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Eero Tarasti
University of Helsinki
TRADUÇÃO: MICHAEL HOCHREITER
Uma maneira tradicional de realizar esta tarefa seria estudar os gestos. Isto de
fato já foi feito por Adorno em seu estudo sobre Wagner, no qual, no entanto,
apresenta resultados desestimulantes, sustentando que os gestos não podem ser
desenvolvidos, mas apenas repetidos. Com isso alguns antigos semiólogos musicais
prestaram muita atenção às várias formas de abordagem de Gino Stefani em seu
estudo sobre os acentos para as explorações bem recentes nos estilos clássico e
pré-romântico onde, como Adorno disse, a gestualidade foi sublimada em uma
expressão.
Algumas pistas sobre o papel que a corporalidade assumiria junto à nova
semilologia da música pode ser novamente encontrada em Merleau-Ponty, ao tratar
sobre a significação gestual (Op. cit., p. 209). Trata-se, em sua mente, como um
primeiro sketch desenhado antes que o receptor tenha concebido a semântica de uma
mensagem.
“Uma música ou uma pintura que não é imediatamente compreendida termina por se
criar ela mesma seu público, e se realmente transmite qualquer coisa, tal ato se
dá a fim de destilar ela mesma sua significação”.
Alguém poderia então pensar que uma obra de arte produz certo sentido implícito
antes de ser conectado a quaisquer significações ideológicas ou estéticas
determinadas por sua situação histórica. Não deveríamos primeiro examinar
primeiramente este nível, ambos feministas e tradicionalistas juntos, de modo que
poderíamos concordar sobre o que a corporalidade representa na música ? Mui
provavelmente a análise degenerativa recusaria esta oferta de reconciliação,
partindo do fato que sua tese sustenta: Tudo desde o início é tornado gênero, não
havendo nível “mais baixo” prévio para os quais as coisas possam ser reduzidas.
Também dizendo isso eles caem e permanecem na armadilha da diferença-ideologia, e
não podemos visualisar como alguém pode sair de tal armadilha senão desenvolvendo
uma sólida base semiótica para o que o corpo representa, seja masculino ou
feminino, em música.
Nesta estrada “pouco trafegada”, pode-se encontrar certo senso de direção nas
teorias do pragmaticista George Herbert Mead, que estudou o “eu” como sujeito e
objeto, ou as noções de “eu” e “mim”. O tema também foi uma importante aquisição
para fenomenólogos como Merleau-Ponty e antes dele Husserl, naturalmente, onde o
corpo nunca pode aparecer como mero objeto a um sujeito. Também feministas como
Teresa de Lauretis distinguem-se entre experimentando o corpo e o corpo
experimentado por outros (em alemão a palavra “Korper” e “Leib” contêm esta
diferença). A relação do sujeito com seu/sua corpo muda essencialmente quando
ele/ela nota que é percebido por mais alguém. Não precisamos descrever a
experiência diária de qualquer músico, onde a mesma peça tocada para si mesmo e
ainda que para uma audiência mínima torna-se uma experiência de grande diferença.
Quando no texto a seguir me refiro à corporalidade da música, não estou
interessado no fato como uma experimentação “corporal” realizada por outros,
“mim”, desde que então tal corporalidade seria determinada a partir de fontes
externas, numa maneira “eticista” de juntar assim todas as ideologias
circundantes.
Pode-se então argumentar que uma peça musical é em um sentido metafórico como um
“organismo vivo”, um tipo de “corpo”. Então a única maneira de entrar por baixo da
pele deste “corpo” é naturalmente dissecá-lo. Agora, existe então algum método
através do qual possamos estudar este tipo de “corpo musical” internamente ?
George Herbert Mead visualisa que os símbolos emergem de um interplay contínuo de
impulsos internos e respostas exeriores. Ele relaciona o gestual em uma
conversação como gestos vocais. Ele diz que são
“Símbolos significantes, e por símbolo não entendemos algo que esteja fora do
campo da conduta. Um símbolo não é nada mais que um estímulo cuja resposta é
oferecida por antecipação. Isto é tudo que entendemos por símbolo. Existe a
palavra e uma reação. A reação é o antecedente histórico da palavra, mas se a
palavra significa um insulto, a resposta encontra-se agora sob nova forma e de
nova maneira envolvida com tal palavra, algo oferecido no próprio estímulo. Isto é
tudo que representa o significado por um símbolo. Agora, se aquela resposta puder
se oferecer em termos de uma atitude utilizada como controle ou ação complementar,
então a relação daquele estímulo e atitude é o que entendemos por símbolo
significante (Mead, p. 181)”.
Então Mead argumenta que nosso pensamento anda por estas linhas, “ dentro de nós”
como alguém diria, e representa para ele um “jogo de símbolos (p. 181, Mind, Self
& Society) através de respostas gestuais, que são evocadas em nossas próprias
atitudes. O que era o significado tornou-se agora um símbolo que adquire outro
significado. Até mesmo o próprio significado tornou-se estímulo de outra
resposta”. Deste modo, de acordo com o raciocínio de Mead, a conversação se torna
sempre continua, e o que era “resposta” torna-se no campo gestual um estímulo, e a
resposta a isto é o “sentido”.
É certo que os gestos têm sua “casa" em música, seu próprio “lugar” onde vivem.
São como órgãos de um “corpo”. Contudo, em sua forma rítmica, a forma periódica de
quatro e oito compassos é imediatamente questionada por uma assimetria rítmica, e
tão tardiamente quanto no compasso 27 notamos em que país e século nos
encontramos, isto é, qual a situação musical real desta mensagem. Isto ocorre com
o acorde de nona da dominante com seu sabor impressionista:
A grande vantagem da abordagem de Mead para o sentido é que ele não o vê como
alguma coisa estática, mas como algo que se movimenta todo o tempo, de modo
processional. Em meus sketches para uma nova teoria semiótica – que eu espero que
definitivamente ajudará a levar para um novo método de análise musical - Tenho
mais explícidamente distinguido três estágios de signos em tal processo “de
conversa”, entre o interno e o externo, estímulo e resposta (tentando evitar os
perigos do behaviorismo, que são os pré-signos, signos actantes e pós-signos.
Esta abertura parece tão inocentemente positiva com sua forma clara, de modo que
alguém somente mais tarde nota que seu signo, sentido como um “primeiro real” no
sentido Peirceano, tem um pré-signo ao final, como encontramos na história da
música francesa: É nomeadamente o mesmo caso do motivo encontrado no Chorale em
Prélude, Chorale et Fugue de César Franck. Mas mesmo este pré-signo tem ainda seu
próprio pré-signo mais antigo, como no motivo dos sinos na cena do Graal em
Parsifal de Wagner. Aqui o que parece externamente ser um signo vital de um corpo
musical puramente masculino e inocentemente corpóreo torna-se a paródia de um
motivo coral muito mais profundo introspectivo e psicológicamente complexo.
Sim, o processo também segue outras direções. Mais tarde este motivo principal não
é apenas formalmente repetido na recapitulação, mas sim reintroduzido bem ao final
da peça, quando Chausson o apresenta com a forma cíclica. Primeiro parece deixar o
tema principal para seu retorno ao primeiro movimento, via seus fragmentos em um
longo desenvolvimento. Então uma surpresa no psicológico e clímax tensorial da
peça como um todo que eu evoquei, em termos emprestados do filósofo
existencialista francês Jean Wahl, uma trans-ascendência e trans-descendência, que
dá lugar ao tema principal do segundo movimento.
Isto também diz respeito às teorias semióticas, que no século vinte herdaram muito
da semiótica dicotômica do classicismo/romantismo do século dezenove, uma
dicotomia que, particularmente através do final de nosso século tornou-se
trivializada, reduzida ao banal, e mídiatizada em tais formas de semiótica, como é
apenas um tipo de enretenimento pós-moderno. Também a tradição romântica teve seu
momento de declino na semiótica, levando às exageradas e introvertidas
aproximações solípedes perigosamente destacadas do contexto social com valores
éticos na base de tal aproximação. No entanto, o essencial é que estejamos prontos
e capazes de seguir a “linha” romântica de Hegel via Kierkegaard até Peirce – que
gentilmente disse de Hegel que "há música em sua filosofia" (see Max Fisch) – e
mesmo a Soloviev, Bakhtin, Lotman, Lévi-Strauss e Greimas. Mas há também a linha
“clacissista” que segue ao invés disso o empirismo lógico da filosofia anglo
saxônica.
Outra tendência é pensar que todos os signos existem apenas na base de uma ordem
existente antes do estudioso começar seu/sua trabalho e que permanece ao seu
término. A filosofia semiótica aproxima-se do significado (1) como um processo,
isto é, supondo que os signos não podem ser definidos tomando em conta o tempo,
lugar e sujeito (ator); (2) como algo imanente, ou seja, acreditando como Mead and
Merleau-Ponty primeiramente que o sentido é produzido através de um sistema dado,
corpo, organismo em primeiro lugar sem qualquer significado oriundo do exterior
como um deus ex machina (como na ‘redenção’ ao final da peça de Chausson: os temas
reconciliadores não vêm do exterior, mas são gerados de materiais através da peça;
(3) ao dar ênfase ao conteúdo, o significado seja ele qual for, pode ser algo não-
verbal, “inefável” capaz de ser expresso apenas em termos de uma experiência quase
corporal. Então este é o tipo de semiótica da música que persigo em meus
argumentos. A favor e contra certas teorias atuais e descobertas emergentes da
então chamada “nova musicologia”.
Bibliografia
MEAD, George Herbert (1967/1934) Mind, Self, & Society from the Standpoint of a
Social Behaviorist. Chicago, London: The University of Chicago Press.
SOLIE, Ruth A., ed.(1993) Musicology and Difference. Gender and Sexuality in Music
Scholarship. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press.
WEINER, Marc A. (1997) Richard Wagner and the Anti-Semitic Imagination. Lincoln
and London: University of Nebraska Press.