Sunteți pe pagina 1din 10

ARTIGO ARTICLE 2375

Ações de saúde mental no Programa Saúde


da Família: confluências e dissonâncias
das práticas com os princípios das
reformas psiquiátrica e sanitária

Mental health care in the Family Health Program:


consensus and dissent in practices and principles
under the psychiatric reform and health
reform in Brazil

Mônica Nunes 1
Vládia Jamile Jucá 1
Carla Pedra Branca Valentim 1

Abstract Introdução

1 Instituto de Saúde Coletiva,


In many psychiatric reforms based on the prin- Em vários paises do mundo, nas Reformas Psiqui-
Universidade Federal da
Bahia, Salvador, Bahia.
ciples of deinstitutionalization of psychiatric átricas que se sedimentam sobre os pressupostos
patients and the consolidation of territorial sys- da desinstitucionalização dos pacientes psiquiá-
Correspondência tems for mental health care, the emphasis is on tricos e da consolidação de bases territoriais do
M. Nunes
Núcleo Interdisciplinar de
a mental health care system that includes the cuidado em saúde mental, a ênfase é atribuída a
Saúde Mental, Instituto de primary care network. In Brazil, the Psychiat- uma rede de cuidados que contemple a atenção
Saúde Coletiva, Universidade ric Reform emerged within the country’s overall básica, ou primária. Parte-se da premissa de que
Federal da Bahia.
Rua Basílio da Gama s/n, Health Reform, with which it shares common um grande número de problemas em saúde men-
Campus Universitário do principles for reorienting the model of care. The tal pode ser resolvido nesse nível de assistência,
Canela, Salvador, BA
current article discusses the links between these sem ter necessidade de serem referidos a níveis
40110-140, Brasil.
nunesm@ufba.br two movements through actual mental health especializados do sistema de saúde 1. Enfatiza-
care practices within the Family Health Program se ainda a importância do desenvolvimento de
(FHP), based on an ethnographic study with four ações de tipo preventivo e promocional da saúde
family health teams, in which the authors priori- mental que teriam, na atenção básica, o lócus
tize health workers’ narratives. The article ana- preferencial de desenvolvimento.
lyzes these practices, the discrepancies between Já nos anos de 1970 e 1980, a Organização
guidelines and practice, obstacles and advances Mundial da Saúde (OMS) 2 reconhece a magni-
in the operationalization of activities, and limits tude dos problemas de saúde mental e admite
to the comparison and potentialities for cross- a impossibilidade do seu cuidado ficar a cargo
cutting application of particular epistemological exclusivo de especialistas. Preconiza então a
fields like expanded clinical mental health prac- descentralização dos serviços existentes, a inte-
tice and the FHP. The discussion is based on such gração de serviços psiquiátricos em unidades de
concepts as the psychosocial care model, compre- cuidados gerais, a formação de cuidadores não
hensive care, social participation, territoriality, especializados e o aumento da participação da
and collective actions. comunidade 3.
No Brasil, essas idéias passam a ser incor-
Mental Health; Family Health Program; Primary poradas e veiculadas pelo movimento da Refor-
Health Care ma Psiquiátrica Brasileira, que nasceu no bojo
da Reforma Sanitária, tendo guardado consigo
princípios e diretrizes que orientam esta última,

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(10):2375-2384, out, 2007


2376 Nunes M et al.

em especial a universalidade, integralidade, des- em ruptura ao paradigma médico-naturalista


centralização e participação popular. Ao longo clássico 4, atribuindo um novo lugar social para
do seu desenvolvimento, que segue um curso a loucura e, para isso, instaurando um Modelo
particular e nem sempre coincidente com aque- Psicossocial de Cuidado 5. Para Costa-Rosa 5, es-
le da Reforma Sanitária, esforços foram mais ou se novo modelo deve situar-se em contradição
menos dirigidos na perspectiva de recuperar esse com o modelo antigo, asilar, em quatro parâ-
sentido original, sobretudo no que tange à cons- metros principais: na definição de “seu objeto”
tituição de uma rede integrada de assistência ao e dos “meios” teórico-técnicos de intervenção,
portador de transtorno mental. nas formas da organização dos dispositivos ins-
A despeito da Política de Saúde Mental, que titucionais, nas modalidades do relacionamento
norteia atualmente a Reforma Psiquiátrica, es- com os usuários e a população e nas implicações
timular práticas pautadas no território e arti- éticas dos efeitos de suas práticas em termos ju-
culadas em uma rede ampliada de serviços de rídicos, teórico-técnicos e ideológicos.
saúde, a lacuna ainda parece ser grande entre o Valendo-se desses quatro parâmetros, pode-
que essas diretrizes propõem e o que se observa se, desde o início, identificar aspectos de con-
na realidade concreta. Ademais, as concepções e fluência entre os mesmos e aqueles que regem
práticas em saúde mental por ventura existentes o PSF. Assim, no que se refere ao objeto e meios
no nível básico de atenção à saúde nem sempre de trabalho, o Modelo Psicossocial propõe que
condizem com o esperado por parte dos que for- fatores políticos, biopsíquicos e sócio-culturais
mulam a Reforma Psiquiátrica Brasileira, geran- sejam tomados como determinantes das doen-
do por vezes questionamentos quanto à sua real ças. Dessa forma, as terapias sairiam do escopo
contribuição no sentido de avançar na reinser- medicamentoso exclusivo, ou preponderante, e
ção social do portador de transtornos mentais o sujeito ganharia destaque como participante
e na desestigmatização e cuidado efetivo dessas principal no tratamento, sendo a família e, even-
pessoas. tualmente, um grupo mais ampliado também
Apesar do debate lançado, dados que permi- incluídos como agentes fundamentais do cuida-
tam conhecer o nível de implementação de ações do. Na instituição, a atuação seria de natureza
de saúde mental na rede básica ainda são muito interprofissional, superando o formato “linha de
incipientes. Buscando contribuir para a redu- montagem” das equipes multiprofissionais clás-
ção dessa lacuna, o presente estudo investigou sicas. No que tange às formas de organização da
a atuação de quatro equipes de saúde da família, instituição, o organograma deveria ser horizon-
situadas na cidade de Salvador, Bahia, no intuito tal, primando por princípios de descentralização
de compreender como os profissionais de saúde e propostas de participação popular e dando ên-
interpretam o sofrimento mental e, para reduzi- fase não apenas à dimensão técnica das práticas,
lo, planejam e desenvolvem suas intervenções no mas também à sua dimensão ética. As formas do
contexto do Programa Saúde da Família (PSF). A relacionamento com a clientela devem priorizar
investigação buscou ainda identificar ainda fato- o diálogo com a população, ampliando a escuta
res favorecedores e dificultadores dessas ações, o para o território mais vasto, saindo das linhas de
nível de formação específica desses profissionais ação apenas empreendidas pelos trabalhadores
na área de saúde mental, o conhecimento que especializados. Finalmente, a concepção dos
eles detinham acerca das propostas da Reforma efeitos terapêuticos e éticos superaria a visão de
Psiquiátrica e o nível de implantação e de funcio- uma terapêutica voltada apenas para a remo-
namento de uma rede de serviços que contem- ção de sintomas, a adaptação à realidade e a su-
plasse ações em saúde mental. pressão de carências. Esta se fundamentaria em
Para tal investigação, partiremos, no tópico uma ética que valorizasse os aspectos subjetivos,
subseqüente, dos princípios normativos que além daqueles sociais e políticos da existência
orientam a Reforma Psiquiátrica e seu nível de dos usuários.
confluência com a saúde mental no nível da Em linhas gerais, podem ser identificados, nas
atenção básica. descrições acima, os princípios da integralidade
da atenção e da participação social, além das
propostas de ampliação do conceito de saúde-
A saúde mental na rede de atenção doença, da interdisciplinaridade no cuidado e da
básica de saúde: convergências de territorialização das ações, orientadores simulta-
princípios neamente das ações do Modelo Psicossocial de
Cuidado e do PSF 6. Pode-se propor ainda a no-
A configuração das práticas em saúde mental da ção de estratégia de reorganização do modelo de
Reforma Psiquiátrica orienta-se com base em atenção à saúde no SUS como imagem-objetivo
fundamentos epistemológicos que se situam presente em ambos os modelos, tendo a saúde

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(10):2375-2384, out, 2007


AÇÕES DE SAÚDE MENTAL NO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA 2377

mental vislumbrado o Centro de Atenção Psicos- perspectiva original desse modelo de lidar com a
social (CAPS) como um dispositivo estratégico semiologia popular 10.
na conjuntura atual para a progressiva desins- No componente que estudou o PSF, foram
titucionalização dos portadores de transtornos analisadas quatro equipes de saúde que cons-
mentais 7. O PSF, por sua vez, serviria como im- tituíam uma unidade de saúde da família, três
portante articulador da rede de saúde mental, no delas tendo um período de pelo menos dois anos
intuito de superar o modelo hospitalocêntrico, de implantação na área, sendo apenas uma delas
centrar o cuidado na família, e não no indivíduo implantada há menos de um ano do momento
doente, trabalhar com os conceitos de vigilância do estudo. A etnografia do PSF realizou-se em
à saúde e no enfoque sobre o risco, desenvolver um período de seis meses. Nesse período, foram
atividades que incluam a prevenção e a promo- realizados três grupos focais: um com agentes
ção da saúde mental e, politizando as ações de comunitários de saúde, outro com técnicos de
saúde de modo a lidar com os determinantes so- enfermagem e auxiliar de dentista e o terceiro
ciais do adoecimento, realizar práticas interseto- com profissionais de nível universitário. Foram
riais e desenvolver o exercício da cidadania e os ainda realizadas entrevistas individuais com pelo
mecanismos de emporwement 8. menos uma pessoa de cada categoria profissio-
Na prática concreta, no entanto, esses mo- nal que compõe a Equipe de Saúde da Família
delos entram em conflito. De um lado, os esfor- (ESF). Várias atividades compuseram a observa-
ços de consolidação da Política de Saúde Mental ção participante, tais como: visita a dois CAPS
ainda têm se deparado com grandes impasses situados próximos das áreas adscritas pelas ESF
na operacionalização de uma rede de cuidados estudadas, participação de visitas domiciliares
e, especialmente, da capacidade de desenvolver com os agentes comunitários às famílias que têm
ações que se estendam ao espaço social mais am- pacientes com transtorno mental, participação
plo. Quanto ao PSF, além da insipiência das suas em reuniões das equipes, visita à Feira de Saúde
ações na área de saúde mental, aquelas existen- realizada pelas ESF, participação em grupos de
tes têm requerido uma sensibilização específica relaxamento para hipertensos e diabéticos, entre
de seus profissionais, que não estão familiariza- outras.
dos com o universo da saúde mental, sua lógica e Os resultados do estudo permitem traçar um
linguagem, o que não lhes permite levar em con- perfil bastante complexo da atuação de equipes
ta a idiossincrasia dos problemas historicamente do PSF no campo da saúde mental. Neste artigo,
vividos pelos portadores de transtornos mentais. traremos apenas aqueles aspectos que ajudam a
Pode-se supor que um dos principais limitantes problematizar os eixos de confluência e de disso-
dessas ações situa-se ainda na área relativa à clí- nância entre essas práticas e as diretrizes encon-
nica da saúde mental. tradas na Política de Saúde Mental.
Nesse artigo, apontaremos alguns dos nós Um dos resultados mais significativos da
críticos vividos pela prática da saúde mental de- pesquisa foi o fato de constatar a que ponto os
senvolvida por equipes do PSF, do ponto de vista profissionais se queixam da quase inexistência
de seus profissionais. de práticas de saúde mental nas quatro ESF es-
tudadas.
P: “Tem algum objetivo do PSF que você acha
A saúde mental no PSF: confluências e que não é cumprido?”.
dissonâncias das práticas R: “...Essa questão da saúde mental que eu não
sei nem se o PSF pode estar cumprindo com esses
Os dados desse artigo foram produzidos em objetivos, mas seria bom que a gente pudesse, por-
pesquisa intitulada A Dinâmica do Cuidado em que a gente estaria também dando atenção aos
Saúde Mental: Signos, Significados e Práticas de nossos pacientes de doença mental, porque eles
Profissionais no PSF e no CAPS, desenvolvida pe- vêem assim a gente tratando de hipertensos, dia-
lo Núcleo Interdisciplinar de Saúde Mental do béticos, crianças, gestantes, mas ele não é tratado
Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Fe- como doente mental, e talvez, como eu já tive pa-
deral da Bahia (ISC/UFBA). A presente pesquisa ciente mesmo da família me procurar pra ver o
fundamentou-se em um modelo semiológico, que eu posso fazer, mas eu não posso fazer nada,
pragmático e contextual que busca identificar nem a minha unidade de saúde, então, eu acho
categorias e maneiras usadas por diferentes sub- que é um objetivo que a gente não está cumprin-
grupos de pessoas para identificar, explicar e re- do...” (agente comunitário de saúde).
agir a problemas de saúde mental, conformando Respostas como essa foram obtidas na maio-
um sistema de signos, significados e práticas 9. ria das entrevistas. Muitas são as razões aponta-
Neste estudo, esses subgrupos são constituídos das para a não-inclusão da saúde mental enquan-
pelos profissionais de saúde, afastando-se da to campo de atuação nas equipes estudadas, fato

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(10):2375-2384, out, 2007


2378 Nunes M et al.

que se pode dividir em quatro grupos de causas tindo a assumir qualquer tipo de protagonismo:
atribuídas pelos entrevistados: (i) o desconheci- “...quando não é cadastrado, eu não faço nada;
mento acerca da Reforma Psiquiátrica e a falta de eu vejo e não tomo reação nenhuma. Quando é
capacitação em saúde mental dos profissionais e cadastrado, eu procuro saber do agente se ele pode
técnicos do PSF; (ii) a não-identificação por par- me levar até a família, para saber se está tomando
te da população de problemas em saúde mental a medicação, se está freqüentando o médico e pro-
como prioridades nas áreas estudadas; (iii) a falta curo o médico da equipe, se ele sabe que existe esse
de condições para o atendimento desses casos paciente, como é que a gente faz para poder chegar
no PSF, o que inclui a inexistência de medicações até ele” (auxiliar de enfermagem).
psiquiátricas para fornecer aos pacientes; (iv) a Com relação a profissionais de nível superior,
inexistência de uma rede em saúde mental, in- a questão se coloca em termos de que a maior
clusive a falta de entrosamento com serviços de responsabilidade é atribuída ao médico. Na pró-
saúde mental que funcionem como retaguarda e xima fala, nota-se o paradoxo em que a narradora
permitam a referência rápida em caso de neces- afirma que pode contar com uma equipe, mas,
sidade, entre outras. na realidade, busca segurança no saber-poder
A despeito de referirem a quase inexistência médico:
de ações de saúde mental no âmbito do PSF, qua- P: “Quando você percebe que alguém tem pro-
se todos os profissionais entrevistados tinham al- blema mental, que tipo de ações que você toma?”.
guma situação para relatar de tratamento desses R: “Normalmente, eu sinalizo pro médico que,
pacientes, em geral apontando para o limite desta graças a Deus, tem essa questão da equipe (...) nor-
ação. Há, no entanto, muitas tentativas, isoladas malmente eu olho no prontuário pra ver se ele já
ou em grupo, mais bem sucedidas, de manejo foi atendido. Então vejo se consigo pescar alguma
concreto de casos de transtornos mentais. coisa, depois eu vou conversar com o médico, eu
Dentre as categorias profissionais, os agen- procuro na mesma hora, ou depois do atendimen-
tes comunitários de saúde se destacaram pelo to (...): ‘aquela paciente tal’, e sinalizo pro agente
contato com casos de portadores de transtornos comunitário. Aí, eu vou procurar ver se tem algum
mentais, demonstrando conhecimento dessa encaminhamento pra ser feito...” (odontóloga).
problemática na sua realidade e referindo habi- Segundo os profissionais, um dos aspectos
lidade de identificar os mesmos, sem que, ne- fundamentais que influencia a possível inclusão
cessariamente, tenham sido capazes de oferecer de um caso entre aqueles a serem cuidados no
uma solução adequada para o mesmo: “existe nível da atenção básica refere-se ao diagnóstico
uma preocupação, mas não é algo que fica na na- em saúde mental. Nesse sentido, há uma diferen-
ta do PSF, existe uma preocupação quanto se tem ça estabelecida entre problemas leves e proble-
um doente mental, uma pessoa especial aqui na mas graves. Para os primeiros, reconhece-se uma
área. A gente traz à atenção durante as reuniões maior freqüência na população atendida e uma
[de equipe], às vezes a médica vai, conversa, mas possibilidade de manejo sem grande necessida-
eu vejo que é muito deficiente, é quase zero o que de de capacitação específica. Existe mesmo uma
o PSF faz pra saúde mental” (agente comunitário adequação desse manejo por parte de alguns pro-
de saúde). fissionais àquilo que já realizam como “clínica da
O grupo dos agentes comunitários de saúde promoção da qualidade de vida”, indicando uma
mostra um trânsito mais cotidiano com famílias relação que estabelecem entre os determinan-
que têm algum membro com problema mental tes piscossociais (desemprego, precariedade da
e, talvez por serem residentes na comunidade, vida, violência urbana etc.) e o sofrimento men-
tentam formas de lidar de modo mais contínuo tal 11. Isso demonstra que a promoção da saúde
com esses casos. funciona como um conceito guarda-chuva que
“Eu acompanho, porque é mais a função do estabelece que a ação sobre fatores inespecíficos,
ACS (...). Às vezes a médica pergunta ‘Como está?’, tais quais aqueles que melhoram as condições de
mas não volta lá pra fazer uma visita, não está vida das populações, tem um impacto favorável
ali rente com o paciente; agora eu acompanho e sobre diversas formas de adoecimento humano.
acredito que os colegas também acompanham ali, “De todas as formas, independente de a gente
está atento se internou, se saiu, se fugiu...” (agente ver saúde mental como doença psiquiátrica! As-
comunitário de saúde). sim, a gente vê saúde mental em problemas psicos-
Entre os auxiliares de enfermagem, verificou- sociais! Pessoas que chegam ansiosas, depressivas
se que há uma maior variedade de atitudes: em- pela questão do desemprego, da fome. E que você,
bora alguns assumam uma atitude mais pró-ati- de uma certa maneira, tem que ter direcionamen-
va, outros se posicionam mais na retaguarda do to pra conduzir uma consulta de um paciente des-
tratamento, trabalhando sempre a partir da de- se. Porque, assim, às vezes, até a gente atrapalha a
finição dos profissionais de nível superior, resis- questão de saúde mental e direciona pras doenças,

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(10):2375-2384, out, 2007


AÇÕES DE SAÚDE MENTAL NO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA 2379

as esquizofrenias e as outras coisas. (...) mas tem o “...Os médicos mesmo do PSF têm pacien-
outro lado. Tem o lado de uma pessoa que chega, te que tem o problema mental (...) a gente tenta
que não tem nenhum distúrbio psiquiátrico, mas trabalhar com eles, vê o que eles precisam, me-
que naquele momento está sofrendo de uma defi- dicações, vê se ele vai precisar internar, é um tra-
ciência mental por causas externas. E ela precisa balho em grupo, como que vai chegar até ele (...).
de um direcionamento que vai ter que ser diferen- Às vezes o médico orienta o agente a como se deve
te...” (enfermeira). lidar com ele, se tá tomando o remédio, ele visita,
Ainda que, de uma forma geral, haja certa vai na casa, procura indagar da família, da mãe
abertura para o tratamento de pacientes com se tá tomando remédio, faz tipo uma entrevista”
problemas psicossociais, ou sofrimento mental (auxiliar de enfermagem).
mais leve, tais como depressões e ansiedades, Outro aspecto importante referido é a discri-
certos profissionais médicos afirmam se sentir à minação que se observa por parte de certos pro-
vontade apenas para prescrever antidepressivos, fissionais em relação ao cuidado com o portador
mas não ansiolíticos, e muito menos antipsicóti- de transtorno mental. Aponta-se que essa discri-
cos. Isso revela representações associadas a do- minação pode-se manifestar sob a forma de uma
enças diferentes e o receio que elas produzem. A recusa de tratamento físico, e não psíquico.
depressão parece surgir como uma doença mais P: “Discriminação por parte de quem?”.
banalizada na sociedade contemporânea e tal- R: “De todos! (...) Não tô falando que eles mal-
vez mais próxima do vivido de cada pessoa, para tratem, mas, quando a gente chega, a gente sente
além de sua condição de profissional, o que adi- que dá aquela parada! ‘Doente mental? É aqui
ciona uma experiência de familiaridade ao ma- mesmo?!’ (...) na época, minha irmã estava com
nejo da mesma. Já o uso do ansiolítico está muito um dente doendo, aí eu falei que ia trazer minha
relacionado ao risco de dependência química, o irmã; o dentista não aceitou. Disse que tinha que
que produz um certo temor, “saudável” a nosso procurar um dentista que tratasse desse problema.
ver, nos clínicos do PSF. Quanto às psicoses, sem Quer dizer, ela não pode porque é doente mental,
dúvida, são aqueles problemas que provocam ele não tem capacidade de atender um doente
maior desconforto pela construção imaginária mental...” (agente comunitário de saúde).
social que a envolve e que atinge não apenas a Essa inadequação no manejo de situações
população geral, mas também os profissionais de concretas pode manifestar-se ainda em inciden-
saúde quando da sua formação. tes que envolvem pessoas com comportamentos
“Ela falou sobre os casos de pacientes com que se distanciam da “normalidade” esperada.
transtornos mentais que tem, diz que, em sua “Não quer abrir a boca, fica com o olho assim
área, geralmente eles já passaram por uma ins- [mostra a expressão do olho] vai fazer o quê? (...)
tituição psiquiátrica, e que apenas alguns casos eu não sou paciente: quando eu vejo o bicho pegar,
de depressão é que ela prescreve antidepressivo, eu saio correndo. Já C. [o dentista] tenta conversar
mas não prescreve antipsicótico, porque ‘não gos- e tira a roupa toda [o guarda-pó e a máscara].
ta’ preferindo encaminhar para o CAPS” (diário ‘Você tá me vendo aqui? Eu sou C.! Não vou fazer
de campo). mal, não!’ Essa menina mesmo morre de medo,
Entre as práticas realizadas com pacientes não pode ver, quando ela vê todo de branco, ela
portadores de transtornos mentais nas ESF es- não entra na sala...” (grupo focal de técnicos).
tudadas, existem aquelas que podemos definir No último relato, observa-se que, enquanto
como inadequadas ou pautadas em concepções o dentista tenta reduzir a ansiedade do paciente,
retrógradas dentro do campo da saúde mental a técnica demonstra medo e impaciência para
com base em três parâmetros. O primeiro deles lidar com o episódio. Observa-se, portanto, que
diz respeito a ações excessivamente normatiza- ainda é muito freqüente o recurso a atitudes mo-
doras e apoiadas no modelo biomédico hospi- ralizantes e repressivas quando não se sabe como
talocêntrico. O segundo destaca ações de cunho lidar com a situação, ou quando não se dispõe de
discriminatório e o terceiro, aquelas de caráter ações comunitárias para enfrentar, ou pelo me-
moralista-repressivo. nos refletir sobre problemas como o alcoolismo,
Um dos técnicos de enfermagem descreve o o nervoso, as reações exacerbadas de medo etc.
tipo de ação que ocorre na prática do PSF. Pelo
relato, observa-se que existe uma tentativa de
manejo de alguns casos apoiada em formas mui- A lógica de inclusão da saúde mental
to biomédicas e tradicionais de compreensão da através da lógica do PSF
doença mental, pautadas na medicamentação,
na normatividade dos comportamentos, na ex- Uma das evidências mais interessantes da pes-
pectativa de comportamentos agressivos e na in- quisa aponta para as tentativas realizadas por
ternação como horizonte terapêutico. muitos dos profissionais entrevistados de pro-

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(10):2375-2384, out, 2007


2380 Nunes M et al.

duzir sínteses espontâneas entre a lógica de fun- ções habituais, a referência, quando não está no
cionamento e de concepção do PSF e a lógica da nosso nível de competência, nos casos mais com-
inclusão da saúde mental no mesmo. plicados. Por enquanto não temos uma estratégia
A primeira dessas sínteses situa-se no campo bolada para lidar com esses casos” (médico).
da integralidade da assistência. Embora insipien- A consciência de um valor maior das “aborda-
te, percebe-se uma busca por parte de alguns gens coletivas” surge como um aspecto curioso
profissionais em reduzir a distância existente que indica uma transformação nas concepções
entre problemas da mente e problemas do cor- e práticas desses profissionais, fortemente in-
po. Constroem-se dois tipos de argumento nessa fluenciadas por novas formações encampadas
direção: o primeiro, mais largamente aceito, é o pelo, e posições ideológicas do campo da saú-
da semelhança entre os vários tipos de doença de coletiva. Há uma importante convergência
pela sua causalidade psicossocial, que tanto po- entre essa perspectiva e aquela que está sendo
de gerar uma doença hipertensiva quanto um progressivamente adotada nos novos dispositi-
processo de enlouquecimento; o segundo argu- vos da rede da saúde mental, em que também se
mento dirige-se à necessidade de se reagir social- enfatizam as práticas grupais e o conhecimento
mente a todo tipo de doença da mesma forma, dos pacientes para além da sua individualidade,
evitando tratar os doentes mentais de uma forma contextualizando-os no seu grupo social mais
discriminatória. Fala-se então da compartimen- amplo 12. Esses aspectos associam-se à valori-
talização do cuidado no PSF, tratando as doenças zação das práticas políticas e associativas que
físicas dos pacientes, sem que se ocupe da parte melhor conduzem a uma consciência sanitária
mental. mais alargada, além de entenderem que o grupo
“...Ninguém discrimina outro, porque é hiper- apresenta um aporte terapêutico de outra natu-
tenso, é diabético; mas discrimina se for doente reza 13. Aproxima-se ainda de uma leitura me-
mental” (agente comunitário de saúde). nos individualizada da realidade médica, tanto
“Eu acho que é uma preocupação como ou- na gênese quanto na solução para as doenças. O
tra, mas a gente não visualiza como um grupo a valor do coletivo pode então ser destacado como
intervir, como a gente tem grupos específicos que uma das grandes medidas de transformação das
tem de preencher papel. Eu vejo como uma doen- práticas de saúde influenciadas pelo ideário da
ça como outra, uma pessoa vem aqui com uma medicina social.
úlcera, uma pessoa vem aqui com depressão, com Nessa perspectiva os pontos de confluência
distúrbio mental, (...) pelo menos a minha equipe, deste com os ideais presentes em um dos mo-
não sei as outras, a gente não tem um trabalho vimentos que inspiraram fortemente a Reforma
específico com a saúde mental, e o PSF trabalha Psiquiátrica Brasileira são muito grandes. Foi
muito com isso, com grupo, com risco, com esses com o Movimento da Psiquiatria Democrática
termos de planejamento” (médica). Italiana que a noção que cerca a atuação em saú-
A despeito do estreitamento dessa relação de mental no território ganha contornos mais
mente/corpo no discurso indicar certa mudança politizados e com uma ênfase no aspecto psi-
na visão de mundo associada ao processo saú- cossocial do adoecimento e do seu cuidado 14,15.
de-doença-cuidados, no campo das práticas, a Fundamenta-se em uma intenção de descons-
fragmentação ainda parece muito presente. Nes- trução progressiva de toda instituição ou prática
sa última narrativa, há um reconhecimento da de caráter manicomial e excludente das pessoas
ausência de recursos operacionais e teóricos no portadoras de transtorno mental, desenvolven-
PSF para lidar com a saúde mental, de modo in- do-se estratégias sociais, políticas e culturais
clusive a que esta última venha a se beneficiar que assegurem ao louco um lugar de cidadão. O
dos avanços técnico-metodológicos que esse território ganha centralidade nesse movimento,
programa vem alcançando. Em linhas gerais, o pois a idéia forte situa-se em que os portadores
que chama, sobretudo, a atenção, conforme é in- de transtornos mentais habitem mais e mais os
dicado por vários profissionais, é a inexistência espaços da comunidade, saindo dos espaços de
de uma “estratégia” no âmbito do PSF para lidar reclusão e de marginalização real e simbólica. O
com a saúde mental, uma estratégia que con- território é compreendido como espaço geográ-
temple ações de promoção, de comunicação e fico habitado, instituído de significados, afeto, o
educação em saúde, de práticas coletivas, além espaço de laços sociais e de garantia de quali-
das individuais. dade de vida, de manutenção econômica e de
“...Que serviços a equipe do PSF oferece aos exercício político dos cidadãos 16.
portadores de transtorno psíquicos, no momento, O manejo do território na perspectiva do cui-
é que são quatro equipes de saúde, a minha equi- dado ao portador de transtorno mental, o que
pe? (...) Eu acho que nada, além do atendimento inclui a incorporação das relações e dinâmicas
que a gente faz no consultório normal, as orienta- sociais que aí se realizam, pressupõe o desen-

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(10):2375-2384, out, 2007


AÇÕES DE SAÚDE MENTAL NO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA 2381

volvimento de novas tecnologias que questio- maior no cuidado aos portadores de transtornos
nam uma clínica tradicionalmente pautada no mentais, tendo em vista a conjuntura atual de
indivíduo e que, muitas vezes, negligenciou os não-hospitalização progressiva. Isso não implica
aspectos sociais e políticos das experiências dos exigir dos mesmos a substituição dos especialis-
sujeitos. Esse mesmo tipo de reflexão tem orien- tas, tendo em conta o seu escopo de ação uni-
tado muitas das proposições e reorientações do versalista e generalista, mas em muni-los com
modelo de atenção à saúde como um todo, o que recursos capazes de torná-los reais colaborado-
inclui o PSF. Isso não significa que haja modelos res, artífices atuando em outro ponto da rede,
uniformizados a seguir, particularmente tendo em outro nível de complexidade. Enfrentar se-
em conta os caminhos já percorridos por cada riamente esse desafio é encarar uma realidade
campo disciplinar e as necessidades específicas presente e produtora de conseqüências práticas.
dos indivíduos para os quais cada tipo de cuida- O que escutamos dos nossos entrevistados é que
do é oferecido. eles já lidam no seu cotidiano com portadores de
Por conseguinte, percebe-se que a área de sofrimento/transtorno mental. Ademais, existe
saúde mental, pela sua própria especificidade, uma manifestação do desejo de se qualificarem
desenvolveu teorias, métodos e técnicas de com- para esse tipo de manejo por duas razões igual-
preensão e de abordagem do sujeito, especial- mente importantes: pelo sentimento de estarem
mente dos fenômenos da ordem da alteridade descumprindo a ética do cuidar ao não sabe-
raramente incorporados pelas demais clínicas. rem como o fazer, ou pela angústia provocada
Ao contrário, a estigmatização que recaiu sobre ao defrontar-se com situações humanamente e
os portadores de transtornos mentais contou afetivamente exigentes, como freqüentemente
com o reforço freqüente de profissionais de saú- o são problemas dessa natureza. A maioria des-
de de outras áreas disciplinares. Isso ficou visível ses profissionais se sente despreparado para o
no exílio vivido pelo campo da saúde mental nas manejo com pessoas portadoras de transtornos
instituições de saúde, cujo exemplo paradigmá- mentais, o que gera sentimentos de impotência
tico foi a construção de hospitais e ambulatórios e frustração.
psiquiátricos separados dos hospitais e ambula- “Aqui já teve caso da gente internar, acompa-
tórios gerais. nhar, nada. A gente tem um caso, são dois pacien-
A dicotomia mente/corpo, legitimada e re- tes que a gente orienta se tá, e eles nunca chegou a
forçada historicamente, e que ainda hoje organi- precisar, única coisa que já aconteceu foi o policial
za concepções e práticas, associada aos valores levar ele até em casa, que ele estava agredindo, e
que desqualificaram e excluíram os portadores a mãe pediu para ele tomar a medicação. Conse-
de doenças mentais do convívio social produ- guimos contornar esse caso, tomou a medicação,
ziram fortes enraizamentos no imaginário co- ficou calmo. Mas, se esse paciente vier a ter algu-
letivo, inclusive o dos cuidadores da saúde 17. É ma crise e precisar do auxílio da equipe do PSF, eu,
inegável que há muitos esforços de desconstruir como técnico, não sei te dizer como fazer” (agente
esses paradigmas, fato que se verifica pela ênfa- comunitário de saúde).
se recente atribuída ao papel do sujeito e pela Nas entrevistas realizadas, muitos dos traba-
atual valorização das “tecnologias leves” 18 em lhadores criticaram os cursos rápidos aos quais
vários campos disciplinares. Há riscos, inclusi- tiveram acesso e que, segundo eles, não prepa-
ve, de que essa ênfase à emergência do sujeito ram efetivamente para o manejo desse tipo de
seja capturada em um excesso de psicologismo paciente.
que confunde níveis distintos de compreensão “Falta preparo de nossa parte, um certo pre-
da realidade. Esse aspecto vem sendo objeto paro técnico, eu acho que deveria haver alguma
de debate no próprio campo de saúde mental atualização pra gente em saúde mental, não esse
quando se refere ao conceito de uma clínica am- curso que a gente fez no ano passado (...) passa-
pliada que se interroga sobre de que sujeito se geiro, uma semana de curso, naquela metodologia
está falando e que tenta ultrapassar a polaridade expositiva, que não é muito eficiente. (...) não foi
sujeito/sociedade 4,7,19, reconhecendo que, além uma coisa que fixou muito na mente.Cada profis-
de um sujeito do inconsciente, é preciso se tratar sional aqui tem sua experiência em saúde men-
do ser de necessidades, muitas vezes situado em tal, pode ser que uns tenham mais facilidade que
condições excludentes e de baixo poder de con- outros, (...) já que pedem que a gente atenda de
tratualidade 20. forma integral a comunidade na área de saúde,
Tomando em conta esses riscos reducionis- deveriam nos capacitar melhor nessa área de saú-
tas, no entanto, o problema maior a ser enfrenta- de mental” (médico).
do situa-se na capacidade que as instituições de Evidentemente, não se pode idealizar essa de-
ensino e outras venham a ter na formação ade- manda, sabendo-se das resistências que também
quada de profissionais que terão o papel cada vez envolvem esse cuidado e que mobilizam justifi-

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(10):2375-2384, out, 2007


2382 Nunes M et al.

cativas que vão desde o excesso de trabalho dos necessidades. Trata-se do Projeto Qualis, coor-
profissionais da rede básica para ainda se ocupa- denado por Antonio Lancetti 21 e desenvolvido
rem de mais um problema, até questões incons- na cidade de São Paulo. Muito dessa experiência
cientes que incluem aspectos pessoais. Sabe-se, está descrito na obra citada, mas alguns aspec-
por exemplo, que cursos são oferecidos sem que tos merecem destaque. O primeiro deles foi a
a adesão seja necessariamente tão expressiva. A tentativa de produzir com a equipe de saúde da
despeito dessas dificuldades, as estratégias pa- família uma troca verdadeira, com a produção
ra alcançar esse público, de forma competente de saberes e práticas que partiam da realidade
e responsável, são imprescindíveis. Nesse mo- de atuação daqueles profissionais. Em segundo
mento de reorientação do modelo de atenção lugar, a equipe de saúde mental se colocava em
em saúde mental, com importantes conquistas uma condição itinerante (“volante”), promotora
legais e com a ampliação crescente do debate de experiências de autonomia responsável, e não
que cerca a saúde mental, estimulada, sobretu- de laços de dependência. Em terceiro lugar, havia
do, pela descentralização e municipalização do uma determinação de explorar a fundo propó-
seu cuidado, devem ser multiplicados esforços sitos como a integralidade da assistência, o au-
na direção de uma real transformação cultural mento da resolutividade das ações nesse nível
da mentalidade e das práticas profissionais nesse da atenção, a responsabilização dos profissionais
campo do saber. Atender essa demanda de capa- por aqueles que necessitavam de seu cuidado, a
citação dos profissionais da atenção básica exigi- coletivização das ações de saúde, entre outros.
ria uma atuação em duas dimensões do modelo, Por fim, chama a atenção a ênfase dada sobre o
tais que propostas por Amarante 4: a dimensão que podemos chamar de uma pedagogia liber-
técnico-assistencial e a dimensão epistemológi- tária e emancipatória 22, que ousa romper com
ca com vias a alcançar o campo sócio-cultural idéias pré-concebidas e situar-se na lógica da in-
mais vasto. ventividade.
No rastro desse modelo, situa-se uma ra- Esse seria apenas um exemplo orientado na
ra experiência, e de rara riqueza, desenvolvida direção do horizonte das profícuas possibilida-
por uma equipe de saúde mental que tentou des que se descortinam nesse encontro de níveis
materializar capacitação e intervenção no nível de cuidado, ou mais acertadamente, de sujeitos
do PSF, movidos por uma profunda consciência cuidadores, no enfrentamento de importantes
desse espaço de atuação, suas especificidades e desafios colocados pelo campo da saúde mental.

Resumo

Em um grande número de Reformas Psiquiátricas que a narrativa dos trabalhadores de saúde. Analisaremos,
se sedimentam sobre os pressupostos básicos da não- dessas práticas, discrepâncias entre o proposto norma-
institucionalização dos pacientes psiquiátricos e da tivo e o instituído, fatores dificultadores e conquistas
consolidação de bases territoriais do cuidado em saú- da operacionalização das ações e limites da confronta-
de mental, a ênfase é atribuída a uma rede de cuidados ção e potencialidades da transversalidade de campos
que contemple a rede de atenção primária. No Brasil, a epistemológicos particulares como a clínica ampliada
Reforma Psiquiátrica Brasileira nasce no bojo da Re- da saúde mental e do PSF. Moveremos nossa discussão
forma Sanitária, guardando em comum princípios com base em conceitos como modelo psicossocial do
que reorientariam o modelo de atenção. Neste artigo, cuidado, integralidade da atenção, participação so-
discutiremos as articulações entre esses dois movimen- cial, territorialidade, ações coletivas, entre outros.
tos por intermédio das práticas concretas do cuidado
de saúde mental no Programa Saúde da Família (PSF), Saúde Mental; Programa Saúde da Família; Atenção
tomando como base um estudo etnográfico com qua- Primária à Saúde
tro equipes de saúde da família, em que priorizamos

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(10):2375-2384, out, 2007


AÇÕES DE SAÚDE MENTAL NO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA 2383

Colaboradores

M. Nunes coordenou a pesquisa e redigiu o texto junto


com V. J. Jucá. Ambas participaram da coleta e análise
dos dados da pesquisa. C. P. B. Valentim participou da
coleta e análise dos dados e revisão do artigo.

Referências

1. World Health Organization. Organization of men- 5. Costa-Rosa A. O modo psicossocial: um paradig-


tal health services in developing countries. Six- ma das práticas substitutivas ao modo asilar. In:
teen report of WHO Expert Committee on Mental Amarante P, organizador. Ensaios, subjetividade,
Health. Geneva: World Health Organization; 1975. saúde mental, sociedade. Rio de Janeiro: Editora
(WHO Technical Report Series, 564). Fiocruz; 2000. p. 141-68.
2. World Health Organization. Mental health care 6. Ministério da Saúde. Saúde da família: uma estra-
in developing countries: a critical appraisal of re- tégia para reorientação do modelo assistencial. 2a
search findings. Geneva: World Health Organiza- Ed. Brasília: Ministério da Saúde; 1998.
tion; 1984. (WHO Technical Report Series, 698). 7. Tenório F. A psicanálise e a clínica da reforma psi-
3. Torrenté M. Ressources alternatives en santé men- quiátrica. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos; 2001.
tale [Dissertação de Mestrado]. Montreal: Départe- 8. Paim JS. Saúde da família: espaço de reflexão e
ment d’Anthropologie, Université de Montreal; contra-hegemonia. Interface Comun Saúde Educ
1995. 2001; 5:143-6.
4. Amarante P. A (clínica) e a Reforma Psiquiátrica. 9. Corin E, Bibeau G, Martin JM, Laplante R. Com-
In: Amarante P, coordenador. Archivos de saúde prendre pour soigner autrement: Repères pour ré-
mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Nau gionaliser les services de santé mentale. Montréal:
Editora; 2003. p. 45-66. Presses de l’Université de Montréal; 1990.

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(10):2375-2384, out, 2007


2384 Nunes M et al.

10. Corin E, Bibeau G, Uchoâ E. Eléments d’une sé- 18. Rodrigues CR, Figueiredo MAC. Concepções sobre
miologie anthropologique des troubles psychi- a doença mental em profissionais, usuários e seus
ques chez les Bambara, Soninké et Bwa du Mali. familiares. Estud Psicol (Natal) 2003; 8:117-25.
Anthropol Soc 1993; 17:125-56. 19. Merhy EE. Saúde: a cartografia do trabalho vivo.
11. Pitta AMF. Qualidade de vida de clientes de servi- São Paulo: Editora Hucitec; 2002.
ços de saúde mental. Rev Psiquiatr Clín (São Pau- 20. Bezerra JRB. A clínica e a reabilitação psicossocial.
lo) 1999; 26:68-77. In: Pitta A, organizador. Reabilitação psicossocial
12. Teixeira CF. Saúde da família, promoção e vigilân- no Brasil. 2a Ed. São Paulo: Editora Hucitec; 2001.
cia: construindo a integralidade da atenção à saú- p. 137-42.
de no SUS. Revista Brasileira de Saúde da Família 21. Tykanori R. Contratualidade e reabilitação psicos-
2004; 7:10-23. social. In: Pitta A, organizador. Reabilitação psicos-
13. Wallerstein N, Bernstein E. Introduction to com- social no Brasil. 2a Ed. São Paulo: Editora Hucitec;
munity empowerment participatory education 2001. p. 55-9.
and health. Health Educ Q 1994; 21:141-8 22. Lancetti A. Saúde mental nas entranhas da metró-
14. Desviat M. A reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro: pole. In: Lancetti A, organizador. Saúde mental e
Editora Fiocruz; 1999. saúde da família. 2a Ed. São Paulo: Editora Huci-
15. Rotelli F, De Leonardis O, Mauri D. Desinstitucio- tec; 2001. p. 11-52. (Saúde e Loucura, 7).
nalização. 2a Ed. São Paulo: Editora Hucitec; 2001. 23. Freire P. Educação como prática da liberdade. 26a
16. Delgado PG. A psiquiatria no território: construin- Ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra; 2002.
do uma rede de atenção psicossocial. Saúde em
Foco: Informe Epidemiológico em Saúde Coletiva Recebido em 02/Mai/2006
1997; 16:41-3. Versão final reapresentada em 21/Fev/2007
Aprovado em 04/Abr/2007

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(10):2375-2384, out, 2007

S-ar putea să vă placă și