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UNIrevista - Vol.

1, n° 2 : (abril 2006) ISSN 1809-4651

O design do mundo e o ser humano:

Sobre a educação e as fronteiras do humano

Danilo R. Streck
Doutor em Educação
dstreck@poa.unisinos.br
UNISINOS, RS

Resumo
Verifica-se, hoje, uma profunda reconfiguração de fronteiras nas ciências, na vida política e no encontro e
desencontro de culturas. Essas mudanças se refletem, no fim, sobre o que compreendemos como sendo o
humano.O ensaio está organizado em torno de três argumentos: a) que o humano é uma questão de fronteiras,
identificadas a partir das mudanças no campo da informática, das ciências biológicas e da exclusão social; b) que a
fronteira é um lugar de exclusão e risco mas também de reinvenção, utilizando como base a reflexão de José de
Sousa Martins; e que a educação, hoje, necessita de uma visão complexa dessas fronteiras para poder fazer delas
um espaço de possibilidades. No final do artigo argumenta-se que a educação pode fazer da fronteira um lugar
privilegiado para encontrar-se e desencontrar-se nestes tempos de mudança. Pleiteia-se especialmente pela
recolocação da pergunta fundamental sobre o humano na prática e na reflexão pedagógica.

Palavras-chave: exclusão // fronteiras // humano

Sobre a educação e as fronteiras do humano

Introdução

Em pleno Iluminismo Rousseau alertava que o sucesso da educação poderia ser sinal de seu fracasso.1 Sua
preocupação era com o desvio daquilo que ele acreditava ser uma natureza humana boa, fatalmente
corrompida pela sociedade. As aprendizagens que a sociedade considera sucesso poderiam bem representar,
de modo proporcional e inverso, a falência do humano. Sabemos também que essa não era a visão
hegemônica de natureza humana da tradição ocidental cristã, a qual fazia do pecado original a matriz para
a sua ação pedagógica redentora, exorcisando o mal impregnado no corpo desde a concepção. A história da
pedagogia ocidental em boa medida se confunde com a história da violência contra mentes e corpos.2

Mudaram as compreensões e mudaram as práticas, mas a pergunta sobre o humano na formação humana
retorna com novas formatações e assume renovada urgência. É uma pergunta difícil de ser encarada, nem
diria respondida, porque nos coloca diante do mais óbvio de nosso trabalho como educadores e educadoras:

1
“A cada ensinamento precoce que queremos inculcar em suas cabeças, plantamo um vício no fundo de seus corações;
professores insensatos acreditam fazer maravilhas tornando-as más para lhes ensinar o que ‘a bondade; e depois nos
dizem com gravidade: assim é o homem. Sim, assim é o homem que fizestes.” (Rousseau, 1995, p. 88)
2
Remeto especialmente à análise histórica que Mário Manacorda (1989) realiza a partir do parâmetro da dominação de
classe social.
1
O design do mundo e o ser humano
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repensar a própria razão de ser da formação de homens e mulheres, uma questão aparentemente resolvida
no mundo das competências funcionais.

Proponho-me a realizar uma breve problematização do tema Educação nas fronteiras do humano3 em três
tempos, argumentando, respectivamente: 1) que o humano é uma questão de fronteiras; 2) que a fronteira
é um lugar de exclusão e risco mas também de reinvenção; 3) que a educação, hoje, necessita de uma
visão complexa dessas fronteiras para poder fazer delas um espaço de possibilidades. O texto termina
colocando algumas tarefas para a educação hoje.

O título deste ensaio é derivado de uma exposição no museu de artes de Ontário, em Toronto4, com o título
The world design (O design do mundo). Explicitava-se na apresentação que não se tratava de uma
abordagem do design no mundo mas do mundo. A idéia orientadora da exposição é que possuímos hoje a
capacidade de redesenhar o mundo, para o bem e para o mal. A tecnologia pode criar seres estranhos como
galinhas sem penas, mas pode também limitar os desperdícios e encontrar alternativas para a promoção e
manutenção da vida no planeta.

Os limites do humano
Acompanhamos a batalha judicial que se travou em torno do desligamento dos aparelhos que mantinham
viva a jovem norte-americana Terry Schiavo, na Flórida, com o marido de um lado, a favor da eutanásia, e
os pais de outro lado, contra.5 Entre argumentos e sentimentos, havia boas razões de um lado e de outro,
desvelando diante de telespectadores do mundo inteiro uma batalha impossível de ser solucionada com o
tipo de recursos e conhecimentos de que hoje dispomos para tomar decisões. O que, afinal, é vida? Vida
vegetativa não é vida? Quem determina o início e o fim da vida? Trata-se, no fundo, do mesmo drama que
se vê nas filas nos hospitais quando alguém decidiu que não há nem recursos nem lugar para todos. De
maneira menos visível, e quem sabe mais pervasiva, é o tipo de decisão que enfrentamos cotidianamente
em nossa prática educativa, talvez sem percebermos o alcance do que fazemos ou deixamos de fazer.
Entendo que seja isso que Hugo Assmann e Jung Mo Sung (2000: 245) têm em mente quando insistem que
“hoje educar significa realmente salvar vidas”. Eles continuam, perguntando: “Mas vale a pena salvar vidas
para que se mantenham nos níveis mínimos de sobrevivência?”

O humano, respectivamente, a vida humana está longe de ser um fato dado. Ao chegarem à América os
colonizadores espanhóis e portugueses construíram uma imagem dos habitantes desta terra que os
aproximava dos animais, motivo pelo qual podiam ser exterminados. Figuras da época do descobrimento
mostram os habitantes desta terra sendo retratados como monstros disformes e sem cabeça e como
perigosos canibais. 6 Ou como se poderia escravizar os negros africanos se fossem gente? Hoje vemos
pessoas representadas como terroristas ou como dilinqüentes, o que parece dar o direito mais ou menos

3
Tema do IV Congresso de Educação da UNISINOS, realizado de 31 de agosto a 2 de setembro de 2005.
4
No mês de maio de 2005, na Ontario Galery of Arts.
5
Terry Schiavo morreu no dia 01 de abril de 2005, depois que a corte de autorizou o desligamento dos aparelhos que a
mantinham viva durante 15 anos.
6
Cf. E. Amodio, Formas de la alteridad. A autora mostra a relação das imagens dos habitantes desta terra com as figuras
da mitilogia graga e medieval, onde o humano e o sobrenatural se encontram, confundem ou entram em conflito: “Esos
monstruos, no hay que olvidarlo, pueblan las tierras allende del Océano, el ‘mar tenebrosum’ de los antiguos, el espacio
mítico del fin del mundo o, mejor, donde el mundo de los humanos y el de la realidad sobrenatural entran em dramático
contacto.” (p. 55)
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automático de considerá-los menos humanos. Deve ser esta a lógica por trás de chacinas executadas por
grupos que se consideram no direito de tomar a justiça em suas mãos.

Do ponto de vista biológico, os limites entre o animal homem e os demais animais não é mais tão evidente e
os argumentos baseados numa natural superioridade dos humanos deixou de ser motivo suficiente para
justificar a ação moral. Estaria certo Fancis Fukuyama, quando argumenta no livro Our post-human future
( p. 151) que “o processo de tomada de decisão humano pode ser mais complexo que o de outros animais,
mas não há uma clara linha divisória que distingue a escolha moral humana do tipo de escolhas que são
feitas por outros animais” ? Nesta parte do livro ele está à procura do Fator X, ou seja, aquilo que no fim
das contas poderia servir de justificativa para a dignidade humana.

No início da década de 70 B.F. Skinner escreveu Beyond dignity (publicado no Brasil com o título O mito da
liberdade), propondo que a felicidade humana só poderia ser alcançada para todos e de maneira definitiva
se deixássemos de lado a idéia de que existe algo no ser humano que lhe confere dignidade e liberdade.
Uma vez abandonados esses conceitos pré-científicos haveria condições organizar um mundo onde todos
pudessem viver felizes, o que ele já esbçara no sua utopia de 1948, com o título de Walden Two. Parece que
hoje estamos assustadoramente próximos dessa possibilidade de não só controlar7 os estímulos externos,
mas de alterar desde o humor através de psicotrópicos até a própria formação órgãos através de genes. O
argumento de Fukuyama no referido livro é que nós temos hoje condições de alterar o que historicamente
se considerou como natureza humana e que por isso estaríamos entrando num período pós-humano da
história.

De maneira semelhante, Jürgen Habermas, em O futuro da natureza humana (p. 40), escreve que
“tememos a perspectiva de que os homens projetem outros homens, pois essa possibilidade desloca a
fronteira entre o ocaso e a decisão, que está na base de nossos critérios de valor”. Apesar dos avanços da
biologia, especialmente da pesquisa genética, estão também muito presentes na memória as grandes
atrocidades cometidas em nome desta mesma ciência. Um médico que participou da morte de seres
humanos portadores de deficiência psíquica ou física patrocinada pelo governo nazista na Alemanha fez o
seguinte comentário depois que o fato foi tornado público: “Que aquilo que eu fazia era assassinato, esse
pensamento só me foi possível tê-lo depois de 1945, e desde então ele me acompanha insistentemente em
todos os momentos. (apud Assmann e Mo Sung, 2000, p.112) Justificam-se, portanto, os temores de que
uma adesão genérica aos direitos humanos ainda não significa a garantia contra suas mais grosseiras
violações na prática, por motivos diversos, inclusive compaixão e misericórdia.

Em segundo lugar, com os avanços tecnológicos muitos artifícios foram incorporados de tal forma ao
funcionamento do organismo e à relação com o meio que se tornaram naturais. Christina Schachtner num
artigo com o título de Vida híbrida no mundo dos computadores: assaltos ao sistema de gênero escreve o
seguinte: “O desenvolvimento e utilização das novas máquinas nos leva a um mundo em que características
chaves são a ambigüidade e a incerteza. Nossos conceitos de identidade masculina e feminina, de relações
interpessoais, de moral, de corporeidade, de ser vivo e de artefato inerte são postos à prova. Como nós
classificaremos a nós mesmos num mundo em que não temos mais certeza sobre o que é semelhante a nós
ou o que é diferente?” (Schachtner , 1997, p. 23).

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A ficção científica, especialmente através dos filmes, explora esta perspectiva de futuro que ao mesmo
tempo atemoriza e fascina os seres humanos. Humanos e máquinas se cruzam de tal forma que distinções
são praticamente impossiveis. Num nível mais cotidiano, na realidade seria difícil viver sem os aparelhos que
permitem ampliar a audição ou visão deficientes até aqueles que regulam as batidas cardíacas. Ou seja, fica
difícil imaginar, hoje, uma natureza humana que não seja transpassada pela própria produção humana. Se
homens e mulheres são seres de cultura – por natureza - também é verdade que os avanços tecnológicos
deram uma nova conotação a este fato ao ponto de se afirmar que passamos da era da produção de coisas
para a era da produção de pessoas.8

Em terceiro lugar, do ponto de vista social nos confrontamos com velhas e novas formas de exclusão onde
os limites do humano são sentidos desde a falta de meios básicos de sobrevivência à sensação de viver
numa sociedade que tem lugar para os talentos e capacidade de um grupo muito restrito de seu habitantes.
Talvez a idéia que melhor defina a exclusão social é a de invisibilização.9 A pessoa passa a não ser vista,
num processo de embotamento da sensibilidade que vai tomando conta dos indivíduos e da coletividade.
Têm razão Assmann e Mo Sung (2000, p.114) quando escrevem que “o fato maior no mundo de hoje
consiste na assustadora combinação entre exclusão social e insensibilidade crescentes.” Em outras
palavras, para além dos índices objetivos de pobreza e exclusão, o humano é uma construção que passa
pela nossa sensibilidade.

Estes pensamentos, em forma muito esquemática, têm a intenção de sinalizar que nos encontramos num
momento histórico em que a pergunta pelo humano e pelo limites deste humano emerge como tema
fundamental para a atual reflexão pedagógica. Boaventura de Sousa Santos tem chamado atenção para o
fato de que vivemos num período de transição paradigmáica10, quando a linguagem disponível parece não
mais captar a realidade e quando ao mesmo tempo ainda não dispomos de conceitos para exprimir a
realidade emergente. Como sugerido pelo tema geral a que este ensaio se refere, nos encontramos em
novas fronteiras.

Algumas reflexões sobre a fronteira


A metáfora da fronteira tem servido para orientar a reflexão em muitas áreas e temas. No caso das ciências
humanas julgo de especial pertinência a reflexão feita por José de Sousa Martins, que desejo explorar
brevemente em função de nosso tema. Segundo ele, a fronteira tem as seguintes características:

1. Para os que estão do lado de “cá” é um lugar de intolerância e de ambição. Na fronteira é questionada a
normalidade da vida das instituições, motivo pelo qual ela é o lugar de ser evitado ou suprimido. Quando,

7
A idéia de controle faz parte da modernidade e sua crença na possibilidade dominar o mundo físico e depois também
social através de técnicas. A palavra controle (devivada de contre-rolle )teria surgido no século XV, com o início do
capitalismo mercantil e do estado moderno com seus mecanismos de controle. (Lewin, 2000, p. 21)
8
“Today the crucial productive forces are not machinery but human creativity and self-development that exists
everywhere. We have moved beyond the era of things production to one of people production, but the industrial system
attempts to disguise this by producing people-as-things and creating so much material waste.” (Milani, 2002, p. 53.
9
“Existem, pois, formas de exclusão que não se vêm, mas que se sentem, outras que se vêm mas de que ninguém fala e,
por fim, formas de exclusão completamente invisivilizadas, dado que nós nem sonhamos com a sua existência, nem
possuímos a fortiori nenhum vocábulo para designá-las.” (Xiberras, 1993, p. 20)
10
“Estamos em uma fase de transição paradigmática, de crise de confiança epistemológica, de crescente confrontação
entre conhecimentos rivais. É grande a dissidência no interior do campo científico, propõe-se formas de de ciência-ação,
de ciência cidadã, de ciência poipular, investiga-se o caráter multicultural da ciência, propõem-se novas articulações entre

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por exemplo, o movimento gay reclama o direito à legalidade do status de sua convivência entre parceiros e
parceiras do mesmo sexo, a ordem instituída se sente ameaçada. O mesmo acontece com todos os outros
movimentos socias que buscam a ampliação de direitos ou a inclusão de novos sujeitos nos direitos
existentes. Os agricultores sem-terra são literalmente uma ameaça para as fronteiras de latifúndios
constituídas de cercas, tanto assim que a derrubada das mesmas se tornou um forte símbolo para a
mudança de fronteiras.

Na vida acadêmica e educacional há outras fronteiras muito bem conhecidas. O atravessamento de


fronteiras disciplinares pode ser visto como uma ambição imperdoável por quem se sente dono de
determinado campo de conhecimento. Mesmo dentro da própria área criam-se grupos herméticos que
constroem a sua linguagem como expressão da verdade e evitam fronteiras que pudessem deixar entrever
outras realidades e verdades.

2. A fronteira é também o “lugar de elaboração de uma residual concepção de Esperança”. Para os que estão
do lado de cá ou do lado de lá, mas que não a temem, a fronteira se apresenta como um espaço privilegiado
para identificar a emergência de novas possibilidades. Ali pode ser encontrado o Outro, aquele que interpela
os sistemas constituídos tanto de um lado como de outro. Socialmente, diz Enrique Dussel (2000, p. 375), é
a comunidade das vítimas que é portadora de esperança de uma realidade distinta. De maneira análoga,
para Paulo Freire é da fraqueza dos oprimidos que paradoxalmente se gera a força para mudanças radicais.
Temos muitas experiências que mostram que é de fato nas margens que a sociedade se reinventa. Uma das
expressões mais fortes desse fato é o Fórum Social Mundial como um movimento que catalisa os sonhos de
um sem-número de grupos espalhados por todo o planeta que lutam por um outro mundo possível. São na
maioria das vezes movimentos “marginais”, mas que na expressão de José de Sousa Martins (1997) foram
os resíduos de esperança que se encontram espalhados pela sociedade. Trata-se de uma esperança que
existe como parte da dinâmica da própria vida e cuja canalização não encontra espaço nas estruturas e
instituições hegemônicas. É por isso que Paulo Freire (1992, p. 10) nos ensina que não se trata de educar
para a esperança, mas de educar a própria esperança, para que esta não definha ou se desoriente e acabe
em desesperança, que é uma distorção da necessidade ontológica original da esperança..

3. Para os que estão do “lado de lá” a fronteira é um lugar de disputa, um território em constante
reconfiguração. Ou seja, na fronteira se deflagram jogos de poder, nos quais se pode perder e ganhar.
Talvez resida nesse jogo uma das razões da atração que a fronteira exerce. O desconhecido, aquilo que está
do outro lado, atiça a curiosidade e instala um senso de aventura. Basta lembrar por exemplo, a conquista
do espaço, a conquista do controle do virus da AIDS, a conquista do conhecimento do genoma humano,
entre tantas outras conquistas que – senão de fato – ao menos dão ao ser humano a aparência de controle
e de aumento do poder.

4. A fronteira é o lugar do pioneiro e da vítima. José de Sousa Martins faz sua opção pela vítima e explica o
motivo: nas vítimas podem ser vistas mais claramente as fragilidades e dificuldades, duas características
segundo ele essencias na constituição do humano. A fragilidade aponta para a incompletude humana, tanto
no sentido individual quanto no sentido coletivo. O culto ao herói, outro personagem típico da fronteira,
tende a ocultar a vítima, cujo estado é não poucas vezes gerado por este mesmo herói. As dificuldades na

ciência e conhecimentos rivais. Ou seja, há campo para a inovação e para que a inovação não seja antecipadamente
condenada ao fracasso.” ( Santos, 2003, p. 18)
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fronteira podem ser encaradas, no sentido freireano, como situações-limite para a criação de uma outra
realidade.

Devido a isso a fronteira é, por excelência, um lugar de decisões éticas. Lá se definem questões
fundamentais para a vida do indivíduo e para os rumos da sociedade. Os limites do que é possível, desejável,
legítimo e legal se movimentam conforme os interesses e o poder dos protagonistas naqula fronteira.

5. Por fim, a fronteira é também um lugar de produção do conhecimento. Conforme Martins, “a fronteira é
um lugar privilegiado da observação sociológica e do conhecimento sobre os conflitos e dificuldades próprios
da constituição do humano no encontro de sociedades que vivem no seu limite e no limiar da História. É na
fronteira que se pode observar melhor como as sociedades se formam, se desorganizam ou se reproduzem.
É lá que melhor se vê quais são as concepções que asseguram esses processos e lhe dão sentido. Na
fronteira o Homem não se encontra – se desencontra.” (p. 12) Merece especial destaque a idéia de que a
produção de sentidos se dá no lugar onde o ser humano se desencontra, onde ele está em estado de
procura, desinstalado de suas certezas.

José de Sousa Martins está recolocando a pergunta sobre o lugar a partir do qual produzimos o
conhecimento e para quem o produzimos. Para a pesquisa situada na fronteira a neutralidade é impossível,
uma vez que ela se situa entre o embate dos protagonistas que se encontram na fronteira para fazer as
suas negociações e, se necessário, travar as suas disputas.

A fronteira como um lugar pedagógico


A fronteira é também um lugar privilegiado para a educação. Talvez até se pudesse dizer que o papel do
educador e da educadora seja o de provocar seus seus educandos e suas educandas a se aproximarem da
fronteira. A fronteira, como vimos, é um lugar de riscos, de possibilidades, de encontros e de desencontros,
de atiçamento da curiosidade e de aventurar-se no desconhecido. Todos eles ingredientes necessários para
a aprendizagem. Henry Giroux (1993, p. 29), falando do ponto de vista das culturas, identifica o educador
como um profissional de fronteiras. Enquanto as antigas fronteiras entre culturas se tornam mais porosas ou
desaparecem, intensifica-se a interrelação da cultura com as questões de poder, de representação e de
identidade. Peter McLaren e Farahmandpur introduzem outro personagem que existe na maioria das
fronteiras: o contrabandista, que age nas margens ou na contramão do instituído. No caso, uma pedagogia
do contrabando é aquela que não teme infringir o status quo, resgatando da história os valores e princípios
da pedagogia crítica, hoje uma pedagogia radical e revolucionária. (McLaren e Farahmandpur, 1999)

Como fechamento da discussão aponto algumas tarefas que emergem das reflexões anteriores para este
profissional e para a prática educativa em seu sentido mais amplo.

1. O humano como questão-chave: A consciência de viver na fronteira faz com que o próprio ser humano se
torne a si mesmo como questão-chave. Foi assim que Paulo Freire abriu o seu Pedagogia do oprimido: “Mais
uma vez, os homens, desafiados pela dramaticidade da hora atual, se propõe, a si mesmos, como problema.
Descobrem que pouco sabem de si, de seu ‘posto no cosmos’, e se inquietam por saber mais.” (Freire, 1970,
p. 29). No fundo, o tema com que estamos lidando é este – querer entender um pouco mais quem somos,
como nos constituímos enquanto humanos, o lugar que ocupamos no mundo.

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Segundo Miguel Arroyo é por fazer estas perguntas do ser humano que Paulo Freire encontra a radicalidade
maior da educação. A educação teria avançado exatamente quando se colocou estas grandes questões.
Ainda Arroyo (2000, p. 267): “Penso que a única resposta para quem ainda acredita ser possível trabalhar e
descobrir educabilidade, terá que ser buscada por aí. Terá que ser buscada nos próprios limites em que está
posta hoje a humanidade.” Numa época em que a razão instrumental toma conta da educação através da fé
na capacidade redentora dos meios, especialmente dos softwares, um retorno a estas questões que nos
confrontam com o que somos e com o que gastamos a nossa vida parece necessária.

2. Uma pedagogia das emergências: A aposta na fronteira como lugar pedagógico está em que podemos ver
ali a emergência de novas possibilidades. Boaventura de Sousa Santos propõe uma sociologia das
emergências para tornar visíveis as iniciativas que apontam para a existência de uma sociedade que tivesse
lugar para todos. Acredito que nós poderíamos pensar numa pedagogia das emergências que capturasse,
nas fronteiras do humano, os sinais do mundo que desejamos construir. Lá estão também as pedagogias
ocultadas pelos interesses da pedagogia oficial ou hegemônica.

Um desses sinais tem a ver com desformatação dos espaços e tempos da aprendizagem. A escola, embora
ainda o lugar que regula a distribuição e a construção dos assim chamados conhecimentos básicos vê-se
cada vez mais como parte de uma rede que organiza e propicia espaços educativos. A idéia da educação por
toda a vida, um sonho já alimentado por Comenius no fim déseculo XVIV em sua Pampédia tende,
infelizmente, a ser cooptada pela lógica do mercado em função do permanente preparo para a
empregabilidade.

3. Ser uma educação de seu tempo: São dispendidos grandes esforço para adequar a educação aos avanços
tecnológicos. De fato, diria Paulo Freire, nenhuma criança, jovem ou adulto deveria ser um “exilado de seu
tempo”.11 Nesse sentido, equipar as escolas com laboratórios e colocar à disposição do público o acesso à
Internet são condiçõs para a cidadania. Mas isso não é o suficiente para que seja uma educação de seu
tempo. Esta não pode jamais representar uma adaptação às novas tecnologias transformando os cidadãos
mais uma vez em simples consumidores de sofisticados instrumentos e dos produtos por eles oferecidos.
Uma educação que queira ser de seu tempo deverá propiciar as condições para a avaliação crítica das
próprias tecnologias, auxiliando a compreender que as mesmas podem estar tanto a serviço da humanização
quanto da desumanização.

4. A vítima como critério e base para as decisões éticas: Na fronteira há o herói e há também as vítimas,
aqueles e aquelas que fracassaram. O conceito de vítima, como usado aqui, não tem a conotação
asistencialista ou paternalista de quem se sente compadecido, mas carrega o reconhecimento de que o
fracasso precisa ser visto num contexto amplo de fatores que geram as condições que limitam a expressão
do potencial humano. Numa sociedade excludente pela natureza de seu sistema econômico a falácia do
discurso da competência individual como saída para as dificuldades é assaz evidente. Basta perguntar o que
aconteceria se todos fossem competentes.

11
Para uma reflexão mais ampla dessa idéia freirena veja o artigo “A universidade latino-americana e as novas
tecnologias”. In: D. Streck, Pedagogia no encontro de tempos, 2001.
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A educação que toma o lugar da vítima, por exemplo, questiona porque se conta a história apenas a partir
dos heróis. Nossa história é a história dos grangdes generais que venceram grandes batalhas, dos grandes
reis e presidentes que construíram grandes obras, dos grandes cientistas que fizeram grandes descobertas.
Por que não olhar a história sob os olhos do povo que morria nos campos de batalha, de um lado das
trincheiras ou de outro? Ou da falta das pequenas obras e pequenas descobertas que, quem sabe, teriam
aliviado muito sofrimento?

5. A pedagogia como lugar de encontro de saberes sobre o humano: Finalmente, uma tarefa para a
pedagogia seria ela mesma se entender como um saber construída nas fronteiras do humano. Significaria a
pedagogia assumir-se como um espaço da inter ou transdisciplinaridade, o que em boa medida já acontece
na prática e que também não deixa de ter o seu preço no contexto das outras ciências. O criticado
diletantismo da educação pode ser transformado num valor positivo na medida em que a pesquisa em
educação se colocar junto com as pesquisas em outras áreas, deixando de ser aplicadora de teorias para a
educação.

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