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1.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA E JUSTIFICATIVA.
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verbalizada possui o poder de transmitir o Axé, força contida nos
ensinamento herdados de seus ancestrais.
Os sacerdotes utilizam dos oráculos de Ifá e Jogo de Búzios para
conhecer os odús, signos que contêm itans: contos milenares que
versam sobre a história da criação do mundo e dos Orixás
- divindades que simbolizam as forças da natureza, quando da
separação do mundo em Orum (mundo celeste) e Aiê (mundo material).
O texto de Verger traduz alguns destes itans relativos a Iyami
Òsòròngà, cuja tradução para a língua portuguesa é “Minha Mãe”
Osoronga.
Iyami Osoronga é proprietária de um pássaro chamado
Aragamago e de uma cabaça segundo o odú Ìrété Ogbè. (Verger;
1992:80).
Para os religiosos africanos e afro-descendentes, a representação
mais perfeita do Universo é a Cabaça: Igbadu onde estão contidos os
segredos da criação do Aiê. Odùa, Odù Lógbáje ou Iya Malé é o nome
que Osoronga possui quando torna-se sua proprietária: Mãe dos Orixás.
Outra máscara de Iyami é como anciã, a mulher sábia e
respeitável, que pode também ser chamada de Àgbà ou Igba nla: “Aos
apelos que seus filhos fizerem, ela responderá do interior da cabaça,
pois ela tornou-se idosa”. (Verger; 1994:67)
Iyami Osoronga é um dos Orixás mais antigos, possui o poder de
fecundar, fertilizar ou esterilizar conforme seu desejo. A força de Iyami é
tão poderosa e aterradora que se alguém proferir seu nome deve
colocar a ponta dos dedos no chão em sinal de respeito.
1.2 HIPÓTESES
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A escassez bibliográfica sobre o tema levou-nos a encontrar Iyami
Osoronga sob as qualidades dos Orixás femininos retratados por Pierre
Verger na Bahia e Nigéria, nos rituais nagô sobre a morte descritos por
Juana Elbein, nos rituais axexê e mitos iorubanos comentados por Prandi
e nos abiku, as crianças que nascem para morrer, pesquisados por
Augras aprofundando-nos no Candomblé – percebendo-o enquanto fator
de resistência política e cultural do negro - religião de origem africana
estabelecida no País.
Nina Rodrigues1 foi o pioneiro no estudo da questão negra no
Brasil, estudou as diferentes etnias africanas e sua religião com “um
olhar de fora”: distanciado da comunidade africana e afro-descendente
estabelecida no País.
Alertados por Marco Aurélio Luz percebemos seu pensamento
segregacionista-científico europeu, conseqüente de sua época:
“O critério científico da inferioridade da raça negra...
Para a ciência, não é esta inferioridade mais do que um fenômeno
de ordem perfeitamente natural, produto da marcha desigual do
desenvolvimento filogenético da humanidade”.
(Apud Luz; 2000:208)
Pierre Verger, Juana Elbein dos Santos, Júlio Braga, entre outros
antropólogos conhecidos, optaram por um “olhar de dentro”:
observando, participando e interagindo no universo pesquisado,
tornado-se além de especialistas, membros respeitáveis nas
comunidades pesquisadas.
“É preciso pôr-se de sobreaviso e impor-se uma vigilância consciente
a todos os instantes para não incorrer em concepções ou na utilização de
terminologia que se origine do etnocentrismo ou da falta de conhecimentos.
A revisão crítica permite destacar os elementos e valores específicos Nagô do Brasil,
como próprios e diferenciados da cultura luso-européia e constituindo
uma unidade dinâmica. É nesse sentido que insistimos tanto num enfoque
“desde dentro”, isto é, a partir da realidade cultural do grupo”.
(Elbein, 1998:20)
O estigma da cólera e desequilíbrio desta egrégora ancestral
dificultou nosso acesso a informantes, além do fato dos sacerdotes do
candomblé terem certo receio em relação aos pesquisadores e o mundo
acadêmico.
Tentamos discutir sobre o assunto em fóruns virtuais sobre
candomblé e a referência, quando nos era passada, sempre remetia a
Verger ou aos rituais Geledé na Nigéria, quando não recebíamos
mensagens alertando que tal Orixá não era assunto para Net ou que
não lidássemos com tal energia.
Em nossas estadias na cidade de Salvador, em março e julho de
2001, apenas as pessoas que nos eram muito próximas passaram
informações superficiais e truncadas sobre o assunto ou como Iyami
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Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), médico e antropólogo brasileiro, natural de
Vargem Grande, Mato Grosso, analisou os problemas do negro no Brasil com
profundidade tornando-se referência para inúmeros pesquisadores sobre o assunto.
Escreveu: As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil (1894), O animismo
fetichista dos negros da Bahia (1900) e Os Africanos no Brasil (1932).
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Osoronga atuava sobre nossa cabeça e dirigia nosso destino naquele
momento.
Percebemos em Elbein que para conseguir acesso a tais
informações ou vivências, teríamos de ser iniciados de grau
hierarquicamente superior ou “os mais velhos”, como diz o “povo de
santo”.
A persistência é um Dom das Filhas de Oxum... e o Destino levou-
nos a conhecer o Ifá-Toso Fábio Escada que muito nos ajudou com seu
material e sabedoria através de entrevistas informais.
A temporada soteropolitana permitiu-nos recolher material no
Centro de Estudos Afro Orientais da Universidade Federal da Bahia
(CEAO/UFBA), Fundação Casa de Jorge Amado, fotografar os Murais de
Carybé e por fim, termos um rápido contato com Professor Ordep Serra
que indicou-nos que estamos apenas no começo desta caminhada, pois
para aprofundarmos é necessário nos adequar ao tempo africano...
Hey Iroko I Sò I Só!
Capítulo 2:
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“Ori Buruku, Kossi Orisha!”
Frase de terreiro2
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Cabeça Ruim não dá Orixá!
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comunicação geraram a explosão das trocas culturais a partir dos anos
80.
Este novo conhecimento fez-nos perceber o planeta como um
Todo composto por seres, humanos ou não, diversos e
interdependentes dentro do sistema. A visão fragmentada de apenas
um destes aspectos na atualidade torna-se alienada da realidade.
A escola e seu sistema educacional persistem numa visão
fragmentada, descontextualizada, segregacionista, herdada do
positivismo na história ocidental. O conhecimento proposto pela escola
é separatista e analítico contrapondo-se a ligação e síntese que
organiza e resulta na reflexão dos saberes, portanto muito distante de
uma democracia cognitiva.
O saber contextualizado, globalizado tende a manifestar, usando
as palavras de Morin, “um pensamento ecologizante”, no qual todo
acontecimento, informação ou conhecimento possui uma relação de
inseparabilidade com seu meio ambiente (cultural, social, econômico,
político, etc.). Esta forma de entender e refletir mostra-nos os
acontecimentos em seu contexto, fazendo-nos perceber como este o
modifica ou o explica de outra maneira. É através deste “pensamento
ecologizante” que percebemos a diversidade – individual e cultural –
apesar da similitude da espécie humana:
“Pelo nascimento, participamos da aventura biológica; pela morte, participamos
da tragédia cósmica. O ser mais corriqueiro, o destino mais banal participa
dessa tragédia e dessa aventura”.
(Morin; 2001:36)
A aventura da vida, vista e entendida, dessa forma complexa não
comporta barreiras. Dá-se a necessidade de abrir novas fronteiras de
conhecimento, trocas e tolerância mútua. É apresentando alguns
aspectos do culto afro-descendente brasileiro que pretendemos
contribuir para estabelecer uma malha de trocas entre cultura afro e
euro-descendente.
As teorias do Caos e da Incerteza demonstraram a saga do Cosmo
que organizou-se ao desintegrar-se, aniquilando a anti-matéria pela
matéria, a autodestruição de numerosos astros, colisão de galáxias
gerando entre outras coisas um terceiro planeta numa pequena estrela,
nomeada por nós humanos de Sol.
A Ecologia, ciência recém emergida, tornou-nos conscientes da
importância do planeta Terra no cosmo, como sistema, na biosfera e
como pátria da raça humana, não como soma destes fatores, mas como
uma totalidade complexa físico-biológica e antropológica.
Na gênese africana encontramos pinceladas destas teorias no
texto de Adilson de Oxalá:
“Em um tempo imemoriável, nada mais existia além do Orum3... Lá existiam
todas as coisas que existem hoje em nosso mundo, só que de forma imaterial,
mais sútil. Tudo o que ali havia era protótipo do que temos hoje em nosso plano
existencial.”
(Ogbebara; 1998:13)
Outro mito sobre a criação do mundo narra:
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Orum é o reinos dos deuses nagô, morada de Olórun (Deus Supremo), Eboras e
espíritos de diversas hierarquias.
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No começo de tudo quando não existia a terra e tudo era céu ou água,
Olodumaré
– o Deus Supremo – percebeu que aquele não era o mundo que desejava,
que o mundo
precisava de mais vidas. Criou então sete príncipes coroados e riquezas jamais
vista, criou
uma galinha e vinte uma barras de ferro, criou também um pano preto e um
pacote imenso que
ninguém conhecia seu conteúdo, por fim, criou uma corrente de ferro muito
comprida, na qual
prendeu os tesouros e os sete príncipes e deixou cair tudo isto lá do alto no
céu.
Muito sábio jogou do céu também uma semente de igi opê3 que cresceu
rapidamente e serviu de abrigo seguro aos príncipes. Sendo comandantes por
natureza, os
príncipes precisaram se separar e cada um tomou seu destino. Antes de
partirem resolveram
dividir entre si o tesouro que Olodumaré tinha criado.
Com os seis mais velhos ficaram os búzios, as pérolas, os tecidos e tudo
que julgavam
de maior valia. Ao mais moço coube o pacote de pano preto, as vinte uma
barras de ferro e a
galinha. Os seis mais velhos partiram montados nas folhas de dendezeiro.
Oranian, o príncipe mais novo, muito curioso resolveu abrir o pacote
preto para saber
o que continha. Reparou numa substância preta desconhecida, sacudiu o pano
e deixou que
a substancia caísse na água, ao invés de afundar formou um montinho. A
galinha voou,
posou em cima, começou a ciscar e a matéria preta foi se espalhando,
espalhando, foi
crescendo, tomando o lugar da água... e assim nasceu a terra, que mais tarde
originou
os continentes. (Petrovich & Machado; 2000:62)
Em “La Méthode”, Morin afirma: “a vida só pode ter nascido de
uma mistura de
acaso e necessidade...” e esse acaso e necessidade são
metaforicamente apresentados
nestas duas estórias nas quais podemos perceber a anti-matéria
representada no Orum
ou pelo saco preto do segundo conto, pelos seis príncipes que não
ficaram na Terra, mas
partiram em folhas de dendezeiro, possível alusão a outras galáxias e
estrelas do Universo,
entre outras imagens do imaginário negro.
A prepotência positivista, duma verdade única e somente
européia, privou-nos de
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semente de dendezeiro.
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riquezas poéticas como nos contos acima referidos.
Os negros escravizados que chegaram ao Brasil trouxeram e
conservaram, veladamente, sua cultura.
A reforma para uma educação ética de pensamento ecologizante,
propostos por Morin atualmente, já faziam parte da cultura africana
como podemos perceber nos fragmentos do conto “Os sonhos do tempo
perdido” , no qual dá-se um diálogo entre Ramon, sacerdote-educador e
Onansokum, griot (contador de histórias) , um educador da cultura
africana:
“Ramon, o egípcio – Onde estão os hieróglifos da língua falada pelo seu povo? Em que papiro ou
pedra estão gravados os sinais? Onde está a escrita desse povo Yorubá?
Onansokum – No coração, Senhor emissário. Nossa escrita é guardada no coração como a própria
vida. Os sinais são os objetos sagrados. Cada objeto tem uma lenda. Cada lenda tem
história. Cada história é um mito com uma lição sagrada. E a trama da história fica
presa na cabeça, orientando o caminho de cada pessoa.
Ramon, o Egípcio – A trama da história, você quer dizer que se prende no turbante como os árabes
e os egípcios têm na cabeça?
Onansokum – A trama da história, o enredo, fica presa por dentro do Orí4. Os sinais entram pelos
olhos, pelos ouvidos e pelo corpo, porque tudo é alimento. Tudo na vida se
transforma em gente. E, tudo no mundo se transforma em símbolo de vida. É por isso
que temos nove caminhos para dentro do corpo. É pelos caminhos que os orixás
continuaram a criação dos seres humanos e a criação do mundo.
Ramon, o Egípcio – Senhor ministro, queira compreender a minha curiosidade. Como mestre de
iniciação no Cairo, devo aprender mais sobre o povo Yorubá para melhor
defender a paz junto ao Faraó. O que é que quer dizer continuar a criar os seres
humanos? Que trabalho é esse? Eles semeiam no corpo humano como os
egípcios semeiam trigo às margens do Nilo?
Onansokum – Cria-se com o canto, com as palavras, com a respiração; cria-se com a dança, cria-se
com os rituais e com os objetos sagrados. Tudo é feito de lendas e histórias. Toda a
nossa tradição é a oficina de Deus. E é por estas histórias, que se modelam os seres
humanos, à sua imagem e à sua semelhança.
Ramon, o Egípcio – Então as suas palavras querem dizer que tudo é sagrado? Divinos são o Rei, a
vida e os costumes? No Egito, só o Faraó é sagrado, só o Faraó é Deus.
Onansokum – Aqui em nossa terra, tudo que existe nela, a vida e as pessoas, tudo é sagrado.
Cantamos, dançamos, caçamos, trabalhamos e mostramos os nossos rituais como a
própria vida. E a vida para nós é sagrada. Assim é, para que as nossas crianças
aprendam a ser adultos melhores e, nosso povo jamais esqueça a lição: ‘VIVER,
TRABALHAR E AGRADECER A OLODUMARÉ É UMA E A MESMA COISA,
AXÉ, E PAZ’.”
(Petrovich & Machado; 2000:47)
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Orí, a cabeça no idioma ioruba.
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músicas, danças, ritos e dialetos africanos, enquanto espaço religioso
do Candomblé, desagregado da escola formal.
Atualmente o Ilé Axé Opô Afonjá, antiga casa de Candomblé
baiana localizada no bairro de São Gonçalo do Retiro, tem desenvolvido
um trabalho de aprendizagem cidadã através de sua escola formal
Eugênia Ana dos Santos5. Algumas Organizações Não Governamentais
também tentam através da educação não formal, o terceiro setor,
desenvolver aspectos da cidadania solidária.
E nossa escola formal?
É possível que enquanto a Escola mantiver uma visão
descontextualizada e fechada para a diversidade étnica e cultural do
País, entre outros problemas, estará muito distante da formação de uma
5
A Escola Eugênia Ana dos Santos do Ilé Axé Opô Afonjá, desenvolveu sua
metodologia fundamentada no Projeto “100 Anos de Sirê” - aprovado pela UNICEF em
1987. Pretende através do ensino (de 1ª a 4ª série), construído em sintonia com a
realidade presente no interior de sua comunidade, unir as novas tendências
pedagógicas ao pensamento tradicional da comunidade religiosa. Propõe uma filosofia
pluricultural no aprendizado enfocada na ecologia.
OBJETIVOS GERAIS: Possibilitar às crianças e jovens desta comunidade,
desenvolverem suas aptidões e potencialidades em profusão, com a pluriculturalidade
do Espaço-Terreiro.
OBJETIVOS ESPECIFICOS: Fundamentar as linguagens artísticas da Música, Artes
Cênicas, Plásticas, etc.
Reconhecer suas características específicas na nossa cultura (dos descendentes
Iorubanos) em contraponto com as poéticas de outros povos. Proporcionar ao
educando uma experimentação das atividades estudadas e sua reflexão.
Possibilitar a normatização das etapas estudadas para desenvolver futuros estudos e
pesquisas.
No processo ensino-aprendizado a integração com o meio ambiente e suas
características de preservação e conservação, suas implicações na vida cotidiana das
pessoas.
Aulas das disciplinas do núcleo comum, consideradas como laboratórios: Línguas
(linguagem): Português e Iorubá;
Matemática; História; Geografia; Ciências Biológicas; Ecologia; Atividades Artísticas
(laboratórios especifícos): Artes Cênicas, Música: (Coral Infantil), Artes Plásticas
(Pintura, Modelagem), Reciclagem de lixo (oficina permanente de papel, trabalhando
com o educando na confecção do papel e relacionando com a preservação da
natureza, seu material didático), Construção de brinquedos (com o lixo,
desencadeando na criança seu processo criativo em consonância com o meio
ambiente e suas transformações, resgatando a lúdica infantil, encontrada nos
brinquedos
confeccionados por ela própria); Laboratórios naturais: horta, criatório de animais
(local de observação do ciclo de vida dos animais mamíferos, ovíparos, de carapaça,
etc.); Museu Ohun Lailai (local onde é preservado os 84 anos da História da
Comunidade do Ilé Axé Opô Afonjá, que as crianças visitam); Sala de leitura
(Biblioteca)
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identidade nacional, que emergirá da diversidade dos povos que aqui
chegaram, pois não favorecerá uma cultura da humanidade – complexa
e diversa - que forneça conhecimentos, valores e símbolos que possam
orientar e guiar as vidas humanas.
A acumulação e quantificação de conhecimentos tornam o
aprendizado prosaico, afastando e desvalorizando o sentir, o prazer, a
criatividade e a curiosidade – qualidades tão humanas - como formas
cognitivas.
A Arte e suas manifestações foram tratadas como objeto de
consumo para os mais abastados ou relegada a um plano inferior nos
séculos passados. Uma política educacional que valoriza a produção em
massa e o desenvolvimento tecnológico, não cede espaço para a
criação, os sentimentos e a cultura humanista.
As manifestações artísticas, pontos de fuga do prosaísmo através
da catarse, exorcizam o tédio desumano do cotidiano e por outro lado
funcionam como forma de aprendizado na e para a vida. Mais do que
signos semióticos, metáforas de linguagem, tecnologia desenvolvida
para o lazer, podem alicerçar a comunicação entre os seres através da
obra de escritores e poetas, burilar o sentimento estético e tornar
reconhecível a emoção, quando percebe-se “no outro” (personagem ou
tela) nuances de nossas vidas subjetivas.
“A poesia... leva-nos à dimensão poética da existência humana. Revela que habitamos a
Terra, não só prosaicamente – sujeitos à utilidade e à funcionalidade -, mas também poeticamente
destinados ao deslumbramento, ao amor, ao êxtase... mistério, que está além do dizível”.
(Morin; 2001:45)
Na cultura afro-nagô o poético é expresso pela palavra Odara,
aquilo que é bom, que possui Axé – força, energia vital. É este Axé
contido nas danças, pinturas, orikis que religa e harmoniza os seres no
Orún e no Aiê, a Natureza e os ancestrais.
Juana Elbein dos Santos e Deoscóredes M. dos Santos (Mestre
Didi) afirmam:
“A linguagem das comunidades-terreiro nagô é um discurso sobre a experiência do
sagrado. Nos cânticos e textos pronunciados vão se revelando todos os entes e acontecimentos
passados e presentes, o conjunto inexprimível de teofanias evocadoras e restituidoras de princípios
arcaicos. A experiência da linguagem é indizível na medida que só poderá ser apreendida por si
próprio na relação interpessoal viva, incorporada em situações iniciáticas”.
(apud Luz; 2000:451)
O “mistério além do dizível” faz parte da aventura humana de
abrir-se ao Cosmo: entender a Si mesmo e ao outro, lutar contra a
tragédia da morte, compreender as forças da Natureza e suas
manifestações. Para isso precisamos fazer um Bori: alimentar nossas
cabeças... e Morin através de suas propostas nos oferece farto alimento!
Adukpé ô Baba Morin!
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Capítulo 3:
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COMUNICAÇÃO E ARTE NA CULTURA AFRICANO –
BRASILEIRA
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Sentimento de pesar e saudade da terra natal, por vezes pode também expressar a
idéia de revolta pela condição de escravo.
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A Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte reuniu as maiores
sacerdotisas do culto nagô encabeçadas por Mãe Nassô e fundaram a
primeira casa de culto dos orixás no Brasil, o Ilé Ase Airá Intilé.
“É importante observarmos que, no fim do século XVIII, nos arredores de Salvador,
já existem ilê axé, casas de culto aos orixá. E kerebetan, casa de culto aos vodun.”
(Luz; 2000:390)
Após o aparecimento das casas de culto aos orixás, surgem as
sociedades secretas, tais como Egungun, Geledé e Ogboni das quais nos
adentraremos mais adiante, haja vista tais sociedades bem como a
referida Irmandade da Boa Morte possuírem íntima ligação com nosso
objeto de estudo.
O importante é percebermos que os processos cognitivos,
artísticos e comunicacionais, bem como seu desenvolvimento e a
expansão da cultura africano-brasileira só pôde acontecer pela fé
religiosa que sempre permeou a cultura negra. É no candomblé que os
valores africanos são vivenciados aos resgatarmos as origens divinas
dos homens e dos ancestrais - fundadores das cidades na África, é
através do transe do iniciado que os deuses se manifestam através da
dança, música, canto, paramentos e vestimentas, nos quais cada signo
remete a uma qualidade ou estória ancestral num processo de semiose
quase infinito.
2
Estudados no ocidente primeiramente por Maupoil e editados sob o título La
géomancie à l´ancienne Côté de Esclaves, Paris em 1943.
3
Alegria de Ifá.
4
O sistema oracular dos búzios usado no Candomblé contêm os dezesseis odús
principais do oráculo de Ifá.
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em ritual próprio que promovia a união do mundo natural e do sobrenatural,
juntamente com a intuição psíquica introduzida em transe mediúnico leve,
que passava a abrir canais diretos de percepção do Bàbáláwo para a presença
do àsé de Òrúnmìlà, Èsú Bara, Orì e seu Olorì; já que o sacerdote jamais entraria
em transe possessivo, sendo isso, na verdade, a grande diferença entre o verdadeiro
Bàbáláwo e o Bàbálòrìsà.”
(Escada & Filho; 2001:72)
podendo depois continuar seu aprendizado para adquirir os títulos de
Bàbá Elegán, Bàbá Olosù e Bàbá Olodù quando o babalaô poderá ou não
ostentar o título de Ifá-Toso e Àwoni.
No candomblé o iniciado pode tornar-se um filho ou filha de santo
após longo período de preparação, segundo as palavras de Verger:
“a iniciação consiste em suscitar, ou melhor, em ressuscitar no noviço,
em certas circunstâncias, aspectos da personalidade escondida; aqueles
correspondentes à personalidade do ancestral divinizado, presente nele em
estado latente, inibidos e alienados pelas circunstâncias da existência levada
por ele até essa data.”
(aput Susanna Bárbara; 1995:48)
A primeira fase da iniciação consiste no borí, alimentar a cabeça,
pois é o Orí (a cabeça) que guarda o destino da pessoa, nada se faz
para orixá sem tratar antes da cabeça do iniciado. Depois é necessário
fazer o assentamento do Santo, ou seja, é preciso colocar no chão, no
plano material a energia simbólica contida no orixá do iniciado. Na
terceira fase a ialorixá prevê se o abiã deve ou não ser raspado, a partir
daí começa a iniciação propriamente dita, o abiã deve ficar recluso por
dezessete dias para, através de beberagens e rituais secretos, entrar
em contato com a energia do orixá que será fixada tal qual uma coroa
em sua cabeça, tornando-se adoxu ou iaô (mulher de orixá). Concluída a
terceira fase, o iniciado deve fazer suas obrigações de três e sete anos
para alcançar a condição de ebômi. Durante esse período os cantos,
toques, danças, rezas e uso das plantas de forma ritual ou medicinal
são aprendidos.
Hall sugere que tal aprendizagem acontece em unidades globais,
que se inserem em um contexto de situações e podem ser memorizadas
como conjuntos. (Susanna Bárbara; 1995:52)
O fato é que o aprendizado no candomblé dá-se de forma não
sistemática, porém através da observação, participação e vivência dos
ritos de passagem e das cerimônias e festas existentes no ilê.
“Através da iniciação e de sua experiência no seio da comunidade,
os integrantes vivem e absorvem os princípios do sistema. A atividade
ritual engendra uma série de outras atividades: música, dança, canto e recitação,
arte e artesanato, cozinha etc., que integram o sistema de valores, a gestalt
e a cosmovisão africana do ‘terreiro’.”
(Elbein; 1998:38)
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A dança africana possui sete dimensões estéticas que podem ser
percebidas inclusive em técnicas modernas que se inspiraram na dança
tradicional:
o POLIRRITMIA – mostra que cada parte do corpo movimenta-se
com um ritmo e com uma forma diferente, proporcionando o
conhecimento do ritmo próprio e variante de cada aspecto da
natureza.
o POLICENTRISMO – indica que há vários centros no corpo humano
que dão impulso à dança, assim como no Universo existem vários
centros energéticos.
o CURVILINEARIDADE – encontrada em várias danças e em vários
movimentos, uma vez que ao círculo é conferido o poder
sobrenatural, criando a estabilidade fora do tempo.
o DIMENSIONALIDADE – é entendida como a possibilidade de
exprimir as várias camadas dos sentidos: olhar, ouvir que seria o
lado externo dos movimentos ligados com uma outra dimensão
mais interna e espiritual, sintetizada pela parte central do corpo.
o REPETIÇÃO – como forma de intensificar e provocar o caráter de
atemporalidade, quando o gesto permanece o mesmo apesar do
passar dos anos, e de continuação destes gestos no futuro.
o ASPECTO HOLÍSTICO – na dança os movimentos, as partes do
corpo utilizadas, as roupas vestidas, a música, cada elemento têm
um sentido próprio, porém juntos simbolizam algo outro. Uma
dança realizada para uma simples diversão também pode remeter
a outra coisa, numa corrente simbólica infinita.
o MEMÓRIA ÉPICA – é a história da tradição e da antiga harmonia da
natureza, da época na qual não existiam diferenças, nem
separações. Memória que têm que ser lembrada e fortalecida.
(Asante; 1996:71)
A dança tradicional africana gerou técnicas precisas de
aprendizado na dança como a
técnica de Katherine Dunham - baseada no folclore haitiano, Mundalai, o
Jazz Norte-Americano e o Street Dance.
No Brasil, a dança negra não está mais vinculada apenas ao
Candomblé. A capoeira, samba, axé, os blocos de afoxé e carnavalescos
bebem nas águas da dança tradicional e religiosa africana.
A Profa. Dra. Inaicira Falcão da UNICAMP e coreógrafos como
Pederneiras do Grupo Corpo em Benguelê, Firmino Pitanga com a Cia.
Batá Kotô e Álvaro Juvenal com o grupo Okum têm pesquisado e
anexado a dança tradicional negra aspectos da dança contemporânea,
visando uma estética da dança brasileira e ao nosso ver têm obtido
bons resultados.
A dança no candomblé é um dos caminhos que reintegra a
energia cósmica do devoto ao seu Orixá de origem, portanto ao Orum,
morada dos deuses que um dia de lá partiram para criar o nosso
mundo, o Aiê.
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Capítulo 4:
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Alabaxé, o Senhor que possui a poder da realização, para que possa
insuflar o sopro da divindade no homem.
Explica-lhe o Mais Antigo dos Antigos que a criação no Aiê ainda
não estava completa, faltava criar um ser imagem e semelhança dos
Orixás. Tal criatura deveria ter um corpo divinizado, que seria criado por
Baba Ajalá – o artesão divino - e um corpo material modelado com lama
de Odùa. O homem possuiria então um corpo físico proveniente da
matéria da qual cada Orixá detinha o poder e um corpo sutil que
retornaria ao Orum após a morte no Aiê.
Obatalá junto as criaturas modeladas por Ajalá rumaram para a
Terra.
Odudua soube através de Exú que seu irmão estava rumando
para o Aiê junto a criaturas diferentes e enviou Exú como seu
embaixador para saber as intenções de Oxalá. Em seguida foi consultar
Orunmilá e sob sua orientação foi instruída a encontrar seu irmão
sozinha e levar consigo a grande cabaça na qual guardara as pequenas
cabacinhas do dia da criação do Aiê, deveria convencer o Primogênito a
cultuar a cabaça e fazer um sacrifício de quatrocentos igbins.
A Mãe de Vestes Negras e o Senhor de Brancas Vestes
encontraram-se e depois de muitas discussões chegaram ao tal acordo,
então Odùa pegou a grande cabaça e juntou suas duas partes. A parte
de cima foi pintada de branco, representando a origem divina da criação
e a debaixo foi pintada de preto, representando o mundo material. A
grande cabaça recebeu o nome de Igbadú e dentro dela estão reunidos
todos os segredos pertinentes a criação do Universo. Obatalá tomou
Odùa como esposa e assim o destino da criação do homem foi selado.
A lama para a confecção do corpo material do homem foi tirada
por Ikú, que desde então ficou encarregado de devolver o homem a
terra de onde veio, não podendo o Orixá jamais fixar-se em algum lugar
do planeta. A Olugama foi dada a tarefa de modelar o corpo humano
com material idêntico aos corpos confeccionados por Ajalá no Orum.
Depois de tudo pronto Oxalá soprou o EMI sobre eles e transformaram-
se em Ara-aiyés, homens e mulheres que povoaram a terra e
procriaram... seguiu-se um longo tempo de paz.
Obatalá e seu séquito estabeleceram-se num lugar chamado
Idítaa, construindo ali uma grande cidade cercada por muralhas. Odùa
fundou Ilé Ifé, a Terra do Amor (Nigéria).
4.3 DIVERGÊNCIAS
23
Aiê. Nesta versão Orunmilá têm o papel fundamental de mediador,
equilibrando e apascentando as divergências entre os irmãos para que o
Universo possa continuar a existir. (Elbein; 1998:60)
Uma versão da Gênese africana3 narra que Olorum - um
aglomerado de ar – ao iniciar seu manso movimento converteu-se em
água e gerou Orixalá. Da conjunção do ar e da água originou-se a lama,
Odudua. A lama gerou uma bolha que recebeu o sopro de Oxalá
transformando-se na primeva forma individualizada, o primeiro nascido
na existência: Exú Yangi.
Uma versão recolhida por Prandi (2001:380) concede a Iemanjá o
papel de genitora ancestral:
“Olodumare-Olofim vivia só no Infinito,
cercado apenas de fogo, chamas e vapores,
onde quase nem podia caminhar.
Cansado desse seu universo tenebroso,
cansado de não ter com quem falar,
cansado de não ter com quem brigar,
decidiu pôr fim àquela situação.
Libertou as suas forças e a violência
delas fez jorrar uma tormenta de águas.
As águas debateram-se com rochas que nasciam
e abriram no chão profundas e grandes cavidades.
A água encheu as fendas ocas,
fazendo-se mares e oceanos,
em cujas profundezas Olocum foi habitar.
Do que sobrou da inundação se fez a terra.
Na superfície do mar, junto à terra,
ali tomou seu reino Iemanjá,
com suas algas e estrelas-do-mar,
peixes, corais, conchas, madrepérolas.
Ali nasceu Iemanjá em prata e azul,
coroada pelo arco-íris Oxumarê.
Olodumare e Iemanjá, a mãe dos orixás,
dominaram o fogo no fundo da Terra
e o entregaram ao poder de Aganju, o mestre dos vulcões,
por onde ainda respira o fogo aprisionado.
O fogo que se consumia na superfície do mundo eles apagaram
e com suas cinzas Orixá Ocô fertilizou os campos,
propiciando o nascimento de ervas, frutos,
árvores, bosques, florestas,
que se foram dados aos cuidados de Ossaim.
Nos lugares onde as cinzas foram escassas,
nasceram os pântanos e nos pântanos, a peste,
que foi doada pela mãe dos orixás ao filho Omulu.
Iemanjá encantou-se com a Terra
e a enfeitou com rios, cascatas e lagoas.
Assim surgiu Oxum, dona das águas doces.
Quando tudo estava feito
e cada natureza se encontrava na posse de um dos filhos de Iemanjá,
Obatalá, respondendo diretamente às ordens de Olorum,
criou o ser humano.
E o ser humano povoou a Terra.
E os orixás pelos humanos foram celebrados.”
3
Recitada e traduzida por David Agboola Adenjii para Juana Elbein (1998:59).
24
4.4 CONSIDERAÇÕES METAFÍSICAS.
Capítulo 5:
____________________
8
Os portadores do Axé são: o sangue branco, vermelho e preto encontrados nos reinos
mineral, vegetal e animal. O sangue branco compreende as secreções, seiva de
plantas, prata, sais minerais, etc. O sangue vermelho equivale ao sangue humano ou
animal, azeite de dendê, mel, o cobre, etc. O sangue preto as cinzas, sumo escuro de
vegetais, carvão, etc.
26
A palavra Iyami é iorubana e traduzida significa Minha Mãe,
portanto reporta-se aos Irunmalês da Esquerda ou Eboras, genitoras de
toda a raça humana, nossas mães ancestrais.
Através dos mitos recolhidos percebemos as várias faces das
divindades femininas individualizadas. Notamos que algumas dessas
estórias são muito antigas, possivelmente do período neolítico,
anteriores a descoberta do papel masculino na procriação, haja vista
muitas deusas terem concebidos seus filhos através de ebós (sacrifícios
ou oferendas) ou simplesmente serem filhos só da mãe com uma
entidade sobrenatural, normalmente Obatalá.
O antropólogo Jacques Dupuis (1989:12) ao comparar várias
mitologias afirma-nos sobre o papel da mulher na Proto-História:
“As mulheres eram então consideradas depositárias de uma ciência oculta,
transmitida desde tempos imemoriais até as últimas gerações de magas.”
O poder divino que as orixás possuem e como o usam, estão
ligados aos portadores do Axé: a água através do líquido amniótico
(sangue branco), o fogo através do sangue menstrual (sangue
vermelho) e a terra através do óvulo e da placenta (sangue preto), daí
sua ligação com a feitiçaria.
27
5.1 IYAMI AKÒKO: OXUM
1
Babalaô ou Babalawo (ioruba; de Baba, pai e Awo, segredo; portanto Pai do segredo).
Sacerdote do culto de Ifá.
2
Ossaim ou Ossanhã, orixá das folhas e ervas.
28
paixão, pediu a seu amigo Exú que visitasse Iemanjá e verificasse se a
menina possuía algum sinal na cabeça. O astuto Exú viu na cabeça da
menina o sinal de Orunmilá e a levou para ser criada pelo pai.
Orgulhoso da criança satisfez todas as suas vontades. Oxum, a filha
querida de Orunmilá, cresceu vaidosa e caprichosa. (Prandi; 2001:320).
Elbein (1998: 85) afirma ser Oxum a Grande Mãe Ancestral
Suprema:
“No tempo as criação, quando Òsun estava vindo das profundezas do òrun,
Olódùmaré confiou-lhe o poder de zelar por cada uma das crianças criadas
por Òrìsà que iriam nascer na terra. Òsun seria a provedora de crianças.
Ela deveria fazer com que as crianças permanecessem no ventre de suas mães,
assegurando-lhes medicamentos e tratamentos apropriados para evitar abortos
e contratempos antes do nascimento; mesmo depois de nascida a criança,
até ela não estar dotada de razão e não estar falando sua língua, o
desenvolvimento e a obtenção de sua inteligência estariam sob o cuidado de Òsun.”
É nítido na narrativa acima seu poder de Iyami Akòko, haja vista as
crianças serem Eboras filhos, primeiros habitantes do Aiyé
representados também nas penas de ekodidé. Outras lendas narram
que Oxum criou Oyá e os Ibejis (conhecidos vulgarmente como Cosme e
Damião), filhos de Iansã, porém a grandeza de seu terrível poder e a
íntima relação que possui com a fertilidade é notado no itan referente
ao nascimento do odú Osetuá, encontrado em Verger (1997:174),
Ogbebara
(1998: 63), Elbein (1998:150) e Prandi (2001: 345).
No início dos tempos quando os Orixás criaram o Aiê, os Irunmalês
da Direita reuniam-se para discutir e tomar decisões secretas sobre o
planeta e vedavam as Orixás mulheres participarem de tais
assembléias. A formosa Oxum inconformada com tal atitude resolveu
vingar-se usando seus poderes de Iyami Ajé: rogou uma praga deixando
as mulheres e fêmeas que habitavam o Aiê estéreis e de nada valiam as
tentativas masculinas de procriação - sem a magia feminina nenhuma
vida humana poderia fecundar e toda vida sobre a Terra iria extinguir-
se.
Os Orixás masculinos foram consultar Olodumaré preocupados
que estavam com sua descendência. O Pai de Todos soube da confraria
masculina, da exclusão das mulheres nas decisões e da atitude de
Oxum. Aconselhou os Orixás a pedirem desculpas a ela, pois Iyami
Akòko é a Senhora Geradora da Vida, Feiticeira e Mãe Ancestral
Suprema. Ainda ressentida Iyami Ajé respondeu que só retiraria tal
praga se a criança gerada em suas entranhas fosse do sexo masculino.
Os Orixás a conselho de Orunmilá estenderam seu axé ao ventre de
Oxum que pariu um menino gerado pela magia: Akin Osó, o grande
feiticeiro. Batizado por Ifá tornou-se o décimo sétimo odú: Osetua.
Como Senhora das Águas Doces transformou-se em peixe para
firmar um pacto com Laro, primeiro Rei de Oxogbô, para que sua
descendência fosse próspera e seu reinado feliz (Verger; 1997:175),
portanto representa também um peixe mítico e todos os peixes são
considerados seus filhos.
É a senhora do ekodidé, uma representação dos Eboras filhos
como percebemos nesta lenda:
29
Oxalá sendo um Orixá Branco, têm por ewó (proibição) o sangue.
Uma de suas mulheres, filha de Oxum, tinha por obrigação cuidar dos
paramentos e ferramentas do Senhor da Paz. As outras duas mulheres
com inveja da esposa dedicada resolveram prejudicar sua rival criando
varias situações, porém a filha de Oxum resolveu bem todas elas,
inclusive a da coroa de Oxalá que foi jogada no mar e depois
encontrada na barriga do peixe que ela comprou. Não desistindo, as
invejosas armaram um derradeiro golpe, durante a festa de Oxalá
quando a filha de Oxum levantou-se para pegar a coroa do Rei, as
invejosas colocaram um preparado mágico no assento. Ao sentar-se a
esposa preferida sentiu algo quente e pegajoso...era sangue, a única
proibição do Orixá. Oxalá expulsou-a do castelo.
Com misericórdia de sua filha, Oxum recolheu-a e dela tratou
banhando-a e vestindo-a. Ao ir limpar a bacia do banho, a poderosa
mãe dos segredos percebeu que não havia mais sangue, só penas de
um raríssimo papagaio-da-costa africano, penas edidé (ou ekodidé).
Essas penas eram tão raras que o próprio Oxalá não as possuía. A sábia
Mãe enfeitou sua filha com as preciosas penas e fê-la participar das
festas. O Senhor da Paz sabendo que Oxum era proprietária de tais
penas foi até sua casa e lá encontrou sua esposa, que foi perdoada e
em homenagem a esse episódio o único paramento vermelho de Oxalá
é a pena do ekodidé. (Prandi; 2001:329)
No livro Por que Oxalá usa ekodidé, existem pequenas
divergências do conto acima, a protagonista têm nome Omon Oxum. Ela
é uma senhora que possui uma filha adotiva que ajuda a destrinchar o
sumiço da coroa de Oxalá. Três são as mulheres invejosas e o sangue
que escorre de Omon Oxum é fruto de seu esforço para ficar em pé
perante o Rei – apesar da clara alusão ao sangue menstrual. Omon
Oxum após sair do castelo de Oxalá pede auxilio a Exú, Ogum e Oxóssi
– notemos que todos são Orixás masculinos e sendo homens não
conhecem o sangue menstrual - que nada fazem. Oxum a acolhe e das
feridas de Omon Oxum saem as penas de ekodidé. O desenrolar dos
fatos é igual em ambos os mitos. (Santos:1997)
Oxum é Eleyê, Mãe que detêm o poder de transformar-se em
pássaro. Metamorfoseou-se num pombo para fugir da clausura imposta
por Xangô. (Prandi; 2001:332)
Um mito cubano conta que os Orixás pretendiam destronar
Olodumaré. Olorum sabendo de tal heresia tornou a terra seca fazendo
com que não chovesse no Aiê. A Ajé transformou-se num pavão e
resolveu ir a Olodumaré, que morava no Orum, levar o pedido dos já
arrependidos Orixás. Todos os Orixás dela zombaram: como poderia tão
frágil criatura chegar ao Pai?
Determinada, Oxum começou a voar e subir cada vez mais alto no
céu, o Sol queimou-lhe as belas asas coloridas tornando-as negras e da
sua cabeça enfeitada nada restou, mas ela não desistia e subia cada
vez mais alto até que chegou ao Orum. Olorum compadecido perante
tal sacrifício perdoou os Orixás, os homens e deu para Oxum,
transformada num abutre, a chuva que fertiliza a Terra. Fez do abutre
30
seu mensageiro, pois só ele pode voar até a infindável distância de
Olodumaré. (Prandi; 2001:341)
Com este relato mais uma vez reafirmamos a ligação de Oxum
com a fertilidade e continuidade da vida, descendência priorizada pelos
africanos e afro-descendentes. O ovo das aves, célula geradora de vida
é seu símbolo, bem como de todas as Iyami Agba.
Notamos que a partir de seu nascimento possui o poder do
sangue vermelho da menstruação, da fertilidade e do parto. Protetora
das grávidas e das crianças recém nascidas é conhecida como Olutóju
Awón Omó, senhora que vigia e guarda todas as crianças e Alàwòyè
omo, mãe que cura as crianças.
O conhecimento sobre o destino dos homens e dos deuses era
vedado às mulheres, apenas os babalaôs podiam jogar o Opelé Ifá, as
mulheres puderam aprender os odús principais para poderem cultuar os
Orixás graças a Oxum. Em conto citado por Prandi (2001:337)
encontramos a seguinte versão:
Obatalá tendo aprendido com Orunmilá os jogos que podem ver o
destino de cada Ser, foi banhar-se no rio. Exú que por ali passava, muito
brincalhão roubou as roupas do Rei e saiu. Oxum que pelos rios andava
vendo o Rei em situação tão delicada resolveu ajudá-lo. O Rei Nú
conhecendo muito bem o gênio do alegre Exú desdenhou do poder da
Doce Senhora em conseguir convencê-lo a devolver suas roupas, a
determinada Oxum então fez um pacto com o Poderoso Orixá.
31
consultada nos grandes momentos de discórdias nas comunidades
africanas.
Oxum representa Nossa Mãe Ancestral Suprema esta associada a
Iyami Agba, as veneráveis mães e Iyami Ajé, as mães da fortuna e da
felicidade.
“Ê ê ê epa, Oiá ô.
Grande mãe.
Iá, ô.
Beleza preta
No ventre do vento.
Dona do vento que desgrenha as brenhas
Dona do vento que despenteia os campos
Dona de minha cabeça
Amor de Xangô...
Toma conta de mim.”
(Risério; 1996:148)
32
e soprava em direção da casa de Ogum, “E o povo se acostumou com o sopro de Oyá
cruzando os ares e logo o chamou de vento”. A guerra piorava e Iansã assoprava cada
vez mais forte “Tão forte que destruía tudo no caminho, levando casas, arrancando árvores, arrasando
cidades e aldeias. O povo reconhecia o sopro destrutivo de Oya e o povo chamava isso de tempestade”.
(Prandi; 2001: 304)
O marido vermelho de Oiá é Xangô, que possui entre suas
qualidades o Fogo, assim sendo, Oiá torna-se o princípio feminino do
fogo:
“Foi a primeira mulher de Xangô e tinha um temperamento ardente e impetuoso.
Conta uma lenda que Xangô enviou-a em missão na terra dos baribas, afim de
buscar um preparado que, uma vez ingerido, lhe permitiria lançar fogo e chamas
pela boca e pelo nariz. Oiá desobedecendo às instruções do esposo, experimentou
esse preparado, tornando-se também capaz de cuspir fogo, para grande desgosto
de Xangô, que desejava guardar só para si esse terrível poder”.
(Verger;1997:168)
Ogbebara (1998:115) afirma que Obá foi a primeira esposa de
Xangô, Oiá sua segunda esposa e Oxum a terceira:
“Primeiro é necessário que conquistes o amor de Obá.
Depois deves casar-te oficialmente com ela...
Isto feito, deverás casar-te oficialmente, com outras duas Iabás...”
Como Obá representa o princípio arcaico do fogo e também é
patrona ancestre dos egunguns, como veremos adiante, concordamos
com a coerência na afirmação de Ogbebara.
Outra estória conta que Oiá queria ser mãe, mas não conseguia
engravidar. Xangô estuprou-a e dessa violência nasceram os oitos filhos
da Iabá, porém seus filhos eram mudos. A mãe dos ventos fez oferendas
e tempos depois nasceu seu nono filho que não era mudo, contudo
possuía uma voz gutural, grave, profunda...
“Esse filho foi Egungum, o antepassado que fundou cada família.
Foi Egungum, o ancestral que fundou cada cidade.
Hoje, quando Egungum volta para dançar entre seus descendentes,
usando suas ricas máscaras e roupas coloridas,
somente diante de uma mulher ele se curva.
Somente diante de Oiá se curva Egungum”.
(Prandi; 2001:309)
Soberana entre os mortos e os ancestrais como Oiá Igbalé, a Iansã
do oriki ìya-mesan-òrun3. É homenageada também como
“Alákòko, dona do òpákòko, tronco ou ramo da árvore akòko;
tronco ritual que liga os 9 espaços do orun ao aiyé”.
(Elbein; 1998:58).
Iansã também domina a magia, têm o poder de transformar-se em
búfalo e elefante, conforme nos afirmam duas estórias.
No primeiro episódio Ogum estava a caçando quando avistou um
búfalo, enquanto se preparava para abatê-lo, o búfalo transformou-se
numa linda mulher. Sem perceber que estava sendo observada Oiá
escondeu a pele do búfalo na mata e saiu para o mercado. Ogum
enamorado de tal beleza pegou para si a pele e correu a pedir Iansã em
casamento.
Ela recusou e fugiu para o mato atrás de sua pele. Nada
encontrando e desconfiada de Ogum ter escondido sua pele, aceitou o
pedido de casamento, porém impôs uma condição: que ninguém
3
Mãe dos nove espaços do Orum.
33
soubesse sobre seu lado animal. Tempo depois, embriagado, Ogum
contou a suas outras esposas o segredo de Oiá. Numa ausência de
Ogum, suas concubinas tripudiaram Iansã com canções que aludiam ao
seu lado animal e sobre o esconderijo da pele do búfalo. Oiá
encontrando sua pele transformou-se novamente em búfalo fugindo de
Ogum, matando as outras esposas dele e deixando seus chifres para
que seus filhos os esfregassem quando em perigo, pois assim ela viria
ajudá-los. (Verger; 1997:169)
No segundo caso Oiá para fugir do assédio de Odulecê, seu pai
adotivo, fugiu de casa desesperada. Tal infortúnio trouxe a tona seus
poderes:
“ e ela transformou-se em pedra,
em madeira e em cacho de dendê.
Mas seu pai continuava a perseguição.
Desesperada, Oiá transforma-se num grande elefante branco,
que atacou Odulecê...”
(Prandi; 2001:302)
Iansã é guerreira e companheira, a mãe que não abandona seus
filhos nos momentos de aflição, porém quando percebe-se lograda usa
seus poderes de feiticeira para punir aqueles que causaram tais
malefícios a si ou a seus filhos.
34
angustiante – perguntou Xangô.
- Deves conquistar o amor de Obá. Ela não conhece o amor, jamais foi
cortejada por qualquer homem e, tenho certeza, de que não resistirá aos
teus encantos – explicou Orumilá... Depois deve casar-te oficialmente com ela...”
Outra discordância é encontrada em Verger (1997:186), que
afirma ser Obá a terceira e mais velha esposa de Xangô.
“... foi a terceira mulher de Xangô. Como as duas primeiras, Oiá e Oxum,
ela foi também mulher de Ogum segundo uma lenda de Ifá...”
A lenda a qual Verger se refere é a mesma citada por Prandi, que
transcrevemos no segundo parágrafo.
Obá é o princípio arcaico do fogo que precisou ser dominado para
a raça humana constituir-se numa sociedade organizada.
O episódio mais conhecido da Iabá é o da perda de sua orelha.
Obá percebendo que Xangô não a procurava pede a Oxum que lhe
ensine uma forma de reconquistar a atenção do poderoso Rei. A Iá dos
feitiços, por troça, diz a ela para fazer uma comida preparada com sua
orelha, pois assim conseguiria a preferência de Xangô. Ingênua, segue à
risca as instruções de Oxum. Ao servir tal iguaria, seu marido
percebendo tamanha excentricidade sente-se ofendido e a expulsa de
seu palácio. Enganada por Oxum, humilhada e banida por Xangô, Obá
fugiu para as margens do rio, passando a nutrir um ódio por si mesma e
por todos. A única razão de viver era a esperança de um dia reconciliar-
se com Xangô.
Num dia de tempestade, depois da morte de Xangô, Obá atirou-se
num tronco em chamas que fora atingido por um raio sendo totalmente
consumida pelo fogo, retornando ao Orún de mãos dadas com Xangô e
Oiá.
“Obá, sacrificando-se no fogo, renovava os votos de união eterna com seu grande amor”.
Ogbebara (1998:167)
Obá é Iyá Egbe, senhora dos espíritos ancestrais femininos e líder
da sociedade secreta
Eleeko, conforme Elbein:
“Pouco se sabe sobre a sociedade E’lèèkò. Assim como Odùa, Òsun, Yémánjá
e Nàná encabeçam a sociedade Gèlèdè, Obà encabeça a sociedade E’lèèkò.
Não temos conhecimento da existência de um tal egbé no Brasil, se bem que
seu título principal de Ìyá-egbé é o que ostenta a chefe de comunidade feminina
nos ‘terreiros’ lésé egún.
Por outro lado, Obà, representação coletiva dos ancestres femininos venerados
nessa sociedade, é cultuada nos ‘terreiros’ lésè òrìsà.”
(Elbein; 1998:117)
Ou seja, Iyá Egbe é o título supremo dado às mulheres no culto
Egungum4.
Ogbebara (1998:106) cita Obá como fundadora da ordem secreta
Geledé relatando:
“Obá, embora não fosse diretamente atingida pelos acontecimentos, na medida
em que não se submetera jamais a qualquer homem, pressentia o perigo que
ameaçava a posição da mulher dentro da sociedade e, por este motivo, resolveu
4
Culto aos mortos, aos ancestrais. Os Egungun ou Eguns possuem um culto separado
do candomblé, os terreiros mais famosos foram fundados por volta do início do século
XIX, são eles: terreiro de Vera Cruz, Terreiro de Mocambo, Terreiro de Encarnação e
Terreiro de Tuntun. (Elbein; 1998:119)
35
criar um grupo denominado Egbe Guélédé...”
Para Elbein e Luz a sociedade Eleeko não existiu no Brasil:
“Orixá guerreira, ela é também considerada patrona da sociedade secreta feminina
Eleeko, da qual não temos conhecimento que tenha existido no Brasil.”
(Luz; 2000:63)
e a divergência entre autores abre uma lacuna que leva-nos a supor que
Ogbebara ou Baba Adilson de Oxalá possua informações diferenciadas
de pesquisa.
Danças e cantigas caracterizam-na como guardiã da esquerda,
conforme a letra da canção que abre este sub título.
36
monstruosos e geraram dois rios que depois de unidos formaram uma
lagoa. Seu ventre inchado rompeu-se e dele nasceram:
“Dadá, deusa dos vegetais,
Xangô, deus do trovão,
Ogum, deus do ferro e da guerra,
Olocum, divindade do mar,
Olossá, deusa dos lagos,
Oiá, deusa do rio Níger,
Oxum, deusa do rio Oxum,
Obá, deusa do rio Obá,
Ocô, orixá da agricultura,
Oxóssi, orixá dos caçadores,
Oquê, deus das montanhas,
Ajê Xalugá, orixá da saúde,
Xapanã, deus da varíola,
Orum, o Sol,
Oxu, a Lua .”
(Nina Rodrigues, 1934: 222)
37
Outros mitos revelam-nos que Iemanjá era filha de Olocum6 e
esposa de Olofim, Rei de Ifé, dessa união nasceram dez filhos dentre os
quais Oxumaré e Xangô7. Cansada da vida em Ifé resolveu viajar para o
oeste, porém Olofim mandou um exército atrás dela. Cercada, lembrou-
se de um frasco que ganhara para usar numa emergência conforme lhe
dissera sua mãe. A Iabá quebrou o recipiente e um rio apareceu
imediatamente transportando-a para Ocum, o reino de sua mãe.
(Verger; 1997:190)
Elbein (1998:90) e Luz (2000:67) informam-nos que Iemanjá foi
esposa Oranian8 e geraram Xangô, todavia veremos noutra lenda que a
maternidade biológica do Orixá do Fogo pertence a Euá, sendo Iemanjá
sua mãe adotiva.
Iemanjá, a última líder Geledé, foi traída por Exú e violentada por
Obatalá que deixou-a desfalecida na relva, ao acordar
“sentiu tamanho asco, que, transformando-se num rio, retornou, por seu leito,
ao reino de seu pai, no oceano. Este rio existe até hoje em terras iorubás,
chama-se Odo Ogun... e desta maneira abandonou a forma humana”.
(Ogbebara; 1998: 132)
Iemanjá é Iyami Ajé. Possui o poder de transformar-se em peixe e
água, suas lendas mostram seu poder de gerar ou, como nessa
lenda cubana, de destruir:
“ Iemanjá era uma rainha poderosa e sábia.
Tinha sete filhos
e o primogênito era seu predileto.
Era um negro bonito e com o Dom da palavra.
As mulheres caíam a seus pés.
Os homens e os deuses o invejavam.
Tanto fizeram e tanta calúnia levantaram contra o filho de Iemanjá
que provocaram a desconfiança de seu próprio pai.
Acusaram-no de haver planejado a morte do pai, o rei,
e pediram ao rei que o condenasse à morte.
Iemanjá Sabá explodiu em ira.
Tentou de todas as formas aliviar seu filho da sentença,
mas os homens não ouviram suas súplicas.
E essa primeira humanidade conheceu o preço de sua vingança.
Iemanjá disse que os homens
só habitariam a Terra enquanto ela quisesse.
Como eles a fizeram perder o filho amado,
suas águas salgadas invadiriam a terra.
E da água doce a humanidade não mais provaria.
Assim fez Iemanjá.
E a primeira humanidade foi destruída”.
(Prandi; 2001:386)
5.5 OTIM
6
Entidade soberana do mar, considerado Deus em Benin e deusa em Ifé. (Verger;
1997:190)
7
O arco-íris e o fogo.
8
Oranian é descendente de Oduduwa, fundador do reino de Oió.
38
Encontramos em Prandi dois mitos relativos a Otim, no primeiro
possui o gênero feminino, no outro masculino, porém em ambos os
mitos está envolvida com Odé (Orixá Caçador).
Filha do Rei Oquê da cidade de Otã, Otim nasceu com quatro
seios. Devido seu segredo: a anomalia que nasceu, saiu de sua cidade
natal e foi morar em Igbadô.
Um caçador por ela enamorou-se e quis desposá-la. Após muitas
negativas ao pedido, Otim cedeu ao pedido do caçador, mas impôs-lhe
a condição de que nunca comentasse sobre sua anomalia, o caçador
aceitou e também lhe impôs uma condição: que ela jamais colocasse
mel em sua comida.
As outras esposas de Odé enciumadas pela preferência dele por
Otim engendraram uma armadilha, enquanto Otim cozinhava
desviaram-lhe a atenção e encheram de mel a refeição que fazia para
Odé. Quando o caçador sentiu o gosto de mel, amaldiçoou Otim e
contou a todos seu segredo. Magoada fugiu para o palácio de seu pai e
este pediu para que partisse, pois as notícias chegariam rapidamente.
Otim desesperada fugiu pela floresta e Oquê arrependido saiu em seu
encalço, ao tropeçar numa pedra Otim transformou-se num rio, seu pai
transformou-se numa montanha para impedi-la de chegar ao mar, mas
de nada adiantou. O rio contornou a montanha e seguiu seu curso. Até
hoje o rio (Otim) e a montanha (Oquê) são cultuados em Otã. (Prandi;
2001:144)
Em outro mito Otim é um rapaz sorumbático, infeliz que um dia
resolveu fugir do palácio e ir para a floresta. Ao dormir sonhou que um
caçador dizia-lhe que deveria fazer um ebó entregando sua faca e suas
roupas. Acordando assustado entregou suas roupas e sua faca perto de
um riacho. Neste momento tudo que Otim escondera ficara exposto: seu
corpo de donzela. Oxóssi surgiu na mata e viu Otim, cobriu-lhe,
alimentou-o e ensinou-lhe os segredos da floresta e da caça. Tornaram-
se grandes amigos e Oxóssi nunca contou seu segredo a ninguém.
(Prandi; 2001:147)
39
Euá é filha de Nanã e Obatalá, portanto irmã de Oxumaré e
Obaluaê.
Iabá das transformações da água em estado gasoso ou sólido, é
ela quem domina as metamorfoses lentas ou rápidas na natureza.
“Ela é quem gera as nuvens e a chuva; quando olhamos para o céu e vemos
as nuvens formando figuras de animais, pessoas ou objetos, não damos muita
importância por achar que aquilo é coisa da imaginação – estamos enganados,
pois ali está Ewá, ela é quem cria essas diferentes formas.”
(Escada & Filho; 2001:147)
Bela, casta, inteligente e solitária, guarda o segredo do anoitecer
no horizonte.
Afirma uma lenda que Nanã preocupada com a solidão de sua
filha pediu a Orunmilá que lhe arranjasse um marido. Euá não queria
casar e pediu ajuda a Oxumaré que de bom grado a escondeu onde
termina o arco de seu corpo, tornando-se ambos companheiros e
inacessíveis no horizonte.(Prandi; 2001:238)
Uma variante dessa lenda reza que Nanã não ofereceu os
sacrifícios necessários para obter tal casamento. Muitos príncipes
apareceram e começaram a brigar até a morte para conquistar Euá,
mas ela não conseguia escolher um pretendente. Triste por tanto
sangue derramado procurou Orunmilá que aconselhou-a a fazer ebós
para apaziguar tal situação. Após fazer as oferendas Euá começou a
dissipar-se, evaporando em seguida, transformando-se
“em densa e branca bruma.
E a névoa radiante de Euá espalhou-se sobre pela Terra.
E na névoa da manhã Euá cantarolava feliz e radiante.
Com força e expressões inigualáveis cantava a bruma.
O Supremo Deus determinou então que Euá
Zelasse pelos indecisos amantes,
olhasse seus problemas, guiasse suas relações”.
(Prandi; 2001: 234)
Outras lendas falam que Euá era filha predileta e intocável de
Obatalá. Um dia apaixonou-se por Boromu, dele engravidou e fugiu para
a mata, parindo seu filho em segredo. Obatalá transtornado colocou a
todos em seu reino atrás de Euá. Boromu saiu a procura de Euá,
encontrou-a desfalecida e querendo que ela voltasse ao palácio
escondeu seu filho na floresta. Ao acordar Euá contou e perguntou
sobre o filho de ambos, Boromu saiu a procura da criança, porém não
mais a encontrou. Iemanjá que morava ali perto ouvindo o choro do
bebê pegou-o para criar.
Arrependida pela fuga, Euá pediu perdão a seu pai que colérico
expulsou-a do palácio. Envergonhada Euá isolou-se no cemitério longe
de todos os seres vivos. Seu filho cresceu forte e belo sob a tutela de
Iemanjá, a mãe das águas deu-lhe o nome de Xangô. (Prandi; 2001:237)
Uma variação deste conto narra que Xangô para seduzir Euá
empregou-se no palácio de Obatalá como jardineiro e presenteou-a com
“uma cabaça enfeitada com mil búzios, com uma cobra por fora e mil mistérios por dentro, um pequeno
mundo de segredos, um adô”. Diante de tais riquezas Euá pensou que Xangô a
amava verdadeiramente e a ele se entregou. Euá decepcionou-se com
Xangô e pediu a seu pai para esconde-la onde jamais pudesse ser
40
achada. Obatalá compadecido deu-lhe um trono no reino dos mortos,
desde então, Euá é Iabá nos cemitérios.(Prandi; 2001:241)
Euá é ajé, pois possui uma cabaça9 na qual esconde seus amargos
e doces segredos:
“Ewá é o desabrochar de um botão de rosa, ela é uma lagarta que se transforma em
borboleta, ela é a água que vira gelo e é o gelo que vira água, ela é quem faz e desfaz.
Ewá é a própria beleza contida naquilo que tem vida, é o som que encanta, é a alegria,
é a transformação do mal para o bem: enfim, Ewá é a vida.”
(Escada & Filho; 2001:147)
5.7 Olocum
9
Como veremos no capítulo referente a Iyami Osoronga, toda ajé é proprietária de
uma cabaça na qual mora um pássaro que leva seus encantamentos.
41
É a senhora de todos os tesouros, por isso oferta a prosperidade
ao homem.
“Proprietária de um cajado.
42
Salpicada de vermelho, sua roupa parece coberta de
sangue...
Água parada que mata de repente.
Ela mata uma cabra sem utilizar a faca”.
(Verger; 1997:240)
Capítulo 6:
_____________________
44
“Muito poderosamente emplumada
Minha mãe Òsòròngà
Nós te saudamos
Não me mates...”
(Verger; 1994:34)
45
(Escada & Filho; 2001:112)
O vulgo popular enxerga na figura da mulher idosa a figura da ajé,
pois ela não é mais fecunda. Os dons de feiticeira também poderiam ser
herdados da mãe ou de uma das avós, ou ainda por um encantamento
enviado por outra ajé. (Verger; 1992:10)
2
O testemunho de Deus, o vice de Deus, aquele que está no céu e na terra, o
historiador de Ifé.
(Escada & Filho; 2001:19)
47
Gerado por um Orixá Funfun (Orunmilá) e por um Ebora (Ybiérru) -
em outras estórias por Orixalá-Odúa, Exú Yangi está associado a
laterita, o barro do qual foi tirada a matéria prima para a confecção do
homem. É o patrono das relações sexuais, condutor do Axé e das
oferendas rituais, sem sua ação e movimento só existiria a inércia no
universo. Representado pelo caracol okotó é o expansor da vida no
universo. Possui muitos nomes:
Yangi – a matéria prima do universo;
Bara – rei do interior do corpo;
Enugbarijo – associado aquilo que se coloca na boca, rege a
comunicação;
Ojixé-ebó – o mensageiro e condutor dos sacrifícios;
Elebó – aquele que estabece a ligação entre humanos e orixás
através dos sacrifícios;
Exú Onã – aquele que abre ou fecha os caminhos;
Exú Obé – o manejador da faca que auxilia nos partos ou traz a
morte;
Osetuwa – filho de Oxum, nascido pelos poderes do Axé dos
Orixás.
A trindade Orunmilá, Iyami e Exú, representam o princípio criador,
procriador e criado respectivamente. Esta trindade aparece nos odús:
Ìrété òwànrín (ou Ìrété olótà), Òdí Méjì e Ìrété ogbè, contam
respectivamente:
- como Orunmilá surpreendeu o segredo de Iyami em Otá;
- como Orunmilá acalma Iyami;
- como Odùa chegou a ser esposa de Orunmilá.
O primeiro odú esclarece das proibições alimentares das Ajés.
O segundo odú narra como as Eleye ensinaram aos babalaôs
como chamá-las e curar aqueles que estão sob seu jugo.
O terceiro odú mostra que para existir um destino que possa ser
melhorado é necessário que exista a vida.
Percebemos nestes itans relações de gênero da sociedade
neolítica na qual não existe uma família nuclear, na qual os filhos não
tem um pai ou mãe definidos porém formam uma coletividade:
os filhos de Orunmilá e as filhas de Iyami.
3
Um saco de tecido branco, uma cabeça de serpente oká, um pombo branco, quatro
caroços de nozes-de-cola branca e vermelhas, óleo (azeite de dendê), efun, osun e
uma cabaça. (Verger; 1994:38)
48
notamos que possivelmente Exú estava sob a forma de um pássaro (o
grifo é nosso):
“Exu (que faz o bem e o mal, que faz todas as coisas).
Exu transforma-se rapidamente,
Tornou-se então uma pessoa.
Ele vai chamar todas as àjé que estão em Ota.”
(Verger; 1992:42)
e conta para as Ajé que Orunmilá possui um pássaro tão poderoso
quanto o delas. As donas do pássaro estranham:
“Elas dizem, este homem tem um pássaro?”
(Verger; 1992:42)
As Iabás foram avisadas por Exú que a divindade Orunmilá
possuía um pássaro, porém elas referem-se ao Orixá como homem,
ressaltando a relação de gênero. Ao se dar o confronto entre ele e as
Ajé, ao verem Orunmilá sentado – o que indica uma falta de respeito -
elas praguejam:
“elas dizem que não querem retirar
seus maus olhados do corpo de Orumilá.
Elas dizem que lutaram com ele.
Elas dizem que elas estão em cólera porque
ele conhece o segredo delas.
Elas dizem, eles querem assim conhecer seu segredo.
Elas dizem, se elas pegam Orumilá, elas o matarão.”
(Verger; 1992:42)
Orunmilá consulta outro babalaô, Tèmáyè, que indica-lhe um ebó4
para ficar protegido da fúria delas. As Eleye comem o ofertado e tentam
novamente perseguir Orunmilá, porém não conseguem mais vê-lo.
Orunmilá fala:
“... àjé não é severa, ela não pode comer ekujebu, vós de modo algum, podeis matar-me.
Ele diz, o frango òpìpì não tem asas para voar sobre a casa, elas não podem matar-me.
Isto foi o que Òrúnmilá fez naquele dia, para que elas não sejam capazes de matá-lo,
quando Òrúnmilà foi a Òtà para ver o segredo delas.”
(Verger; 1994:39)
O ebó que Orunmilá ofereceu faz parte das proibições para as
ajés.
4
Ekujebu (grão muito duro), frango òpìpì (frango que possui penas crespas,
arrepiadas), èko (massa de milho envolta em uma folha) e seis shillings. (Verger;
1992:43)
5
Folhas de ogbó, uma cabaça, rabo e corpo de um rato òkété (separados), ovos de
galinha, mingau de milho misturado com azeite, azeite e quatro shillings. (Verger;
1992:58)
49
Orunmilá envia um emissário para a terra com a mensagem,
possivelmente Exú.
As Eleye chegam à terra e pousam sobre sete árvores: orógbó,
àjánrèré, ìrókò, oro, ògún bèrèke, arere e opé ségiségi, porém é nesta
última que conseguem firmar sua residência. È ai que constróem um
quarto, um pátio nos fundo e fazem um montículo de terra no lugar
onde se reunem.
Ao se unirem promovem toda espécie de doenças:
“... trazem dores de barriga para as crianças.
Trazem doenças para as crianças.
Arrancam os intestinos das pessoas.
Arrancam os pulmões das pessoas.
Bebem o sangue das pessoas.
Dão dores de cabeça aos filhos de um outro.
Dão doenças aos filhos de um outro.
Dão reumatismo aos filhos de um outro.
Dão dores de cabeça, febre, dor de estômago, aos filhos de um outro.
Fazem sair a gravidez do ventre daquela que está grávida.
Trazem para fora o feto daquela que não é estéril.
Não deixam que uma mulher fique grávida.
Aquela que está grávida elas não deixam parir.”
(Verger; 1994:49)
Presumimos que as seis primeiras árvores representam cidades
onde moravam os babalaôs.
As pessoas perseguidas pela fúria das eleye foram procurar a
ajuda do filhos de Orunmilá. Eles sabiam que deveriam chamá-las com
uma voz bem triste e entregar o sacrifício sobre o montículo de terra
onde se reuniam, eles teriam de chamá-las cantando com uma voz bem
triste:
“Mãezinha vós conheceis minha voz.
Ìyàmi Òsóròngà, vós conheceis minha voz.
Ìyàmi Òsóròngà, toda coisa que eu disser,
A folha ogbo disse que vós certamente compreendereis.
Ìyàmi Òsóròngà, vós conheceis minha voz.
Ìyàmi Òsóròngà, a cabaça diz que vós ides agarrar.
Ìyàmi Òsóròngà, vós conheceis minha voz.
Ìyàmi Òsóròngà, a palavra que o rato òkété disse à terra,
a terra certamente a compreende.
Íyàmi Òsóròngà, vós conheceis minha voz.
Ìyàmi, todas as coisas que eu disser vós fareis.
Ìyàmi Òsóròngà, vós conheceis minha voz.”
(Verger; 1994:50)
Quando terminam de cantar todas as Eleye silenciaram, aos filhos
de Orunmilá foi dado o poder de curar e ajudar aqueles que são
perseguidos por Osoronga.
“Como as Ìyàmi autorizaram os filhos de Òrúmilà naquele dia,
todas as coisas que eles fizerem agirão.
Mas naquele dia eles chamarão com voz triste o canto indicado,
para que Olorun deixe essas pessoas realizar esta boa tarefa.”
(Verger; 1994:50)
“Todos aqueles que Odù traz atrás dela, são coisas más.
Ela diz que eles todos comam.
Odù abre assim a cabaça de Aragamágo, seu pássaro, no chão.
Ela diz que ele coma.”
(Verger; 1992:82)
Odùa chama Orunmilá e diz-lhe que reconhece seu poder e que
será sua aliada, porém coloca uma proibição, que nenhuma de suas
mulheres lhe veja o rosto. Orunmilá aceita a condição e desde então
Odùa está a seu lado para torná-lo próspero, lutar por ele e colocar seu
pássaro a sua disposição. Orunmilá rende-lhe homenagem:
“Orumilá diz heim! Você, Odù.
Ele sabe que você é importante.
Ele sabe que você é superior a todas as mulheres do mundo.
Ele não gracejará com você, jamais.
(...)
porque Odù é o poder dos babalaôs.”
(Verger; 1992:84)
6
Um rato òkété, um peixe, um caracol, azeite de dendê e oito shillings. (Verger;
1992:82)
51
Um mito narra-nos que Oxum foi encarregada por Obatalá de
ensinar aos homens o culto dos Orixás, a Senhora do Ekodidé conheceu
de cada Orixá como deveria ser cultuado e ensinou tais segredos a
Babaloxá, porém havia um problema, o Senhor dos Destinos mantinha
seu culto à parte dos Orixás e nenhuma mulher poderia ter acesso ao
Opelé Ifá...
Sabendo que Orunmilá nutria-lhe profundo amor Oxum aceitou
desposá-lo com as condições de que ela continuasse morando em seu
palácio, que não existissem segredos entre ambos e o principal que
possuísse um cargo e um título no culto a Ifá. Consumaram sua união
naquela mesma noite. Passados alguns dias quando Orunmilá reuniu
seus Babalaôs, Oxum adentrou no Igboduifá, um lugar vedado à
presença feminina. A Mãe das Águas descaradamente lembrou ao
Senhor do Ifá a promessa que ele lhe fizera e que ela viera cobrar.
“Orunmilá então, com a ajuda dos seus sacerdotes,
iniciou Oxum no Culto de Ifá,
entregando-lhe uma cabaça com um único ikin
e conferindo-lhe o título de Iyapetebi...”
(Ogbebara;1998:84)
dando-lhe o direito de participar da primeira parte da consagração dos
sacerdotes de Ifá.
“Ficarás encarregada de providenciar as comidas que me serão oferecidas,
assim como de cozinhar as carnes dos animais que para mim forem sacrificados.
Não poderás, no entanto, acessar os segredos dos 256 Odus Ifá.
Isto porque já és demasiadamente poderosa e, de posse destes conhecimentos,
imporás de tal forma teu poder sobre os homens que o mundo
viverá em constante desequilíbrio.
Os meus sacerdotes curvar-se-ão sempre diante do poder que possuis,
e que garante a geração de todos os seres vivos sobre o planeta.”
(Ogbebara; 1998: 84)
A Doce Senhora sentiu-se enganada pelo esposo. Queixou-se a
Exú, o melhor amigo de Orunmilá, e pediu a ele que roubasse os
segredos dos ikins de Ifá. O Senhor dos Caminhos não traiu o amigo e
criou para Oxum um jogo que continha os 16 odús principais do Opelé
Ifá, porém como tudo que faz tem seu preço, cobrou de Oxum a
promessa de que todos aqueles que consultassem os conselhos do
búzios deixassem algo para Exú e assim, Oxum e Exú tornaram-se os
patronos do jogo de búzios. (Ogbebara; 1998:87)
53
Exú após assistir tenebrosa aparição correu até Orunmilá para
contar o que vira. Ambos resolvem criar outra forma para desestruturar
a sociedade feminina e convidam Xangô para colocar seus planos em
ação.
Orunmilá diz a Xangô que ele deverá tomar por esposas três Iabás
Obá, Iansã e a terceira ficaria a seu critério.
O rei de Oió reclama que Obá é velha, feia e desajeitada,
Orunmilá retruca que ela é virgem. Xangô diz que Iansã é casada com
Ogum e estéril, mais uma vez o Grande Babalaô retruca contando um
segredo:
“- É que ela é portadora duma praga. Iansã só poderá engravidar quando for
possuída violentamente por alguém. (...)
- Então terei que estuprá-la? – perguntou Xangô.
- Sé é assim que vês a coisa. Se este é o termo que preferes usar, sim, terás que
estuprá-la! – confirmou Orumilá.”
(Ogbebara; 1998:116)
Orunmilá sugere a Xangô que tome por terceira esposa Euá,
porém o elegante Orixá retruca dizendo que não, pois se enamorara de
Oxum.
“- Mas Oxum é minha mulher!... – falou Orumilá aturdido.
- Pouco me importa a quem pertence. Logo que a vi, senti despertar em mim
um sentimento que até então desconhecia. Um calor dentro do peito, uma vontade
incontrolável de abraçá-la de possuí-la, de fazê-la minha, completamente minha...
Aceito tudo que me propões, Orumilá. Conquistarei Obá, raptarei Iansã, mas somente
se Oxum me for dada como esposa. Se minha condição não for aceita, podes
procurar outro para fazer o que pretendes – disse enfático Xangô.”
(Ogbebara; 1998:117)
Xangô tendo consumado o combinado levou para Oyó Obá e
Iansã, apesar das duas Iabás viverem brigando, na frente de Xangô
mantinham as aparências. O rei de Oyó envia uma mensagem, através
de Exú, para Orunmilá enviar Oxum.
“Diga a ela que se prepare pois, amanhã, com o nascer do Sol,
deverá partir ao encontro de seu novo amor. Não quero despedidas,
e hoje mesmo sairei pelo mundo em busca de meu próprio destino.
Sem rumo, sem direção, ensinando aos homens os segredos de Ifá.
Abandono aqui tudo que construí e que atualmente possuo.
Levo apenas meu saber para compartilhá-lo com os homens que eu considere dignos.”
(Ogbebara; 1998:126)
54
sua última líder e a mulher voltara novamente a ser submissa aos
homens.
“... a Sociedade Guélédé, a partir de então, teve que submete-se à adesão masculina
para poder subsistir.
Ainda assim, o comando das mulheres ficou definitivamente estabelecido.
Somente elas possuem os poderes e os segredos de ajé, devendo, por isso,
serem tratadas com grande respeito e consideração. Depois disso, os homens,
para participarem da sociedade, teriam de usar as máscaras guélédé, e sua
participação ficaria restrita a dançar e a tocar os tambores do ritual.
O objetivo da sociedade, que antes era exacerbar a maldade existente no poder
feiticeiro de Iyami, modificou-se desde aí, e as danças, os cânticos e as oferendas
feitas em sua homenagem, visam hoje, a aplacar a sua cólera ao em vez de
incentivá-la.”
(Ogbebara; 1998:132)
55
6.5 A SOCIEDADE GELEDÉ NO BRASIL
57
Ogum colhe a cabaça mais quatro cabacinhas que distribui a cada
um dos conselheiros cortada em quatro caminhos. Isto feito Odùa fala a
eles sobre a união que faz a força e que aceitem sua morte.
Obarixá coloca efun, espécie de pó branco, numa cabacinha e
oferece a Odùa dizendo-lhe que aceite e coloque a oferenda em seu
apèrè, pois todos aqueles que adorarem Oxalá, estarão adorando Odùa,
porque “...ele e ela. Odù, são uma única coisa.” (Verger; 1994:67)
Obaluaê enche de osùn, um pó vermelho que ele também passa
em seu corpo, sua cabaça e presenteia Odùa dizendo-lhe:
“...todas as coisas que teus filhos te pedirem,
eles a receberão todas.
Se for dinheiro que eles pedirem,
então ele o fará por eles.
Aos apelos que seus filhos fizerem,
ela responderá do interior dessa cabaça,
pois ela tornou-se idosa.”
(Verger; 1994:67)
Ogum também oferta sua cabaça cheia de carvão vegetal para a
Grande Mãe dizendo-lhe que através dessa cabaça ela também será
adorada e que seus filhos terão saúde.
“...seus filhos não morrerão na infância.
Ele diz, seus filhos não envelhecerão em meio ao sofrimento”.
(Verger; 1994:67)
Oduduwa7, entrega a Odùa sua cabaça repleta de lama e ela
aceita. Os poderosos Orixás dizem que no apèrè estão os quatro cantos
do mundo. A anciã responde:
“...se seus filhos adoram o apèrè, que é sua,
eles a adoram assim.
Ela diz, as coisas que eles lhe dizem para fazer, elas as fará no bem.
Ela diz, se eles adoram a cabaça de efun, que é de Obarixá,
que eles venham adorá-la lá também, ela responderá.
Ela diz, se eles adoram a cabaça de osùn, ela responderá.
Ela diz, se eles adoram a cabaça de carvão, ela responderá.
Ela diz, se eles adoram a cabaça de lama, ela responderá.
Ela diz, mas se eles tiverem agora trazido o apèrè,
ela diz, vocês, todos seus filhos, é ela que adorais,
que queiram vir a adorar num só corpo que ela coloca dentro deste apèrè.
Desde aquele tempo, com sementes de kola brancas e sementes de kola vermelhas,
eles adoram Odù.”
(Verger; 1992:89)
Desde então é adorada em seu apèrè, casa de Odù, o apèrè
Igbadú.
7
Entendemos que é um descendente de Odùa: Akobi ou Olowu, pois Odùa ou Odudua
é a fundadora de Ilé Ifé. A lama que ele entrega é uma referência a seu parentesco.
58
segundo os duzentos cinqüenta e seis odús. Transcrevemos aqui as
fórmulas referentes as Iyami, conforme as indicações de Fatumbi.
Os números entre parentêses referem-se ao número da receita
relatada no livro e o número da ficha catalogada na Fundação Pierre
Verger; o nome e o número à direita referem-se ao odú de Ifá da qual
fazem parte.
59
Trabalho para obter favores das Ìyámi.
Èso àkàrà osó Fruto de CNESTIS FERRUGINEA, Connaraceae
Ewé àjé kòbàlé Folha de CROTON ZAMBESICUS, Euphorbiaceae
A ó jó o. Queimar os ingredientes.
A ó fi tefá. A o pe ofò rè. Desenhar o odu na preparação, pronunciando a encantação.
A ó máa lá á pèlú epo De vez em quando lamber
pupa látìgbàdégbà. com azeite de dendê.
Àjé n´ ké kára kára Feiticeiras gritam alto
Wón ní eye òrò ló wòlú. Elas dizem que o pássaro do mal já entrou na cidade.
Àkàrà osó kì í jé kí àjé kó pa osó Àkàrà osó não deixa as feiticeiras matarem o feiticeiro.
Àjé kòbálé ó ní kí eye ó má bà lé mi.
Àjé kòbàlé diz que aquele pássaro não se empoleirará em mim.
60
Ewé dàgbà Folha de CLERODENDRUM VOLUBILE, Verbenaceae
Ewé ògùn bèrè Folha de LEUCAENA LEUCOCEPHALA, Leguminosae Mimosoideae
Ewé kékétu Folha não identificada.
Ewé ìninirin Folha de DIOSCOREOPHYLLUM CUMMINSI, Menispermaceae
(inimirim)
Òrí BYTYROSPERMUM PARADOXUM subsp. PARKII, Sapotaceae
(limo-da-costa)
A ó lò ó. A ó pò ó mó òrí. Moer os ingradientes com limo-da-costa.
A ó pe ofò rè. Pronunciar a encantação.
A ó máa fi pa ara. Esfregar a preparação no corpo.
Dàgbà ní dorí ìyàmi àjé Dágbà sempre guia as ìyàmi, as feiticeiras
Ògùn bèrè bá mi be ìyàmi Ògùn bèrè, ajude-me a implorar as ìyàmi.
Kékétu kì í jé kí ìyàmi ó bínú Kékétu nunca deixa as ìyàmi ficarem zangadas.
Ìninirin ó ní kí won Ìninirin diz que elas devem sorrir
ó máa rín èrín rere sí mi. favoravelmente para mim.
61
Finalizando este capítulo transcrevemos fragmentos de um conto
recriado pelos educadores da Escola Eugênia Ana dos Santos, do Ilé Axé
Opô Afonjá, no qual Iyami Òsòròngà espalha seu Axé pela Terra.
“Era uma vez, no princípio da nação Yorubá, Oduduwa reinava segurando o governo de
seu povo com mãos de ferro. Os inimigos do rei saqueavam as caravanas que para Ilé Ifé se dirigiam. Os
árabes ameaçavam invadir o reino.
Era nos primeiros tempos. Ogum, principal amigo do rei, queria ajudar a construir Ifé. E
assim fez. Ogum é a força. Ogum faz. Ogum pega de uma grande mão de pilão e vai à guerra. Leva
ao seu lado Iansã, a guerreira dos ventos e das tempestades. Vão lutar contra os árabes e vencê-los.
As batalhas se sucedem. Ogum e Iansã são vencedores. Seus exércitos enchem o reino de Oduduwa
de glórias, de tesouros e de prisioneiros. O díficil agora era parar. Ogum e Iansã estavam em guerra
com o mundo todo. Com as vitórias aumentavam as riquezas do rei para mais da conta e crescia Ilê
Ifé. E por outro lado, crescia o sofrimento das mulheres sem marido e a fome e o choro das crianças
sem pai.(...)
Foi então que Oxum, a senhora dona das águas doces e da cachoeira, intercedeu pelas
crianças e pelas mães sem marido, junto a Yemanjá, a senhora das águas do mar, a mãe de Ogum, o
Senhor da guerra. (...)
Yemanjá, mais que depressa, dirigiu-se a Iansã, a companheira de Ogum nos campos de
guerra. Yemanjá e Iansã, ambas mães, logo se entenderam e puseram mãos à obra.
Oxum e Yemanjá transformaram-se em pássaros como no princípio e foram voar pelos
caminhos dos guerreiros cantando os ORIN mais lindos. Ogum logo se deu conta das águas. Iansã
transformou-se também em pássaro encantado. E as águas entraram pelos olhos de Ogum e ele via
Ilê Ifé terminada. E as águas esfriaram a sua vontade de guerra. E os três pássaros encantados
voaram juntos. As ayabás encantadas voaram abraçando o mundo com suas asas. E a paz voltou à
terra. Ilê Ifé se tornou a cidade da luz.(...)
E a asa do pássaro encantado é exatamente isso, a liberdade, a paz, o Axé.”
(Petrovich & Machado; 2000:39)
62