. A absorção de bens de capital teria
apresentado um “expressivo aumento de 20,1%" no primeiro quadrimestre,
comparado com o mesmo período de 2006. A importação de bens de capital cresceu
32%, e a produção interna de bens, 15,4%. O Boletim de Conjuntura do Ipea, do mesmo
mês, apostava em taxa de 4,3% e para a inflação um IPCA de 3,4% ao final de 2007,
abaixo da meta de 4,5%, estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional.
A nova metodologia para medir a produção interna de bens e serviços teve outras
conseqüências importantes. A relação Dívida/PIB caiu quase cinco pontos
percentuais, melhorando um indicador muito observado na avaliação das economias
nacionais. De igual modo, a carga tributária bruta também sofreu uma redução, já
que é calculada em relação ao PIB.
O efeito combinado dessas constatações deverá ser o de permitir uma queda mais
acentuada na taxa básica de juros (Selic), uma ampliação do crédito, do investimento e

3. Disponível em: <www.bcb.gov.br/?SISMETAS>. Acesso em: 29 de jun. 2007.

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do consumo privados. Isso será reforçado pelas decisões tomadas pelo Conselho
Monetário Nacional, que, em junho de 2007, decidiu manter a meta de inflação para
2008 e 2009 em 4,5% e reduziu a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) (utilizada pelo
BNDES em suas operações de financiamento ao setor produtivo) de 6,5% para 6,25%.
Como o Banco Central está promovendo reduções da taxa Selic (variáveis entre 0,25%
e 0,5%) desde agosto de 2005, fazendo-a cair de 19,75% para 12%, é de se esperar que,
dadas as condições imperantes, a queda possa ser acelerada, com todos os efeitos
benéficos que pode trazer para o custo do dinheiro e para conter a apreciação do real,
sem prejudicar a relativa estabilidade dos preços. E também para a política fiscal, que
tem sido fortemente penalizada por carregar uma dívida elevada e com custos muito
pesados. Não pode ser esquecido que mesmo atualmente as taxas de juros reais
praticadas no Brasil ainda são as mais altas do mundo.
O crescimento econômico maior, a estabilidade monetária, a ampliação do emprego
e dos rendimentos, a queda (insuficiente e muito lenta) da taxa de juros básica, o forte
incremento das exportações, o afluxo de capitais estrangeiros (especulativos e produtivos),
a apreciação do real,4 entre outros fatores, proporcionaram as condições para uma
considerável expansão do crédito. Mesmo com a taxa média de juros, para todos os tipos
de empréstimos, tendo fechado em 2006 ao redor de 40% a.a., com o spread mais
elevado do mundo, o volume total aplicado alcançou a 32% do PIB, contra 22% em
2003, e continua crescendo mês a mês. A taxa de juros média a pessoas físicas ficou
em 48,6% a.a. e para as pessoas jurídicas 24,3%, ao final de junho de 2007.5 Digno
de destaque tem sido, também, o desempenho recente do mercado de capitais6 no
Brasil. De acordo com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em 2006 foram
lançados R$ 110,2 bilhões em títulos privados de renda fixa e variável, um crescimento
real de 74% diante do ano anterior. Do total, as debêntures representaram 63,1%; essa é
uma fonte de financiamento bem menos custosa do que os empréstimos bancários e está
apresentando crescimento acelerado desde 2004.
O desempenho da economia em 2006 possibilitou melhorias no mercado de
trabalho. Nos doze meses compreendidos entre maio de 2006 e maio de 2007, o
emprego formal cresceu mais rápido do que a população ocupada. Esse
comportamento do mercado de trabalho tem permitido uma recuperação dos valores
reais das remunerações recebidas pelos empregados.7 Um aspecto importante a
destacar nesse processo é que em 2006 teve continuidade a redução virtuosa na
desigualdade dos rendimentos do trabalho, propiciada por crescimento real mais forte
nos estratos inferiores da estrutura salarial. Agregue-se a isso a política de valorização
do salário mínimo, que beneficia, direta e indiretamente, em torno de 30% da

4. O real apreciado diante do dólar e do euro tem sido um elemento na obtenção da taxa de inflação de um ponto
percentual abaixo da meta, sendo que os 4,5% já é considerado por muitos como um tanto rigorosa. A face perversa dessa
apreciação é retirar rentabilidade de muitos setores que não conseguem resistir à concorrência internacional, principalmente
a chinesa. Resulta, então, o fechamento de fábricas, quedas na produção, demissões, transferência de empregos, de
produção e de arrecadação tributária para o exterior.
5. Não por acaso, os bancos batem recordes de lucratividade (e de massa de lucros) a cada balancete que publicam.
o
6. BNDES, Visão do Desenvolvimento, n 27, abr. 2007
7. Ver o capítulo “Trabalho e renda“, principalmente o gráfico 4.

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população brasileira, por conta do seu efeito farol 8 e de sua vinculação aos benefícios
previdenciários e assistenciais, bem como o pleno alcance das metas (11 milhões de
famílias) estabelecidas para o Bolsa Família e tem-se a explicação para o fato do PIB
estar subindo impulsionado, principalmente, pelo consumo das famílias.
São muito positivas as repercussões desse processo para a Previdência Social, pois
reforça a tendência instalada desde 2003. Dessa época a 2006, a proporção de pessoas
que contribuem para Previdência aumentou em 11,9%, no Brasil metropolitano, contra
uma taxa de expansão da ocupação total de 8,6%, no mesmo período. A manutenção
dessa trajetória em 2007 é fato bastante alvissareiro. A Previdência Social pagou, em
2006, um total de R$ 179,8 bilhões em benefícios previdenciários (R$ 167,3 bilhões)
e não previdenciários (R$ 12,5 bilhões), um aumento real de 10,4% sobre o ano
anterior. Por suas conseqüências sociais e por sua magnitude, trata-se de algo a ser
devidamente valorizado, tanto no que se refere a proporcionar condições de existência
mais dignas a milhões de famílias, quanto pela demanda que cria para o setor
produtivo nacional.
Efeitos mais sensíveis ainda são sentidos no meio rural e nos pequenos municípios
espalhados pelo País, que têm seu comércio e sua arrecadação tributária fortemente
animados pelos ingressos monetários proporcionados aos aposentados, pensionistas, aos
atendidos pelos benefícios assistenciais e pelo Bolsa Família. Do ponto de vista do seu
financiamento, a Previdência Social vem conhecendo uma redução na taxa de
crescimento das transferências do Tesouro em virtude do melhor desempenho do
emprego formal e das reformas de natureza gerencial em implantação. Espera-se que9
com a criação da Receita Federal do Brasil e a aprovação do Super Simples essas
tendências sejam intensificadas.
Deve ser frisado que as necessidades de financiamento do INSS (transferências
do Tesouro) estão crescendo a taxas cadentes, mesmo com todos os aumentos reais
que o salário mínimo vem conhecendo nos últimos anos (32%, entre 2002 e 2007).
Em 2006, as receitas correntes do INSS (contribuições de empregados e
empregadores) tiveram um aumento real de 11,2%, ao passo que as transferências do
Tesouro subiram 8,5%. Esse processo evidencia que se a economia crescesse em ritmo
mais acelerado, com mais intensa formalização dos contratos de trabalho, os
problemas financeiros da Previdência Social seriam minimizados.
A tais constatações podem ser acrescentadas outras que têm contribuído para a
conformação de um ambiente econômico-social interpretado por muitos atores
sociais, estudiosos e analistas como promissor.
O forte dinamismo da construção civil, que com seu efeito de encadeamento e
grande intensidade em trabalho, tem atraído volumes crescentes de investimento privado.
No particular, conta muito a política governamental que, com os programas da CEF, os
recursos do FGTS e o aumento das dotações orçamentárias, injetou consideráveis
montantes financeiros no setor. O sistema habitacional de interesse popular tem

8. Ver CARDOSO JR., J. C.; GONZALEZ, R. Salário mínimo e mercado de trabalho: possíveis efeitos benéficos de uma política de
valorização e de fortalecimento institucional do salário mínimo. In: PELIANO, A. (Org.). Desafios e perspectivas da política
social. Brasília: Ipea, dez. 2006 (Texto para Discussão, n. 1.248).
9. Ver o capítulo “Previdência social”.

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permitido sensível aumento no atendimento da população de renda mais baixa (até cinco
salários mínimos), onde se situa a mais ponderável parte do déficit habitacional brasileiro.
De 2002 para 2006, a participação dessa faixa de renda nos financiamentos CEF/FGTS
passou de 57% para 70%.10 Mais uma contribuição para a elevação das condições de vida
da população pobre e para a redução das desigualdades sociais.
A correção das alíquotas do Imposto de Renda das Pessoas Físicas está ampliando a
disponibilidade líquida para o consumo das famílias, principalmente as com menores
rendimentos. No mesmo sentido operam três outros ingredientes. A queda das taxas de
reajustes das tarifas de telefonia e energia elétrica (em alguns casos houve redução
nominal dos valores),11 propiciadas pela variação negativa do IGP-M,12 índice que as
corrigia, invertendo uma tendência de crescimento real pronunciado que vigorou
desde a privatização desses setores. A política de preços dos combustíveis praticada
pela Petrobras (muito espaçados no tempo e em pequenos valores) tem feito com que
as tarifas do transporte urbano de passageiros também tenham conhecido reajustes
13
inferiores e tem reduzido o peso das despesas com combustíveis e lubrificantes para
os proprietários de veículos automotores com menores rendas. O alto desempenho do
sistema agroalimentar está permitindo a vigência do mais longo período14 de
estabilidade no abastecimento. Isso tem feito com que os preços relativos dos
alimentos tenham caído, reduzindo o peso da cesta alimentar nas despesas domésticas
(representavam mais da metade nas famílias com rendas muito baixas), liberando o
orçamento para outros gastos. De novo, contribuições nada desprezíveis para a
ampliação do bem-estar das camadas subalternas da sociedade.
Vão ficando, assim, cada vez mais explícitas as fortes relações entre política
econômica e política social e a qualidade da vida de uma sociedade. A virtuosidade
dos processos de desenvolvimento somente é alcançada quando em presença de
elevada consistência entre tais políticas e entre elas e todas as demais políticas
setoriais. Um autêntico processo de desenvolvimento, em realidades como a
brasileira, demanda grande esforço de coordenação. Exige, ademais, a atuação
convergente de todos os níveis de governo para os mesmos objetivos traçados pela
vontade nacional.
Claro está que o país não se encontra próximo dessa condição. No entanto,
existem espaços de possibilidades que podem ser aproveitados. Mesmo muito
segmentadas e setorizadas, longe de conseguirem integração sinérgica, as demais ações
setoriais integrantes da política social estão em sintonia com o movimento promotor
de maior eqüidade em nossa desigual sociedade.
A intensificação, em 2006, dos assentamentos de reforma agrária possibilitou a
incorporação de 136,3 mil famílias à condição de produtores. Esse número é

10. Ver o capítulo “Habitação”.


11. A telefonia fixa conheceu deflação de 0,83%; a energia elétrica teve reajuste médio de 0,28%; os combustíveis, mesmo com
a forte elevação dos preços internacionais do petróleo, foram corrigidos na média em 2,3%, com o preço do álcool sendo
reduzido em 5,1%. Ver: Indicadores IBGE, Sistema Nacional de Índice de Preços ao Consumidor, INPC e IPCA, dez. 2006.
12. Esse índice sofre forte influência da taxa de câmbio. Com o real valorizando-se diante do Dólar e a perda de ímpeto altista
de muitos bens e serviços de produção interna, o IGP-M conheceu deflação em 2005, base para a correção das tarifas em 2006.
13. Das regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE, Fortaleza, Salvador e Curitiba não conheceram aumento em 2006 e
Recife experimentou uma redução de 3,5% nas tarifas de transporte urbano de passageiros. IBGE, op. cit.
14. Pois alonga-se por mais de uma década.

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expressivo por representar 16,7% de todas as famílias assentadas até então e 33,2% do
realizado entre 1995 e 2002, que foi o período de mais veloz execução da reforma
agrária.15 Deve ser considerado que, em média, em cada gleba familiar são criadas três
e meias ocupações produtivas e é gerada renda equivalente superior a três salários
mínimos mensais (quando em plena operação). Mesmo as unidades que ainda se
encontram em instalação recebem créditos para se manterem e implantarem culturas,
antes de serem atendidas pela linha A do Pronaf. Os efeitos multiplicadores da
criação de ocupações produtivas e de renda monetária pelos assentamentos de
reforma agrária ainda estão para ser devidamente estimados. Todavia, dado que se
localizam, predominantemente, em áreas de baixo dinamismo econômico, acabam
produzindo resultados positivos de considerável expressão, o que tem sido apanhado,
indiretamente, pelo crescimento da arrecadação municipal de suas respectivas áreas de
influência e pela expansão das atividades comerciais e de serviços.
A expansão da cobertura do Pronaf, que em 2006 realizou 1.792 mil contratos
com produtores familiares (crescimento de 7,3% em relação a 2005), envolvendo a
aplicação de R$ 7,4 bilhões (um crescimento real de 11,1%, sobre 2005), tem
possibilitado considerável aumento da produção e da renda dos beneficiados. No
caso, deve ser ressaltada a progressiva ampliação da participação do crédito destinado
ao investimento no total desembolsado pelos agentes financeiros. Entre 2003 e 2006,
passou de 38% para 47%. Tal ocorrência é da maior importância, pois significa que
os produtores familiares estão ampliando seus ativos, elevando a produtividade,
aumentando suas rendas e com isso assegurando sustentabilidade socioeconômica e
reduzindo as desigualdades sociais no meio rural. Ademais, também trazem benefícios
consideráveis à economia local/regional, com suas demandas e com o que ofertam em
termos de empregos, produtos e serviços.
A atenção à saúde vem conhecendo sucessivas intervenções do governo federal,16
com vistas à constituição de um novo padrão de prestação de serviços que resulte em
melhorias para a população e maior eficiência em sua gestão. O Ministério da Saúde
deu partida ao chamado Pacto pela Saúde, instituiu o Sistema de Planejamento do
Sistema Único de Saúde (SUS) – PlanejaSUS, aumentou em 15,4% o valor fixo
do Piso de Atenção Básica (PAB) e ampliou os incentivos para os programas
considerados estratégicos, o Programa Saúde da Família (PSF) e o Programa Agentes
Comunitários de Saúde (Pacs). O PSF havia conseguido organizar 787 equipes em
1995 e chegado em 2002 com 16,1 mil. Ao final de 2006 eram 26,7 mil equipes
(aumento de 66%, em quatro anos), atuando em quase todo o país. Como no
financiamento do SUS, a metade dos recursos é originada do governo federal (a outra
metade compõe a contrapartida de estados e municípios), o Ministério está colocando
forte ênfase no Pacto de Gestão do SUS. Uma das resultantes desse processo é a
integração do PPA (2008-2011) com o Pacto pela Saúde e com o Plano Nacional de
Saúde, o que deverá proporcionar uma elevação da eficácia global do sistema, bem
como da eficiência na aplicação dos recursos. O SUS, por sua concepção e cobertura,
é um dos principais instrumentos de redução das desigualdades sociais.

15. Ver capítulo “Desenvolvimento rural”.


16. Ver o capítulo sobre “Saúde”.

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Na mesma linha, mas voltada para a atenção às populações socialmente vulneráveis,
o Sistema Único de Assistência Social (Suas) instituiu a Política Nacional de Assistência
Social (Pnas) que está organizada em duas linhas: a principal, proteção social básica, e a
complementar, proteção social especial. A primeira atendeu 11,1 milhões de famílias, em
2.232 Centros de Referência da Assistência Social (Cras) [número 13% superior aos
existentes em 2005], distribuídos em 1.609 municípios. A proteção social especial
desenvolveu uma enorme gama de atividades para públicos específicos. O Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate a Fome conseguiu ver aprovada pelo Congresso
Nacional a Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional, que, entre outras
determinações, estabelece a de organizar o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional. No ano de 2006, os benefícios pagos a idosos, a deficientes (Benefício de
Prestação Continuada – BPC) e aos com direito a renda mensal vitalícia alcançaram 2,9
milhões de pessoas (mais 5,3% que em 2005) e totalizaram R$ 9,7 bilhões. O Bolsa
Família, beneficiando algo em torno de 45 milhões de pessoas (11 milhões de famílias),
desembolsou R$ 7,5 bilhões, e os outros programas de transferência de renda atenderam
a 650 mil famílias, aplicando R$ 467 milhões. Quanto menos iníquo o país, menor a
necessidade de ações mitigadoras da desproteção social. No Brasil, a assistência social
ainda não atende a todos os que a ela demandam. No entanto, o que está a realizar tem
contribuído substantivamente para a redução da miséria.
A debilitada educação brasileira17 recebeu um reforço significativo ao final de
2006. Foi aprovada a Emenda Constitucional no 53 que cria o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(Fundeb). Com isso, diferentemente do Fundef, que vigorou de 1996 a 2006, é
modificada a faixa etária da educação infantil (crianças com até cinco anos de idade),
consagra-se o ensino fundamental com nove anos de duração e incorpora-se o ensino
médio. O novo Fundo amplia a participação da União no financiamento da educação
básica (R$ 9,5 bilhões entre 2007 e 2009 e 10% no total do Fundo a partir do quarto
ano). São definidas diversas regras de distribuição de recursos financeiros e técnicos,
todas de evidente compromisso com a eqüidade. Em 2006, o Ministério da Educação
deu início à Expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, que
objetiva a implantar 42 novas escolas e a federalizar 18 unidades, construídas com
recursos do Programa de Expansão de Educação Profissional, que se encontram em
precárias condições. Estão previstas 74 mil novas vagas em cursos sintonizados com as
demandas regionais e para atender aos arranjos produtivos locais. A rede federal de
universidades também está a presenciar considerável expansão com a conversão de campi
ou escolas isoladas em sete universidades (BA, RN, MG, MS, PR) e a criação da nova
Universidade Federal do ABC, em São Paulo. Trata-se de considerável esforço de demo-
cratizar o acesso às escolas técnicas e às universidades públicas, de abrir canais de
mobilidade social, de reduzir desigualdades sociais e regionais e atender as evidentes
carências do mercado de trabalho por profissionais qualificados.
As ações destinadas à promoção de maior igualdade de gênero, etnia, de proteção
aos direitos humanos e de valorização e dinamização da cultura apresentam resultados
interessantes,18 mas modestos. Estão a revelar que são dependentes de um ambiente

17. Ver o capítulo “Educação”.


18. Ver os capítulos sobre “Igualdade de gênero”, “Igualdade racial”, “Direitos humanos e cidadania” e “Cultura”.

ipea políticas sociais − acompanhamento e análise | 14 | fev. 2007 15


socioeconômico e político-cultural mais democrático, solidário, dinâmico e em
interação mais potente do que a constatável no presente; isoladamente, tais ações
podem pouco. Quando concebidas e executadas de forma verdadeiramente
transversal, integradas à lógica que preside a cada uma das outras políticas setoriais,
suas possibilidades e capacidades transformadoras são magnificadas.
O mesmo raciocínio aplica-se ao acesso à Justiça e à segurança pública.19 As impor-
tantes reformas promovidas no âmbito do sistema judicial brasileiro são passos cruciais
para a democratização, o aperfeiçoamento e a eficácia da Justiça. Mas não só é
necessário avançar, como é imprescindível que os Poderes Executivos e as grandes
empresas privadas deixem de assoberbar os tribunais, praticamente inviabilizando ao
cidadão comum um acesso facilitado, decisões rápidas e justas. A insegurança pública
reinante e crescente não será eliminada apenas com a ação policial repressiva. Suas
causas são profundas e de natureza complexa. A banalização da violência, a
criminalidade expansiva, a indignação espasmódica não encontrarão alívio no endu-
recimento da legislação, na redução da maioridade penal, no encarceramento
desenfreado, no extermínio de pequenos criminosos ou dos jovens soldados do tráfico
de drogas. A sociedade é que tem de erradicar o processo de produção de desigualdades,
de desesperanças, de seres que estão perdendo a humanidade. A superação passa por
encontrar os caminhos para uma forte redução das iniqüidades para o aumento da
solidariedade e da coesão social, para a promoção dos valores maiores e das práticas que
fazem e expandem uma civilização.
3 Rumo ao desenvolvimento?
O ano de 2006 trouxe alguns avanços e outras tantas frustrações. O crescimento da
economia ficou muito aquém do necessário e, pior, do possível. Novamente, na
América Latina (5,3%, Cepal)20 o Brasil ficou atrás somente do Haiti. Nos últimos
tempos, o País tem apresentado uma taxa média de expansão do PIB que fica entre
um terço e metade das taxas médias dos países classificados como emergentes. E a
nossa economia tem conhecido alguns processos que não permitem vislumbrar
trajetórias verdadeiramente desenvolvimentistas.
21
Os setores industriais com maior sofisticação e intensidade tecnológica viram
sua participação cair 16%, nos últimos dez anos, enquanto a indústria básica
aumentou em 9,6%. Foram os setores com intensidade tecnológica "média-baixa"
(metalurgia básica, papel e celulose, petróleo etc.) os que mais aumentaram sua
participação na indústria nos últimos dez anos, passando de 29,6% do total para
39,2%. Nesse período, ganharam posições algumas áreas com menor valor agregado e
que, geralmente, pagam salários mais baixos. Entre as commodities, a indústria
extrativa mineral dobra sua participação no total da indústria, acompanhada pelo
setor de petróleo, coque e combustíveis. Na atualidade, cerca de 70% da indústria
está concentrada em produtos de "baixa" ou "médio-baixa" tecnologia, enquanto a
participação dos produtos mais sofisticados diminuiu de 36% para 30% no total da
produção. A participação dos setores de "alta" tecnologia no total da indústria caiu de

19. Ver o capítulo “Justiça e segurança pública”.


20. Cepal, “Anuario Estadístico de América Latina y el Caribe“, 2006.
21. IBGE. Pesquisa Industrial 2005, v. 24, n. 2, 2007.

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4,9% para 4,1% nos últimos dez anos; e a dos de tecnologia "média-alta", de 31,1%
para 26,2%. Essa tendência tem sido reforçada com a valorização do real e favorece a
importação de produtos mais intensivos em tecnologia, principalmente de bens de
capital. A título de exemplo: entre os diversos segmentos que contribuíram
negativamente para o crescimento do saldo comercial, o de maquinaria eletroeletrônica
obteve resultado muito negativo: -168,3%.22
Tal processo tem sérias implicações para o desenvolvimento nacional ao inibir, e no
limite impedir, a constituição e a expansão de um núcleo endógeno de produção e
difusão de novas tecnologias e inovações. Torna o país dependente das economias
tecnologicamente dinâmicas para aumentar a sua produtividade global e enfrentar o
aguçamento da competição internacional e mesmo nacional (mercado aberto). Deve ser
levado em conta que a tecnologia e as inovações são ingredientes decisivos na disputa
por mercados, compõem a estratégia de nações e empresas e dificilmente estão
disponíveis, para aquisição, em suas versões mais avançadas. Um processo nacional de
desenvolvimento exige a constituição de um “sistema nacional de inovações” que supra
a economia doméstica das condições para a expansão competitiva.
O crescimento acelerado das importações, bem acima da taxa de aumento das
exportações, mesmo não comprometendo o superávit comercial, é uma das causas a
dificultar a redução da elevada taxa de desemprego vigente. Ainda que a economia
tenha crescido 3,7%, a taxa de desemprego metropolitano, medida pelo IBGE,
continua estabilizada ao redor dos 10%, influenciada pelo alto desemprego entre os
jovens de 16 a 24 anos, que alcança 45%,23 e pelo crescimento da PEA, indicador da
necessidade de mais membros das famílias buscarem rendas que complementem o
orçamento doméstico. E, também, porque os setores que mais estão gerando
empregos são os de média-baixa e baixa tecnologia (construção civil, agroindústria
sucroalcooleira, entre outros), onde os salários são menores e as condições de trabalho
piores. Há de se registrar que a taxa de informalidade no mercado de trabalho,
mesmo estando a cair lentamente, ainda é muito elevada, girando em torno de 50%,
algo desconhecido nas economias consideradas desenvolvidas.
Um fato ilustra a ausência de visão larga e profunda que necessariamente orienta
um projeto nacional de desenvolvimento. Nos últimos anos (desde 2004) houve uma
retomada da indústria automobilística sediada no Brasil. Em 2006, a produção bateu
recorde: 2,6 milhões de unidades, sendo 2,1 milhões de automóveis. No mesmo ano,
foram licenciados 1.927,7 mil veículos (1.556,2 mil automóveis), aos quais se
acrescentam 141.776 importados (83 mil automóveis).24 Acelerando a tendência, no
primeiro semestre de 2007 foi emplacado 1,08 milhão de novos automóveis;25 tal

22. IEDI. O comércio exterior brasileiro em 2006. São Paulo, mar. 2007.
23. Aliás, a crítica situação da juventude brasileira deveria ser objeto de maior atenção por parte de todos os governantes,
das lideranças de todos os setores da sociedade e de todos os cidadãos responsáveis. Principalmente os jovens pobres, que
estão submetidos a toda sorte de violência, conhecendo elevadas taxas de mortalidade por causas externas (homicídios,
acidentes e drogas), vivendo em famílias desestruturadas e em espaços desprovidos de serviços, atratividade e segurança.
Estão a receber educação de muito baixa qualidade, a sofrer incompreensões diversas e a ver o futuro se estreitar e as
expectativas de amadurecer e ascender sendo destruídas. A juventude deixa de ser o futuro do país e passa a ser um dos
seus maiores problemas sociais.
24. ANFAVEA. Anuário Estatístico da Indústria Automobilística Brasileira – Edição 2007. Disponível em: <www.anfavea.com.br>.
Acesso em: 30 de jun. 2007.
25. O Globo, 5 de jul. 2007.

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feito está sendo comemorado. Por um lado, isso significa mais empregos, renda e
tributos. Por outro (não comemorável), mais congestionamentos nas nossas saturadas
metrópoles e cidades grandes, mais acidentes e mortes no trânsito caótico, mais
tempo desperdiçado nos deslocamentos casa–trabalho, mais poluição e efeito estufa,
mais obras caras (túneis, elevados, vias expressas, anéis etc.) que não resolvem, apenas
minoram temporariamente, o problema, absorvendo recursos públicos que poderiam
ter outras destinações que aumentassem a mobilidade. Enquanto isso, os sistemas de
transporte urbano de passageiros mais eficientes e de melhor qualidade (trens, metrôs,
VLTs) ficam apenas nos sonhos. Uma nação que queira construir um futuro mais
igualitário, mais harmônico, mais sustentável, atribuindo valor à qualidade da vida
coletiva, procurará, no mínimo, equilibrar os dois lados desse fato.
São indicativos de que um processo de desenvolvimento não estaria em curso:
a) As dúvidas quanto ao suprimento de energia em médio prazo e as
indefinições a respeito de nossa matriz energética do futuro. Nesse caso, é
mais do que evidente a necessidade de se pensar longe, com audácia e des-
cortino. Temos uma invejável variedade de alternativas energéticas a permitir
o domínio absoluto de fontes renováveis na matriz. Todavia, pouco ou quase
nada estamos investindo no desenvolvimento de capacidades tecnológicas
para o aproveitamento com baixo impacto ambiental do potencial hídrico,
assim como não estamos próximos de ter esgotado o uso das pequenas
quedas (PCH); pouquíssimo temos feito para viabilizar a incorporação dos
cerca de 90/140 GW (potência instalável/em integração cumulativa) de
potencial eólico;26 a natureza dotou o Brasil de excepcionais condições para a
produção de energia solar e, no entanto, a atual participação dessa fonte na
geração é irrisória. Existe aí uma enorme oportunidade para o desenvol-
vimento de tecnologias eficientes e de mais baixo custo, sem que estejamos a
aproveitá-la; o aproveitamento da biomassa residual (resíduos de proces-
samentos agroindustriais) é outra possibilidade. Apenas o bagaço de cana-
de-açúcar tem sido utilizado com maior intensidade, mas longe de esgotar
o potencial.
b) Bastou um ligeiro aquecimento da economia (vinha crescendo pouco acima
de 2%, nos últimos 12 anos) para que sejam evidentes os gargalos no sistema
logístico do país. Há aumentos superiores a 20% nos custos de fretes
rodoviários, filas de meses nas montadoras para a compra de caminhões
novos e perda de negócios por falta de navios para entregar as mercadorias
no exterior no prazo acordado. Nos portos, os custos são altos, há filas para
embarque e custos adicionais por conta disso.
O frete de um eletrodoméstico do porto de Paranaguá (PR) para os EUA custa hoje o
mesmo que o de uma mercadoria partindo da China para o mercado norte-americano,
mesmo sendo a distância muito maior. Segundo o Centro de Estudos em Logística, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, os custos com transporte e logística no país
equivalem a 12,75% do PIB, enquanto nos EUA são de 8,20%. Por deficiências de
logística, exportar uma tonelada de soja do Brasil para a China – do norte de Mato Grosso,

26. ELETROBRÁS/CEPEL. Atlas do potencial eólico brasileiro. Brasília, 2001.

18 políticas sociais − acompanhamento e análise | 14 | fev. 2007 ipea


via porto de Paranaguá – custa hoje US$ 18 a mais do que fazer o mesmo do estado norte-
americano de Iowa (Folha de S. Paulo, 3 de jul. 2007).

O Brasil é extremamente dependente do transporte rodoviário, com cerca


de 60% de toda a carga transportada movimentada por caminhões
(contra 26% nos EUA). Já o transporte ferroviário representa apenas
23% no Brasil, contra 40% nos EUA. Nos últimos dois anos, o Brasil
investiu cerca de US$ 1,8 bilhão/ano para ampliar e recuperar suas
rodovias, pois, em 2006, 41% da malha rodoviária federal se encontrava
em estado ruim ou péssimo.27 A China, com padrão de transporte
semelhante, está investindo US$ 70 bilhões entre 2006 e 2008. Sem
logística não há desenvolvimento sustentado.
c) A inexistência de um zoneamento agroecológico-econômico a orientar a
expansão das atividades agropecuárias está comprometendo a susten-
tabilidade de importantes biomas (Cerrado, Amazônia, Pantanal) e
destruindo uma das grandes riquezas do país, a maior biodiversidade do
planeta. Esta deve ser vista, em um projeto nacional de desenvolvimento,
como um trunfo ímpar, como uma base para outro estilo de vida. Dali sairão
novos conhecimentos e produtos, um locus para fazer avançar a pesquisa
científica e tecnológica, um espaço para o desenvolvimento de novos
produtos, se forem conservados. Não são um empecilho ao progresso, se esse
é feito de forma socioambientalmente sustentável. As forças do mercado, no
seu imediatismo e voracidade, são incapazes de adotar, de modo próprio,
perspectiva multidimensional, ecológica, de longo prazo. Somente entendem
os recursos da natureza como fonte de lucros, nunca como um espaço de
valorização da vida, do conhecimento, de oportunidades para gerações
vindouras. Ao Estado cabe disciplinar o manejo de recursos estratégicos, a
ocupação ordenada do território, a incorporação programada da fronteira de
recursos; e isso não está sendo feito. A avidez bioenergética do agronegócio e
dos grandes grupos econômicos internacionais está sendo avaliada por alguns
como sendo uma oportunidade. Não o é. Ao contrário, é uma ameaça que
pode por nosso futuro em causa.
d) Com o deficiente quadro educacional vigente no país, é extremamente
preocupante a redução de matrículas no ensino médio, o que vem ocorrendo
desde 2005, quando houve uma queda de 137 mil. Em 2006, foram menos
124.500 matrículas. Não é possível pensar em desenvolvimento com apenas
62 escolas públicas do país, das 18.653 avaliadas pelo MEC, nas quais os
alunos de 5a a 8a séries têm uma educação do mesmo nível da média dos
países desenvolvidos. Somente nessas os alunos alcançaram ou superaram a
nota 5,5 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), valor
considerado pelo Ministério da Educação como a meta a ser alcançada por
essas séries em 2022. Até lá deveremos contentar-nos com o que,
principalmente se não for estancado o declínio das matrículas no nível
médio? O presidente da Petrobras, em participação no Fórum Nacional,
apontou o mercado de trabalho como uma das restrições à expansão dos

27. CNT/CEST/SENAT. Pesquisa Rodoviária CNT – 2006. Disponível em: <www.cnt.org.br>. Acesso em: 29 de jun. 2007.

ipea políticas sociais − acompanhamento e análise | 14 | fev. 2007 19


investimentos no país. Previu que a Petrobras e seus fornecedores irão
encontrar dificuldades na contratação de mão-de-obra qualificada para
atender aos novos projetos em carteira (Valor Econômico, 17 de maio de
2007). E a Petrobras não é a única a sentir o problema. O setor sucroalcooleiro,
os empreendimentos ambientais, os escritórios de projetos também o estão.
Algumas empresas estão considerando importar engenheiros e técnicos chineses.
e) O quadro sanitário dos brasileiros está conhecendo alterações epidemiológicas
significativas. Aumenta a incidência às doenças tidas como próprias de estágios
mais adiantados em termos de riqueza material, urbanização etc.: as crônico-
degenerativas, a hipertensão, as coronarianas, os diabetes, entre outros. No
entanto, como que a reafirmar a tradicional dualidade básica que histori-
camente nos caracterizou, as doenças infectocontagiosas não regridem na
mesma proporção.
A lembrar nossa condição subdesenvolvida, a dengue, a malária, a leishmaniose,
as hantaviroses, a tuberculose recrudescem. Contam-se aos muitos milhares
os portadores do mal de Chagas e da hanseníase. Todas essas doenças
infecto-contagiosas são a expressão da péssima qualidade de vida de parte
enorme da população, que vive sem saneamento, sem moradia adequada,
com renda insuficiente, sem conhecimento e informação. São doenças
negligenciadas pelos centros de pesquisa, pelos laboratórios e pelos governos
que não alteram as condições de existência do povo que as sofre. Não são
doenças existentes em países desenvolvidos.
f) Estamos começando a nos acostumar com a barbárie que se expande
velozmente por quase todo o espaço nacional. Chacinas de menos de dezenas
de pessoas já não ganham espaço na mídia.28 A batalha do Complexo do
Alemão foi apresentada como veneno amargo oferecido à criminalidade,
como se possível fosse dar veneno sem a resistência do eventual tomador. Por
mais de dois meses, quase 150 mil pessoas viveram uma situação que lembra
Bagdá, em seus piores dias: 44 mortos (com pelo menos cinco execuções a
29
queima-roupa) e quase cem feridos. As balas perdidas ceifando vidas
diariamente. Jovens de classe média enveredam-se para a criminalidade
odiosa (assassinam índios, mendigos, prostitutas e homossexuais, espancam
mulheres e outros jovens, ameaçam professores etc.). Turistas estrangeiros
(corajosos ou desinformados) são assaltados e mortos em nossas localidades
mais atraentes. O crime organizado controla porções crescentes de território,
funcionando como um Estado, pois ali o Estado nunca esteve presente em
sua inteireza. A violência e a insegurança pública aparecem liderando toda e
qualquer enquete sobre os principais problemas em todos os lugares onde são
feitas. Integrantes dos Legislativos, Executivos e Judiciários de quase todas as
Unidades da Federação são objeto de investigação policial, muitos chegando
às cadeias. Os abastados entrincheiram-se, protegem-se com segurança
privada, em carros blindados e ignoram sua responsabilidade na produção
dessa realidade. Os poderes públicos atacam as conseqüências de tal

28. Somente nos primeiros seis meses do ano em curso foram registradas quinze chacinas na cidade de São Paulo.
29. Números do final de maio de 2007.

20 políticas sociais − acompanhamento e análise | 14 | fev. 2007 ipea


problemática, enquanto suas causas permanecem prosperando. Faltam polí-
ticas organicamente concebidas, integradamente implementadas e finalmente
coordenadas. São políticas que só se tornam eficazes quando situadas no
interior de um abrangente projeto de transformação nacional.
g) Onde se encontra a preocupação em construir uma institucionalidade
propiciadora da exigente dinâmica de um processo de desenvolvimento? Quem
organiza e opera um sistema nacional de inovações, quem responde por
viabilizar a rede logística (intermodalidade viária, matriz energética assentada na
renovação, comunicações no estado da arte, e, por definição, integrada)? Qual o
Pacto Federativo a sustentar o espraiamento do processo por todas as partes do
território nacional? Que sistema político-partidário melhor se compraz com os
desideratos de um Brasil desenvolvido, socialmente includente, democrático,
economicamente dinâmico, ambientalmente sustentável, entre outros valores
demandados pela cidadania? Quem cuidará para que o equilíbrio regional esteja
sendo permanentemente perseguido?
h) Quem está animando a construção de uma vontade nacional em prol do
desenvolvimento, como tivemos à época de Getúlio Vargas, de JK, assim como
em todos os países que realizaram um projeto de desenvolvimento? Quem está
incumbido de promover uma cultura cívica, condição necessária à coesão social,
à compreensão das nossas diversidades, a instauração de uma nova sociabilidade
baseada na solidariedade, no reconhecimento do outro. Como incorporar
população brasileira em uma nova vontade, em uma outra onda
desenvolvimentista, se mais de dois terços dos habitantes desse país nunca vão
ao cinema, ao museu, ao teatro ou retira livros em bibliotecas? Se a metade
nunca vai a exposições, a shows ou a feiras?30 Qual o papel dos meios de
comunicação e como envolver a produção artística e cultural em tal processo?
i) Contudo, o principal indício de que não estamos a percorrer um processo que
possa ser chamado de desenvolvimento é não termos um claro roteiro a
orientar a construção do caminho que leve à situação objetivada. Não
dispormos da estratégia que exigindo consistência da política econômica
(juros, câmbio, estrutura tributária, diretrizes fiscais), articule-a virtuosamente
com a política social e exija convergência de todas as outras políticas setoriais,
permitindo enfrentar concentrada e integradamente os problemas (regiona-
lizados), rompendo as amarras do atraso e das injustiças. A mesma estratégia
que permite mobilizar e concertar os Poderes da República, os outros níveis de
governo e os atores sociais, canalizando competências, esforços e recursos
diferenciados para a tarefa de superar obstáculos, preencher lagunas, reduzir
distâncias, lançar pontes para uma outra realidade. Falta o projeto com o qual
se constrói os alicerces seguros e sobre os quais se ergue a nova nação.
A elaboração desse projeto tem de ser uma iniciativa governamental, concla-
mando todas as lideranças responsáveis e comprometidas com a construção de
um futuro diferente e muito melhor. “Desenvolvimento é a transformação do
conjunto das estruturas de uma sociedade, em função de objetivos que se

30. Ver o capítulo “Cultura”.

ipea políticas sociais − acompanhamento e análise | 14 | fev. 2007 21


propõe alcançar essa sociedade”.31 É preciso querer, e o querer coletivo exige
coordenação estatal para assegurar a indispensável direcionalidade. Essas
vontades e capacidades não são visíveis na atualidade. Mas é difusamente
percebível que muitos parecem se contentar com o simples acelerar das velhas
engrenagens, as mesmas que construíram, em tempos passados não muito
distantes, o presente que hoje vivemos.
Longe de pretender a exaustão, os indícios lembrados anteriormente apenas
evidenciam a complexidade do desenvolvimento nacional. Apontam que é necessário
muito mais do que tem sido feito. Mostram ser imprescindível que a sociedade brasileira
e as suas principais lideranças elevem suas ambições, pensem grande e ajam de acordo.
Mostram, também, que não basta ver o PIB crescer quatro ou cinco por cento durante
alguns anos. Não basta crescer de qualquer maneira. É preciso mais para acabar com a
miséria e a pobreza, o desemprego, a informalidade, a superexploração da força de
trabalho, a insegurança pública e a violência, as desigualdades sociais extremas.
Desenvolvimento autêntico exige crescer eliminando iniqüidades, distribuindo riqueza e
renda, fazendo todos cidadãos em uma sociedade democrática, respeitadora dos direitos
humanos, das diferenças étnicas, etárias, de gênero, de capacidades. Desenvolver é
construir uma sociedade coesa e solidária. Desenvolvimento e sustentabilidade ambiental
são as exigências siamesas dos tempos atuais.
Desenvolvimento nacional requer um Estado apto a conduzir complexos
processos de transformação socioeconômica e político-cultural. O governo federal
está diante da oportunidade de articular sinergicamente o PAC, o PDE, o Pronasci,
assim como todas as outras iniciativas governamentais em gestação, no âmbito do
PPA 2008-2011,32 fazendo desse instrumento o embrião ou a fase primeira de um
projeto nacional de desenvolvimento.

Conselho Editorial

31. FURTADO, C. Um projeto para o Brasil. Rio de Janeiro: Editora Saga, p.17-18, 1968.
32. Respectivamente, Programa de Aceleração do Crescimento, Programa de Desenvolvimento da Educação, Programa
Nacional de Segurança Cidadã e Plano Plurianual, que deverão ser objeto de análise e avaliação em outra edição deste
periódico.

22 políticas sociais − acompanhamento e análise | 14 | fev. 2007 ipea

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