fevereiro 11, 2009 por ibps em Notícias Faça um comentários O supervisor de engenharia da Ford, Celso Duarte, costuma comparar a busca de materiais reciclados a uma tarefa de arqueologia. ”Você vai fuçando e sempre descobre coisas novas”. Além das inúmeras fibras naturais, com as quais a indústria automobilística vem trabalhando, a sucata de objetos é cada vez mais usada em peças fabricadas a partir de plásticos injetados. Cada vez que visita os núcleos de reciclagem, Duarte se surpreende com a quantidade de coisas que podem ser reutilizadas. As caixas de computadores de mesa estão entre as peças que podem se tornar, quando transformadas novamente em plástico injetado, componentes que integram o painel de instrumentos ou apoios de braço do veículo. Não é apenas isso. O arsenal da sucata plástica inclui as próprias tampinhas das garrafas PET e também cadeiras de praia, copinhos para café e água, recipientes para alimentos, baldes e até brinquedos. Além dos reciclados, os fabricantes de automóveis aprimoram a cada dia que passa o desenvolvimento do uso de fibras naturais. Desde 2003, a Volkswagen começou a utilizar a fibra do curauá, uma planta nativa da floresta amazônica que pertence à família do abacaxi. Essa fibra é usada no revestimento dos tetos do Gol, Fox e Polo. A planta é cultivada por uma cooperativa de pessoas carentes que habitam pequenas comunidades nas imediações de Santarém, no Pará. “Esse projeto também tem um cunho social”, afirma o gerente de planejamento e desenvolvimento de produto da Volks, Antonio Carnielli Filho. O projeto social é uma parceria da Volks com o seu fornecedor. A fibra do Carauá tem acabamento resistente e, segundo a Volks, é reciclável, absorve pouca umidade, não tem odor, tem toque suave e, em seu processo de produção, consome pouca energia. Para gerar as fibras, a folha do curauá - uma fruta pequena e comestível - passa por uma espécie de pente de agulhas. A seguir, as fibras, de coloração esverdeada, são lavadas e colocadas para secar, expostas diretamente ao sol em varais. “Está nascendo o carro ecologicamente correto”, comenta Carnielli. A Ford começou a testar peças plásticas feitas com material reciclado e fibra de sisal. Resultado de quatro anos de pesquisa, segundo a empresa, a utilização desses materiais será uma realidade na produção em série dos veículos da marca em um futuro não tão distante. A companhia já entrou com pedido de patente da tecnologia que utiliza polipropileno reciclado e fibra de sisal para a confecção de peças plásticas injetadas ou moldadas. A Ford explica que as peças plásticas são confeccionadas com 50% de polipropileno reciclado, 30% de fibra de sisal e 20% de polipropileno virgem. Segundo o supervisor de engenharia da Ford, Celso Duarte, uma das preocupações que motivou o projeto foi de reduzir a dependência de materiais que causam impacto no meio ambiente e também reduzir o impacto da volatilidade do preços do barril de petróleo, de onde é extraído o polipropileno virgem. De acordo com o executivo, a empresa também busca esse tipo de alternativa como forma de começar a construir o automóvel 100% reciclável. “Temos normas a seguir para alcançar os padrões necessários”, destaca Duarte. A partir de 2010 os mercados da Europa e Estados Unidos exigirão que seus veículos tenham 70% de partes recicláveis. Além disso, explica Duarte, as peças ficam mais resistentes e leves. Isso diminui o peso do veículo em pelo menos 10%, trazendo benefícios para o consumo de combustível. Segundo ele, a montadora tem parcerias com universidades brasileiras, como a de São Carlos, no interior de São Paulo, para o desenvolvimento de novos materiais. O painel das portas, console central, a tampa do porta-malas e o acabamento interno do teto deverão ser feitos no futuro com sisal e polipropileno reciclado. Um Ka, o modelo mais compacto da Ford, possui hoje no interior até 100 quilos de polipropileno virgem. A aplicação da tecnologia reduzirá a necessidade do material derivado de petróleo. Carros brasileiros já tem piso 100% PET Antes associadas exclusivamente à produção de camisetas e bolsas ecologicamente corretas, as garrafas PET recicladas no país avançam sobre outra área: a indústria automobilística. O produto está em praticamente 100% dos carros produzidos hoje no Brasil e já é exportado para a Argentina. Por enquanto, o poliéster de PET reciclada é utilizado em todo o carpete que reveste o assoalho do veículo, incluindo porta-malas. As montadoras não revelam detalhes, mas, em nova etapa de desenvolvimento que está muito próxima de ser implantada, a PET reciclada vai revestir portas, teto e outras partes. O apelo ambiental é um ponto forte. Mas no caso da indústria automotiva, um setor que trabalha em sistema “just-in-time”, pesa mais disponibilidade e preço de qualquer matéria-prima. Se não usasse a garrafa reciclada, o fabricante de carpete do carro teria que importar a fibra virgem. “No Brasil simplesmente não existe a opção de não usar a PET”, diz a engenheira Rosi Scorcioni, da Ober, fornecedora da indústria automobilística dos chamados não-tecidos feitos a partir da fibra reciclada. “Primeiro, porque o polímero virgem precisa ser importado; segundo, porque existe muita matéria-prima [garrafas] aqui; e, terceiro, porque a fibra reciclada não perde nenhuma característica em relação ao polímero virgem”, enumera. As montadores parecem satisfeitas com o resultado. A Renault usa o poliéster reciclado desde que inaugurou a fábrica brasileira, em São José dos Pinhais, no Paraná, em 1998. Vicente Moura, chefe de engenharia da empresa, diz que o produto foi submetido a inúmeros testes de resistência - de elevadas temperaturas ao atrito do salto alto em formato de bico dos sapatos femininos. Passou em todos, incluindo o que o deixou sob uma temperatura de 90° C durante 22 horas. Rosi, da Ober, lembra a surpresa das montadoras francesas quando chegaram ao Brasil. “Eles vieram para cá querendo o mesmo brilho do tapete produzido pelas demais fábricas; teríamos que reproduzir exatamente o padrão europeu”, conta. “Expliquei que o brilho seria diferente por conta da nossa matéria-prima. Foi aí que souberam que fazemos carpetes de garrafas recicladas”. Luís Bittencourt, gerente comercial da M&G Fibras Brasil, do grupo Mossi & Ghisolfi, explica que a “solidez da cor e a resistência fizeram com que a indústria automotiva olhasse com outros olhos para o poliéster reciclado”. A M&G é uma das três empresas que coloca atualmente no mercado a fibra reciclada, ao lado da Ecofabril e da Unnafibras Têxtil. Essas empresas compram as garrafas das cooperativas e vendem a fibra para empresas como a Ober, que, por sua vez, vende as placas de carpete para outro fornecedor, que as montam no formato do carro. Esse último é quem fornece às montadoras. Segundo os especialistas, as garrafas podem sem usadas independentemente de serem coloridas ou transparentes. A grosso modo, um carro pequeno, como o Sandero, da Renault, necessita de 2,7 quilos de fibra reciclada. Isso equivale dizer que 60 garrafas de dois litros são utilizadas no piso do veículo, já que um quilo de fibra equivale a 22 garrafas. Com uma produção total de 3 milhões de automóveis e veículos comerciais leves em 2008, é possível estimar que a indústria automobilística no país absorveu cerca de 200 milhões de PET no mesmo período - quase 5% do total de PETs reciclado anualmente no Brasil. É uma destinação importante para uma matéria- prima ainda malvista por alguns. “Existe preconceito com garrafas plásticas por parte dos consumidores brasileiros”, admite Hermes Contesini, responsável pelas relações com o mercado da Associação Brasileira da Indústria de Pet (Abipet). Até agora o uso do produto estava limitado ao revestimento do assoalho e do porta-malas por serem áreas onde se pode utilizar um produto mais rústico. Já a confecção dos revestimentos de bancos e portas precisa levar em conta toque e composição de cores, lembra o gerente executivo de planejamento e desenvolvimento de produto da Volkswagen, Antonio Carnielli Filho. Mas a indústria do PET está prestes a romper essa barreira. “Estamos concluindo um trabalho de desenvolvimento que está muito próximo de uma implementação”, diz o supervisor de engenharia da Ford, Celso Duarte, sem revelar nenhum detalhe sobre qual parte do carro vai receber a fibra da garrafa reciclada. Rosi, da Ober, cita outras partes que devem logo entrar para a lista de itens de PET reciclada dos veículos brasileiros: o revestimento antiruído do motor (o feltro passaria a ser de PET), capas de bateria e também a fita que amarra o chicote elétrico. As garrafas recicladas vão equipar também carros fabricados na Argentina. Empresas como a Ford - que começou a usar o produto paulatinamente e hoje já o utiliza em toda a linha - usa essa fibra nas fábricas do país vizinho. No caso, a linha de montagem argentina é abastecida diretamente por fornecedor brasileiro. De acordo com Duarte, a Ford também já começou a trabalhar no desenvolvimento do uso da fibra da PET em caminhões. Se para os brasileiros a utilização do material usado começa a se tornar comum, a iniciativa surpreende os executivos que comandam as matrizes dessas multinacionais. Nos Estados Unidos é mais comum ver trabalhos de reciclagem da PET em veículos, segundo Duarte, da Ford. “Mas os alemães não acreditavam quando perceberam que a composição que obtivemos é a mesma de uma fibra natural”, conta Carnielli, da Volks, que começou a estudar o uso da PET em 2000. O setor automobilístico ganhou peso no portfólio de fornecedores. De acordo com a Abipet, a maior parte da produção de fibra de poliéster reciclado ainda vai para o setor têxtil. “Mas a indústria automobilística vem, sem dúvida, ganhando participação”, afirma José Trevisan Jr, diretor da Unnafibras Têxtil. Segundo o executivo, 20% de sua produção de fibras recicladas - cerca de 6 mil toneladas por ano - é destinada, hoje, exclusivamente às montadoras.