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Adryel, se um dia ler isso, saiba que seu pai te ama e te contarei todas
as histórias que quiser ouvir, sei que em muitas posso te decepcionar meu
filho, mas isso faz parte daquilo no que eu me tornei um dia, só podemos
pregar a liberdade sendo livres, todo o resto é um jugo desigual, a minha
intenção em escrever este livro é simplesmente para que eu nunca me
esqueça de onde eu vim e para onde eu vou, hoje continuo tendo
dificuldades na minha vida, o que mudou foi a maneira de como enfrentá-las.
Também quero agradecer ao meu pai, a minha mãe e aos meus irmãos
e parentes por estarem sempre tão presentes nos momentos em que nunca
ficaram sabendo o que houve.
Capítulo I
Alguns anos de minha vida passaram tão rápido quanto o efeito das
drogas que eu usava. Só então descobri que o segredo não estava nas
respostas e sim nas perguntas, mas não é qualquer pergunta, tem que ser a
pergunta certa, porque é a pergunta que nos motiva.
Qual é a pergunta?
Acho que a minha relutância em querer mudar este mundo fez com que
eu permanecesse doze anos para completar o 2º grau, acho que deve ter
sido um recorde para o bom e velho Szymansky. Mas isso foi de grande
ajuda, pois os poucos amigos que descobri ter, eram exatamente aqueles eu
não dava lá muita moral. Nesse tempo de 2° grau, conheci o Samuel, um
maluco cabeludo e barbudo que parecia um farrapo de gente e sempre
andava todo de preto e, ainda por cima, tinha uma ideia muito mais louca
que as minhas, coisa rara de se encontrar nos dias de hoje.
Mas a história com o Samuel fica um pouco mais a frente. Antes disso,
nos meu seis meses de abstinência, estava às vésperas de completar 26
anos, mais exatamente no dia 22 de maio de 2003, quando meu psiquiatra
me chamou para uma consulta de emergência, e na maior tranquilidade ao ir
até o consultório, este me disse que os meus exames para HIV tinham dado
positivo. Bom, nem preciso mencionar que a minha vontade de morrer era
mais do que imediata e todas minhas forças foram usadas em momentos de
profunda internação com drogas.
Viajei por 44 horas dentro de um ônibus para chegar tão longe, a morte
que eu tanto procurava não estava lá, e foi uma questão de dias até me
incomodar de novo. Lá não tinha crack, mas tinha um pó nervoso que me
deixava mais nervoso, mas, pelo menos, eu conseguia me controlar.
Descobri que o meu irmão, embora fosse à Igreja, estava tão enfadado
quanto eu. Foi quando ele começou a planejar um roteiro para visitarmos um
tio nosso no Mato Grosso. Passei então três meses, em JI - Paraná, até que
eu e meu irmão cansamos de planejar e finalmente executamos o princípio
do fim da minha existência.
Há muitos anos não via um céu tão estrelado como aquele que vi
quando chegamos ao único posto de gasolina daquela região. Não
pensamos duas vezes, é aqui que vamos dormir. Lembro-me que meu irmão
levou uma rede e eu apenas um lençol, lá a temperatura média é na casa
dos 30º C, mas à noite refresca e, pra nossa ‘sorte’, nessa noite o tempo
fechou e um verdadeiro dilúvio veio abaixo. Choveu à noite inteira, mas como
ainda estávamos no começo da viagem com o orgulho inflamado, jamais
voltaríamos. E como foi longa aquela noite fria num lugar tão quente!
Nada mais importava tudo o que nós queríamos era sair dali. Eu não
entendia porque aqueles bois ficavam me olhando tanto, como é que eles
podiam ficar prestando atenção em mim. Nossas forças estavam acabando
quando o André lembrou que iria passar um ônibus de linha naquele horário,
ele sabia disso porque ele trabalhava na empresa de ônibus como cobrador
e, num é que ele tava certo! De repente entramos no ônibus e tudo se
transformou novamente. Os olhares permaneciam os mesmos, mas poder
sentar numa poltrona reclinável em meio aos calos e a roupa molhada
parecia realmente ser algo muito bom.
Mas como não tínhamos opção e, ficar naquele posto fiscal estava
entediante, começamos a caminhar rumo ao inexplorado, pelo menos pra
nós. Este dia era um domingo de sol muito reluzente e aquelas retas
pareciam não ter fim nunca, de repente ganhamos companhia, algumas
Araras Azuis começaram a nos seguir até chegar à divisa de Estado. A divisa
é apenas uma placa que demarca o limite. Eu comecei a pirar, pisava de um
lado e estava no Mato-Grosso, pisava do outro voltava para Rondônia e ali
fiquei viajando sozinho na maionese.
Eu falei que ele estava viajando porque o cara passou chutado, mas
logo depois da ponte o doido parou mesmo, e pernas pra que te quero! Eu
esperava que ele não arrancasse quando a gente chegasse perto. Minhas
pernas doíam, mas correr não era problema nessa hora. Já chegamos com
toda a nossa educação, perguntando ao bondoso caminhoneiro para aonde
ele iria e ele nos responde que vai até Comodoro, a próxima cidade naquela
estrada e para quem estava a pé, era muito, mas muito longe mesmo.
Nosso dia já não estava tão ruim, pois em apenas uma manhã já
tínhamos pegado duas caronas e agora estávamos a pelo menos 600 km de
Cuiabá e um cara que transportava adubo para e nos dá carona por mais
uns 50 km. Nós dois parecíamos crianças em cima da caminhonete. Mas foi
na hora em que a gente desceu dessa caminhonete que começou a cair à
ficha.
Logo ele entendeu isso e também começou a berrar, foi muito massa
isso. Após muitos anos, começava a me sentir perto do meu irmão de
verdade e como eu não acreditava em milagres, pela primeira vez
comecei pensar que talvez isso pudesse acontecer, porque a princípio só eu
via uma das cenas mais loucas da minha vida. Dois pés de
mamão, e quase todos maduros, falei para o André ver, mas ele demorou até
enxergar e, quando viu, sorriu muito.
Até que não foi difícil, porque os pés de mamão são ocos e seu caule
macio e ainda gritamos: madeiraaaaaaaaaaaaaaa, e depois
comidaaaaaaaaaaaaa.
Este foi um dia de minha vida em que tive a sensação de ter durado
alguns anos pelo tanto de coisas que fizemos e de como anulamos a nossa
existência, enquanto seres consumistas e capitalistas.
Imagine que você esteja vendo o mar, mas no lugar deste você só vê
terra vermelha e muito pó até a sua vista se perder no horizonte. A única
coisa diferente era um ponto de ônibus e foi ali que inteligentemente ficamos
esperando uma carona.
Esse foi o fim do início da minha vida e a primeira viagem pelo deserto
do real que me levou às fronteiras da existência e aos limites da
programação que me permitiram reinstalar e reconfigurar os programas da
minha vida. Muitas outras histórias serão contadas, mas esta é especial ao
meu irmão André, que me ajudou a escolher a pílula vermelha e a ver a
profundidade da toca do coelho.
Obrigado meu amado irmão por ter enfrentado junto comigo os agentes
da matrix.
Capítulo II
Mais uma vez eu estava desiludido por causa de mais uma vagabunda
neste mundo e na verdade era isso que me motiva a me matar, tentar
esquecer a dor de ter sido rejeitado e enganado por alguém que dizia me
amar, esse era um dos principais motivos de eu falar pra todo mundo que o
amor não existe e de que Deus era só uma história para enganar a massa
alienada e conter a revolução dos ignorantes, muita gente me odiava e eu
comecei a sentir prazer em ser odiado, pois se não podia sentir o amor, pelo
menos o ódio eu podia demonstrar sem fingir.
Meu skate tinha ficado na casa do meu pai e como eu estava já com a
sensação de não pertencer a este mundo e afundado com as drogas, decidi
voltar para a estrada.
Neste dia, assim que desci do carro, me senti como um camelo que
passa trinta dias no deserto sem tomar água, e tomei toda á água que pude,
mas meu cansaço físico era demais e então com algum dinheiro que tinha,
tomei duas cervejas num boteco de beira de estrada, foram o suficiente para
me alucinar e logo que saí dali, um céu tão negro como a noite se
aproximava e eu via uma tempestade se formar, andava a passos largos
procurando um abrigo, quando finalmente cheguei debaixo de um viaduto e
lá misteriosamente havia um sofá, no qual eu deitei sem nem tirar a mochila
das costas e dormi acompanhado da sinfonia de uma estrondosa chuva
torrencial.
Logo que passei a divisa sobre o rio Paraná tive que descer e lá estava
eu de novo, a pé na auto estrada para o inferno e como já não tinha mais
forças sentei próximo a uma lombada e nem força pra ficar de pé eu tinha
lembro que esticava o dedo e pedia carona até que um crentão com sua
família inteira para e compadecido da minha desgraça resolve pregar pra
mim o evangelho figurado, mas eu ainda fiquei feliz porque ele me levou
mais 75 km a frente e me deixou em um cruzamento próximo a uma
cidadezinha, tive que caminhar mais alguns quilômetros até chegar lá e o por
do sol era tão vermelho que me lembrava os meus olhos chapados de tanto
viajar na realidade e na minha mente.
Uma vez que você escolha a realidade em que quer viver, por mais que
você se esforce para voltar atrás, isso não é possível, e toda a dor que você
sente pode no máximo ,anestesiá-la com substâncias que entorpecem o seu
estado real, você pode até simular a realidade mas vai ter que encarar você
mesmo mais cedo ou mais tarde e quando essa hora chegar você vai
perceber que não pode entortar a colher porque isso é impossível; você tem
que entender que a colher não existe e quem fica torto é você, e quando tudo
na vida está no fim é porque um novo começo está por vir, basta você ter
paciência para esperar, ver o que acontece, vim a descobrir que o nome
disso se chama fé e ter fé é ter lembranças do futuro.
Numa tarde qualquer da minha vida, muito injuriado com este mundo,
catei minha mochila e meu skate e cai na estrada, ainda bem que lá tinha um
acostamento bom, que foi o que garantiu os primeiros 30 km até Presidente
Médici, só que desta vez eu não era visto mais como uma vagabundo
qualquer, não tinha carro que passasse por mim e não me visse, todo mundo
buzinava e alguns botavam a cara pra fora gritando uhuuuuuuuuuuu, e eu
olhava perplexo, não entendia porque eles estavam tão animados se quem
estava se divertindo era somente eu, mas tudo bem, logo eu estava tão
envolvido com a loucura em que eu estava que nem percebia direito da
chuva que vinha atrás de mim e o que me obrigou a encontrar um abrigo e
por sorte logo encontrei um ponto de ônibus aonde tive que permanecer
algum tempo sem poder sair dali. Assim que passou a chuva voltei para a
estrada, agora eu nem precisava mais pedir carona a minha loucura era tão
grande que agora diminuíam a velocidade só para conversar comigo e me
oferecer carona até aonde era possível e misteriosamente nesse dia parei
novamente em Pimenta Bueno para passar a noite, só que dessa vez passei
em um restaurante de um posto e lá tomei duas cervejas e fumei um
baseado que me ajudaram a encarar os pernilongos já conhecidos daquele
lugar.
Desci a serra com chuva e ali com o meu freio especial para o meu
skate, um pedaço de galho como se fosse um cajado apoiando ele no chão
para não pegar muita velocidade, finalmente vi uma placa dizendo o sentido
de Araucária, mas como eu tinha pelo menos o dinheiro pra passagem decidi
que o meu sofrimento estava na hora de acabar assim que avistei um ponto
de ônibus, que com uma só passagem me levaria para a casa de minha mãe
embarquei na rodoviária de Campo Largo e a bordo do ligeirinho aquele cara
que tinha comprado cigarro pra nós e nos dado doces estava do meu lado e
era o único que não se importava com a minha aparência de mendigo, dentro
do ônibus passei pelo processo de libertação de egoísmo e vaidade, aos
olhos daquelas pessoas eu não tinha nenhum valor. Foi ali em que eu
percebi que a minha existência nesse mundo não era por acaso e sim aceitar
o fato de que eu sou uma anomalia sistêmica, uma aberração da natureza,
um vírus altamente contagioso, uma carta fora do baralho ou um peixe fora
da água, não importa a definição o fato é que quando cheguei nada havia
mudado, tudo permanecia no mesmo lugar isso me levou a beira da loucura
e logo eu estava lá no bar do Emídio tentando contar para alguém o que
havia se passado comigo. Na porta do bar estava o Samuel, lembram? Pois
é, ali eu contei a minha história e pela primeira vez agradecia a Deus em
público para alguém que já havia me visto blasfemar contra a existência de
Deus, e conversando com ele entendi que era Deus que estava presente na
minha morte como uma pessoa normal e também era ele que estava no meu
nascimento como um louco livre em Cristo sem o poder da religião na minha
mente e com o mais puro, elevado e criativo do evangelho de Jesus Cristo.
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(continuação...)
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