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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 29-40 JUN.

2005

RECENTRALIZANDO A FEDERAÇÃO?1

Maria Hermínia Tavares de Almeida

RESUMO
Este trabalho discute os movimentos contraditórios no sentido da descentralização e da centralização
examinando dois conjuntos de políticas: as que trataram de regular as relações fiscais entre os governos
nacional e subnacionais e aquelas que redefiniram as responsabilidades no tocante à provisão de alguns
serviços sociais. Sustenta-se aqui que, do ponto de vista das relações intergovernamentais, a federação
brasileira é um arranjo complexo em que convivem tendências centralizadoras e descentralizadoras, impul-
sionadas por diferentes forças, com motivações diversas, produzindo resultados variados.
PALAVRAS-CHAVE: centralização; descentralização; democratização; relações fiscais; serviços sociais.

I. INTRODUÇÃO estaduais e locais acerca das virtudes da


descentralização de recursos fiscais e de respon-
Estaria a federação brasileira passando por um
sabilidades governamentais.
processo de recentralização, depois de uma déca-
da e meia de experiência descentralizadora? Não Entretanto, o andamento da descentralização
são poucos os estudiosos que têm respondido afir- não foi nem simples nem linear. Tendências
mativamente a essa pergunta. centralizadoras poderosas também estiveram pre-
sentes, aumentando a complexidade do processo
A descentralização foi um tema central da agen-
de redefinição das relações intergovernamentais.
da da democratização, nos anos 1980, como rea-
ção à concentração de decisões, recursos finan- Este trabalho discute os movimentos contra-
ceiros e capacidade de gestão no plano federal, ditórios no sentido da descentralização e da cen-
durante aos 20 anos de autoritarismo burocráti- tralização examinando dois conjuntos de políticas:
co. Nessas circunstâncias, a descentralização foi as que trataram de regular as relações fiscais en-
defendida tanto em nome da ampliação da demo- tre os governos nacional e subnacionais e aquelas
cracia quanto do aumento da eficiência do gover- que redefiniram as responsabilidades no tocante à
no e da eficácia de suas políticas. Supunha-se que provisão de alguns serviços sociais.
o fortalecimento das instâncias subnacionais, em
Sustenta-se aqui que do, ponto de vista das
especial dos municípios, permitiria aos cidadãos
relações intergovernamentais, a federação brasi-
influenciar as decisões e exercer controle sobre
leira é um arranjo complexo em que convivem
os governos locais, reduzindo a burocracia ex-
tendências centralizadoras e descentralizadoras,
cessiva, o clientelismo e a corrupção.
impulsionadas por diferentes forças, com moti-
No crepúsculo do autoritarismo, estabeleceu- vações diversas, produzindo resultados variados.
se um consenso entre os formadores de opinião e
Os dois conjuntos de políticas propiciam um
os movimentos sociais, bem como entre políticos
ângulo privilegiado de observação das relações
entre esferas de governo e das tendências que as
movimentaram nas últimas duas décadas. Com
1 Este artigo apresenta resultados parciais da pesquisa efeito, a concentração de recursos fiscais na es-
Democracia, política e governo local, Projeto Temático fera federal foi a marca do autoritarismo burocrá-
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulão tico no Brasil. De outra parte, desde os anos 1930,
(Fapesp) n. 2001/13773-0. Em sua primeira versão, que o crescimento da ação do governo no domínio
levou o título de Decentralization and Centralization in a social correu paralelo à centralização política e à
Federal System: The Case of Democratic Brazil, foi apre-
sentado na Reunião Anual da American Political Science
concentração de poderes no poder Executivo fe-
Association de 2003, realizada em agosto desse ano na deral. Mais do que isso, o sistema de proteção
Filadélfia. social brasileiro foi criado, expandiu-se e adquiriu

Recebido em 10 de dezembro de 2004 Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 24, p. 29-40, jun. 2005
Aprovado em 18 de maio de 2005
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RECENTRALIZANDO A FEDERAÇÃO?

seus traços centrais durante os dois ciclos de capacidades fiscais e de decisão sobre políticas
autoritarismo, sob Vargas (1930-1945) e sob os para autoridades subnacionais; b) transferência
militares (1964-1984). Em conseqüência, as polí- para outras esferas de governo de responsabilida-
ticas sociais estiveram associadas ao crescimen- des pela implementação e gestão de políticas e
to da atividade da administração federal. Elas fo- programas definidos no nível federal e c) deslo-
ram marcadas por concepções autoritárias mate- camento de atribuições do governo nacional para
rializadas na predominância das agências do Exe- os setores privado e não-governamental3.
cutivo federal, dos procedimentos fechados de
Contudo, cada uma dessas formas tem con-
tomada de decisões e da gestão feita por burocra-
seqüências diferentes para as relações
cias centrais.
intergovernamentais. A segunda modalidade é per-
Dessa forma, no Brasil pós-autoritário, a feitamente compatível com elevada concentração
redefinição de competências e atribuições entre de decisões no nível federal4. De fato, no que diz
esferas de governo disse respeito sobretudo – ainda respeito às políticas sociais, ela ocorre mesmo em
que não exclusivamente – às políticas e progra- federações bastante centralizadas. Já a primeira e
mas sociais. É aqui, portanto, que os dilemas en- a terceira modalidades supõem uma redefinição
volvidos no processo podem ser observados com mais ampla do raio de ação do governo nacional,
mais clareza. no primeiro caso, e uma redução da atividade de
todas as esferas de governo, no terceiro.
De outra parte, o federalismo fiscal constitui a
espinha dorsal das relações intergovernamentais. De outra parte, não há porque imaginar que a
A forma como os recursos fiscais e parafiscais descentralização suponha inexoravelmente redu-
são gerados e distribuídos entre os diferentes ní- ção da importância do governo nacional, que pode
veis de governo definem, em boa medida, as fei- expandir-se para novos campos de ação ou assu-
ções da federação. mir novos papéis normativos, reguladores ou
redistributivos coetâneos com o aumento das res-
Na primeira parte do trabalho, procederemos
ponsabilidades dos governos subnacionais, das
à revisão de algumas questões analíticas relacio-
organizações privados ou não-governamentais5.
nadas à centralização/descentralização em siste-
mas federais. Na segunda, analisamos as tendên- Centralização e descentralização têm diferen-
cias à descentralização e recentralização nas rela- tes significados e diferentes conseqüências em
ções fiscais entre o governo nacional e as unida- estados unitários ou em sistemas federativos. A
des subnacionais. Na terceira, examinamos as relação entre federalismo e descentralização, em
características do processo de redefinição das termos conceituais e empíricos, está longe de ser
responsabilidades governamentais nas áreas de simples e incontroversa.
educação, saúde e assistência social. Finalmente,
William Riker (1975) descreve a formação de
apresentamos algumas conclusões.
sistemas federativos como um processo de cen-
II. FEDERALISMO E DESCENTRALIZAÇÃO tralização política. Atores racionais – indíviduos
e/ou unidades políticas – aliam-se e entram em
Entenderemos por descentralização a “trans-
acordo para formar um governo central, que ab-
ferência de autoridade e responsabilidade, no que
sorverá algumas das prerrogativas políticas pre-
diz respeito a funções públicas, do governo cen-
viamente pertencentes às unidades constitutivas
tral para governos locais ou intermediários, para
organizações governamentais semi-independentes
e/ou para o setor privado” (WORLD BANK,
2002)2. 3 Beer (1988, p. XV) denomina essas diversas modalida-

Descentralização é um termo ambíguo, que des de descentralização, respectivamente, de realocação,


consolidação e devolução.
vem sendo usado indistintamente para descrever
4 Esse foi o modelo do setor de habitação durante o regime
vários graus e formas de mudança no papel do
governo nacional por meio de: a) transferência de militar.
5 A evidência empírica parece indicar que o crescimento
dos governos, em diferentes níveis, não tem sido um jogo
de soma-zero (GOLDSMITH & NEWTON, 1988, p. 359-
2 Tradução da autora. 360).

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da federação6. Riker acrescenta que a única clas- contraste com o estado unitário. Nesse sentido,
sificação possível das federações é aquela que toma sua definição de federação é mais precisa do que
em consideração o grau em que “o locus real de aquela proposta por Riker. Entretanto, ela parece
tomada de decisão muda dos governos constitu- mais adequada para nomear o tipo de arranjo fe-
intes para o governo nacional” (idem, p. 132). derativo conhecido como federalismo dual. Esse
federalismo dual correspem que ao modelo norte-
Por seu turno, Elazar (1987, p. 35-36) consi-
americano original – simultaneamente descritivo
dera que as federações são estruturas não-centra-
e prescritivo – em que “os poderes dos governos
lizadas, característica que as diferencia de estru-
geral e estadual, mesmo quando existem no inte-
turas estatais descentralizadas7. Na mesma dire-
rior dos mesmos limites territoriais, constituem
ção, Vincent Ostrom (1994, p. 225) sugere que o
soberanias distintas e separadas, que agem em
policentrismo é – e deve ser – a forma de organi-
separado e com independência, nas esferas que
zação adequada a uma federação democrática8.
lhes são próprias” (ACIR, 1981, p. 3)9.
Elazar e Ostrom buscaram captar o traço es-
As federações contemporâneas, em boa medi-
pecífico da organização política federativa em
da, não cabem mais no modelo de federalismo
dual. Elas são melhor descritas por um dos dois
6 Stepan (1999) criticou essa definição argumentando que
modelos da tipologia baseada na natureza das re-
lações intergovernamentais: o federalismo centra-
pode haver duas lógicas diferentes na organização das fede-
rações: juntar e manter junto. A centralização política ocor- lizado e o federalismo cooperativo. Ambos tratam
re apenas no primeiro caso, considerado paradigmático por de capturar as transformações do arranjo dual,
Riker. em decorrência da expansão do escopo dos go-
7 “Não-centralização não é o mesmo que descentralização, vernos, em geral, e do governo federal, em parti-
apesar de este último ter sido erroneamente usado no lugar cular. O primeiro é o federalismo centralizado,
do primeiro para descrever os sistemas federais. quando estados e governos locais quase se trans-
Descentralização implica a existência de uma autoridade formam em agentes administrativos de um go-
central, um governo central que pode descentralizar ou verno nacional com grande envolvimento nos as-
recentralizar de acordo com sua vontade [...]. Em um siste- suntos subnacionais, predomínio nos processos
ma político não-centralizado, o poder é difuso e não pode
ser legitimamente centralizado ou concentrado sem romper
de decisão e no controle dos recursos financei-
a estrutura e o espírito da Constituição. Os sistemas fede- ros10. O segundo é o federalismo cooperativo,
rais clássicos [...] são sistemas não-centralizados. Todos caracterizado por formas de ação conjunta entre
têm um governo geral, ou nacional, um governo que tem esferas de governo, em que as unidades
poder em muitas áreas e com muitos propósitos, mas não subnacionais mantêm significativa autonomia
um governo central que controla todas as linhas de comuni- decisória e capacidade de autofinanciamento11.
cação e de decisão política. Em todos os sistemas não-
centralizados, estados, cantões ou províncias não são cria-
Esse é um arranjo complexo que pode combinar
turas do governo federal. Com este último, derivam sua as duas primeiras acepções de descentralização
autoridade diretamente do povo. Estruturalmente, eles são
substancialmente imunes à interferência federal. Funcio-
nalmente, eles compartilham muitas atividades com o go- 9 É um modelo adequado para descrever o arranjo federa-
verno federal, sem perder seu papel de formulação política
tivo característico da I República (1891-1930), no Brasil.
e seus poderes de decisão. Para usar um outro tipo de
imagem, a descentralização implica hierarquia – uma pirâ- 10 Nesse caso, é difícil definir os limites empíricos e
mide de governos em que o poder flui do topo para a base conceituais que distinguem o federalismo de estados unitá-
– ou do centro para a periferia [...]. A não-centralização é rios descentralizados. Como observou Carl Friederich
melhor conceituada como uma matriz de governos com (1968, p. 223), “a expansão da cooperação efetiva entre
poder distribuído de tal forma que a ordem dos governos agências federais e estaduais obscurece as diferenças entre
não é fixa” (ELAZAR, 1987, p. 35-36). um arranjo federativo com fortes controles centrais e um
8 “[...] Um sistema político policêntrico seria composto governo descentralizado, como o da Inglaterra, de tal forma
que há poucos anos era possível prever o dia em que o
por: (1) muitas unidades autônomas formalmente indepen-
caráter do estado mudaria ou transformar-se-ia em uma
dentes umas das outras, (2) que escolhem atuar de maneira
espécie de unidade administrativa responsável pela
a tomar em consideração umas às outras, (3) por meio de
implementação de planos e políticas federais”.
processos de cooperação, competição, conflito e resolução
de conflito. A resolução de conflito não precisa depender 11 Riker (1975, p. 104) observa que “[...] função após
de mecanismos centrais [...]. Mecanismos não-centraliza- função, não, há de fato, divisão de autoridades entre os
dos de resolução de conflito também existem”. governos constituintes e o centro, mas, antes, mistura”.

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RECENTRALIZANDO A FEDERAÇÃO?

discutidas anteriormente, ou seja, pode ser mais Embora a força de governadores e prefeitos
ou menos centralizado. tenha crescido de modo significativo, durante a
transição do autoritarismo para a democracia, a
Finalmente, é importante levar em considera-
existência de normas constitucionais favorecen-
ção que, apesar de um certo grau de centralização
do a descentralização não pode ser explicada ape-
caracterizar as formas existentes de federação,
nas por sua influência direta. Os governadores
todas possuem mecanismos que impedem sua
foram ativos durante os trabalhos da Constituin-
transformação em estado unitário. Em outras pa-
te, assim como o foram os prefeitos, suas associ-
lavras, sob regime democrático, as federações
ações e seus assessores. De outra parte, cerca de
possuem um desenho institucional que multiplica
metade dos constituintes ocuparam previamente
pontos de veto e assegura algum grau de não-
postos nos governos e/ou assembléias
centralização (TSEBELIS, 1995; TSEBELIS &
subnacionais13. Mas o apoio à descentralização
MONEY, 1997; GIBSON, 2004).
era mais amplo e incluía as forças políticas mais
Em resumo, nem a definição de Elazar nem a importantes, tivessem ou não relação com inte-
de Riker parecem completamente satisfatórias para resses subnacionais. Democracia com
pensar o federalismo contemporâneo. Há mais do descentralização era uma idéia-força e como tal
que não-centralização nas federações existentes tinha gravitação própria.
na atualidade. Por outro lado, o critério de graus
Em conseqüência das novas normas constitu-
de centralização para classificá-las parece simpli-
cionais, o poder de taxação dos estados foi ampli-
ficar demais as possibilidades institucionais que
ado para incluir petróleo, produtos minerais, trans-
resultam da cooperação entre esferas de governo.
portes e telecomunicações. Os recursos fiscais
No caso da federação brasileira remodelada foram redistribuídos em prejuízo do governo fe-
pela Constituição de 1988, o modelo cooperativo deral, dado o crescimento das receitas comparti-
adotado combinou a manutenção de áreas própri- lhadas com estados e municípios. As receitas
as de decisão autônoma das instâncias transferidas dos estados para os municípios tam-
subnacionais; descentralização no sentido forte de bém se expandiram. Em 1985, o Fundo de Parti-
transferência de autonomia decisória e de recur- cipação dos Estados (FPE) e o Fundo de Partici-
sos para os governos subnacionais e a transfe- pação dos Municípios (FPM) chegavam respecti-
rência para outras esferas de governo de respon- vamente a 14% e 16% das receitas federais pro-
sabilidades pela implementação e gestão de políti- venientes de impostos. Em 1993, eles atingiram
cas e programas definidos no nível federal. Em 21,5% e 22,5%. Ademais, 10% do Imposto sobre
conseqüência, a avaliação dos rumos do federa- Produtos Industrializados (IPI) foi destinado a um
lismo brasileiro, em termos da polaridade fundo de compensação para os estados que dei-
descentralização-recentralização, deve levar em xaram de taxar suas exportações de manufatura-
conta a complexidade desse arranjo cooperativo e dos e 3% do Imposto de Renda e do IPI foram
as formas distintas que assumem as relações go- alocados em um fundo de desenvolvimento regi-
vernamentais em diferentes áreas de políticas pú- onal, que deveria apoiar projetos no Norte, Nor-
blicas. deste e Centro-Oeste do país.
III. FEDERALISMO FISCAL NO BRASIL DE- Assim, depois de 1988, a descentralização de
MOCRÁTICO12 recursos fiscais beneficiou estados e sobretudo
municípios. A Tabela 1 e os gráficos 1 e 2 mos-
A Constituição de 1988 traduziu o anseio por
tram essa mudança de distintas maneiras. Ade-
descentralização compartilhado pelas forças de-
mais, como mostraram Afonso e Lobo (1996), a
mocráticas predominantes. A federação foi
descentralização implicou também redistribuição
redesenhada em benefício dos estados e, sobre-
entre regiões, em benefício dos estados e municí-
tudo, dos municípios, transformados em entes
pios mais pobres.
federativos (SELCHER, 1989; LEME, 1994; SOU-
ZA, 1997; MELLO, 2005).
13 De acordo com Rodrigues (1987, p. 49-62), 21% dos
constituintes haviam sido vereadores e 37%, deputados es-
12 Esta seção utiliza em larga medida informações e análi- taduais, enquanto 15% tinham experiência prévia em admi-
ses de Afonso e Melo (2000) e Rezende e Afonso (2002). nistrações municipais e 36%, em administrações estaduais.

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TABELA 1 – CARGA TRIBUTÁRIA E DISTRIBUIÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS ENTRE NÍVEIS DE


GOVERNO (BRASIL, 1960-1995)
Ano Carga tributária/PIB Receitas arrecadadas Receitas disponíveis
União Estados Municípios União Estados Municípios
1960 17,42 63,9 31,2 4,7 59,4 34 6,5
1970 25,98 66,7 30,6 2,7 60,7 29,1 10,2
1980 24,56 75,3 21,8 2,9 69,4 22 8,6
1985 23,75 72,8 24,8 2,4 64,2 25,1 10,7
1988 23,64 67,4 29,8 2,7 59,8 28 12,1
1990 30,04 67 29,6 3,4 56,7 28,5 14,9
1991 26,04 63,4 31,1 5,4 53,5 29,5 17,1
1992 25,91 66,2 29,3 4,5 57 28,1 14,9
1993 26,37 68,6 26,6 4,7 57,8 26,4 15,8
1994 28,64 67,9 27,4 4,7 59,4 25,4 15,2
1995 29,4 66,3 29 4,7 56,2 26,2 16,6
1996 29,1 65,3 29,6 5,1 56 27,6 16,3
1997 29,6 66,2 28,8 5,0 56,2 27,7 16,1
1998 29,6 67 27,5 5,5 56,2 26,6 17,2
1999 31,7 68,1 26,9 5 57 26 17
2000 32,7 67,3 27,7 5 56,7 26,4 16,9
FONTE: Centro de Estudos de Políticas Públicas, baseado nas Contas Nacionais e nos Relatórios do Fundo Monetário
Internacional e em dados adicionais do Ministério da Fazenda (Tesouro Nacional, CONFAZ e Finanças do Brasil (BRASIL.
SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL, 2005)); para os dados de 1996 a 2000: Rezende e Afonso (2002).
NOTA: Receitas tributárias definidas de acordo com o conceito usado para calcular as contas nacionais: impostos e
outras contribuições compulsórias, inclusive contribuições para a Previdência Social e outros fundos patrimoniais dos
assalariados (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e Programa de Integração Social (PIS)-Programa de
Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP)).

GRÁFICO 1 – PARTICIPAÇÃO DOS NÍVEIS DE GOVERNO NA ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA


120

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%

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20

Anos

Federal Estados Municípios


FONTE: a autora.

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GRÁFICO 2 – PARTICIPAÇÃO DAS ESFERAS DE GOVERNO NA RECEITA TRIBUTÁRIA DISPONÍVEL


120

100

80

% 60

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20

0
1960 1970 1980 1985 1988 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Anos

Federal Estados Municípios

FONTE: a autora.

Contudo, a Constituição de 1988, que ampliou um regime fiscal dual (REZENDE & AFONSO,
a porção das receitas fiscais da União comparti- 2002, p. 11), que compatibilizou a descentralização
lhadas com os governos subnacionais, também fiscal com a manutenção do gasto público federal
permitiu a expansão dos recursos do governo fe- em níveis elevados. Na verdade, ao longo dos anos
deral por meio da contribuições sociais, cujo ob- 1990, as contribuições sociais foram o mecanis-
jetivo deveria ser o financiamento das políticas mo de compensação do governo federal pela per-
sociais. Nos anos 1990, os recursos não partilha- da de receitas resultante da descentralização, como
dos, à disposição da União, foram aumentados se observa no Gráfico 3. As contribuições soci-
com a criação da Contribuição Provisória sobre ais, que em 1980 significavam 4,9% das receitas
Movimentações Financeiras (CPMF), posterior- do governo federal, atingiram 20% em 2000.
mente tornada permanente. Estabeleceu-se, assim,

GRÁFICO 3 – COMPOSIÇÃO DA RECEITA TRIBUTÁRIA FEDERAL COMO PORCENTAGENS DAS RECEITAS


DE TODOS OS NÍVEIS DE GOVERNO
80

70

60

50
Social Contributions sociais
Contribuições
40
%

Taxes
Taxas
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20

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60
70
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19
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Anos
FONTE: a autora.

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O crescimento das contribuições sociais não é anterior sobre as virtudes da descentralização, de


evidência de recentralização, como afirmam al- alguma forma, perdeu força sob a pressão da ur-
guns analistas. Ele é antes expressão da dificulda- gência de ajustar a economia e estabilizar a moe-
de em alterar o padrão da descentralização fiscal da.
estabelecido pela Constituição de 1988. O gover-
Durante o governo Cardoso, os termos da ne-
no federal expandiu as contribuições sociais por-
gociação da dívida dos estados mudaram radical-
que tinha dificuldades em reduzir significativamen-
mente. Em novas rodadas de negociação, o go-
te, em seu benefício, a parcela de receitas tributá-
verno federal terminou impondo condições restri-
rias compartilhadas com estados e municípios.
tivas. Com o objetivo de ajustar as contas estadu-
Entretanto, na segunda metade da década de ais, foram estabelecidas “metas de endividamento
1990, a capacidade real de os governos total, superávit primário, gasto com salários, ar-
subnacionais exercerem plenamente a autonomia recadação de impostos e privatização de empre-
fiscal, assegurada pela Constituição, sofreu res- sas estaduais” (REZENDE & AFONSO, 2002, p.
trições14. Ela resultou de dois movimentos do go- 15)18. A perda de controle de muitos estados so-
verno federal. O primeiro foi motivado pela for- bre seus bancos foi uma das conseqüências des-
ma como se tratou de enfrentar as restrições se processo.
macro-econômicas associadas à estabilização da
À negociação das dívidas estaduais seguiu-se
moeda, depois do Plano Real. O segundo foi con-
a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), proposta
seqüência dos esforços para garantir recursos aos
pelo Executivo federal e votada pelo Congresso
programas sociais.
em 2000. A LRF foi uma resposta específica – e
A negociação das dívidas estaduais constituiu centralizadora – ao desafio de coordenar o com-
um componente central da estratégia bem-suce- portamento fiscal dos governos em um sistema
dida de combate à inflação. No período de infla- federativo, evitando o free-riding19 nos níveis
ção alta, os governos estaduais praticaram políti- subnacionais. Seu objetivo foi garantir disciplina
cas fiscais frouxas; o endividamento dos estados fiscal em todos os níveis de governo, mas as res-
cresceu de modo continuado. Apesar de três ro- trições que impôs aos estados e municípios fo-
dadas de negociações com o governo federal, en- ram significativas20. Apesar de restringir também
tre 1989 e 199315, à época do Plano Real, a situ- o governo federal, a nova lei inegavelmente signi-
ação dos estados, inclusive dos bancos estaduais, ficou limitação, por meio de lei federal, da auto-
era dramática16. nomia de estados e municípios na alocação de suas
receitas. Cabe lembrar que a LRF foi uma escolha
A convicção de que estados e municípios ten-
entre modelos possíveis de legislação visando a
diam a pegar carona nos esforços federais de es-
tabilização da moeda alimentou a sabedoria con-
vencional sobre a suposta incompatibilidade entre 18 Para uma boa discussão do tema, ver Rigolon e Giambiagi
federalismo descentralizado e austeridade fiscal. (1999).
Começou a ganhar força, entre analistas e os 19 “Caronismo” (nota do revisor).
decisores federais, a idéia de que a autonomia dos
20 Rezende e Afonso resumiram suas principais disposi-
governos subnacionais – especialmente a autono-
ções: “a) limites para despesa com pessoal - a remuneração
mia para definir despesas e alocar recursos – de-
dos servidores públicos não poderá exceder 60% das recei-
veria ser restringida ou controlada17. O consenso tas líquidas correntes; b) limites de endividamento – o Se-
nado Federal deve aprovar a revisão dos limites presentes
14 Para uma discussão interessante sobre o tema, ver Sou- por proposta do Presidente da República; c) metas fiscais
za (2002). anuais – o planejamento orçamentário deve olhar para
frente,estabelecendo metas fiscais por três anos consecuti-
15 Para uma boa descrição dessas negociações, ver Rezende vos; “d) provisão para despesas recorrentes – as autorida-
e Afonso (2002, p. 18). des públicas não podem tomar iniciativas que criem despe-
16 O próprio Plano Real contribuiu para agravá-la, em sas futuras para mais de dois anos, sem indicar a fonte de
financiamento ou cortes compensatórios de outras despe-
virtude da política de juros altos que incidia sobre as dívi-
sas; e) disposição especial para anos eleitorias – a lei proibe
das dos estados.
governadores e prefeitos, que estão em seu último ano de
17 Ver, por exemplo, a discussão de Abrucio sobre “fede- mandato, antecipar receitas tributárias por meio de em-
ralismo predatório” (ABRUCIO, 1998; 2001) e, também, préstimos de curto prazo, dar reajustes salariais ou contra-
Mora e Varsano (2001). tar novos servidores públicos”.

35
RECENTRALIZANDO A FEDERAÇÃO?

coordenar a ação fiscal dos governos em um sis- subnacionais a prerrogativa de decidir o conteúdo
tema federativo. A experiência internacional mos- e o formato das políticas. Em outros, estados e
tra que há alternativas, como, por exemplo, dar municípios tornaram-se responsáveis pela execu-
incentivos federais para que os estados definam ção e gestão de políticas e programas definidos
suas próprias normas de responsabilidade fiscal em nível federal. Finalmente, governos transferi-
(WEBB, 2003). ram a organismos não-estatais a provisão de ser-
viços sociais.
A segunda forma de limitação da autonomia de
gasto dos governos subnacionais resultou de re- Para as forças que empurraram a democrati-
gras voltadas a garantir a regularidade, a estabili- zação a descentralização significava essencialmen-
dade ou o uso adequado dos recursos destinados te o fortalecimento dos governos municipais. Es-
a programas sociais. tes, na medida do possível, deveriam arcar com a
responsabilidade da provisão dos serviços soci-
No período de inflação alta e grande instabili-
ais. Nesse sentido, a descentralização significou
dade econômica, a preocupação com a eficiência
quase sempre municipalização. No que respeita à
das políticas sociais favoreceu a opção pela
atuação social, a reforma da federação deixou os
vinculação de receitas e de transferências
estados sem atribuições claras.
intergovernamentais para gastos sociais específi-
cos. Mesmo antes da Constituição de 1988, o No terreno das políticas sociais, a Constitui-
Congresso Nacional aprovou a vinculação para ção apontava para uma modalidade de federalis-
gastos com educação na razão de 18% e 25%, mo cooperativo, caracterizado pela existência de
respectivamente, das receitas tributárias líquidas funções compartilhadas entre as diferentes esfe-
do governo federal e de estados e municípios. Em ras de governo e pelo “fim de padrões de autori-
2000, o Congresso Nacional aprovou a vinculação dade e responsabilidade claramente delimitados”
para a saúde de 12% da receita tributária líquida (ACIR, 1981, p. 4).
do governo federal.
A nova Carta estabeleceu competências co-
De outra parte, o governo federal transfere a muns para União, estados e municípios nas áreas
estados e, especialmente, municípios recursos vin- de saúde, assistência social, educação, cultura,
culados a programas sociais específicos, com fre- habitação e saneamento, meio ambiente, proteção
qüência sob a forma de fundos regidos por nor- do patrimônio histórico, combate à pobreza e in-
mas rigorosas de utilização e dispêndio. Essas tegração social dos setores desfavorecidos e edu-
transferências sustentam a trama complexa de cação para o trânsito. Legislação complementar
relações intergovernamentais, por meio das quais deveria definir as formas de cooperação entre os
se dá a provisão de serviços sociais básicos como três níveis de governo (BRASIL, 1988, art. 23).
saúde, educação, assistência social21. É o que
Atribuíram-se competências legislativas con-
veremos a seguir.
correntes22 aos governos federal e estaduais em
IV. AS POLÍTICAS SOCIAIS NA NOVA FEDE- uma ampla gama de áreas: proteção ao meio am-
RAÇÃO biente e aos recursos naturais; conservação do
patrimônio cultural, artístico e histórico; educa-
A redefinição de competências e atribuições na
ção, cultural e esportes; juizado de pequenas cau-
esfera social, tratadas neste trabalho, foi parte de
sas; saúde e previdência social; assistência judici-
um processo de transformação de um modelo de
ária e defensoria pública; proteção à infância, à
federação centralizada para um tipo de federalis-
adolescência e aos portadores de deficiências e
mo cooperativo. Nesse sentido, implicou um pro-
organização da polícia civil (idem, art. 24).
cesso de descentralização diverso daqueles que
podem ocorrer em estados unitários. Ele signifi- Além de criar competências concorrentes e
cou a transformação das funções exercidas pelo comuns, e de estabelecer um extenso rol de direi-
governo federal e implicou, conforme o caso, pro- tos sociais, a Constituição de 1988 contém um
cessos de realocação de competências e atribui-
ções dos três tipos discutidos anteriormente. Em
22 A União tem competência para estabelecer normas ge-
alguns casos, transferiu-se a governos
rais que podem ser complementadas por legislação estadu-
al. Na ausência de legislação federal, os Estados exercem
21 Sobre o tema, ver Arretche (2003). competência legislativa plena.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 29-40 JUN. 2005

capítulo sobre a ordem social em que se define o incentivos adequados para convencer os municí-
perfil da seguridade social, educação, cultura, es- pios a assumir novas responsabilidades e da exis-
portes e ciência e tecnologia23 . A atenção à saúde tência de experiência administrativa prévia nos go-
recebeu tratamento minucioso, com o definição vernos locais.
das linhas gerais de um sistema único24 e descen-
Ainda que a tendência geral fosse na direção
tralizado – o Sistema Único de Saúde (SUS) –
do aumento das responsabilidades dos governos
assentado em uma clara concepção de coopera-
locais, nos marcos do federalismo cooperativo a
ção entre as três esferas de governo.
descentralização significou coisas diferentes e
Durante os anos 1990, extensa produção ocorreu em ritmos diferentes, de acordo com o
legislativa – além de normas no âmbito ministerial desenho específico de cada política, com a distri-
– foi dando conteúdo aos princípios constitucio- buição prévia de competências e de recursos en-
nais. Longe de ser uma política coerente, a tre as três esferas de governo25.
descentralização foi um processo longo e espas-
O Quadro 1 sintetiza as informações sobre a
módico. Seu êxito dependeu da disposição de mi-
descentralização da educação fundamental, aten-
nistérios e agências federais de abrir mão de ca-
ção básica à saúde e assistência social. Ele revela
pacidade decisória e recursos; de sua capacidade
padrões muito diferentes de relacionamento entre
de negociação e de inovação institucional criando
as esferas de governo em cada caso.

QUADRO 1 – CARACTERÍSTICAS DA DESCENTRALIZAÇÃO EM QUATRO ÁREAS


Área/Dimensões Saúde Educação Assistência Social
Política federal de - Sim Não; depois de 1997: sim - Depois de 1994: sim
descentralização - Realocação e consolidação - Realocação e devolução
Estruturas prévias - Competências definidas e - Competências comuns - Competências comuns
exclusivas - Centralização de alguns - Centralização decisória e
- Centralização decisória e programas e recursos no go- financeira no nível federal
fi-nanceira no governo verno federal - Estados e municípios têm
federal - Estados operam redes pró- sistemas próprios
- Estados e municípios com prias de escolas, principais - Execução por associações
serviços de saúde próprios responsáveis pela oferta de voluntárias
educação básica
Resultados - Atenção básica municipal - Municipalização significati- - Municipalização de recur-
- Atenção básica desigual- va dos quatro primeiros anos sos e programas
mente municipalizada da educação, sob o Fundef - Execução por associações
- Estados e municípios com voluntárias
pólíticas próprias de descen-
tralização/desconcentração
FONTE: a autora.

23 Foi estabelecida uma concepção ampla de seguridade to caberia aos estados supervisionar os sistemas munici-
social incluindo a previdência social, a atenção a saúde e a pais, apoiar a descentralização e prover serviços, de forma
assistência social e contando com um orçamento próprio supletiva, nos municípios que ainda não possuíssem capa-
financiado por recursos orçamentários do governo federal, cidade de fazê-lo. Ao governo federal caberiam funções de
estados e municípios; pela contribuição previdenciária paga regulação e financiamento do sistema.
por empresas e empregados; e recursos provenientes de 25 As principais inovações institucionais, que propicia-
loterias.
ram incentivos adequados à transferência de responsabili-
24 Anteriormente, os serviços de saúde eram prestados dades, foram estabelecidas pela Lei Orgânica da Saúde
pelos governos federal, estaduais e municipais, por meio (1990), e especialmente a Norma Operacional Básica n.1
de redes próprias que constituíam três sistemas indepen- (NOB 01/1996) e a Norma Operacional de Assistência à
dentes. O SUS instaurou um sistema único, com responsa- Saúde n.1 (NOAS 01/2001); o Fundo para o Desenvolvi-
bilidades definidas para cada nível de governo. A atenção mento do Ensino Fundamental (FUNDEF), estabelecido
básica e formas mais complexas de atendimento deveriam por emenda constitucional e lei federal em 1997, e a Lei
progressivamente tornar-se atribuições municipais; enquan- Orgânica da Previdência Social (1993). Ver Arretche (2000)
e Almeida (2002).

37
RECENTRALIZANDO A FEDERAÇÃO?

Na área da saúde, o governo federal está no da era Cardoso no Bolsa-Família, gerido pelo Mi-
centro do arranjo cooperativo: detém o controle nistério do Desenvolvimento Social, mostra a op-
do processo decisório, definindo o formato da ção do governo Lula pela permanência de um
cooperação e a destinação dos recursos transferi- modelo centralizado na área das políticas de trans-
dos. Os municípios são executores e gestores de ferência direta de renda.
uma política definida no plano federal.
Em resumo, enquanto arranjos com diferen-
Na educação básica, o Fundo de Manutenção tes graus de descentralização e a cooperação
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de intergovernamental predominam nas áreas tradi-
Valorização do Magistério (Fundef) é um instru- cionais de política social, as novas iniciativas
mento poderoso de influência do governo federal dirigidas aos segmentos mergulhados na pobreza
sobre a municipalização do ensino fundamental, extrema re-introduziram a centralização da deci-
mas estados e municípios, ao longo do tempo, são, recursos e implementação na esfera federal.
tiveram políticas próprias, alicerçados no contro-
V. CONCLUSÕES
le sobre recursos de seus próprios orçamentos.
O Brasil é hoje uma federação mais descentra-
Na assistência social, os governos federal e
lizada do que fôra sob o autoritarismo burocráti-
estaduais são quase exclusivamente repassadores
co. A democratização trouxe consigo um movi-
de recursos, fundo a fundo, para os municípios
mento de idéias e interesses a favor da
que possuem significativa autonomia decisória e
descentralização. Partidos e lideranças políticas que
uma teia de relações com organismos não-gover-
se opuseram ao governo dos militares considera-
namentais prestadores de serviços26.
vam a descentralização uma dimensão importante
Por outro lado, desde os anos 1990, uma nova do sistema democrático. De outra parte, interes-
geração de políticas sociais – programas focaliza- ses subnacionais revelaram-se forças poderosas
dos de transferência direta de renda – ganharam durante a transição do autoritarismo para a demo-
importância. De início, eles surgiram como inici- cracia. Governadores de partidos oposicionistas
ativa de governos locais, em algumas cidades foram importantes para minar o poder dos milita-
médias e capitais de estados27. Todavia, depois res depois de 1982. Prefeitos e políticos locais
de 1998, o governo Cardoso criou seis diferentes também foram importantes na construção dos ali-
programas focalizados de transferência de renda, cerces dos partidos que construíram a democra-
todos centralizados no governo federal, ainda que cia.
sob responsabilidade de diferentes ministérios. A
Todavia, a idéia de que é no centro do sistema
criação desses programas significou uma ruptura
político que se pode discernir com mais nitidez as
com o modelo prévio de federalismo cooperativo,
soluções mais adequadas dos problemas da agen-
predominante na área social, e uma volta clara à
da pública é uma representação arraigada das eli-
formas centralizadas de prestação de benefícios
tes políticas, burocráticas e profissionais no país.
sociais. A justificativa da centralização, de acordo
Ela não é típica de um partido em particular, mas
com autoridades federais, era a busca de formas
pode ser encontrada, em maior ou menor grau,
eficientes de enfrentar a pobreza extrema, evitan-
em todos os que ocuparam o governo federal por
do a instrumentalização clientelista dos programas
mais favoráveis à descentralização que fossem
pelas elites locais.
seus discursos e suas plataformas políticas.
A experiência fracassada do Programa Fome
Assim, tendências descentralizadoras e impul-
Zero e a unificação dos seis maiores programas
sos centralizadores materializaram-se em institui-
ções que fizeram da federação um arranjo coope-
26 O governo Lula tem ensaiado mudanças na área, anun- rativo complexo, no qual governo federal, esta-
ciando sua disposição de fazer um “SUS para a Assistência dos e municípios articularam-se de maneiras di-
Social”, o que poderia implicar maior ativismo do governo versas nas diferentes áreas de ação governamen-
federal e menor autonomia para os municípios.
tal.
27 O primeiro programa de renda mínima foi estabelecido
em Campinas, sob administração do PSDB. Entretanto, a O governo federal foi importante na criação
experiência foi disseminada por administrações petistas e dos mecanismos que possibilitaram o redesenho
transformou-se em uma das principais bandeiras do PT. das relações intergovernamentais para o provimen-

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 29-40 JUN. 2005

to de serviços sociais. Ele foi também crucial para processo de recentralização. A tensão entre im-
alcançar e garantir a estabilidade da moeda e al- pulsos centralizadores e descentralizantes é
gum equilíbrio fiscal, ainda que frágil. As esco- constitutiva e sempre presente nas relações
lhas de políticas fiscais e sociais, em alguns ca- intergovernamentais na federação brasileira e pro-
sos, circunscreveram a autonomia de estados e duz diferentes resultados de acordo com a ques-
municípios. Mas elas não são suficientes para tão de política pública em pauta.
avalizar o diagnóstico de que está em curso um

Maria Hermínia Tavares de Almeida (mhbtdalm@usp.br) é Pós-doutora em Ciência Política pela University
of California e Professora Titular do Departamento de Ciência Política e do Instituto de Relações Inter-
nacionais da Universidade de São Paulo (USP).

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40
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 263-267 JUN. 2005
ABSTRACTS

Versão dos resumos para o inglês: Miriam Adelman


RE-CENTRALIZING THE FEDERATION?
Maria Hermínia Tavares de Almeida
This paper discusses contradictory movements in centralization and de-centralization by examining
two groups of policies: those that are meant to regulate fiscal relations between national and subnational
governments and those that have redefined responsibilities relating to the provision of certain social
services. It is maintained here that, from the point of view of inter-governmental relations, the
Brazilian federation is a complex arrangement within which centralizing and de-centralizing tendencies
co-exist, impelled by different forces, responding to different motivations and producing a variety of
results.
KEYWORDS: centralization; de-centralization; democratization; fiscal relations; social services.
* * *

263
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 271-276 JUN. 2005
RÉSUMÉS

Versão dos resumos para o francês: Maria Fernanda Araújo Lisboa


RECENTRALISATION DE LA FEDERATION?
Maria Hermínia Tavares de Almeida
Ce travail discute des mouvements contradictoires concernant la décentralisation et la centralisation
et examine deux ensembles de politiques: celles qui ont tâché de réglementer les relations fiscales
entre les gouvernements national et sousnationaux et celles qui ont redéfini les responsabilités en ce
qui concerne la provision de certains services sociaux. On prône ici que, du point de vue des relations
entre les gouvernements, la fédération brésilienne est un arrangement complexe où cohabitent des
tendances centralisatrices et décentralisatrices, poussées par différents forces, aux motivations
diverses et qui produisent des résultats variés.
MOTS-CLES: centralisation; décentralisation; démocratisation; relations fiscales; services sociaux.
* * *

271

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