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O documento discute as mudanças nas estruturas familiares tradicionais devido ao progresso social e tecnológico. O complexo do desmame é dificultado pela tecnologia que permite contato constante entre mãe e filho. O complexo da intrusão é afetado pela redução do tamanho das famílias. O complexo de Édipo é alterado pela possibilidade de se gerar crianças sem a figura paterna e pela dissociação entre sexualidade e reprodução.
O documento discute as mudanças nas estruturas familiares tradicionais devido ao progresso social e tecnológico. O complexo do desmame é dificultado pela tecnologia que permite contato constante entre mãe e filho. O complexo da intrusão é afetado pela redução do tamanho das famílias. O complexo de Édipo é alterado pela possibilidade de se gerar crianças sem a figura paterna e pela dissociação entre sexualidade e reprodução.
O documento discute as mudanças nas estruturas familiares tradicionais devido ao progresso social e tecnológico. O complexo do desmame é dificultado pela tecnologia que permite contato constante entre mãe e filho. O complexo da intrusão é afetado pela redução do tamanho das famílias. O complexo de Édipo é alterado pela possibilidade de se gerar crianças sem a figura paterna e pela dissociação entre sexualidade e reprodução.
Telma Corra da Nbrega Queiroz e Jos Roberto de Almeida Correia
A famlia em suas origens um grupo unido por uma relao biolgica, que gera filhos, que se desenvolvem e formam novas famlias. preciso, portanto, duas famlias para constituir uma nova, uma que fornece o homem, o pai, e outra que fornece a mulher, a me, que vo se unir por uma aliana, o casamento, tendo se tornado uma instituio social. Caracteriza-se por um desenvolvimento particular das relaes sociais e por uma subverso dos instintos, constituindo a cultura, dimenso especfica da famlia humana. As instancias culturais dominam as naturais podendo mesmo substitu-las, como por exemplo, na adoo. A famlia desempenha um papel essencial na transmisso da cultura e na educao que reprime os instintos e organiza as emoes e os sentimentos. Pela famlia se estabelece a continuidade psquica entre as geraes. A sua estrutura hierrquica, com domnio do adulto sobre a criana, est na base da formao moral. Desde as origens, quer ela seja matriarcal ou patriarcal, interdies e leis regem seu funcionamento. Essas leis se transmitem pela funo paterna. Em sua forma original, a instituio famlia repousa numa diferena anatmica. Foi baseado na dissimetria da situao dos dois sexos que Freud formulou sua teoria sobre a famlia. Ele descobriu que a represso sexual, a determinao do sexo psquico e especialmente as interdies que tm por objeto o comrcio sexual entre os membros da famlia, esto relacionadas com o drama universal do dipo. pelo dipo que o sujeito descobre a diferena sexual e assume uma sexualidade, renunciando outra. pelo dipo que a criana interioriza a interdio do incesto e faz a distino entre as 2 geraes, pois as relaes sexuais, alm de serem proibidas entre pessoas da mesma famlia, so tambm proibidas entre adultos e crianas, entre pessoas de geraes diferentes. Falar de dipo introduzir a questo do pai e conseqentemente a do falo, objeto do recalque freudiano. O falo implica a assuno pelo homem de seu sexo. considerado um elemento simblico, significante ao qual se liga o desejo da me. Lacan chamou de Nome-do-pai a substituio metafrica que sustenta a funo paterna. Pela metfora paterna o pai situado como representante da lei. A lei promovida no discurso da me, pela importncia que ela d fala do pai, personagem que ela introduz para a criana como sendo o homem que ela ama, o homem para quem dirige o seu amor. A funo paterna probe o incesto, introduz um corte na indissociao me-filho, permitindo assim o surgimento do sujeito. Mas essa lei s pode ser interiorizada pela criana se ela for amada e respeitada pelo adulto que a transmite, quer dizer, se o adulto tambm estiver submetido lei. Lacan observa que em conseqncia da subverso instintiva especfica da ordem humana, se constituem na instituio familiar certas estruturas fundamentais mais ou menos estveis, com infinitas variaes da cultura. Ele cita trs dessas estruturas, que so o complexo de desmame, o complexo de intruso e o complexo de dipo. O prprio Lacan j tinha observado, que essas estruturas vm sofrendo modificaes tendo chegado ao que atualmente se pode chamar uma verdadeira mutao cultural. A maior parte dessas modificaes parece estar ligada ao declnio social da imago paterna, ao declnio da transmisso das leis, o que parece estar ligado aos efeitos do progresso cientfico e social. Esse declnio, segundo Lacan, constitui uma crise psicolgica que estaria mesmo na origem do surgimento da psicanlise. Ns vamos retomar essas trs estruturas estveis das quais fala Lacan nos Complexos familiares e verificar que modificaes foram introduzidas nelas pelo progresso e pela mutao cultural.
3 O desmame Lacan j considerava o complexo de desmame particularmente difcil de ser sublimado. Nos tempos atuais a separao entre a me e a criana ainda mais dificultada pela tecnologia e pela insegurana das grandes cidades. Com os avanos tecnolgicos as crianas podem ter tudo imediatamente e, pela insegurana, so constantemente olhadas e vigiadas, cada vez mais por aparelhos eletrnicos. O uso generalizado do telefone celular, por exemplo, vem contribuir particularmente para dificultar a separao me-filho, as crianas ficam na imediatez, numa ligao direta e permanente com a me. No h mais tempo de ausncia nem tempo de espera. Sabemos com Freud a importncia do tempo de espera para o surgimento e enriquecimento do pensamento. Crianas e adolescentes no adquirem a capacidade de ficarem sozinhos, tudo o que pensam precisam comunicar imediatamente ao outro, foraclundo o Outro. As reflexes solitrias, os momentos de meditao, so cada vez menos possveis.
A intruso O complexo de intruso que tem origem com a chegada do irmo tambm sofre profundas transformaes. O progresso social vem contribuindo para reduzir cada vez mais a famlia moderna at chegarmos ao extremo da poltica chinesa denominada um casal, um filho, na qual o jornalista Hector dAmico prev um formidvel problema freudiano para o futuro, pois surgiro geraes e geraes de filhos nicos e, portanto, sem irmos, sem primos, sem sobrinhos, tios e cunhados. Parece que quanto maior o progresso, mais a famlia se reduz. Lacan aponta a importncia dos irmos na gnese da sociabilidade e do prprio conhecimento humano. Com o irmo j se esboa o outro como objeto ao mesmo tempo em que o eu se constitui, eu que o fundamento do conhecimento. Junta-se a isso o uso excessivo do vdeo-game e do computador para favorecer ainda mais o isolamento social das crianas. 4 Temos tambm um nmero crescente de produes independentes, de famlias monoparentais ou descompletadas. Nos Complexos familiares, Lacan considerava que o grupo familiar reduzido me e fratria tenderia a fazer com que a realidade permanecesse imaginria ou no mximo abstrata. O grupo assim descompletado seria favorvel ecloso de psicoses e nele se encontraria a maioria dos delrios a dois. Ao mesmo tempo na frica teremos a situao inversa da China, ou seja, muitos filhos e ausncia de pai e me. H uma previso de que na prxima dcada haver toda uma gerao de crianas rfs da AIDS, 40 milhes de crianas que sero educadas sem pai nem me, em instituies outras que no a famlia, s vezes um nico adulto cuidando de trinta, quarenta crianas.
O dipo Quanto ao complexo de dipo, o progresso social e cientfico tambm traz notveis modificaes. Se falar do dipo falar do pai, o que acontecer quando se chegar ao ponto de se dispensar o pai para gerar uma criana? J se descobriu uma maneira de dispensar o pai, ou seja, de se dispensar o tecido masculino. Uma criana poder ser gerada somente a partir do tecido feminino, o vulo. Nos Complexos familiares Lacan afirma que, os mais decisivos efeitos da funo paterna so a represso e a sublimao e que a morte do pai, dependendo do grau de acabamento do dipo, tende a fixar o progresso da realidade. Havendo carncia paterna, a represso falha e a dialtica das sublimaes perturbada. No Seminrio 16, Lacan afirma que a prpria busca biolgica da paternidade, outra grande descoberta cientfica recente, tem incidncias na transmisso do Nome-do-pai e da castrao, pois o pai sai do campo puramente simblico. Uma outra modificao no dipo tambm introduzida pela reproduo medicamente assistida e dissociada da sexualidade que vem, de certa forma, fazer recuar os limites da interdio do incesto. o que acontece, por exemplo, ao se fazer inseminao artificial na av, a me do pai, caso recente que foi apresentado no 5 jornal nacional. Transgresso no somente em relao s leis do incesto, mas tambm s leis biolgicas e fisiolgicas, alm de no se levar em conta a distino das geraes. Uma terceira modificao essa da famlia no se fundar na diferena sexual, ou seja, se construir fora da ordem flica. Vrias situaes se apresentam. So exemplos tpicos os casamentos homossexuais assim como a adoo de crianas por casais homossexuais. A prpria guarda compartilhada, considerada como um avano no direito da famlia tambm tende a anular a diferena sexual, pois visa dividir a criana como um bem material, metade para cada um, pai e me vo exercer a mesma funo, quer dizer no vai haver diferena entre funo paterna e funo materna. essa mesma tendncia que cria o conceito de metrosexual. O homem das metrpoles atualmente manifesta preocupaes com o corpo e a esttica que antes eram exclusividade das mulheres. Sem contar que as preocupaes com a esttica do corpo so tais tanto em homens quanto em mulheres que, com o avano dos tratamentos estticos e da cirurgia plstica, pode-se mesmo transformar seu corpo em outro, em outro sexo, colocando-se assim o problema da prpria identidade do sujeito. Tambm tornou-se freqente, o homem delegar a virilidade mulher e cada vez mais exercer a funo de maternagem. Podemos pensar que todos esses fenmenos so de certa maneira reflexos da ideologia atual de globalizao que busca essencialmente o apagamento das diferenas, tornar o mundo todo igual. Finalmente, por falta da represso, o recalque desaparece. Se antes o sujeito era culpabilizado por seus desejos, hoje pode realizar todos, mas na verdade no sabe mais o que quer. Se antes havia o pudor, hoje tudo que era proibido, obsceno, exibido e exposto em primeiro plano. o que vemos nos programas tipo Big Brother, onde toda a intimidade exposta, como se no houvesse mais limite entre o dentro e o fora. O sujeito se torna transparente, fica sem amparo e sem limites, no podendo encontrar um lugar que reconhea como seu domiclio. 6 O pai, o mais velho por outro lado, no mais o modelo ideal. O modelo ideal agora o jovem. Todos querem ser jovens, o saber adquirido pela experincia no tem mais valor. Assim a hierarquia do dipo e a distino de geraes mais uma vez se anula, os saberes so desinvestidos. O acesso vida sexual sendo fcil e banal, o desejo de saber fica entorpecido. Charles Melman, no livro Formas clnicas da nova patologia mental, compara essa nova economia psquica com a economia psquica dos japoneses. Ele diz que so pessoas que no escondem nada e que ao mesmo tempo como se no houvesse subjetividade. Essa economia psquica diferente se explicaria pelo tipo de escrita ideogrfica que se presta a uma dupla leitura, fontica e ideogrfica, no permitindo o recalque, pois o recalque incide sobre as letras, sobre as palavras, sobre os significantes. Se o mesmo caractere se presta a leituras diferentes, se no h mais recalque e se pode manifestar seus desejos livremente o que acontece com o inconsciente? Se no podemos dizer que a nova economia psquica se explicaria pela nossa escrita, a mesma questo se coloca, no entanto, para ns. O que acontece com o inconsciente diante dessa mutao cultural, dessa transparncia do sujeito?
Algumas conseqncias Para comear, essas novas situaes familiares. Os filhos cada vez mais concebidos fora dos laos matrimoniais vo estar na foto de casamento, assistir ao casamento dos pais. Antes, quando viam a foto perguntavam onde estavam, agora como se verem antes de terem nascido, antes da cena primitiva. Nessa nova ordem familiar, com crianas adotados, ou procriadas artificialmente ou oriundas de famlias recompostas, ou monoparentais ou homoparentais, ou ainda sem figuras parentais, a transmisso da autoridade vai se tornando cada vez mais problemtica, medida que divrcios, separaes e recomposies conjugais proliferam. Os novos sujeitos no saem inclumes dessas perturbaes ligadas ao nascimento, h com certeza conseqncias estruturais que 7 apresentam certas caractersticas descritas por Charles Melman em seu livro O homem sem gravidade. A primeira dessas caractersticas a foracluso do Outro e a foracluso do sujeito que se manifesta muito nitidamente no progresso cientfico. O uso das drogas, tanto lcitas quanto ilcitas, que procura manipular os estados psquicos independentemente da subjetividade, causando ao mesmo tempo a dependncia do objeto. O viagra apenas um dos mltiplos exemplos dessas drogas, que se usa ora para suprir a ausncia de desejo, apagar suas ambigidades, ora para se obter o mximo possvel de gozo. Assim se promove o gozo objetal em detrimento do gozo flico, o que favorecido pela ideologia da economia liberal. O gozo genital se tornou banal, igual aos outros gozos que antes eram banais. A sexualidade parece responder muito mais a uma necessidade orgnica de descarga de tenso. O erotismo desapareceu, retorna o autoerotismo, nos diz Charles Melman. A injuno feita pela economia liberal para se viver gozando, para fazer festa todo dia, o tempo todo, o que leva concomitantemente a uma modificao moral, que consiste em se achar bom o que antes era rum e rejeitado. preciso experimentar de tudo, gozar de tudo, provar de tudo. Nova moral que entendida como progresso, mas que no leva em conta a subjetividade. Acompanhar o progresso, ser progressista, implica no ter mais nenhum tabu. Entre alguns grupos de jovens se considera ser avanado quem tem parceiros dos dois sexos. Pois vem se tornando freqente uma certa indiferena quanto ao sexo do parceiro. Sem autoridade paterna e sem lei simblica, o materno prevalece, uma organizao anterior descoberta da diferena sexual. O acesso vida sexual se faz sem passar pela castrao constituindo sujeitos frgeis predispostos depresso, ao delrio, homossexualidade e bissexualidade. Melman cita alguns sintomas dessas novas patologias. Um deles a chamada hiperatividade. Inicialmente sintoma atribudo somente a crianas permanentemente agitadas, incapazes de se concentrarem, tambm se encontra em adultos atualmente. Adultos 8 que no param no mesmo lugar, no mesmo emprego, precisam sair ou viajar o tempo todo, ter vrias mulheres, passar de uma para a outra, de um lugar para outro. Ele prope um novo nome para essa patologia: atopia ou adomia. Pois o que acontece que esses sujeitos no tm um lugar que possam reconhecer como seu domiclio, de onde possam autorizar sua palavra. o sujeito sem domiclio. Uma dificuldade com a castrao, pois ficar no mesmo lugar implica em renunciar aos outros. O lugar onde o sujeito vai encontrar seu domiclio o de uma interdio, o de um buraco no Outro. Um outro sintoma a necrofilia, cujo exemplo princeps o da exposio de cadveres plastinados exibindo todas as zonas de sombra do corpo humano. A morte deixa de ser sagrada para se tornar atrativo para o lazer. Apesar dessa mutao cultural e de todas essas transformaes na famlia, segundo Elisabeth Roudinesco, continua havendo um desejo de famlia. Mesmo os que antes contestavam a famlia, agora batalham para entrar nela, como o caso dos homossexuais que lutam pelo casamento e pelo direito adoo de filhos. Todos procuram a ordem familiar. Antigamente o jovem era um revoltado, hoje deseja participar da felicidade social, o mais rpido possvel. H um desejo de entrar na norma familiar. A famlia parece ser ainda desejada, embora a transmisso da autoridade esteja em crise nela. Quanto ao progresso, no podemos det-lo. Mas o que ganhamos por um lado perdemos de outro. No seminrio sobre as psicoses, Lacan chama nossa ateno para o fato que o perigo do progresso da cincia nos deixa indiferentes. No nos preocupamos com as conseqncias. Basta ver a maneira como se destri a natureza em nome do progresso. O motivo dessa indiferena, diz Lacan, que estamos todos inseridos nesse significante maior que se chama Papai Noel e com Papai Noel, tudo se arranja. Resta a refletir, qual o lugar da psicanlise nessa nova economia. Se a mutao cultural trouxe um esvaziamento do simblico, com certeza aumenta a dificuldade do sujeito em sua difcil tarefa de se humanizar. Mas se considerarmos que a 9 psicanlise surgiu dessa falncia simblica e vem se desenvolvendo desde ento, podemos supor que o lugar da anlise ser cada vez mais necessrio. Cabe ao psicanalista a tarefa de preservar este lugar, um domiclio de onde o sujeito possa re-significar o errtico desdobramento do desejo.
Bibliografia:
DAMICO Hector: Una nacin definida por sus tremendas contradicciones. La nation line Exterior. 20 de setembro de 2004.
LACAN Jacques: De um Outro ao outro Seminrio 1968-69. CEF Recife, 2004. Publicao no comercial, exclusiva para os membros do CEF.
______________: O seminrio Livro 3 As Psicoses. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988.
______________: Les complexes familiaux. Paris: Navarin diteur, 1984.
MELMAN Charles: Novas formas clnicas no incio do terceiro milnio. Porto Alegre: CMC Editora, 2003.
_____________ : Formas clnicas da nova patologia mental. Traduo Letcia Fonseca e Telma Queiroz. Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife, 2004.
_____________ : Lhomme sans gravit. Paris: ditions Denel, 2002.
ROUDINESCO Elisabeth. A famlia em desordem. Traduo Andr Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. 10
Dados sobre os autores:
---- Telma Corra da Nbrega Queiroz Psiquiatra psicanalista, professora da Universidade Federal da Paraba, membro da Escola Freudiana de Joo Pessoa. Endereo: Rua Eutiquiano Barreto, 77 apt301 Manara Joo Pessoa Pb - 58038-310 Fone: 083 247 06 58 E-mail: telmacnqueiroz@gmail.com
---- Jos Roberto de Almeida Correia Psiquiatra psicanalista, coordenador do CAPSi CEMPI (Centro Mdico Psicopedaggico Infantil da Prefeitura de Recife). Endereo: Rua Paulino Gomes de Souza, 136, apt 1001 Recife Pe - 52050-250 Fone: 081- 34271772 E-mail : jcorreiajmello@gmail.com