Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
SEGUNDA-FEIRA
– A guarda do coração.
O Natal é uma luz na noite, e uma luz que nunca se extinguirá. Todo aquele
que olhar para Belém poderá contemplar Jesus Menino, acompanhado por
Maria e José. Poderá contemplá-lo se tiver um coração puro, porque Deus só
se manifesta aos puros de coração2.
O Natal é, pois, uma chamada à pureza interior. E é por isso que, quando
chegar a festa, haverá homens que talvez não consigam ver nada no presépio:
estarão cegos para o essencial por terem o coração cheio de coisas materiais
ou de sujeira e miséria. E a impureza do coração provoca insensibilidade para
as coisas de Deus.
Certa vez, uns escribas e fariseus perguntaram a Jesus: Por que os teus
discípulos não cumprem a tradição dos antigos, pois não lavam as mãos
quando comem? O Senhor aproveitou o ensejo para fazê-los ver que eles
descuidavam preceitos importantíssimos. E disse-lhes: Hipócritas! Bem
profetizou de vós Isaías, quando disse: Este povo honra-me com os lábios,
mas tem o coração longe de mim3.
Convocou então o povo, pois não ia interpretar mais um preceito da Lei, mas
tocar um ponto essencial: ia indicar o que é que torna uma pessoa
verdadeiramente pura ou impura diante de Deus.
O que sai da boca vem do coração. O homem inteiro fica manchado pelo
que se passa no seu coração: maus desejos, despropósitos, invejas,
rancores... Os próprios pecados externos citados pelo Senhor foram já
cometidos no interior do homem antes de terem sido cometidos externamente.
É aí dentro que se ama ou se ofende a Deus.
II. GUARDA O TEU CORAÇÃO, porque dele procede a vida6, diz o livro dos
Provérbios; e também procedem dele a alegria, a paz, a capacidade de amar e
de empenhar-se na acção apostólica... Com que cuidado temos que guardar o
coração! Porque, por outro lado, o coração tende a apegar-se
desordenadamente a pessoas e coisas.
As coisas que talvez tenhamos de tirar ou cortar na nossa vida podem ser de
tipos muito diversos. Umas vezes, serão coisas boas em si mesmas, mas que
se tornam negativas pelo nosso egoísmo ou porque as pomos a serviço de
uma intenção errada. Outras, serão coisas sem maior importância – como
pequenos caprichos, faltas habituais de temperança, pequenas manifestações
de mau génio, excessiva preocupação pelas coisas materiais, etc. –, mas que é
preciso cortar e arrancar porque, quase sempre, são esses detalhes
aparentemente pequenos os que deixam a alma atolada na mediocridade.
“Olhai – diz Santo Agostinho – como a água do mar se infiltra pelas frestas
do casco e pouco a pouco enche os porões do barco e, se não a esvaziam,
submerge a nave... Imitai os navegantes: as suas mãos não descansam
enquanto não secam o fundo do barco; não cessem as vossas de fazer o bem.
No entanto, apesar de tudo, voltará a encher-se outra vez o fundo da nau,
porque persistem as frestas da fraqueza humana; e novamente será
necessário retirar a água”9. Esses obstáculos e tendências que não se podem
arrancar de uma só vez, mas exigem uma disposição permanente de luta
alegre, ajudam-nos em grande medida a ser mais humildes.
Quando falta pureza interior, os sinais mais claros da presença de Deus não
nos dizem nada e acabamos por distorcê-los, como fizeram os fariseus;
poderiam até escandalizar-nos. Mas se o coração estiver limpo, saberemos
reconhecer Cristo na intimidade da oração, no meio do trabalho, nos incidentes
da nossa vida diária. Ele vive e continua agindo em nós. Um cristão que busca
a Deus com sinceridade e pureza interior encontra-o; porque é o próprio Deus
que sai ao seu encontro.
“Como vai esse coração? – Não te inquietes; os santos – que eram seres
bem constituídos e normais, como tu e como eu – sentiam também essas
«naturais» inclinações. E se não as tivessem sentido, a sua reação
«sobrenatural» de guardar o coração – alma e corpo – para Deus, em vez de
entregá-lo a uma criatura, pouco mérito teria tido. – Por isso, uma vez visto o
caminho, creio que a fraqueza do coração não deve ser obstáculo para uma
alma decidida e «bem enamorada»”11.
(1) Is 45, 8; (2) cfr. Mt 5, 8; (3) Mt 15, 7-8; (4) Mt 15, 10; (5) Mt 15, 18-20; (6) Prov 4, 23; (7) Mt
5, 29-30; (8) S. Josemaría Escrivá, Caminho, n. 163; (9) Santo Agostinho, Sermão 16, 7; (10)
São Leão Magno, Sermão 95, sobre as bem-aventuranças; (11) S. Josemaría Escrivá,
Caminho, n. 164; (12) 1 Jo 3, 3.