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São Paulo
Julho, 2008
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São Paulo
Julho, 2008
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Agradecimento
Sumário
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 06
1.1. TEMA DA PESQUISA .......................................................................................... 09
6. CONCLUSÕES .................................................................................................... 46
Resumo
1. Introdução
Nesse contexto, pode-se dizer que uma nova versão imaginária do Outro ocupa
o lugar (onisciente, onipresente e onipotente) deixado vazio quando grande parte da
humanidade parou de orientar suas escolhas a partir da crença no Deus judaico-
cristão. Vale lembrar que se trata aqui da porção “civilizada” da sociedade,
simbolizada pelo mundo ocidental e urbano, que representa a maioria da população
1
KLEIN, Naomi. Sem Logo: A tirania das marcas em um planeta vendido. Rio de Janeiro/ São Paulo:
Record, 2002.
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Mas hoje não se pode ignorar um fator relativamente novo e de grande impacto
sobre essa equação. Pela primeira vez na história recente estamos diante de uma
tecnologia que muda a principal regra do atual modelo de propagação de
informação: o emissor. A internet, além de proporcionar uma comunicação sem
fronteiras, permite que mais um elemento passe a produzir conteúdo além dos
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2
HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos: o breve século XX - 1914 a 1991. São Paulo: Companhia das
Letras, 1997.
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Este breve século acabou em problemas para os quais ninguém tinha, nem
dizia ter, soluções. Enquanto tateavam o caminho para o terceiro milênio, os
cidadãos do fin-de-siècle só sabiam ao certo que acabara uma era da história. E
muito pouco mais. Assim, pela primeira vez em dois séculos, faltava inteiramente ao
mundo da década de 1990 qualquer sistema ou estrutura internacional. O fato
mesmo de terem surgido depois de 1989 (ano da queda do Muro de Berlim),
dezenas de estados territoriais sem qualquer mecanismo independente para
determinar suas fronteiras já fala por si. Onde estava o consórcio de grandes
potências que antes estabelecia fronteiras contestadas? Onde estavam os
vencedores da Primeira Guerra Mundial que supervisionavam o novo desenho do
mapa da Europa e do mundo, fixando uma linha de fronteira aqui, insistindo num
plebiscito ali? Onde, na verdade, estavam aquelas conferências internacionais de
trabalho tão conhecidas dos diplomatas do passado, tão diferentes das breves
conferências de cúpula para fins de relações públicas e sessões de fotos que agora
tomavam o seu lugar? Que eram, na verdade, as grandes potências internacionais,
velhas ou novas, no fim do milênio?
O único Estado restante, que teria sido reconhecido como grande potência,
no sentido em que se usava a palavra em 1914, eram os EUA. Com o fim da
Segunda Guerra, este país se viu numa situação privilegiada como a mais forte,
coesa e próspera economia mundial, situação que se sustentou e evoluiu até o
século terminar. A Rússia tinha sido reduzida ao tamanho que possuía no século XII.
A Grã-Bretanha e a França gozavam apenas de um status puramente regional e a
Alemanha e o Japão eram potências apenas econômicas, sem apoiar seus recursos
econômicos em força militar. Se a natureza desses “atores” no cenário internacional
não era clara, o mesmo ocorria com a natureza dos perigos que o mundo
enfrentava. O século XX fora de guerras mundiais, frias ou não, feitas por grandes
potências e seus aliados em cenários de destruição de massa cada vez mais
apocalípticos, culminando na ameaça nuclear das superpotências, felizmente
evitado. O que quer que trouxesse o futuro, o desaparecimento ou a transformação
de todos os velhos atores do drama mundial (exceção aos EUA) significava que uma
Terceira Guerra Mundial do velho tipo era uma das perspectivas menos prováveis. O
que não significava que a era das guerras tivesse acabado, mas elas já pareciam
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cada vez menos necessárias num mundo novo e ainda indefinível que estava
surgindo.
Em suma, o século acabou numa desordem global, cuja natureza não estava
clara, e sem um mecanismo óbvio conhecido nosso para acabar com ela ou mantê-
la sob controle. O motivo dessa impotência estava não apenas na verdadeira
complexidade da crise mundial, mas também no aparente fracasso de todos os
programas, velhos e novos, para controlar e melhorar os problemas da raça
humana. Os dois problemas centrais, e a longo prazo decisivos, identificados na
obra de Eric Hobsbawn, eram o demográfico e o ecológico. Em geral, esperava-se
que a população do mundo, explodindo de tamanho desde meados do século XX, se
estabilizasse em cerca de 10 bilhões de seres humanos ou 5 vezes seu número em
1950 em algum momento por volta de 2030. E o que fazer para manter uma
população mundial estável? Já os problemas ecológicos, a longo prazo decisivos,
não eram tão imediatamente explosivos. Mas os defensores das políticas ecológicas
tinham razão: a taxa de desenvolvimento devia ser reduzida ao sustentável a médio
prazo para se chegar a um equilíbrio a longo prazo. Só que isto era visivelmente
incompatível com uma economia mundial baseada na busca ilimitada do lucro por
empresas econômicas dedicadas a esse objetivo e competindo umas com as outras
num mercado livre e global. Do ponto de vista ambiental, se a humanidade queria ter
um futuro, o capitalismo das décadas de crise não podia ter nenhum.
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HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos: o breve século XX - 1914 a 1991. São Paulo: Companhia das
Letras, 1997.
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Ainda não é possível prever o resultado do processo que teve início há alguns
séculos, como veremos mais adiante, e só emergiu com o nome de globalização há
cerca de duas décadas. Mas já são nítidas algumas de suas conseqüências, bem
como sua manifestação no comportamento das pessoas. A própria moda deixou de
ser “ditada” para ser mais democrática e multifacetada. Acompanhando a tendência
mundial de maior acesso a informação, matérias-primas, produtos e culturas, que a
nova ordem mundial proporcionou – representada principalmente pela globalização
–, a maneira individual de se vestir e se comunicar mudou radicalmente desde que
se tem notícia de algum tipo de moda na história da humanidade. E a moda é uma
das principais formas de expressão de identidade, razão para ser um exemplo útil de
efeitos da Globalização.
5
LINDSAY, Brink. Against the dead hand: The Uncertain Struggle for Global Capitalism. New York:
Hardcover, 2001
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SEVCENKO, Nicolau, Virando Séculos: a corrida para o século XXI, no loop da montanha-russa,
São Paulo, Companhia das Letras, 2001
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Após descrever essa situação, torna-se possível analisar qual é o efeito que a
globalização tem sobre nós, considerando que seu maior aliado para a vida em
sociedade agora é a tecnologia. Adaptar-se cada vez mais rápido às novidades
tecnológicas se tornou fundamental para quem está no mercado de trabalho, assim
como absorver as informações de todas as partes do planeta que circulam em
grande velocidade. As pessoas em idade mais avançada tendem a apresentar maior
resistência a essa adaptação, embora ela seja inevitável para qualquer cidadão
urbano no século XXI. “A verdade é que a revolução tecnológica se tornou a refinada
técnica de criar e recriar necessidades desnecessárias – que se tornam
absolutamente imprescindíveis no lançamento de cada uma delas. Nunca precisei
do celular, do e-mail nem do Microsoft Word. Ocorre que perco o emprego se voltar
a viver sem eles. Sim, já não é mais a sociedade que faz a pergunta ou apresenta o
problema, forçando a tecnologia a correr atrás da resposta ou da solução. Desde
meados dos anos 80, aurora da idade digital, a tecnologia entra com a solução ou
com a resposta antes que a sociedade lhe apresente o problema ou lhe faça a
pergunta.”7
7
Joelmir Beting - UOL notícias
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influência das relações entre pais e filhos, um novo modelo de conflito de gerações,
como veremos nos capítulos que seguem. Contar com a cultura jovem como
consumidora e fonte de inspiração para a tecnologia é um dos recursos que nos
fazem entender a realidade globalizada. Afinal, se não fosse pela “garotada”, uma
verdadeira folha em brando pronta para ser rabiscada, viveríamos num mundo de
saudosismo absoluto. Principalmente agora, em época de Pós-modernismo
consolidado, quando a ausência de valores sólidos leva até mesmo os jovens a
saudar os valores do passado.
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3. Comportamento resultante
Ação, revolução e luta são ícones da época anterior. Pequenos grupos com
muita força deram lugar a uma grande massa com pequenos ideais que não tem
mais a pretensão de mudar grandes regras, mas sim de modificar pequenas coisas
em sua realidade individual. O próprio pertencimento a uma tribo já não é bem
definido, na medida em que os jovens transitam livremente entre diversos grupos de
acordo com a sua conveniência. É comum encontrar figuras de classe alta nas
metrópoles como a de um adolescente que foi hippie do colégio, depois virou
clubber e agora é “descolado” e dispensa classificações. Aparentemente, não há
nada de mal nisso. O que os impede? São pessoas patrocinadas pelos pais, com
acesso irrestrito à informação e cujo grande investimento da vida (por parte dos pais
e vontade delas mesmas) foi morar no exterior, desenvolver-se profissionalmente
para se destacar no mercado e ser capaz de fazer sua fortuna, realizando seus
desejos de consumo. Seus maiores problemas agora são resolvidos através de um
bom psicólogo e de tratamentos estéticos. Esse exemplo é emblemático para que
então faça sentido perguntar: Lutar pelo que, então?
“Há qualquer coisa no ar. Um fantasma circula entre nós nestes anos
oitenta: o pós-modernismo. Uma vontade de participar de uma
desconfiança geral. Jogging, sex-shops, mas gente dizendo: “Deus
está morto, Marx também e eu não estou me sentindo muito bem.”
Videogames em casa, auroras de laser na danceteria. Nietzsche e
Boy George comandam o desencanto radical sob o guarda-chuva
nuclear. Nessa geléia total, uns vêem um piquenique no jardim das
delícias; outros, o último tango à beira do caos.”
(Jair Ferreira dos Santos, 2000, p. 7)
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TOYNBEE, Arnold. Um estudo da História. Brasília: Universidade de Brasília, co-edição Livraria
Martins Fontes, 1986.
9
SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 2000.
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pais. Mas, apesar de termos nos dado conta disso, não se pode dizer exatamente
que sabemos lidar com essa “(não tão) nova ordem” que aí está.
“Pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências,
nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950, quando, por convenção, se
encerra o Modernismo (1900 – 1950). Ele nasce com a arquitetura e a computação
nos anos cinqüenta. Toma corpo com a arte Pop nos anos sessenta. Cresce ao
entrar pela filosofia durante os anos setenta, como crítica da cultura ocidental. E
amadurece na década de oitenta, alastrando-se na moda, no cinema, na música e
no cotidiano, programado pela tecnociência (ciência e tecnologia, invadindo a rotina
com desde alimentos processados até microcomputadores), sem que ninguém saiba
se é decadência ou renascimento cultural.”10 A observação do autor sobre a
tecnociência previu o que seria o cotidiano do ser humano neste terceiro milênio: o
triunfo da tecnologia de massa e individual, saturando-o de três conceitos-chave
para esta análise: informação, diversão e serviços. Informação em excesso, diversão
mais acessível e serviços de todo tipo e pra todos os gostos.
1) Lidamos mais com signos que com coisas, mais com imagens e simulações
que com a realidade crua. Há uma “desreferencialização” do real e uma
supervalorização do simulacro, do espetáculo, já que a maior parte das
informações que chegam até nós se dão através de relatos (a versão
10
SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 2000, p. 7-8
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11
Niilismo - Filosofia: Doutrina segundo a qual nada existe de absoluto. Ética: Doutrina segundo a
qual não há verdade moral nem hierarquia de valores. Política: Doutrina segunda a qual só será
possível o progresso da sociedade após a destruição do que socialmente existe. (Novo Dicionário
Aurélio).
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12
SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 2000, p. 7-8
27
Ao indicar que o objeto do desejo é "o que falta", Platão13 (427 - 347 A.C.), em
sua obra “O Banquete”, concebe o desejo segundo o modelo da necessidade: o
desejo é um desequilíbrio que deve ser anulado pela satisfação, isto é, a posse
daquilo de que se carece. Sócrates (470 - 399 A.C.), por sua vez, estabelece que o
desejo é falta, em virtude de sua própria definição, de sua essência. É por isso que,
necessariamente, segundo ele, desejamos o que falta.
13
PLATÃO, O Banquete. Lisboa: Edições 70, 1991.
14
MARCUSE, Herbert. Eros e civilização. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1999, 8ª edição.
29
4.2. O Mercado
15
MARCUSE, Herbert. Eros e civilização. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1999, 8ª edição.
16
FREUD, Sigmund. Além do princípio do prazer (1920). Rio de Janeiro: Imago, 1976.
30
17
DESCARTES, René. Lettres au marquis de Newcastle (23 novembre 1646). Paris: Classique
Garnier, 1973.
18
HUSSERL, Edmund. Erste Philosophie (1923-1924), Husserliana, 1959.
19
SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada. Rio de Janeiro: Vozes, 1997.
31
20
TEIXEIRA, Marcus do Rio. Psicanalista, editor da Agalma, autor de Genealogia do banal (1981) e A
feminilidade na psicanálise e outros ensaios (1991).
21
ESTACOLCHIC, Ricardo. Corrupção. In: GOLDENBERG, Ricardo (org.) – Goza!: Capitalismo,
globalização e psicanálise. Salvador: Ágalma, 1997. In: MARTINS, Valdir. O boato como expressão
comunicacional do mercado financeiro. In: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicação. XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Santos: INTERCOM, 2007.
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Por terem sido criadas com o único objetivo de tornar mais eficiente o
acúmulo de capital, essas empresas têm regras corporativas que vão muito além do
que os seus acionistas ou presidentes podem controlar, inclusive prejudicando
cidadãos e a sociedade sem que essas pessoas físicas possam fazer algo a
respeito. Pessoas nesses cargos representam uma companhia, mas não têm
qualquer poder para impedir um impacto, por exemplo, ecológico se o sistema assim
22
SOARES, Tiago. Frankestein no divã. In: REVISTA ESPAÇO ACADÊMICO. Julho de 2004. Mensal.
Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/038/38cult_soares.htm
23
The Corporation (A Corporação): direção de Mark Achbar e Jennifer Abbott, roteiro de Joel
Bakan, Canadá, 2004. Documentário, baseado no livro “The corporation - the pathological pursuit of
profit and power”, de Joel Bakan.
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autorizar (e estiver nos termos da lei, claro). Pessoa física e jurídica totalmente
descoladas em uma relação já fora de controle e balizada pelas regras capitalistas,
eliminando a força de qualquer bom senso. Irônico e assustador, porque pessoas
jurídicas não têm sentimentos, não têm medo, não têm consciência. Pessoas físicas
os têm, mas eles de nada adiantam se elas estiverem sem possibilidade de agir no
âmbito corporativo, que tem dimensões astronômicas quando comparadas ao
universo do humano.
O fato original, real, está encoberto pelo véu da versão. Freud, por
sinal, faz-nos crer ter-se dirigido ao real enquanto factual, mas o real
está posto a partir do primeiro traço de inscrição da, se assim
24
KEHL, Maria Rita. A publicidade e o mestre do gozo. Comunicação, Mídia e Consumo, publicação
quadrimestral. São Paulo: Escola Superior de Propaganda e Marketing.
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uma vez que nós somos limitados pelos nossos sentidos, que nos impedem de
flagrar o mundo todo em sua completude, e vivemos impactados pelos relatos
transmitidos pelos meios de comunicação.
27
The agenda setting function of mass media, Public Opinion Quarterly, n.36, 1972, p. 176-187. In:
BARROS Filho, Clóvis de. Ética na comunicação. São Paulo: Summus Editorial, 1995, 5a edição.
28
Ver: ADORNO, Theodor W. A Indústria cultural. In: COHN, Gabriel. Comunicação e Indústria
Cultural. São Paulo: Nacional, 1975.
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passivo, uma vez que interpreta a mensagem de forma particular, então teríamos
sim um sujeito que participa ativamente dessa indústria cultural. Mas isso só seria
verdadeiro se esse sujeito de fato interferisse no conteúdo produzido, exigindo, por
exemplo, qualidade e rejeitando apelação. Talvez essa seja uma distinção possível
de se fazer quando se compara uma Alemanha com o Brasil, considerados os
índices de educação desses países e o grau de envolvimento da opinião pública
com o conteúdo propagado. Mas não se pode negar que em qualquer lugar
civilizado do mundo a força da mídia se impõe e faz prevalecer o gosto médio, a
padronização, graças ao seu aspecto “massificador”.
29 a
BARROS Filho, Clóvis de. Ética na comunicação. São Paulo: Summus Editorial, 1995, 5 edição.
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Afirmar, como faz René Girard30, que o desejo se constitui sempre sobre um
modelo mimético é mostrar que o desejo é provocado não tanto por um objeto, mas
por um outro, o rival, que já deseja este objeto. Em outras palavras, a estrutura do
desejo é triangular: há sempre o sujeito, o objeto e o rival que os coloca em relação
por seu próprio desejo.
30
GIRARD, René. La Violence et le Sacré. Paris: Grasser, 1972
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não nasce com uma identidade já constituída; ele deve se constituir como sujeito.
Para tanto, deve emprestar alguma coisa a um outro que parece se afirmar pelos
seus próprios desejos, como vemos em Lacan. Este empréstimo se dá por
mimetismo, isto é, por uma forma de imitação em função da qual acreditamos nos
apropriar de uma personalidade. Ora, o que faz a publicidade oferecendo razões o
tocando o coração dos consumidores nada mais é que oferecer a eles fantasias,
personagens, personalidades, identidade por analogia.
O mundo capitalista que, como já foi comentado, está em sua fase mais
consumista é organizado pelo fetiche, como lembra Maria Rita Kehl31. Nas
sociedades de consumo o fetichismo é a normalidade. O que já se conhecia através
de Marx, como o fetiche da mercadoria, passa a incluir também a leitura freudiana
desse mesmo fetiche, que está associada às modalidades perversas de gozo. A
publicidade, como é o caso aqui, soma às mercadorias um tipo de fetiche, da
imagem e da marca, que será exposto numa mídia de massa e, portanto, estará à
disposição do olhar de todos, não importando o poder aquisitivo. Nesse contexto,
pode-se atribuir aos publicitários (sempre munidos de pesquisas de mercado e
sabendo perfeitamente o que querem de seu “público-alvo”) o papel de “mestres do
gozo”, cujo poder de influência se parece com o fascínio que os perversos exercem
sobre os neuróticos.
Também no texto de Maria Rita Kehl é feita uma referência a Eugênio Bucci
em vários de seus artigos para a Folha de São Paulo e o Jornal do Brasil, que diz
que “o apelo psicológico comum a todas as formas de publicidade visa à dinâmica
da inclusão e da exclusão”. Isso se explica pelo fato de que a publicidade se constrói
sempre sobre a mesma lógica, aquela que propõe uma inclusão do sujeito às custas
da exclusão do outro. Naturalmente, o espectador que se identifica como
consumidor do produto anunciado, produto este que se apresenta como sendo
capaz de agregar valor à sua personalidade ou imagem, promove a sua inclusão
imaginária no sistema de gosto e de estilos que dá o tom da nossa sociedade. O
interessante é observar que não se goza tanto com a própria inclusão (que pode ser
31
KEHL, Maria Rita. A publicidade e o mestre do gozo. Comunicação, Mídia e Consumo, publicação
quadrimestral. São Paulo: Escola Superior de Propaganda e Marketing.
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apenas fantasiosa) mas muito mais pela não-inclusão do outro que, segundo essa
lógica, nos qualificaria.
Antes de analisar mais a fundo o meio internet, faz-se necessário dar um passo
adiante e investigar o impacto de uma vida digital sobre a humanidade. Segundo
descrição que se encontra na enciclopédia online Wikipedia, digital é a informação
do mundo real transformada na linguagem do composto binário. Segundo o
dicionário Michaelis da Língua Portuguesa, refere-se ao circuito eletrônico que
32
LACAN, Jacques. Os nomes do pai. Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
41
33
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola,
2000.
42
Cabe apontar a definição para "virtual" não como sendo algo que se opõe ao
"real", mas sim ao "atual". O virtual seria, portanto, o que existe potencialmente.
Esse raciocínio de “existir potencialmente” abre caminho para um entendimento
muito amplo do ciberespaço, permitindo classificar o “local” onde se encontra uma
informação de pontos de vista distintos: fisicamente ela está estocada em algum
servidor, mas se pode ser recuperada de qualquer ponto e a qualquer momento,
então ela está em toda a parte ou, melhor ainda, ela está sempre à nossa
disposição. "Virtual" e "atual" são, portanto, dois modos opostos que desafiam até
mesmo a nossa concepção sobre o tempo, sendo o primeiro aquele que aponta para
o futuro e para o “sempre”.
Por fim, a noção de que o ciberespaço não é só mais um meio, passível de ser
classificado na mesma dimensão dos “multimídia”, leva a crer que, na verdade, ele é
o suporte das mudanças culturais mais rápidas e, arrisco dizer, mais significativas da
nossa era. Ou seja, não é tanto a representação da informação, mas o modo de
relação entre as pessoas, totalmente reinventado pela internet, que impulsionará as
transformações daqui pra frente. A internet será o meio e a motivação, portanto, de
uma nova ordem mundial.
Por tudo o que já foi exposto nesse capítulo, a rede não funciona apenas como
uma ferramenta para a democracia ou a ampliação do conhecimento coletivo. Ela é
fundadora de uma verdadeira civilização. E isto está apenas começando.
O mundo virtual está cada dia mais ao alcance da grande massa. Anunciou o
Jornal Meio&Mensagem, de junho de 2008, que “a venda de computadores no Brasil
já supera a de TV. Estudos de Mercado apontam mais de 40 milhões de internautas
43
Mas a publicidade também sabe que está encontrando pela frente um novo
consumidor, um novo público-alvo. Este antigo “receptor” das informações
disponibilizada pelos meios passa a ser um receptor-agente, na medida em que
recebe, mas também produz, o conteúdo que circula na rede. Estamos prevendo a
participação do espectador em um processo de interação com o conteúdo.
Diferentemente da relação tradicional, por exemplo, com a televisão, que impõe seu
conteúdo e sua forma de propagação, na interatividade há uma relação entre
máquina e usuário na construção da mensagem. Gianfranco Bettetini34, no ensaio
intitulado “Semiótica, computação gráfica e textualidade”, define a interatividade
como a “capacidade do sistema de acolher as necessidades do usuário e de
satisfazê-lo”.
34
BETTETINI, Gianfranco. Semiótica, computação gráfica e textualidade. Rio de Janeiro: Objetiva,
1996.
44
35
O Metaverso é um mundo virtual, descrito a primeira vez por Neal Stephenson em uma obra de
1992, intitulada Snow Crash, onde humanos interagiam como avatares com outros “indivíduos’ que
eram, na verdade, softwares de computador, num espaço tridimensional que representava o mundo
real. (definição da wikipedia: http://en.wikipedia.org/wiki/Metaverse)
45
6. Conclusões
Sem dúvida, essa é uma nova ordem disposta a delegar muito mais poder ao
indivíduo. Parece que o ser no mundo passa a ter muito mais responsabilidade
sobre a coletividade do que pudemos ver durante toda a história da humanidade e
suas revoluções. E isso, além de influenciar a comunidade, certamente vai afetar a
47
7. Referências Bibliográficas
BARROS Filho, Clóvis de. Ética na comunicação. São Paulo: Summus Editorial,
1995, 5a edição.
FREUD, Sigmund. Além do princípio do prazer (1920). Rio de Janeiro: Imago, 1976.
HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos, o breve século XX - 1914 a 1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997.
KLEIN, Naomi. Sem Logo – A tirania das marcas em um planeta vendido. Rio de
Janeiro/ São Paulo: Record, 2002.
LACAN, Jacques. Os nomes do pai. Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
LINDSAY, Brink. Against the dead hand: The Uncertain Struggle for Global
Capitalism. New York: Hardcover, 2001
SANTAELLA, Lucia. Cultura das mídias. São Paulo: Experimento, 1992, 4ª edição
SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 2000