Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
Este trabalho foi feito no âmbito de uma dissertação de mestrado de Culturas Regionais Portuguesas,
apresentado na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa no ano de
2000. As revisões efectuadas foram sobretudo no aspecto gráfico, mantendo-se o texto com alterações mí-
nimas. Desde essa data houve mudanças com algum impacto e novos estudos que não puderam ser tidos
em conta.
FICHA TÉCNICA:
AGRADECIMENTOS:
Quero agradecer a todos os que apoiaram nos trabalhos inerentes a esta investigação, em particular ao
Professor Doutor Moisés Espírito Santo que me orientou e incentivou ao longo deste estudo.
Também a todos os professores que participaram neste mestrado e em especial ao Professor Doutor João
Nazaré pelo estímulo que me deu desde o início.
A todos os que vivem e viveram no rio e que se prestaram a relatar as suas experiências e conhecimentos.
Saliento aqui informantes que foram fundamentais como João Luciano da Encarnação Confeiteiro, Pedro
da Costa Rita, Sebastião dos Reis Soeiro, Pedro Simão, Ilda da Encarnação Simões Santana Alho, Fer-
nando da Palma Vargas, Maria Luísa da Encarnação Simões, Maria Januária Simões, Pulquéria Simões,
Vivaldo da Palma Vargas, Eugénio da Encarnação Simões e Manuel Santana Alho, Manuel Eugénio da
Encarnação.
Ao capitão de porto de Vila Real de S. António e aos funcionários da capitania, pela amabilidade com que
me trataram e pela facilidade no acesso à documentação.
À minha mulher e aos meus filhos que me acompanharam mesmo nas horas mais difíceis. Aos meus pais
que sempre me motivaram nos estudos e me permitiram a liberdade de escolha, e ao meu pai em particu-
lar que me ensinou a respeitar os outros, letrados ou não.
5 Prefácio
7 Introdução
7 O Problema
8 Metodologia
11 I. O rio Guadiana no Concelho de Mértola
13 1.1.Um rio Peninsular
15 1.2. A Precipitação e as Cheias
17 1.3. As Marés
18 1.4. Rio Novo, Rio Velho: A erosão
18 1.5. A Poluição: velho e novo problema
21 II. Mértola e o Guadiana
23 2.1. Entre o Passado e o Presente
24 2.2. A Toponímia
25 2.3. Do Presente para o Passado: A demografia. Instrução e Actividades Económicas
29 2.4. Uma Sociedade Rural?
31 III. O Guadiana como via de comunicação
33 3.1. Os limites do Guadiana no Concelho de Mértola
36 3.2. Do Concelho de Mértola até à Foz
38 3.3. Os Portos
40 3.4. As Margens do Rio
43 3.5. Dificuldades estruturais
45 3.6. O transporte de pessoas e mercadorias
50 3.7. O Guadiana e a fronteira
50 3.7.1. Uma Fronteira nem sempre Fechada
52 3.7.2. Estrangeiros Presentes em 1890
53 3.7.2. O Contrabando
55 IV. A Pesca no Guadiana
57 4.1. A Pesca: Uma actividade ancestral
58 4.2. As Técnicas
58 4.2.1. Os Barcos
61 4.2.2. O Tresmalho
61 4.2.3. O Caneiro
62 4.2.4. Tarrafa
62 4.2.5. O Conto
62 4.2.6. A Pesca à Colher
62 4.2.7. Outras Técnicas
63 4.3. Arquitectura de produção e a habitação
64 4.4. A Aprendizagem pelo trabalho
71 V. A comunidade Ribeirinha
73 5.1. Os Marítimos de Mértola
75 5.2. Nomes, Apelidos e Alcunhas
75 5.2.1. Nomes e Apelidos
81 5.2.2. Alcunhas
82 5.3. Parentesco
90 5.3.1 Uma Família Alargada
93 VI. A Religião dos Marítimos
95 6.1. Religião Institucional e Religião Popular. Um conflito Multissecular
97 6.2. Santos, Senhor e Senhoras
97 6.2.1. S. António
98 6.2.2. Senhor dos Passos
99 6.2.3. Outras Manifestações Públicas de Religiosidade em Mértola
100 6.2.4. Nós e os Outros face aos Rituais Colectivos
101 6.2.5. Senhora das Neves, Senhora dos Mártires
101 6.2.6. Outros Santos
103 6.3. Práticas religiosas - o que nos dizem os etnotextos
109 Conclusão
114 Anexos
124 Fontes e Bibliografia
126 Índices
126 Gráficos e Diagramas
126 Mapas
126 Imagens
129 Imagens
5
PREFÁCIO
INTRODUÇÃO
O PROBLEMA
O que pretendemos estudar é a relação do rio com os homens, de que maneira este
os influencia e de que modo estes se apropriam dele.
Problema demasiado vasto e sujeito a diferentes abordagens e a inúmeras investiga-
ções, que interessa aqui delimitar, e dependente de condicionalismos inerentes ao
investigador: as questões que ele inicialmente se propôs, “a espantosa realidade das
coisas” que o levaram a pôr problemas, a sua formação teórica que lhe permite ou
não interrogar, observar e descrever essa realidade e a propor explicações, o tempo
disponível, útil e necessário para a consecução dessa investigação, a empatia conjuga-
da com a necessária distanciação, e aparentemente contraditória com esta, o conhe-
cimento prévio de parte dessa realidade.
Comecemos pelo rio. Escolhemos o rio Guadiana e a sua população porque os co-
nhecíamos melhor e porque nos interessava mais. No início há mais uma motivação
do que uma razão, um desejo de explicar aspectos de uma cultura de que até certo
ponto fazemos parte. Existirá também aqui alguma contradição entre as motivações
psicológicas e o racionalismo científico. Mas “a humanidade só levanta os proble-
1
Karl Marx, Contribuição para a mas que é capaz de resolver”1. Diria o mesmo em relação aos estudos que podere-
Crítica da Economia Política, Lis- mos efectuar.
boa, Editorial Estampa, 1975, p.29 De imediato põe-se aqui a questão de ultrapassar o senso comum, os dados imedia-
2
Louis Althusser, Marxismo, Ciên- tos do sensível pois “uma ciência, longe de reflectir os dados imediatos da experiên-
cia e Ideologia, S. Paulo, Ed. Sinal, cia quotidiana, só se constitui com a condição de pô-los em questão e de romper com
1967, pp. 23 e 24 eles, a tal ponto que os seus resultados, uma vez adquiridos, parecem mais o contrá-
rio das evidências da prática quotidiana que o seu reflexo”2.
Entremos em Mértola pela estrada que vem de Beja. A primeira sensação que temos
é que a vila está “virada ao contrário”, que não obedece à forma de povoamento da
maioria das vilas alentejanas. Mas, se subirmos o Guadiana a partir da foz começa-
mos a perceber alguma coisa, a descobrir uma relação antiga e especial com o rio: ru-
as, casas, armazéns, ruínas debruçadas para o Guadiana, construídas por pessoas que
viviam com e do rio.
Das primeiras evidências passámos às interrogações: quem vive no rio como e por-
quê, quem são e por que continuam ou não aqui, quais são as suas formas de pensar
e agir, em que medida o facto de se relacionarem com o rio os faz parecer diferentes
e ao mesmo tempo iguais aos outros que vivem no mesmo concelho?
Como delimitar o espaço utilizado por estas pessoas que vivem essencialmente num
meio aquático, fluvial? Bastaria cingirmo-nos aos limites administrativos ou procurar
um espaço mais vasto imposto pelo rio, pela economia, pela administração, pela cul-
tura? Como estudar esta população sem lembrar que o rio enquanto navegável nos
leva e nos traz até à foz, permite as trocas entre um interior rural e um litoral mais ur-
banizado, que se tornou uma fronteira mais ou menos fechada por vontade de quem
manda? E o rio em si, com as suas cheias e correntes, influências de montante e ju-
sante, forças historicamente pouco controladas pelo homem, que trazem consigo as
espécies de que vivem estes homens, não os obrigariam a um olhar constante e a um
ritmo de vida próprio?
O que os fez continuar: a família, o estado, a religião, os negócios? Até que ponto
houve continuidade ou mudança, resistência cultural ou ruptura. Mudou apenas a ci-
vilização ou a cultura?
Perante esta panóplia de questões tentámos materializá-las incidindo essencialmen-
te em alguns pontos. Começámos pelo primeiro sujeito, o Guadiana, delimitado ao
Baixo Guadiana e ao concelho de Mértola, mas sem esquecer que este funciona co-
mo um sistema, com interdependências a jusante e a montante. Delimitámos tam-
bém esta população ao concelho de Mértola, especialmente a vila de Mértola, em-
bora esta comunidade tenha mantido relações com outras populações que viviam do
rio, nomeadamente no transporte de pessoas e mercadorias. Chamámos-lhes maríti-
mos, embora vivam do rio, porque assim eles se assumem e são assim considerados
pelas autoridades administrativas, apesar de não utilizarem o mar e terem um modo
INTRODUÇÃO 8
FOTO - (LP)
11 O RIO GUADIANA NO CONCELHO DE MÉRTOLA
O RIO GUADIANA NO CONCELHO DE MÉRTOLA 12
I
O RIO GUADIANA NO CONCELHO DE MÉRTOLA
13 O RIO GUADIANA NO CONCELHO DE MÉRTOLA
MAPA 1
Bacias hidrográficas da P. Ibérica.
Segundo Amorim Girão.1
O Guadiana é um dos grandes rios da Península Ibérica, a par do Tejo, Minho, Dou-
1
A. de Amorim Girão, Geografia de ro, Ebro ou Guadalquivir, embora de menores dimensões que os três primeiros. Tal
Portugal, Porto, Portucalense Edi- como os três primeiros é um rio comum aos dois países ibéricos, o que pode unir ou
tora, 1949-1951, 2ª ed, p.137 separar como veremos.
2
Jorge Gaspar, Portugal em Mapas Estende-se por uma bacia imensa: 41 857 Km2, dos quais 11 511km2 em Portugal2
e Números, Lisboa, Livros Horizon- com um escoamento anual médio de 5,2 (1000 milhões m3) com um máximo de 13,9
te, 1978, p.40 (1 000 milhões m3) e um mínimo 0,3 (1 000 milhões m3).3
3
Orlando Ribeiro et al., II, 1988, Ao contrário de outros rios, não nasce nem atravessa grandes montanhas (Gráfico1):
p.502 “Nos olhos do Guadiana, onde alguns autores colocam as nascentes deste rio, tem es-
4
A. de Amorim Girão, Geografia te apenas 810 m de altitude, e em Badajoz, que atravessa quase ao chegar à fronteira
de Portugal, op. cit.p.144 portuguesa, não fica a mais de 150m sobre o nível do mar”.4
Sobre a sua origem subsistem divergências. Acresce que a elevada procura de água
em Espanha tem alterado o curso das linhas de água superficiais e subterrâneas. Diz
Amorim Girão:
O RIO GUADIANA NO CONCELHO DE MÉRTOLA 14
ceder-se anos de seca prolongada. No Verão o rio quase deixa de correr e a água es-
tagna em pegos. “Tomando em conta os coeficientes mensais do caudal, relação entre
o caudal médio mensal e o anual, as variações (...) são (...) no Guadiana, já na parte
terminal, talvez cerca de 3 em Fevereiro, menos de 0,1 em Agosto”15. Atravessa-se a
vau (Fig. 8) alguns lugares no Verão que, no entanto, são perigosos no Inverno quando 15
Carlos Alberto Medeiros, Geo-
chove. A construção de numerosas albufeiras em Espanha e algumas em Portugal, tem grafia de Portugal Ambiente Na-
contribuído para a retenção de águas, o que, apesar de algumas desvantagens, contri- tural e Ocupação Humana, uma
bui também para a diminuição do nível das cheias. Estas, apesar disso, ainda surgem Introdução, Lisboa, Estampa,
de uma forma repentina como foi o caso da cheia de 1998 que destruiu casas e os no- 1991, 2ª ed.
vos cais de recreio que recentemente tinham sido construídos no Pomarão e Alcoutim. 16
O Mertolense, 15 Dez 1907
Desapareceram também vários barcos e as pequenas hortas foram levadas pela enxur- 17
Bivar Weinholtz, Rio Guadiana,
rada à semelhança de numerosas árvores, animais e objectos vários. Contou-nos um Elementos para o estudo da evolu-
pescador do Pomarão que a sua casa foi invadida durante a noite pela água, e que tudo ção da sua embocadura, Direcção
o que tinham em casa foi levado pelas águas, inclusive uma mesa da largura da porta, Geral de Portos, 1964
que era da antiga escola primária, desapareceu sem deixar rasto. Essa cheia atingiu os
arcos de sustentação do edifício do tribunal em Mértola (Fig. 10).
No entanto, a maior cheia conhecida foi a de 1876, que em Mértola inundou a pra-
ça, a mais de 25 m do nível médio do rio, onde subsiste uma lápide no actual tribunal
(antigo edifício dos Paços do Concelho) e que reza assim: “Aqui mesmo chegou/a en-
chente diluvial/do Guadiana/na terrível noite de/sete de Dezembro de 1876.” Em De-
zembro de 1907 o Mertolense, semanário progressista recorda ainda esta cheia:
Também em Alcoutim há uma placa a assinalar a mesma cheia que inundou a par-
te baixa da vila. O mesmo em San Lúcar (Espanha). Essa “enchente” diluvial permi-
tiu pôr a descoberto numerosos vestígios arqueológicos em Mértola, sobretudo ro-
manos, que Estácio da Veiga explorou, numa breve, mas bem sucedida campanha em
termos de inventariação. Já o mesmo não se pode dizer de alguns materiais que en-
viou para Lisboa e que desapareceram ou foram destruídos inutilmente. O efeito des-
sa cheia fez-se sentir em todo o curso baixo do Guadiana.
Escreve Baldaque da Silva: “As intensas correntes das águas das cheias que sáem o
Guadiana, atingindo bastantes vezes 8 a 10 milhas de velocidade por hora, e tem su-
bido em uma cheia extraordinaria a 13 milhas”. Às águas que vêm de montante jun-
tam-se as enxurradas ou ribeiradas dos afluentes do Baixo Guadiana: ribeira de Ter-
ges e Cobres, Oeiras, Vascão, Foupana, Odeleite e Beliche na margem direita e um,
da margem esquerda, o Chança, que apesar de estar contido numa albufeira espa-
nhola (água que serve a zona de Huelva) por vezes tem que efectuar descargas.
As cheias não provocam apenas prejuízos materiais; por vezes, mesmo pescadores ex-
17 O RIO GUADIANA NO CONCELHO DE MÉRTOLA
perimentados podem sucumbir perante a violência das águas como aconteceu com
dois irmãos, José e Marcelino, cujo barco voltou-se numa cheia tendo desaparecido
os dois. As cheias são quase sempre notícia, hoje e ontem, apesar de serem frequen-
tes em anos invernosos. Os jornais locais vão-nos informando dessa situação, como é
o caso de O Mertolense, em 1907:
Produzem-se correntes que tanto permitem o movimento das espécies como a nave-
gação: Segundo Rodrigues da Costa: “na vazante, as velocidades da corrente são da
ordem dos 3,5 a 4 nós em marés vivas e da ordem dos 2 nós ou menos em marés mor-
tas, na enchente, estes valores são ligeiramente inferiores”20.
Em anos de seca prolongada as águas salgadas sobem cada vez mais e nestas alturas
chegam a aparecer em Mértola espécies piscícolas características de águas salgadas
como a corvinata. As marés são essenciais para a afluência de determinadas espécies.
Cremos que poderiam aplicar-se estas palavras de Orlando Ribeiro que aqui têm
uma intensidade particular.
“O Mediterrâneo, pelo contrário, é o país da pedra. A juventude tectónica, o vigor
da erosão por ela desencadeado, a concentração das chuvas que favorece o descar-
nar das rochas, o longo passado agrário e pastoril que degradou os arvoredos, fa-
zem-na aparecer por toda a parte, quer como pano de fundo montanhoso, quer co-
mo elemento do solo que as culturas e a vegetação, esparsa e aberta, não chegam a
ocultar”.22 22
Orlando Ribeiro, Mediterrâneo
Como já dissemos anteriormente, o rio, apesar da sua calma aparente, sobretudo no Ambiente e Tradição, Lisboa, Fun-
Verão, está sujeito a movimentos fortíssimos das águas. O próprio vale foi modifica- dação Calouste Gulbenkian, 1987,
do. Como diz Mariano Feio: 2ª ed.
23
M. Feio, 1947, p. 9-10, in João
A partir da confluência do Terges (2,5 Km a montante Carlos Garcia, op. cit. p. 36
do Pulo do Lobo) faz-se sentir intensamente o apelo da 24
Joaquim Ferreira Boiça, e Maria
queda do Pulo do Lobo. O rio aumenta de velocidade, de Fátima Rombouts Barros, As
revigora de poder erosivo e começa a cavar novo vale Terras, As Serras, Os Rios, Memó-
no fundo do primitivo leito. Esta acção acentua-se até rias Paroquiais de 1758 do Con-
ao sítio denominado Pulo do Lobo (...) onde brusca- celho de Mértola, Mértola, Cam-
mente o rio se precipita de uma altura de 13,5 metros, po Arqueológico de Mértola,
abandonando o primitivo leito, para correr num canhão 1995, p. 73
de paredes verticais, com cerca de 20m de altura e pou-
co mais de largura (...) Para jusante do Pulo do Lobo, o
vale primitivo, que o rio abandonou, continua, a princí-
pio perfeitamente conservado, depois representado por
uma rechã pouco nítida que se rebaixa a pouco e pou-
co mas pode seguir-se até 29 Km da foz (Guerreiros do
Rio), onde se submerge.23
A excelência das águas de Mértola era realçada nas Memórias Paroquiais de 1758:
OS PESCADORES DE MÉRTOLA
orgânica. Outros pescadores ainda, procuram outra profissão, como pedreiro, ou a emigração temporária (Suíça,
sobretudo). A situação social só não é mais agravada, porque a média das idades é já bastante alta, estando alguns
destes pescadores em situação de reforma, não tendo, por isso, os filhos a seu cargo.
A poluição nota-se também através de outras espécies animais. Em 1999 foram encontradas mortas, várias dezenas
de cegonhas em Mértola e no Pomarão, junto ao rio.
Parâmetro
OXIDA- TEM- CONDU- AZOTO OXIGÉNIO CLAS-
FOSFA- NITRA- COLIFOR. COLIFOR.
BILI- PERA- SST pH TIVIDA- AMO- DISSOLVI- CBO5 CQO SIFICA-
Estação TOS TOS TOTAIS FECAIS
DADE TURA DE NIACAL DO ÇÃO
Ardila 11.9 28 44.0 9.0 422 0.19 4.05 0.16 68 13.4 56.3 702900 844 D
Caia 1.8 24 7.7 8.4 173 0.18 4.09 0.32 26 5.9 24.0 14200 194 C
Pulo do Lobo 6.0 27 35.8 8.8 549 0.20 8.65 0.17 84 4.8 21.1 76600 522 C
Rocha da Nora 5.6 28 52.4 8.5 520 0.21 8.82 0.28 74 5.0 20.4 71700 589 D
QUADRO 1
A SEM POLUIÇÃO Critério Qualitativo de classifica-
B FRACAMENTE POLUÍDO
ção da água (1998)
C POLUÍDO
Retirado (e simplificado) da página
D MUITO POLUÍDO da Direcção Regional do Ambiente
E EXTREMAMENTE POLUÍDO25 na Internet.
Águas com qualidade “aceitável”, suficiente para irrigação, para usos industriais e produção de água potável após tratamento ri-
C - Poluído goroso. Permite a existência de vida piscícola (espécies menos exigentes) mas com reprodução aleatória; apta para recreio sem
contacto directo
Águas com qualidade “medíocre”, apenas potencialmente aptas para irrigação, arrefecimento e navegação. A vida piscícola pode
D - Muito poluído
subsistir, mas de forma aleatória
Águas ultrapassando o valor máximo da classe D para um ou mais parâmetros. São consideradas como inadequadas para a maio-
E - Extremamente poluído
ria dos usos e podem ser uma ameaça para a saúde pública e ambiental
FOTO - (LP)
21 MÉRTOLA E O GUADIANA
MÉRTOLA E O GUADIANA 22
II
MÉRTOLA E O GUADIANA
23 MÉRTOLA E O GUADIANA
encadeada de tristeza
embora tivesse a água dos rios entre a boca e as fauces.
1
Abú Aláçane Hazime ibne Mo- ALCARTAJANI1
hamede Alcartajani. Nascido em
Cartagena, pertence à geração dos
exilados. Morre em Tunes em 23 A historicidade está presente na paisagem e em particular no urbanismo2. Sem pre-
de Novembro de 1285. Citado por tendermos fazer uma resenha histórica, convém referir que Mértola é uma povoação
António Borges Coelho (org. de), que tem origens pré-romanas, ainda mal conhecidas e certamente relacionada com o
Portugal na Espanha Árabe, vol. IV, transporte de mercadorias, assumindo relevante importância os produtos resultantes
Lisboa, Seara Nova, 1975, p. 393 da mineração da área ou região considerada hoje como o Baixo Alentejo; a mina de
2
A investigação científica dirigi- S. Domingos foi efectivamente explorada, pelo menos na época romana.
da pela equipa de Cláudio Torres É reconhecida, durante o império romano como cidade e até cunha moeda. Os vestí-
desde a segunda metade da década gios materiais da época romana mantêm-se aqui e noutros lugares, afora aqueles que
de setenta foi fundamental para as se perderam em tempos mais recentes ou mais antigos. Uns porque as civilizações, ou
ideias aqui expostas. melhor as culturas, tudo fizeram para que eles desaparecessem, outros porque a incú-
ria, uma atitude que se insere também numa cultura, apagou evidências do passado,
mesmo em épocas mais recentes. Do cripto-pórtico inserido na zona palatina às está-
tuas, lucernas e moedas romanas são inúmeros os testemunhos do período romano.
A época paleo-cristã, a que alguns chamam visigótica está patente na basílica a que
sucederia a igreja de Nossa Senhora do Carmo e os respectivos enterramentos com
as suas estelas, umas em latim, outras até em grego, o que mostra a continuidade de
uma civilização mediterrânea que já vem de épocas pré-romanas. Também a influên-
cia mediterrânea no séc.VI se fez sentir como demonstram os mosaicos encontrados
na zona palatina. O cristianismo teria também assumido formas heterodoxas expri-
mindo-se no rito monofisita.
A civilização mediterrânea continua sob a forma islâmica, reocupando os mesmos es-
paços, por vezes sobrepondo-se, como se pode ver através das habitações islâmicas
sobrepostas à zona palatina romana, casas com um pátio central, intimistas, corres-
pondentes a uma família extensa, mas em todo o caso urbanas, como o demonstram
as fossas e as canalizações das águas. A muralha da antiga cidade é, no essencial islâ-
mica, com uma couraça que a protege do inimigo, que pode vir do rio e que lhe per-
mite acesso à água, mas que uma certa memória escrita e oral ainda continua a cha-
mar “pontes romanas”, como se essa civilização fosse a única matriz (Fig. 12).
A actual igreja matriz provém de uma antiga mesquita (Fig. 44), cuja planta se man-
tém, assim como o mirhab e algumas colunas (aliás reaproveitadas). Da época islâ-
mica há também uma literatura poética, política e religiosa em língua árabe e inúme-
MÉRTOLA E O GUADIANA 24
ros objectos, principalmente de cerâmica que revelam antigas vias de circulação para
a Andaluzia, o Magrebe ou até para Meca. Continuando a tradição mediterrânea, os
centros civilizacionais para Mértola são Córdova, Sevilha e Badajoz, uma ligação es-
pecial com o Norte de África, particularmente visível nas invasões dos almorávidas e
dos almóadas, além de Meca (esta sob o ponto de vista essencialmente religioso). É
nesta época (1144) que estala em Mértola uma revolta, liderada por Ibn Caci, que se
proclama mahadi e chefia a seita sufi dos muridines, e que alastra a Évora, Silves e a
Niebla e por grande parte do Andaluz. No período almóada Mértola é amuralhada
de novo e grande parte da cerâmica islâmica encontrada é também desta época.
A Reconquista cristã (1238) terá tido um efeito devastador em termos civilizacionais,
aliado a um choque cultural, embora com episódios em que se fazem alianças entre
cristãos e muçulmanos. O castelo (Fig. 44), reconstruído pela ordem de Santiago, do-
mina e são arrasadas construções próximas. Os 18 esqueletos de guerreiros, provavel-
mente de origem berbere encontrados no cripto-pórtico são um exemplo dessa des-
truição. Impõe-se uma nova religião e reprime-se a antiga, à qual estava associada
uma moral e uma lei, mesmo que não fosse a mais ortodoxa, e até os cristãos moçára-
bes se vêem obrigados a respeitar os princípios católicos romanos. Ainda hoje o bra-
são de Mértola mostra um Santiago triunfante, a cavalo e brandindo uma espada.
O corte com a civilização islâmica, nomeadamente com o Norte de África terá leva-
do à diminuição das ligações com o exterior, o estabelecimento de uma fronteira com
Castela terá ainda acentuado essa decadência. Regride o cosmopolitismo.
Há dúvidas sobre o impacto dos descobrimentos, por falta de estudos suficientes. É
provável que as relações comerciais se tenham animado. Duarte D’Armas, no sécu-
lo XVI, quando desenha as fortificações de Mértola, mostra caravelas no Guadiana
(Fig. 21).
Daqui até aos finais do século XIX ainda há um grande hiato a ser preenchido pe-
la investigação, embora já tenham sido efectuados alguns estudos que demonstram a
importância de Mértola no que respeita sobretudo ao transporte de cereais e às su-
as crises cíclicas.3 3
Cf Rui Santos, O Socorro aos La-
vradores de Mértola em 1792, Mér-
tola, Câmara Municipal de Mér-
2.2. A TOPONÍMIA tola, 1987 Albert SILBERT, Le
Portugal Méditerranéen à la fin de
l’Ancien Régime, Lisboa, I.N.I.C.,
Também a toponímia nos revela aspectos de uma cultura. Tudo é nomeado e geral- 1978, 3 vols
mente de uma forma concreta: 4
Maurice Halbwachs, La Mémoire
Collective, Paris, P.U.F., 1968 p.163
(...) cada aspecto, cada pormenor desse lugar tem ele
próprio um sentido que não é entendido senão pelos
membros do grupo, porque todos as partes do espaço
que ele ocupa correspondem tanto a aspectos diferen-
tes da estrutura e da vida da sua sociedade, como ao
que nela há de mais estável.4
A maioria dos topónimos são antigos e torna-se difícil explicar o significado de alguns,
pois o significante atribuído pode derivar de uma língua que deixou de se utilizar. Re-
corde-se que aqui viveram povos com línguas diferentes, como fenícios ou cartagine-
ses, árabes e berberes, romanos etc. As línguas sobrepõem-se e por vezes fica apenas
o significante, eventualmente “deturpado”, que assim adquire outro significado. Por
exemplo, o local conhecido por rio Tamuje é hoje atribuído à existência de uma planta,
a tamugeira, mas poderia ter origem num antigo deus oriental que se relaciona com as
águas (ver capítulo sobre a religião).
Há topónimos que se repetem num dos seus termos, referenciados um a outro mas
em contradição. Existe o Pulo do Lobo (que mete respeito e tem uma conotação
agressiva e masculina) e há o Pulo da Zorra (raposa, símbolo da manha); assim como
há o Barranco do Azeite e mais a Sul o Barranco do Vinagre.
25 MÉRTOLA E O GUADIANA
Ao longo do rio as pedras ou penhascos têm nomes também muito concretos: a Mesa
do Rei (Fig. 4), por ser grande (há outra da Rainha), a Rocha da Galé (Fig. 7), que de
longe parece um barco, a Rocha dos Grifos (abutre), a Biblioteca (Fig. 15). Os açudes
chamam-se Brava, cujo local é um pouco inóspito (Fig. 5), Canais, onde há peque-
nas “ilhas” de cascalho que canalizam a água (Fig. 6). Uma pequena praia fluvial cha-
ma-se Areia Gorda. Os vaus a sul de Mértola são o Vau da Pedra, o Vau da Vaqueira
(permitia a passagem de animais na maré vazia) e o da Bombeira (o significado per-
deu-se mas existe uma quinta com o mesmo nome). As curvas do rio podem ter o no-
me de Torno: o Torno da Pinta. Alguns cerros são chamados de castelo ou castelos ou
outra palavra com o mesmo significado: Alcaçarim (de alcácer, castelo na língua ára-
be); também podem chamar-se Penha.
Há inúmeros lugares nomeados de porto ou portela, frequentemente em barrancos:
seriam lugares por onde passava o gado.
Há topónimos com nomes de animais: Barranco do Bufo (mocho grande) e outros
de plantas: duas povoações chamadas Álamo, Laranjeiras, Amendoeira, Zambujal,
Azinhal.
A toponímia assinala intensamente a presença islâmica (provavelmente com raízes
mediterrâneas mais antigas) em todo o Vale do Baixo Guadiana: Porto de Alcácer
(castelo) e Alfavacas, na ribeira de Oeiras, perto de Mértola, Alcaria (há várias, sig-
nifica aldeia) Almoinha Velha (horta velha), Mesquita (uma povoação), Alcoutim, Al-
5
Cf. Carolina Michaëlis de Vascon- caçarim, Odeleite, Almada (a mina) de Ouro. O próprio Guadiana, que já foi Odiana,
cellos, Lições de Filologia Portugue- também em parte tem essa etimologia (Anas seria o nome pré-romano)5.
sa, Coimbra, 1911/1913 Os nomes de alguns lugares sugerem-nos também a existência de famílias extensas
6
Quase todas as vilas tinham uma em épocas mais remotas: no concelho de Mértola, na margem esquerda há aldeias
Rua Direita, em geral a rua princi- com os seguintes nomes: Fernandes, Picoitos, Salgueiros, Costa, Alvares, Morenos,
pal. O mesmo se passava no Brasil, Giraldos; na margem direita: Lombardos, Vicentes, Javazes, Besteiros, Crespos, Se-
por exemplo, em Ouro Preto, Mi- das. Outros ainda um pouco mais afastados do rio como Brites Gomes, Sapos, Cor-
nas Gerais. vos, etc. No concelho de Alcoutim há uma povoação ribeirinha, Guerreiros do Rio,
7
Esta nobilitação do espaço é mui- apelido bastante comum no Algarve (sobretudo no Sudeste).
to comum no país. Em Alcoutim a Em Mértola os nomes dos espaços têm sido alterados, sobretudo a partir da segun-
actual Casa da Cultura, chama-se da metade do século XIX, reflectindo o espírito positivista dos que quiseram romper
Casa do Conde, porque a vila per- com a tradição. Antigamente havia a rua do Forno, porque lá existia um forno, a Rua
tenceu a um dos maiores potenta- Direita, porque era directa à Praça6 e que hoje tem o nome de um antigo professor,
dos do país até ao século XVII, o mas que toda a gente conhece por Rua do Relógio. Há ruas nobilitadas como a de D.
Marquês de Vila Real. Provavel- Sancho II, em homenagem à conquista de Mértola aos mouros e, portanto, à humi-
mente poucos saberão que os mar- lhação dos vencidos de quem a população tanto (hoje) se orgulha7.
queses raramente visitaram a ter- Os espaços onde viviam os pescadores eram tratados um pouco depreciativamente
ra e que o último Marquês de Vila pelos notáveis locais. À parte baixa da vila, onde eles viviam (vivem) chamavam-lhe
Real optou por ser leal à monar- o “Bairro Favela”. Pior ainda à parte de Além-Rio, menos urbanizada e com menos
quia espanhola, tendo por isso D. pergaminhos: era tratada por alguns como a “Aldeia dos Macacos”.
João IV confiscado os seus bens, Actualmente devido ao prestígio que a História já tem em Mértola os mertolenses co-
por considerá-lo traidor. meçaram a apreciar mais a sua vila desde que esta começou a ser notícia. Até a desig-
8
Fichas de Caracterização Conce- nação Bairro Favela deixou de ser usada; hoje é o Centro Histórico da Vila Museu.
lhia, INE, 1999. Os restantes grá-
ficos foram efectuados por nós de
acordo com os dados dos Censos 2.3. DO PRESENTE PARA O PASSADO: A DEMOGRAFIA,
do I.N.E.
INSTRUÇÃO E ACTIVIDADES ECONÓMICAS
GRÁFICO 3
População residente por freguesias
(concelho de Mértola 1991).
GRÁFICO 4
População residente segundo o ní-
vel de instrução em1997 (%).
27 MÉRTOLA E O GUADIANA
GRÁFICO 5
Analfabetismo (Mértola 1890).
Tal como no resto do país a tendência, no que respeita aos sectores de actividade é
para o aumento do terciário. Segundo o censo de 1991 a população activa estava as-
sim distribuída:
GRÁFICO 6
Sectores de actividade
(Mértola 1991).
GRÁFICO 7
Sectores de Actividade (1890).
improdutivos 842
trab. doméstico 692
vivendo dos seus rendimentos 92
prof. liberais 126
administração pública 91
força pública 679
comércio 587
transportes 675
indústria 3935
extracção de materiais minerais 2777 GRÁFICO 8
pesca e caça 51 População de facto ou presente se-
gundo as grandes divisões profis-
0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500 sionais (1890).
35000
30000
25000
20000
15000
10000
5000
0 GRÁFICO 9
Evolução da população residente
1878 1890 1900 1911 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1981 1991 1997 (concelho de Mértola).
29 MÉRTOLA E O GUADIANA
Ao contrário das outras vilas e cidades do Alentejo não encontramos quase a presen-
ça de habitações de grandes agricultores, com portões para entrada de cavalos ou ou-
tras bestas, celeiros e habitações de trabalhadores rurais. Nem sequer a ostentação
de pequenos palácios ou palacetes, encimados com brasões. Os maiores edifícios ci-
vis eram habitações de comerciantes.
Embora tradicionalmente a maior parte da população do concelho de Mértola, com ex-
cepção da Mina de S. Domingos e povoações periféricas desta, vivesse da agricultura
(Gráfico 7 e 8), os detentores da terra e os assalariados agrícolas não viviam em Mérto-
la, mas nos “montes”, que aqui correspondem ao que normalmente se chama aldeia10.
10
No Alentejo em geral monte sig- Alguns dos grandes proprietários viviam mesmo fora do concelho. Esta tendência acen-
nifica casa de habitação e depen- tuou-se e hoje em dia há grandes propriedades que pertencem a grandes industriais e
dências, situadas no campo, rela- banqueiros (por exemplo a herdade dos Belos de Champalimaud), proprietários de ca-
cionadas com uma unidade de pro- sinos (Stanley Ho) e outros que as utilizam sobretudo para lazer, nomeadamente a ca-
dução agro-pecuária. Aqui tem ça. Os poucos agricultores que viviam em Mértola eram normalmente seareiros que as-
também o significado de peque- sociavam a agricultura ao comércio e ao transporte por terra ou pelo rio.
na aldeia. A vila era essencialmente um local onde se prestavam serviços e se fazia comércio,
11
Processo semelhante é também função que perdurou e se acentuou na actualidade. A par das actividades terciárias
descrito por Cutileiro em relação existia a actividade piscatória, hoje em franca decadência.
a Monsaraz. Cf. Cutileiro, Ricos e Não existe, portanto, uma tradição camponesa na vila nem no seu termo, embora es-
Pobres no Alentejo, Lisboa, Sá da tivesse inserida num mundo rural, num concelho, de que ela é centro administrativo
Costa, 1977 e económico. Mesmo essa ruralidade dificilmente se poderá adequar a uma defini-
12
Hélder Fonseca, O Alentejo no ção de sociedade camponesa, num meio em que a propriedade tem estado na posse
Século XIX, Economia e Atitudes de poucos. Aqui o latifúndio impera11, como na maior parte do Alentejo, a estrutu-
Económicas, Lisboa, Imprensa Na- ra sócio-económica assemelhava-se mais ao modelo aplicado também na América do
cional Casa da Moeda, 1996, p.437 Sul (por exemplo no Nordeste do Brasil) do que no Norte do país ou na maior parte
13
A H. De Oliveira Marques, His- do Mediterrâneo e Europa, embora a Andaluzia e a Extremadura espanholas este-
tória da Primeira República Portu- jam em situações idênticas. O que não significa que na região (Alentejo) não houves-
guesa, Lisboa, Iniciativas Editoriais, se mudanças ao longo do século XIX e até algum dinamismo sobretudo até à crise de
1978, pág. 78 1890, após a qual se acentua a tendência proteccionista. Segundo Hélder Fonseca:
Apesar do latifúndio ter sido sempre uma realidade, a tendência para a concentra-
ção da propriedade aumenta a partir dos meados do século XVIII, com a privatiza-
ção das terras comunais (vide Albert Silbert) e sobretudo já no século XX: A chama-
da Serra de Mértola ou de Cambas tinha ainda no início do século como compartes
do baldio os habitantes das paróquias de Mértola, Corte do Pinto e Santana de Cam-
bas. A sua dimensão era de 9661,15 hectares, o maior baldio entre aqueles que foram
divididos no país entre 1925 e 193313. Estas terras foram divididas em sortes pela po-
pulação que habitava na margem esquerda do rio e a responsável pela sua divisão foi
a Câmara Municipal de Mértola nos termos do Alvará de 27 de Novembro de 1804,
leis e decisões complementares. A sua divisão era vista por alguns como panaceia pa-
ra a resolução da crónica falta de produtos alimentares, sobretudo hortaliças e frutas,
que tinham que vir de fora, isto é, do Algarve. O Futuro de Mértola faz-se eco destas
aspirações em vários artigos de opinião, como este em Junho de 1913:
III
O GUADIANA COMO VIA DE COMUNICAÇÃO
33 O GUADIANA COMO VIA DE COMUNICAÇÃO
DE MÉRTOLA.
Rio Guadiana
MAPA 2
Concelho de Mértola.
O GUADIANA COMO VIA DE COMUNICAÇÃO 34
Uma manhã veio ele, dando volta pelos matos dos Rus-
sins, até dar vistas ao Guadiana, por cima da pedra dos
Grifos. O dia estava claro; e na luz ampla e forte o va-
le parecia mais desolado e triste. O Guadiana ia baixo,
deixando quase a descoberto o seu vasto leito de pedra,
rasgado, roído, lavado pelas águas. Nas margens nem
uma árvore nem uma nesga de várzea relvada – a cor-
rente levara tudo, terra e areia, ficando só a rocha nua,
e as manchas cinzentas dos calhaus dos quartzos rola-
dos, entre as quais passava a fita azulada e brilhante do
rio. Pelas moitas pobres de loendro escuro e tamugem
ruiva, os palhiços secos, travados, marcavam o nível da
última cheia.
Uma solidão absoluta.
Apenas agora, as cabras vermelhas do José Bento vi-
nham aparecendo, uma a uma entre o mato da encos-
ta, com as orelhas fitas e as cabecinhas finas de animais
quase selvagens. Em cima, no azul pálido, dois grifos
pretos descreviam num voo sereno as suas órbitas in-
termináveis.
As cabras vieram descendo, em filas, pelos carreirinhos,
e o José Bento desceu com elas. Ao dobrar um cabeço
descobriu o Pulo do Lobo: todo o rio se encerrava no
canal estreito, tomando uma velocidade louca, as águas
que se apertavam, atropelando-se em veios sobrepos-
tos; depois a fenda na rocha, tragando tudo; e, por de-
trás, a água, pulverizada na queda elevando-se num ne-
voeiro branco, que o sol irisava nos bordos, dando-lhe
tons de opala.3
A paisagem é quase a mesma, mas os grifos já são raros. Uma das explicações que a
população dá para o quase desaparecimento destes abutres é o facto de antigamen-
te as pessoas deixarem no campo animais mortos, nomeadamente mulas e burros de
que eles se alimentavam. A sua raridade decerto estará também associada ao uso de
produtos químicos na agricultura e ao envenenamento frequente de animais que al-
guns pensam ser a melhor maneira de acabar com os predadores da caça miúda.
De Mértola para Sul o rio torna-se navegável e vai alargando até à foz (Fig. 18). No
entanto, a navegação padece ainda de algumas dificuldades que se mantiveram des-
O GUADIANA COMO VIA DE COMUNICAÇÃO 36
também atacados no alto mar pela aviação alemã, a partir de informações dadas por
informadores portugueses.
Na margem esquerda em frente a Alcoutim, ainda hoje só acessível por barco a par-
tir de Portugal, fica San Lúcar del Guadiana que mantinha relações especiais com as
6
João Carlos Garcia op. cit., p 32 povoações portuguesas sobretudo até aos anos 30.6
7
Maria Luísa Santos, Ayamon- O mesmo não se passava com as outras povoações espanholas que ficam mais no in-
te Geografía e Historia, Ayamonte, terior. De Ayamonte para o interior corria uma estrada muito antiga: era o chama-
1990, p.12 do Camino Viejo de la Escarpada, que ainda existe, e que, passando por Villa-Blan-
ca, San Silvestre de Guzman, Villa Nueva de los Castillejos, seguia até ao interior da
Península7. Ainda hoje é voz corrente em S. Lúcar que parte da população é de ori-
gem portuguesa. Ao contrário do que acontece em muitas povoações espanholas, há
muita gente que sabe expressar-se em português. Hoje em dia, com o fim da fiscaliza-
ção da fronteira, é frequente as pessoas passarem-se de um lado para outro, sobretu-
do durante as festas, mas também no dia a dia, nem que seja só para beber um copo
(depois da hora da sesta espanhola, visto que depois de almoço não se vê ninguém).
A tripulação do Vendaval tem já o hábito de frequentar a taberna do “Julião” junta-
mente com os passageiros, o que pode dar azo a umas cantorias alentejanas e anda-
luzas, enquanto se espera pela subida da maré para regressar até Mértola (não que
seja necessário esperar aí, mas já agora...!)
Daqui até à barra não existem mais povoações do lado espanhol excepto Ayamonte
em frente a Castro Marim. Do lado português vemos as margens cultivadas, com pe-
quenas hortas e aldeias viradas em socalcos para o rio, como Laranjeiras e Guerrei-
ros do Rio (sobretudo esta) ou Foz de Odeleite e Almada de Ouro, já no Concelho de
Castro Marim. São tradicionalmente populações de camponeses que aliavam a práti-
ca da agricultura à pesca no rio e à produção artesanal, e transportavam os seus pro-
dutos em pequenos barcos através do Guadiana.
A margem espanhola é menos cultivada, embora se veja um ou outro pomar de laran-
jeiras ou um campo de milho. Tal como do lado português, a par de casas em ruínas,
aparecem casas reconstruídas ou novas propriedade de emigrantes ou de pessoas do
Norte da Europa que para aqui vieram à procura de um ambiente mais equilibrado.
Castro Marim é a vila mais antiga do curso final do Guadiana. Tal como Mértola foi
também uma comenda de uma ordem militar, a Ordem de Cristo (antes Ordem do
Templo), e ainda hoje conserva imponentes estruturas militares, desde o antigo caste-
lo dos Templários até aos fortes construídos na época da Restauração. Povoação des-
de sempre ligada ao rio e ao mar, foi sendo progressivamente assoreada o que levou
à sua decadência e à necessidade de construir a actual cidade de Vila Real de S. An-
tónio, que assim a substituiu em parte das suas funções.
A entrada em Castro Marim pelo rio não é fácil; faz-se através de um esteiro, nave-
gável na maré cheia por pequenos barcos. Rodeada por sapais, estes, apesar dos de-
pósitos de areias a isolarem progressivamente e permitirem a invasão de mosquitos
que a tornavam mais insalubre, também permitiram a criação de uma das suas rique-
zas, desde sempre explorada: o sal. Este é considerado de muito boa qualidade e era
também aqui que os barcos de Mértola o vinham buscar.
Finalmente Vila Real de S. António. Vila criada por decreto em 1755 e planificada em
Lisboa é um dos melhores exemplos do despotismo iluminado pombalino. As razões da
sua fundação prendem-se com a necessidade do Estado controlar as pescas no Algarve,
especialmente a sardinha e o atum, que estavam nas mãos de companhias espanholas,
andaluzas e sobretudo catalãs, que operavam nas praias de Monte Gordo, onde a po-
pulação era, aliás, na sua maioria espanhola. Necessária seria também para reforçar a
soberania portuguesa, visto que Castro Marim estava profundamente decadente face a
Ayamonte. Este discurso do poder vê-se claramente na Fachada virada para o rio (e por
isso também para Espanha) onde as companhias de pesca tinham a respectiva porta de
entrada, escritórios e mansardas, um conjunto semelhante a um palácio (Fig. 19).
A rigorosa planificação da funcionalidade dos espaços, praça real com obelisco sim-
bólico, as ruas, as casas, tudo contribui de uma forma sistemática para demonstrar o
poder real glorificado e empenhado no desenvolvimento económico dos povos, assu-
mido de uma forma paternalista.
Se a existência de uma cidade não se pode explicar apenas pela sua origem e pe-
la vontade do seu fundador, Vila Real de S. António é, no entanto, um caso espe-
cial que revela uma antevisão do desenvolvimento do país, apesar da sua decadência,
pouco depois da sua fundação e novo progresso económico durante a segunda meta-
O GUADIANA COMO VIA DE COMUNICAÇÃO 38
de do século XIX e século XX, mercê do novo desenvolvimento das pescas e fábri-
cas de conservas, hoje em dia fechadas, e até a desaparecer fisicamente o que resta-
va dos seus edifícios.
Vila Real tornou-se assim, o início e o fim do Guadiana, mais início, dado que tudo
indica que o tráfico de mercadorias e a circulação de pessoas sempre aqui se fez, da
foz para montante, neste caso desde essa mesma foz até Mértola, o limite das marés,
das águas marítimas e dos marítimos ou em termos de actividade piscatória um pou-
co mais acima, até ao Pulo do Lobo, na área de Mértola.
3.3. OS PORTOS
o limite para as embarcações maiores, que não pudessem esperar pelas marés cheias
ou que pelo seu calado não conseguissem ultrapassar os vaus e atingir Mértola.
Ainda hoje se mantêm edifícios em ruínas de apoio a este antigo porto, sobressaindo
aqui a marca da presença da companhia que explorava a Mina de S. Domingos, atra-
vés de um painel de azulejos, com as imagens dos seus fundadores num antigo pom-
bal utilizado pela companhia para enviar mensagens através de pombos correio. Es-
te pequeno porto tem uma estrada que dá ligação à povoação da Mesquita e a partir
daí a Mértola.
Em frente do porto da Mesquita fica o Pomarão, que era o porto mais importante
do curso do Guadiana, com excepção da barra. Foi construído para servir a Mina de
São Domingos, concessionada à Companhia de Huelva La Sabina e explorada pe-
la companhia inglesa Mason & Barry (Figura 13 e 14). Esta companhia construiu as
infra-estruturas portuárias, armazéns, escritórios, telégrafo etc. Ligando o Pomarão
e a Mina existia uma linha de caminho-de-ferro com a extensão de 18 Km, uma das
primeiras do país, mas que foi desmantelada após o encerramento desta. Ainda ho-
je a maior parte dos edifícios pertencem à companhia concessionária. A exploração
mineira que já tinha existido, pelo menos, na época romana, recomeça na década de
cinquenta do século XIX e prolonga-se até aos anos sessenta do século XX. “Nos fins
da década de 1880 frequentavam o porto 400 navios por ano, entre veleiros e vapo-
res, que carregavam por dia 1500 a 200 toneladas de minério, transportadas por 870
9
Severiano Monteiro (1889), cita- vagons e 26 locomotivas.”9
do por João Carlos Garcia, op. cit., Esta empresa manteve durante o século XX vários navios que não excediam os 4.8
pp.88-89 metros de calado, como o Zé Manel, O Silva Gouveia, o Costeiro e o Costeiro II, entre
10
Joaquim António Martins, A His- outros, conduzidos por pilotos experientes: “...o Bulgesso vinha do Pomarão à noite,
tória da Pilotagem Prática em Por- sem luzes nas margens, sem faróis de ajuda, sem bóias, só com a sua visão nocturna
tugal, p.186 extraordinária que lhe dava para ver o que as pessoas normais não viam!”10
Além destes navios e, dado que a profundidade da barra é baixa, esta empresa man-
tinha permanentemente a draga Mowe retirando areias não apenas da barra mas até
ao Pomarão.
O porto do Pomarão era também essencial para Mértola e consequentemente para
o Baixo Alentejo. Com efeito, dado que os vaus não poderiam ser ultrapassados se-
não na maré cheia, produtos como adubos vinham em navios da CUF ou SAPEC até
aqui e depois eram transbordados para barcos mais pequenos (canoas ou gasolinas)
e descarregados em Mértola.
Com o fim da Mina tudo o que podia ser rentabilizado e transportado foi levado: má-
quinas, carris do caminho-de-ferro foram vendidos para a sucata. Ainda hoje pode-
mos ver o que resta das antigas instalações portuárias e do seu alto cais, e as ruínas de
alguns edifícios. Os estabelecimentos comerciais estão hoje abandonados, um deles
ainda mantinha, até há pouco tempo, o balcão da loja, mas é já uma casa de habita-
ção não permanente, a loja do senhor Vitoriano está destelhada e cresce uma figuei-
ra nas suas paredes. Continua a sociedade recreativa que conserva ainda a memória
do antigo esplendor em alguns desenhos, fotografias e outros objectos e sobretudo a
memória dos antigos tempos, nas conversas de alguns frequentadores. Actualmente
o Pomarão é bastante procurado por turistas, mas há dificuldade na obtenção de es-
paços, dado que a maioria dos edifícios ainda pertencem à companhia.
Também a navegação hoje se torna um pouco mais difícil. Com a construção da barra-
gem do Chança (espanhola), na foz do mesmo rio, acumulam-se detritos resultantes
das descargas necessárias quando a albufeira atinge os limites da sua capacidade.
MAPA 3
Mértola.
Fonte: Serviços Cartográficos
do Exército
Mapa nº 558. Escala: 1/25 000
O GUADIANA COMO VIA DE COMUNICAÇÃO 42
MAPA 4
Pomarão.
Mapa nº 567. Escala: 1/25 000
tola ou pelo menos até à Mesquita. Para Beja também poderia ser uma boa alterna-
tiva que se acentuou com o advento do comboio.
No entanto de Mértola para Beja ainda se tinha que atravessar várias vezes a vau as
ribeiras de Terges e Cobres, o que no Inverno era quase sempre impossível. No reina-
do de D. José foi construída uma estrada para ligar Mértola a Beja, uma calçada com
nove léguas. A intenção seria prolongar esta estrada até Vila Real e reforçar as liga-
ções desta vila com o interior21. De Mértola para Serpa também se teriam que atra- 21
Albert Silbert, op. cit. p.540
vessar as ribeiras de Alfamar e Limas. Todas estas ribeiras são ainda hoje bastante 22
Pedro Muralha, Álbum Alenteja-
caudalosas no Inverno. no, Distrito de Beja, Lisboa, Im-
As pontes demoraram a ser projectadas e, sobretudo, construídas mas quando feitas prensa Beleza, 1931p. 19
provocam a admiração perante o progresso esperado: 23
Ecos do Guadiana, 1 de Setem-
bro de 1933
Entre Boa Vista e Vale de Soure [sic], existe uma obra 24
In Muralha, Pedro, Álbum Alen-
digna de se admirar: é a ponte sobre o rio Terjes e Co- tejano, Distrito de Beja, Lisboa,
bres, uma formidável ponte composta por 3 corpos, tu- Imprensa Beleza, 1931p. 154
do em alvenaria e mármores, construída em 1861.
(...) Mais meia hora em automóvel encontramos o anti-
go local conhecido por Estação da Muda. Era aqui que,
ainda não há muito tempo, eram mudados os muares
que conduziam a diligência de Beja a Mértola.
(...) Saíam os viajantes de Beja às 3 horas da tarde, e só
chegavam a Mértola no dia seguinte bastante tarde. ho-
je pela viação acelerada, esse trajecto faz-se em duas
horas. Abençoado progresso!22
As suas Aspirações
Esta ligação por estrada para Vila Real era um projecto antigo. Link (1797-1799) re-
25
Voyage..., t. III, p. 294, cit. por A. fere que os trabalhos já tinham começado25, isto no início do século XIX. Esta via foi
Silbert,op. cit., p. 540 finalmente concluída em 1949.
26
Pedro Simão Ainda há algumas décadas atrás era mais fácil e mais rápido transportar pessoas e
27
Cf. Rui Santos, O Socorro aos mercadorias de Mértola para Vila Real do que de Mértola para Beja. Um barco com
Lavradores de Mértola em 1792, motor levaria cerca de quatro horas e meia a percorrer esta distância, enquanto que,
Mértola, Câmara Municipal de para levar mercadorias para Beja em carros puxados por muares, a viagem poderia
Mértola, 1987 demorar cerca de doze horas, embora a distância em km fosse mais pequena. Quan-
28
Silbert, op. cit. pág. 539 do o calor apertava fazia-se ordinariamente a viagem para Beja durante a noite, com
29
Gervásio de Almeida Pais, 1788, algumas paragens nomeadamente na Casa da Muda (onde antigamente se mudavam
cit. por Silbert, op. cit. p. 464 os animais), perto de Vale de Açor.
30
J. Baptista da Silva Lopes, Co- No entanto, uma canoa, ao fazer a viagem para Vila Real, estava também dependente
rografia ou Memória Económica, dos ventos e marés (e da força dos braços). Numa viagem com uma canoa:
Estatística e Topográfica do Reino
do Algarve, Faro, Algarve em Fo- Eram três marés. Uma era daqui até à Lagem. Outra até
co,1988 2º vol., p.396 aos Guerreiros e a outra até Vila Real, quando não hou-
vesse vento. Quando houvesse vento até se podia fazer nu-
ma maré só.26
Uma viagem do Algarve para Lisboa podia tornar-se particularmente penosa. Cite-
se um caso:
Os materiais de construção civil vinham também pelo rio: telhas e ladrilhos de Castro
Marim que compravam ao tio José Rita e outros. Também em Castro Marim se car-
regava o sal que compravam ao senhor Ismael e a João Pena.
O barco que ia carregar o sal era o Rabino, visto que os outros maiores não passavam
pelo esteiro e este conseguia nas “marés grandes: ia-se lá no princípio da maré, íamos
carregando e quando a água já estava cheia íamos embora.35” Francisco Simões tinha
um armazém, em Mértola, ao ar livre “por baixo de uma oliveira” perto do actual cais
(onde é hoje a pensão Beira-Rio) e também perto da sua casa. O sal de Castro Marim,
sal “espelhado”, seguia de Mértola para Beja transportado por quatro carreiros.
De Vila Real vinha o repolho e outras hortaliças, batata, frutas, peixe (carapaus, sar-
dinhas, chocos....). É de notar que na zona de Vila Real havia hortas (e ainda há algu-
mas, apesar da ocupação dos terrenos pela construção civil), cujos terrenos arenosos
produziam hortaliças e frutas de reputada qualidade. O topónimo Hortas correspon-
de a uma povoação em constante expansão que é um arrabalde de Vila Real. Tam-
bém vinham laranjas e melancias das aldeias ao longo do rio, como Laranjeiras e
Guerreiros do Rio.
47 O GUADIANA COMO VIA DE COMUNICAÇÃO
Outro Vapor
Estes barcos só atracavam no Pomarão e em Alcoutim. Nos outros portos ficava o bar-
co parado, “e os passageiros ou a carga eram levados em pequenos botes. No Pomarão às
vezes ficava ali à volta, tiravam a força ao barco”. Os últimos cais onde atracavam eram
o Cais da Piompa e o Cais da Rainha, em Vila Real de S. António. Neste último eram
desembarcados os passageiros, dado que tinham que passar pela Alfândega.
Como já foi anteriormente assinalado a navegação não se fazia sem problemas:
Com a viagem tinha uma duração média de quatro horas e meia os passageiros arran-
javam entretenimentos e conviviam entre si e com a tripulação.
Os passageiros pagavam bilhete, mas também era frequente haver algumas pessoas a
quem era oferecida a viagem sem mais despesas, apesar de estar bem explícita a fra-
se “não há passageiros de favor” (Fig. 28). Era o caso de familiares, de padrinhos dos
filhos e de funcionários do estado. No Verão era comum irem pessoas para a praia
49 O GUADIANA COMO VIA DE COMUNICAÇÃO
e levaram consigo a bagagem, que incluía até colchões para dormir nas cabanas (de
colmo) alugadas em Monte Gordo.
Para atravessar de uma margem para a outra, como não havia pontes, passava-se de
barco. Em Mértola:
O esquife do Concelho
Este mesmo quinzenário refere que a Câmara pôs uma acção em tribunal contra a
Cartoon alusivo à ponte-barca. empresa mineira que foi resolvido de comum acordo.44
(Voz do Guadiana, 08-03-1924) A construção da estrada para Vila Real e da ponte em Mértola determinaram o fim
dos transportes no Guadiana entre Mértola e Vila Real. A família Simões que durante
décadas se manteve nesse ramo não continuou com qualquer actividade relacionada
com o rio. Quem ainda continuou com a carreira durante alguns anos foi o senhor Li-
ma, proprietário da moagem e do Guadiana, conhecido por Mértola, de 60 toneladas,
e que terá terminado as viagens cerca de 1960. Francisco Simões ainda teve uma pro-
posta para continuar no ramo dos transportes, mas agora rodoviário. O último barco
que teve mandou-o levar para Guerreiros do Rio para que não se afundasse à sua vis-
ta. Teria prioridade na concessão do alvará, mas recusou essa hipótese, assim como os
seus filhos. Para além do facto de o dirigente da empresa já ser idoso, parece-nos que
aqui se trata de uma mentalidade ou espírito tradicionalista. Citando Max Weber:
que se mantiveram até há pouco tempo. Refira-se que alguns dos maiores armadores
e industriais, eram ou tinham origem espanhola e mantinham interesses em ambos os
lados, como é o caso dos Tenório, Ramirez, Feu, ou ainda italiana57, no caso de Paro- 57
Cf. Joaquim Manuel Vieira Ro-
di, e até grega. Uma das chaminés que marcava Vila Real desde longe era a da fábri- drigues, in Maria da Graça Maia
ca Parodi, demolida em 1999, perante a impotência de antigos operários e pescadores Marques, O Algarve, da Antigui-
comovidos com a destruição da sua memória. O mesmo aconteceu com a “cottage” dade aos nossos dias, Lisboa, Co-
do engenheiro escocês Falcon. libri, 1999, pp. 412 a 423
A integração de Portugal e Espanha nas Comunidades Europeias tem contribuído 58
Os concelhos de São Brás de Al-
para a abertura das fronteiras. Mas as ligações internacionais têm-se feito lentamen- portel, Sines e Vendas Novas es-
te (ponte em Castro Marim, por exemplo). Entre o Pomarão e a povoação espanho- tavam então integrados respec-
la de Granado distam cerca de 12 km. Esta povoação servia também como ponto de tivamente em Faro, Santiago de
apoio para o contrabando, e ainda hoje é visitada por portugueses à procura do An- Cacém e Montemor-o-Novo.
tónio do Granado, um virtuoso que se crê que cura muitas maleitas,. Bastaria fazer
um troço de estrada de 400 m para alcançar a estrada espanhola que começa na bar-
ragem do Chança mas, apesar de as autarquias portuguesa e espanhola terem feito
todas as diligências, a administração da barragem opõe-se à sua construção, o que
implica que as pessoas tenham que passar a ponte de Castro Marim e “subir” a mar-
gem esquerda, isto é um percurso de uma centena e meia de quilómetros. Também
a esperada ponte de Alcoutim ainda só existe em projecto. Foi mais “fácil” construir
a nova ponte da Ajuda entre Elvas e Olivença também no Guadiana, apesar de uma
espera de quase três séculos e apesar do Estado português ainda não reconhecer a
ocupação deste território.
205
estrangeiros
1479
de outra naturalidade
815
do mesmo distrito
Quisemos saber que zonas do Sul do país eram mais atractivas para indivíduos es-
trangeiros para compreender a posição relativa de Mértola e dos concelhos do Va-
le do Guadiana, especialmente do Baixo Guadiana. Construímos assim os seguintes
quadro e gráfico (quadro 2 e Mapa 6).
Para a elaboração do Mapa 8 tivemos em conta a população estrangeira de todos os
concelhos do Alentejo e Algarve58.Calculámos a média (55,3), a moda (13), a media-
na (28,5) e o desvio-padrão (55,3). Os intervalos obtidos basearam-se na média e em
metade do desvio-padrão.
Os concelhos com mais estrangeiros são Elvas, Vila Real de S. António e Mértola.
Têm em comum o facto de serem concelhos da raia e, no caso dos dois primeiros,
concelhos essencialmente urbanos, as principais entradas no Sul do país. Vila Real
de S. António e Mértola são os principais núcleos urbanos directamente relaciona-
dos com o Guadiana que, no caso de Mértola, é a via quase exclusiva para a entrada
de população estrangeira.
53 O GUADIANA COMO VIA DE COMUNICAÇÃO
Nº DE ESTRANGEIROS
1 a 18
18 a 54
55 a 91
92 a 128
129 a 165
166 a 202
+ de 203 Mértola
MAPA 6
Estrangeiros presentes em 1890.
Alentejo e Algarve
3.6.3. O CONTRABANDO
Em 1842, o governador civil de Beja declarava que era impossível impedir o contra-
bando pois os grandes contrabandistas eram os próprios agricultores da região fron-
59
A. Silbert, op. cit. p.127 teiriça.59 Até aos anos 70:
Ao longo do rio em locais estratégicos, nas povoações ou em locais altos, havia pos-
tos da Guarda Fiscal que se avistavam uns dos outros. Por vezes a distância entre eles
não chegava a um km. Os guardas circulavam junto à margem, por veredas paralelas
ao rio, ainda visíveis, ou pelo rio. Às vezes os guardas embarcavam (...) e iam sempre
de graça, não pagavam.61 60
António Guilherme
Hoje esses postos estão abandonados e alguns até foram vendidos a particulares. Com 61
António Guilherme
excepção do Pomarão ficam todos na margem direita, mesmo na parte do rio em que 62
António Guilherme
as duas margens são portuguesas. Os nomes deles expressam também a visão que a po- 63
Sebastião Soeiro (pescador no
pulação tinha dos lugares do Guadiana. Existem ainda os edifícios ou ruínas de deze- Pomarão) ainda foi interrogado
nas de postos, de jusante para montante, pelo nome conhecido pelos pescadores (ver pela D.G.S. em Beja
anexo 2 - Postos da Guarda Fiscal.). Alguns deles estavam em lugares isolados o que
provocava o receio de quem estava de guarda e sobretudo das respectivas famílias.
Do lado espanhol também havia vários. Num deles, conhecido pelo posto da Cruz es-
tá marcada uma cruz que se relaciona com um assassinato. De um deles diz-se que
os guardas espanhóis eram marinheiros que tinham sido castigados, o que os levava
também a serem mais irascíveis nas suas reacções.
Domingos Baltazar contou que uma vez estava a recolher uma rede perto da mar-
gem espanhola e teve que fugir porque um “carabinero” o ameaçou de lhe dar um ti-
ro sem lhe dar tempo para alguma justificação. Mas as relações pessoais com alguns
agentes também poderiam ser proveitosas: Quantas vezes a gente estava na pesca lá em
baixo, íamos à Espanha, eles davam autorização para ir e trazíamos de lá as coisas.
Esta relação com a população espanhola dava também azo a solidariedades, mesmo
pequenos gestos aparentemente sem importância, mas que eram reprimidos pelas
autoridades, como ilustra este episódio passado durante a Guerra Civil espanhola.
IV
A PESCA NO GUADIANA
57 A PESCA NO GUADIANA
As espécies pescadas são essencialmente o muge (tainha), barbo, eiró (enguia), lam-
preia, saboga, sável, saltor, picão e solho. O solho é uma espécie que já não aparece
há décadas no Guadiana, provavelmente devido à poluição.
4.2. AS TÉCNICAS
4.2.1. OS BARCOS
Os barcos em geral são pequenos e podem ser denominados de várias maneiras: lancha,
bote, pateira, saveiro... A lancha é maior que o bote e a pateira tem um fundo mais cha-
to. Mas o tipo de pateira que se usava a montante de Mértola era um barco ainda mais
pequeno e mais chato, próprio para andar em águas com uma profundidade mínima.
Os barcos de madeira têm a ré cortada, são largos e arqueados. Há pescadores que
usam barcos de fibra que têm menos trabalho de manutenção. Também há alguns que
usam barcos de ferro que teriam também, em princípio, maior durabilidade. No en-
tanto, ainda há quem prefira os barcos de madeira, que apesar dos problemas ineren-
tes à corrupção desta têm as suas vantagens.
Os barcos de fibra podem ser mais rápidos, mas para alguns isso não interessa. Se
quiseres chegar cedo abala cedo. Se for preciso abala-se uma hora mais cedo. Os barcos
7
João Luciano de madeira têm maior manutenção, mas como a gente trabalha para a gente7, isso não
constitui grande problema.
O motor é usado essencialmente para se deslocarem para os pesqueiros ou então
para o regresso. Por isso não necessitam de motores com muita velocidade (6,8 ca-
valos). Durante a pesca a locomoção é feita com os remos: um homem não trabalha
com o motor. As deslocações actualmente também não ultrapassam alguns quilóme-
tros (normalmente dez, doze quilómetros). Além disso a maioria dos pescadores ha-
bituou-se durante largos anos a andar apenas a remos, a bogar.
A primeira peça que se monta é a quilha. Depois começa-se com a caverna mestra.
Utilizam-se uns moldes para desenhar as peças e depois serra-se à mão ou com ser-
ra eléctrica. Actualmente recorre-se também às oficinas da Câmara. O barco é cala-
fetado com estopa
Um barco leva aí dois meses a trabalhar todos os dias. Tem que se pôr a madeira de mo-
lho, ajeitar as peças etc. Usa-se madeira seca ou verde, esta trabalha-se melhor, mas
não dura tanto. A matéria prima é essencialmente pinho. Antigamente usava-se um
outro tipo de pinho, a casquinha ou pinho da Flandres que tinha maior durabilidade.
Hoje boa parte do pinho vem do litoral alentejano.
Torna-se difícil estabelecer um custo para um barco tradicional feito de novo, dado
que são os próprios a construí-los, e hoje em dia quase não fazem, por um lado, vis-
to que é uma actividade a que os jovens não aderem e, por outro, porque não são li-
cenciados mais barcos para a pesca profissional. Por isso, um barco que tenha licença
pode ter valores altos, mesmo que fisicamente esteja em más condições. Cálculos por
alto, do próprio pescador, um barco de madeira, feito de novo, poderá custar cerca de
mil contos, dos quais mais de duzentos, representariam a matéria-prima.
Em Mértola não havia oficina ou estaleiro especial. A maioria fazia os seus próprios
barcos. Havia até há pouco o “estaleiro” de Manuel Eugénio da Encarnação (em
Além Rio) que, apesar de ter outra profissão, passou boa parte dos “tempos livres” a
fazer e a projectar barcos de diferentes dimensões.
Na capitania de Vila Real de S. António estavam registados em 1998 os barcos que
a seguir se apresentam, entre as localidades de Guerreiros do Rio e Mértola (conce-
lhos de Mértola e Alcoutim), o que corresponde ao essencial das populações das lo-
calidades que exploram o rio (quadro 3). Em muitos deles ainda constam como sen-
do proprietários pessoas que entretanto já faleceram. Alguns dos proprietários já não
são pescadores, mas continuam com ligação ao rio, outros (poucos) mudaram de re-
sidência. Note-se o nome dos barcos: a maioria têm nomes femininos, geralmente o
nome de uma filha ou de uma santa, outros relacionam-se também com a família, is-
to é, nomes de outros familiares, pai, filhos, netos ou irmãos masculinos, outros ain-
da com características do próprio barco ou de um projecto finalmente alcançado. A
maioria dos barcos pertence ao concelho de Mértola.
A PESCA NO GUADIANA 60
4.2.2. O TRESMALHO
O tresmalho é a arte mais versátil e mais usada, permite apanhar barbos, lampreias,
muges, eirós, sabogas, etc. É constituída por dois ou mais panos de malhas diferen-
tes, com jogos de pesos, flutuadores em cortiça, bóias (usam-se sobretudo garrafões
de plástico), com âncora ou amarradas ao barco ou à margem. Podem ficar estendi-
dos no rio e ser recolhidas passadas uma ou duas marés.
4.2.3. O CANEIRO
Existia até há poucos anos um caneiro no açude dos Canais e outros dois na Brava.
São construções com centenas ou milhares de anos, constantemente refeitas.
O caneiro é uma construção que pode ter vários metros de comprimento, na parte
do açude por onde a corrente é mais forte. Está assente sobre estacas bem firmes no
chão, que é construído com pedras dispostas de modo a resistir à corrente e às gran-
des cheias.
Aqueles que conhecemos e que foram destruídos pela Guarda Nacional Republica-
na, situavam-se no açude dos Canais, perto da margem ao lado da azenha, e no açude
da Brava também havia dois, onde a corrente é mais forte (Fig. 6 e5).
Têm o formato de um corredor em v com a entrada aberta e fechados no vértice.
Construídos com canas entrelaçadas e intervaladas no chão e nas paredes de cerca de
1m de altura, o suficiente para passar a água e reter a maioria dos peixes. O homem
que tratava do caneiro ou caniço chamava-se caneleiro.
Vejamos uma explicação dada por um pescador (João Luciano):
4.2.4. TARRAFA
A tarrafa ou atarrafa é uma rede de forma cónica em cujo vértice está amarrado um
cabo e que tem a base guarnecida com chumbo. É uma arte de lançar a partir de um
barco ou da margem”. Quando lançada a rede faz um círculo na água que depressa
se fecha devido ao peso do chumbo e onde ficam retidos os peixes. É usada sobretu-
do em águas pouco profundas (Fig. 39 e 40).
4.2.5. O CONTO
O conto destina-se sobretudo à pesca do sável. É constituído por uma vara com mais
de dois metros que o pescador segura com a mão ao mesmo tempo que segura tam-
bém uma corda. Uma outra vara circular contém uma rede e uma outra corda que se
prende à margem. É colocada na corrente e quando o pescador sente que algum pei-
xe entra na rede num gesto rápido recolhe-a (Fig. 38).
Hoje em dia já não se pesca assim, mas obtivemos a confirmação, de que há alguns
anos atrás, ainda assim se pescava. Apesar da poluição e da forte corrente, ainda
hoje, se podem ver os peixes a saltar e a tentar tenazmente ultrapassar a queda de
água.
Também Pedro da Costa Rita (Gainha) me confirmou esta forma de pescar, referin-
do a sua perigosidade:
A manutenção e/ou a construção dos barcos, motores e das artes implica encontrar
espaços para armazenar e produzir. Esses espaços situam-se próximo do rio e da ha-
bitação, muitas vezes no leito de cheia. Em geral são separados da habitação e fre-
quentemente o espaço público (do domínio público marítimo ou ruas) são utilizados
para essas actividades. No Além-Rio em Mértola, que tem um declive menos acen-
tuado onde tradicionalmente vivem famílias de pescadores, vêem-se pequenos arma-
A PESCA NO GUADIANA 64
Não se aprende a profissão de pescador na escola. A escola básica tem outros objec-
tivos, tanto agora como em épocas passadas, e a profissão é encarada como um tra-
balho, enquanto a escola servia para aprender a ler, escrever e contar (durante o Es-
tado Novo). Também a escola actual, o ensino universal e obrigatório dificilmente se
relaciona com o mundo do trabalho.
Se a escola é considerada importante como preparação para a vida futura, não é nes-
ta que se aprende a lidar com o rio, nem este é considerado pela Escola. Trabalho e
escola são mundos separados.
Filhos de pais geralmente analfabetos, desconhecedores das regras escolares, estes
tinham grande dificuldade em controlar a educação escolar dos filhos. Eles próprios
aprenderam o seu trabalho através da experiência do dia a dia, que pretendem trans-
mitir, e os possíveis ensinamentos da escola pouco acrescentam aos conhecimentos
necessários ao seu quotidiano. Aliás, no dizer dos próprios, o trabalho “não se apren-
de”, tal como Geneviève Delbos e Paul Jorion tinham verificado numa zona costeira
em França11.Entendemos aqui por trabalho, “uma forma premeditada de actividade
sistemática, padronizada pela tradição e destinada à satisfação das necessidades do
65 A PESCA NO GUADIANA
12
Roger Bastide, Antropologia Apli- homem que se lhes dedica”12. A permanência na escola primária pode até impedir a
cada, São Paulo, Editora Pers- aprendizagem do trabalho de pescador.
pectiva, 1979, pág. 18
13
Pedro Gainha Comecei tinha 11 para doze anos, quando comecei a an-
14
Roger Bastide, Antropologia Apli- dar com o meu pai à pesca. Antes o que é que eu podia
cada, São Paulo, Editora Perspecti- fazer...? andava com o meu pai. Sou tão velho aí na pes-
va, 1979, pp. 126 e 127 ca, podia estar aí esses cinco ou seis anos, na escola, não
é?... mas os meus pais... nesse tempo as dificuldades eram
muitas, andei sempre por aí à pesca, nunca fui à escola.
Eh, eh, a minha escola foi na pesca (...) Eu nem à esco-
la tampouco lá fui um dia. Andava aí com o meu pai éra-
mos também seis filhos e para dar parte a um homem, as-
sim ficava tudo em casa.13
Por outras palavras, a aprendizagem é feita por enculturação, “o processo pelo qual
uma cultura com suas normas de conduta e seus valores próprios, é transmitida pelos
pais a seus filhos”, ou ainda segundo Splinder:
Há até uma rebeldia da parte das crianças, que pode ser tolerada pela família. Embo-
ra os pais pretendam que os filhos aprendam conhecimentos na escola estes fogem ao
controlo escolar e tentam imitar o trabalho dos mais velhos, em parte porque a famí-
lia vai necessitando da sua ajuda, mas também porque esta aprendizagem é mais es-
timulante para as crianças. Também Pedro Simão, que foi maquinista de barcos que
faziam o transporte de pessoas e mercadorias para Vila Real nos contou que em vez
de ir para a escola, escondia-se no porão e só aparecia quando o barco já ia a algu-
ma distância. Apanhava uma pequena repreensão, mas continuava viagem. Também
não aprendeu a ler.
Vejamos exemplos de duas outras gerações:
Não foi o insucesso escolar nem a falta do pai que antes angariava os meios de sub-
sistência para a família que o levaram a ser pescador. Experimentou até outras pro-
fissões, mas o seu principal desejo foi ter um barco que o tornasse um pescador inde-
pendente de patrões.
Já nos anos setenta o seu filho, comete também uma proeza que é o orgulho do pai,
apesar do seu insucesso escolar.
Até à idade que o meu moço tinha quinze anos, tive sem-
pre barcos a fazer, barcos a arranjar e ele, tinha jeito, da-
va-lhe jeito, ele puxava e ele depois quando tinha quinze
anos, mesmo aqui nesta casa diz: pai, a gente é que vai
fazer o barco. Tu?!, se eu tenho visto trabalhar com bar-
cos, fazer barcos e ainda não sou capaz de pregar um pre-
go, como é que tu vais a fazer aqui um barco? Estava aí
em casa e o gajo arranja-me uma prancha, uma prancha
de um lado ao outro da casa (...) cheguei ali a casa e dis-
se assim à mãe: aquele arranjou aquilo de uma manei-
ra...de fazer um barco, parece que há-de sair um papo-se-
co, porra! (...) O gajo pega num bocado de arame e vai ali
(...) tira o molde ao do mestre Chico Ribeiro, do Poma-
rão, agarra assim a rodear (...) faz um molde destes. O ga-
jo faz aí uns moldes, o gajo chega aqui, monta aqui uma
tarquilha, não é? aqui monta outro, e aqui monta outro,
mesmo com estes moldes.
....
-(...) Diz-me ele assim: agora já estão estes aqui; eu vou
fazer o barco. (...) (digo ao Senhor Paulo, que mora aqui
ao lado: você arranjou-me uma (...) muito bonita (...)!
Você meteu na cabeça do moço, disse ao moço para fazer
o barco, porque eu vi logo que tinha de ser de além, fazer
um barco nestas condições, vai sair daqui uma trapalha-
da. “Deixa lá”, (ele fala assim um bocado descansado),
“deixa lá homem! (...). Com 15 anos hã?! O gajo, o mes-
tre Chico Ribeiro vem de além, vem aqui e olhou o barco
e viu que ele estava um bocado torcido, manda chamá-lo
além a casa... vais a tirar as fasquias para andar para todo
o lado. O homem veio, veio aqui (...) alinhou-lhe o barco.
Passado aí uns 15 ou 20 dias temos o barco. Eu começo
a ver, fui fazendo já, já fui tarde, começo a ver, a ver, a ver,
vamos fazer barco, vamos fazer um para a gente. Outro!
Três! fui logo fazer um para mim, outro para ele. Quatro!
Ora e depois com 17 anos, começou já a trabalhar por
conta dele. Pai, eu quero rede. Pronto! Dei-lhe rede. Vá,
vai para aí tu. Depois a vida dele começou a andar, andar,
andar, e uma coisa tão bonita que eu pensava que ele se-
guia para a frente, dá-se o problema do peixe não entrar
aqui. Chateou-se, já não fala em barcos, já não liga às
coisas, não quer saber de nada, não pesca.
Podemos até dizer que a aprendizagem começou quase à nascença. Quando os casais
eram mais novos toda a família ia à pesca. Desde pequeno que há uma fusão com o
rio e toda a família participava, nomeadamente a esposa (Fig. 31):
O barco era uma segunda habitação para toda a família. No caso de algumas famí-
lias com mais filhos a situação podia piorar. Segundo a mulher de António Guilher-
me, a Beiranita:
Também a concepção de criança era outra. Os filhos eram preparados para seguir a
vida dos pais, brincavam participando em todas as actividades da família. Ainda não
havia o modelo puerocêntrico, que leva frequentemente a colocar a criança no centro
das preocupações da família. Os filhos começavam a conhecer o rio desde pequenos.
Pedro Gainha conta uma situação passada com o filho ainda bebé, em Alcoutim:
Também quando tiveram que mudar para um barco a vapor - o Rabino (Pág. 11),
contrataram um maquinista para aprenderem:
FOTO - (LP)
71 A COMUNIDADE RIBEIRINHA
A COMUNIDADE RIBEIRINHA 72
V
A COMUNIDADE RIBEIRINHA
73 A COMUNIDADE RIBEIRINHA
Françoise Zonabend refere que “O estudo dos nomes pessoais constitui o comple-
mento indispensável do empreendido sobre os termos do parentesco. Como estes,
também aqueles estão sujeitos a um duplo emprego, conotam relações parentais e
3
Françoise Zonabend, “Da família. constituem marcadores genealógicos”3.
Olhar etnológico sobre o parentes- Verificámos ao longo da recolha que a imposição de nomes e apelidos se faz aparen-
co e a Família” in Françoise Zo- temente sem regras rígidas. Há nomes identificáveis facilmente com os parentes, ou-
nabend et ali. (dir. de), História da tros não teriam qualquer relação. Quanto aos apelidos, se uns ficam com o apelido
Família, Lisboa, Terramar, 1996, 1º paterno ou materno, muitos nem sequer os herdaram, tendo-lhes sido registado ape-
vol., p. 25 nas dois nomes. Além disso verificámos também que há mudanças nessa “falta de re-
gras” ao longo do tempo.
Uma primeira dificuldade, não esperada, foi a de definir o que é um nome e um ape-
lido. Os apelidos, em geral, são facilmente reconhecíveis, são aqueles que são trans-
mitidos de geração em geração (nem sempre nos registos oficiais) e que identificam
o indivíduo com determinada família. Em geral posicionam-se no fim. Na linguagem
comum há também alguma confusão entre apelido e alcunha. Utilizámos aqui o ter-
mo apelido equivalente a sobrenome ou nome de família, como atrás descrevemos.
Os nomes identificam o indivíduo em si, e posicionam-se no início. O termo nome
tem o sentido de prenome, visto que é esta a acepção aceite pelos informantes. No
entanto, há casos em que o que é vulgarmente um nome, pode transformar-se em
apelido, como por exemplo António, João ou Porfírio em certas famílias, onde este
nome se repete ao longo de várias gerações ou é transmitido a vários irmãos, geral-
mente em último lugar e sem mais nenhum apelido, identificando o indivíduo com a
sua família.
Há nomes que são característicos de determinadas famílias e que se repetem ao lon-
go das gerações. Veja-se o exemplo de Eugénio (a) que aparece sempre, pelo menos
ao longo de cinco gerações, em oito casos conhecidos na família Encarnação:
Eugénio da Encarnação, Eugénia de Jesus da Encarnação, Eugénia da Encarnação,
Eugénio da Encarnação Simões, Manuel Eugénio Valente da Encarnação, Maria Eu-
génia Simões Santana Alho, Eugénio Valente da Encarnação, Eugénio Valente da
Encarnação Santana, Eugénio do Carmo Simões Rodrigues.
Há outros casos que não são tão explícitos, dada a vulgaridade dos nomes, mas onde
também se pode encontrar a mesma regra. Por exemplo, João Manuel Confeiteiro,
recebe ambos os nomes de familiares em linha recta pelo lado paterno:
João Luciano (pai), Luciano Manuel (avô), Luciano Manuel (bisavô), Manuel Antó-
nio (trisavô), João (quadrizavô).
É frequente os apelidos serem precedidos de de, o que sugere uma família alargada:
da Costa, da Cruz, da Encarnação, de Matos, das Neves, do Nascimento, da Palma,
dos Reis, da Silva, dos Santos. No entanto, muitos dos apelidos citados têm um sig-
nificado de origem religiosa. Refira-se o caso da família Encarnação (uma das linha-
A COMUNIDADE RIBEIRINHA 76
gens mais antigas de pescadores de Mértola) que se pode relacionar com a Senhora
da Encarnação de Vila Real de S. António (padroeira)4 e também com o facto de a 4
Em Vila Real há centenas de mu-
padroeira de Mértola também ter sido a Senhora da Encarnação no século XVIII. lheres com o nome de Senhora da
Para descortinar algumas regras verificámos os nomes e apelidos de todos os maríti- Encarnação.
mos do concelho de Mértola, de que conhecemos pelo menos três gerações em linha
recta, materna ou paterna. Elaborámos quadros e gráficos, por períodos de 20 anos,
abrangendo duas décadas, que correspondem grosso modo, apesar do artificialismo,
a uma geração, e onde poderemos detectar as mudanças operadas.
Em 1830/1850 em 6 indivíduos apenas um tem o mesmo nome do pai. Mas dois rece-
bem o nome do avô paterno e um do avô materno. Apenas um não recebe o apelido
do pai e o da mãe não é transmitido em nenhum caso conhecido.
Em 1850/1869 em dez indivíduos considerados, todos têm apelido, apenas um herda
o nome do pai. Apenas um não tem nenhum apelido, mas quatro (60%) continuam
com o apelido do avô paterno e num dos casos o do bisavô paterno também. Em ne-
nhum dos casos há transmissão de nomes ou apelidos por via materna.
Em 1870/1889, em 22 casos, quatro não têm apelido, apenas 11 o recebem do pai e
11 do avô paterno embora não sejam os mesmos, pois há dois casos em que, embora
não tenham o apelido do pai vão ficar com o apelido do avô. Apenas um tem o mes-
mo nome da mãe, dois têm o apelido da mãe, um tem ainda um apelido do avô ma-
terno. Este caso (Cipriano Alves, nasc. 1885, Mértola) torna-se interessante pois o
pai, Cipriano Nicomedes, era espanhol, de Ayamonte (de origem grega?) e ilegítimo,
tendo sido adoptado pela família Alves, “pais de creação”, e casado com uma mulher
de apelido Alves, daí que herde este apelido por via paterna (pai adoptivo do pai) e
materna (pai da mãe). O outro caso em que um indivíduo herda o apelido da mãe
(Manuel Carlota, 1888, Pomarão) fica com o apelido (que aparentemente seria um
nome) da mãe juntamente com outro irmão (embora haja outro irmão ainda que fi-
ca com o apelido do pai). Estas excepções parecem que apenas confirmam a regra de
que até aqui os apelidos são transmitidos essencialmente por via masculina.
Em 1890/1909, em 30 indivíduos, apenas um não tem apelido, metade tem um dos
nomes do pai. Neste período começam a aparecer os Júnior, em que se repete o no-
me do pai acrescentando Júnior, o que parece tratar-se do primeiro filho (há mesmo
casos em que o “Júnior” aparece registado como filho ilegítimo, embora tivesse sido
criado sempre com os pais e sem que ninguém se tivesse importado com essa situa-
ção). Há pelo menos quatro casos neste período, como sejam Francisco Simões Jú-
nior (1893, Mértola) filho de Francisco Simão, Joaquim da Costa Júnior (1901) filho
de Joaquim da Costa, José Cristóvão Júnior (1901) filho de José Cristóvão e António
José Júnior (1901) filho de António José. Há ainda outro caso, António Lopes da Sil-
va Júnior (1901), filho de António Lopes da Silva, que não foi considerado no quadro
e gráfico por apenas se conhecerem duas gerações.
Em 1910/1929, em 26 indivíduos, 25 têm apelido, 21 têm apelido do pai, 18 têm o ape-
lido do avô paterno e 6 do bisavô paterno. Nenhum herdou qualquer nome por he-
rança materna, mas dez têm o apelido da mãe e um do avô materno.
Parece começar aqui uma viragem no que diz respeito ao uso do apelido materno,
pois começa a tornar-se mais frequente o seu uso. Tal como já tinha acontecido no
período anteriormente considerado, reforça-se também a herança de um dos nomes
do pai. Estas duas tendências levam-nos a crer que se está a dar a afirmação da famí-
lia nuclear. Poderá também tratar-se de um caso de aculturação, em que os maríti-
mos seguem um modelo burguês (de origem aristocrática) de afirmação da identida-
de das famílias, antes desnecessário numa sociedade em que o interconhecimento e a
família extensa dispensavam a individualização da pessoa através da escrita do nome
e dos apelidos paterno e materno. Esta extensão do nome também pode associar-se
à crescente penetração do Estado na vida privada, representado no caso, pela obriga-
toriedade do Registo Civil após a implantação da República.
Em 1930/49 todos os indivíduos considerados (19) têm nome e apelido. Deste 7 her-
dam o nome do pai, 5 do avô paterno, 2 do bisavô paterno e um do trisavô paterno.
Em 5 casos o apelido mantém-se desde o trisavô paterno, 6 desde o bisavô paterno,
15 desde o avô paterno e 17 do pai.
O nome não é transmitido de mãe para filho, mas há um caso em que o avô mater-
no dá o nome ao neto. Os apelidos por via materna são mais frequentes, em 17, 12
recebem o apelido da mãe, 3 do avô materno, 2 do bisavô materno e um do trisavô
materno.
77 A COMUNIDADE RIBEIRINHA
GRÁFICO 12
Herança de nomes e apelidos
(1837/1850)
GO G+1 G+2
Her M N 10 1 0 Her M N
A 10 9 4 Her M A GRÁFICO 13
Her F N 0 0 0 Her F N Herança de nomes e apelidos
A 0 0 0
Her F A (1850/1869)
Com 1 apelido Com 2 apeli- Sem apelido Com 1 apelido Com 2 apeli- Sem apelido
TOTAL
paterno dos paternos paterno materno dos maternos materno
GRÁFICO 19
234 10 85 61 4 264 329 Apelidos (1837/1975)
Com 1 apelido Com 2 apeli- Sem apelido Com 1 apelido Com 2 apeli- Sem apelido
TOTAL
paterno dos paternos paterno materno dos maternos materno
GRÁFICO 20
141 5 64 9 0 201 210 Apelidos (1837/1910)
Com 1 apelido Com 2 apeli- Sem apelido Com 1 apelido Com 2 apeli- Sem apelido
TOTAL
paterno dos paternos paterno materno dos maternos materno
GRÁFICO 21
64 1 15 33 2 45 80 Apelidos (1911/1944)
Com 1 apelido Com 2 apeli- Sem apelido Com 1 apelido Com 2 apeli- Sem apelido
TOTAL
paterno dos paternos paterno materno dos maternos materno
GRÁFICO 22
31 4 7 24 2 15 41 Apelidos (1945/1975)
81 A COMUNIDADE RIBEIRINHA
5.2.2. ALCUNHAS
Quase toda a gente tinha ou tem alcunhas. Há mesmo algumas pessoas que não se-
rão facilmente identificáveis se não forem chamadas pela sua alcunha. Algumas delas
podem passar de pais para filhos perdendo-se até o seu significado transformando-se
8
J. G. Peristiany, Honra e Vergo- num apelido não oficial mas aceite. Por exemplo “Gainha” é filho de “... da Gaia”.
nha, Valores das Sociedades Medi- A maioria, no entanto, corresponde a uma característica particular que pode ser um
terrânicas, Lisboa, Fundação Ca- aspecto físico, um determinado comportamento habitual ou um incidente durante a
louste Gulbenkian, 1988, p.5 infância, uma actividade profissional ou o local onde vive. Em alguns casos, quando o
9
“Of all the allegiances and their cinema começou a entrar nos hábitos da população também se recorreu a nomes de
accompanying names that theore- actores para apelidar determinada pessoa. Há também casos em que a pessoa é co-
tically exists for an individual, he nhecida por um apelido não oficial, mas que se herda de um familiar porque tem uma
only in effect claims one or two; if característica semelhante a este.
he claims more, then this will not Há, portanto, alcunhas que têm a mesma função dos apelidos oficiais e que parecem
be reflected necessarily in the use “neutras”, quase desprovidas de significado ou cujo significado entrou no esqueci-
of names or even in his knowled- mento. Outras que passam de pais para filhos também mantêm alguma determinada
ge of them (...) “When a child be- conotação com a família ou algum membro da família. Outras serão individuais mas
gins to wander about on the is- facilmente poderão passar para os descendentes se estes não tiverem algum cuidado,
land, the neighbours speak of it isto é, no caso daquelas que têm uma conotação negativa, o indivíduo terá que pro-
by its Christian name, followed by var que não a merece.
the Christian name of is father. If As alcunhas reflectem também os valores desta sociedade. Apontam-se característi-
this is not enough to identify it, the cas positivas ou negativas a determinados indivíduos ou famílias, que, no fundo, são
father’s epithet - whether it is a ni- exemplos de comportamentos não admissíveis ou tolerados, raramente a copiar, de-
ckname or the name of his own fa- pendendo também do estatuto social ou do sexo da pessoa a quem se atribui a alcu-
ther- is added. Sometimes when nha. “Honra e vergonha são preocupações constantes de indivíduos em sociedades
the father’s name does not lend it- pequenas e fechadas onde as relações face a face, por oposições e relações anónimas,
self, the mother’s Christian name são de extrema importância e em que a personalidade social do actor é tão significan-
is adopted as epithet for the chil- te como o papel que tem a desempenhar”.8 A vida privada quase não existia e o inter-
dren... (...) perhaps the idea of a conhecimento é uma das características desta sociedade. Também a mobilidade social
surname which it gives too modern quase nula permitia o saber-se de tudo em relação a determinada pessoa e família.
for them, perhaps they do use it at Entre aquilo que se considera nomes, apelidos e alcunhas, o que interessa às pesso-
times that I have noticed. Someti- as é o facto de serem nomeadas de determinada maneira ou assim conhecidas social-
mes a man is named from the co- mente. Há casos em que a alcunha é admitida e assumida pelo próprio, outros em
lour of his hair. (...) If an islander’s que ele tolera. Casos há até, em que toda a gente o conhece pela alcunha, mas em que
name alone is enough to distin- não é admissível chamá-lo dessa maneira cara a cara, embora essa situação seja rara,
guish him it is used by itself, and I e se a alcunha é utilizada socialmente, com o tempo o sujeito pode admiti-la.
know one man who is spoken of as Frequentemente os nomes e apelidos que constam no registo oficial quase só são co-
Eamonn. There may be other Ed- nhecidos pelos próprios e pelo seu círculo mais próximo, que só o relembra quando
monds on the island, but if so they se trata de preencher documentos oficiais. O sistema de nomes reflecte a realidade
have probably good nicknames or social e o interconhecimento. O indivíduo é conhecido conforme a sua idade, o esta-
epithets of their own”, Robin Fox, do civil (de facto e não apenas o legal), o conhecimento que as pessoas têm sobre o
The Tory Islanders, a People of the pai ou a mãe, nomeadamente a patrilocalidade ou em substituição a matrilocalidade,
Celtic Fringe, London, Universi- privilegiando-se a ascendência local, determinada característica individual ou acon-
ty of Notre Dame Press, 1994, pp. tecimento marcante ou a profissão. É uma situação semelhante à que Robin Fox re-
74 e 79 lata citando a análise de um professor primário numa ilha irlandesa 9.
A COMUNIDADE RIBEIRINHA 82
ALCUNHA CARACTERÍSTICA
Alcotineja Natural de Alcoutim
Aleixinho A esposa tinha apelido Aleixo
Barulho Estava sempre a falar, mesmo sozinho
Borrego Relacionado com a forma de falar
Cágado Trazia cágados da pesca
Caiador Em pequeno uma tia mandou-lhe um pincel de cal.
Capitanito Mestre de um barco de carreira, de estatura baixa
Fazia carvão; vivia numa pateira; bebia muito, chegou a ir rio abaixo com as
Carrusca
cheias
Charinga na gaveta Foi encontrado a mexer nos móveis de outra pessoa
Chupona “Chupava” rapé
da Quinta Morava numa quinta em Além-Rio
das Batatas Vendia batatas e hortaliça no mercado
do Carvão Tinha um armazém de carvão
do Dentinho Alusivo a um problema físico
do Forno Tinha um forno.
do Rio Vivia quase permanentemente no rio; mestre de um barco de carreira
Dr. Laranja “bem vestido”; vestia roupa dada por um Dr.
Enguiço
Escaldaça
Escarpas do medo Título de um filme; tinha umas mãos grandes
Espanhola Por viver Além-Rio (mas na margem portuguesa)
Gasolina (Augusto) Fazia parte da tripulação de um “gasolina”
Guanilho, Gónilho Apelido de um antepassado;
Pala de Aço Anteriormente guarda republicano; alusão à pala do chapéu
Papa-galinhas “Pescou” galinhas alheias com uma cana e minhoca
Pirrolas “malandro”
Pitongo
Ranhosa
Reboleta “Mentiroso”
Roque “herdou” de um amigo
Saltimbanco Pela forma de andar. “Andava aos saltinhos”
Talhada O primeiro fato estava mal talhado
Texugo
Zarak, o bandido De uma personagem de um filme; QUADRO 4
Zorro Raposo; “esperto” Alcunhas
5.3. PARENTESCO
Manuel António Godinho Cesária Mendes de Jesus Eugénio Encarnação Antónia Rita Encarnação
n: 1850 em Mértola n: 1855 em Mértola n: 1860 em Mértola n: em Mértola
MARÍTIMO MARÍTIMO
Luciano Manuel Confeiteiro Leonilde Rosa da Conceição Manuel José Encarnação Carolina de Jesus
n: 1881 em Mértola n: em Mértola n: 1884 em Mértola n: em Mértola
MARÍTIMO MARÍTIMO
Luciano Manuel Confeiteiro Eugénia de Jesus Encarnação Mateus José Pereira Maria dos Remédios Caetano
n: 1911 em Mértola n: em Mértola n: em Mértola n: em Mértola
MARÍTIMO MARÍTIMO
António Manuel Maria Antónuia Jõao Manuel Rita das Neves Luciano Manuel Leonilde Rosa
Confeiteiro Mértola Confeiteiro Hilário Confeiteiro da Conceição
1878 Mértola 1887 Mértola 1881 Mértola Mértola
MARÍTIMO MARÍTIMO
85 A COMUNIDADE RIBEIRINHA
GRÁFICO 23
Ascendentes de João Manuel
Confeiteiro.
GRÁFICO 24
Descendentes de João Godinho
Confeiteiro
Alonso Godinho Domingas Martins Hermínio da Cruz Teresa de Jesus Alves Fortunato António Rosalina
Confeiteiro 1852 Mértola Mértola Godinho da Conceição
1850 Mértola MARÍTIMO 1845 Mértola Mértola
MARÍTIMO MARÍTIMO COST.
Adélia João da Cruz Carolina d’Alves Manuel Confeiteiro Maria António Fortunato
1879 1887 Mértola 1880 Mértola 1878 Godinho
MARÍTIMO MARÍTIMO Mértola
MARÍTIMO
A COMUNIDADE RIBEIRINHA 86
Eugénia da Encarnação Francisco Simões Júnior Natália Encarnação José dos Reis António José Encarnação
Mértola 1893 Mértola Mértola 1886 Mértola
MARÍTIMO MARÍTIMO
GRÁFICO 25
Descendentes de José António
Alves GRÁFICO 26
Alves
Teresa de Jesus Alves Hermínio da Cruz Faustina Maria Cipriano Nicomedes Antónia R. Eugénio Encarnação
Mértola 1852 Mértola 1852 Ayamonte Encarnação 1860 Mértola
MARÍTIMO Além Rio Mértola Mértola MARÍTIMO
MARÍTIMO
87 A COMUNIDADE RIBEIRINHA
Jacinto Alves
da Cruz
GRÁFICO 27 1927 Mértola
Descendentes de Teresa Alves MARÍTIMO
e João da Cruz
A COMUNIDADE RIBEIRINHA 88
Alves GRÁFICO 27
Encarnação Alves
GRÁFICO 28
Descendentes de Encarnação
Teresa de Jesus Alves Hermínio da Cruz Faustina Maria Cipriano Nicomedes Antónia R. Eugénio Encarnação
Mértola
Ernestina Amália 1852 Mértola
Guilherme Allen Eugénio 1852 Ayamonte
Antónia Rita Encarnação EncarnaçãoManuel 1860 Mértola
Ludovina Maria
dos Santos MARÍTIMO
Lisboa Encarnação Além Rio Mértola
Encarnação Mértola Encarnação MARÍTIMO
Mértola MARÍTIMO 1860 Mértola Mértola MARÍTIMO
MAQ. MARÍTIMO
“Família patriarcal”, família extensa, família conjunta ou, segundo Mendras, melhor
ainda, família indivisa são termos que são utilizados para “exprimir uma família que
reúne dois avós, seus filhos casados que tiveram filhos (os netos dos avós) (...). Todos
vivem juntos. A família é um grupo de pessoas ligadas pelo sangue que vivem jun- 12
Henri Mendras, Princípios de So-
tas.”12 Este conceito aproxima-se de um exemplo de família que passamos a descre- ciologia, uma iniciação à Análise
ver, embora com uma diferença que é o facto de os filhos casados oficialmente não Sociológica, Zahar Editores, Rio
viverem sempre com os pais. de Janeiro,1975, pág 171
Francisco Simões foi proprietário, ao longo do tempo, de vários barcos que faziam a
carreira do Guadiana. Nos anos trinta e quarenta eram o Feliz Destino (mais conhe-
cido por Rabino) e o Alentejo III, comprado em Espanha. As tripulações eram cons-
tituídas pelos filhos, parentes próximos e outros que eram tratados por primos, em-
bora com dúvidas sobre a relação familiar.
O mestre do Alentejo III era o filho mais velho, o maquinista o filho mais novo. Além
destes, um “primo” por afinidade e outro marítimo. No Rabino o mestre era outro fi-
lho, e faziam parte também da tripulação dois sobrinhos, pelo lado da esposa. A pa-
rentela era também protegida.
Francisco Simões tratava dos negócios em Mértola (telhas, ladrilhos, adubos etc.) e
era ele próprio quem dirigia a empresa familiar, conservava a caixa com o dinheiro e
distribuía os lucros depois pelos filhos que não auferiam um salário. O filho mais ve-
lho recebia também alguns pagamentos, mas entregava tudo ao pai.
Quando algum neto necessitava de roupa, livros da escola ou outros bens era o avô
quem normalmente pagava. Assumia também a autoridade familiar, sobre os filhos e
netos, chefia reforçada pelo controle económico e pela protecção aos netos durante as
ausências dos pais destes (que passavam os dias fora de casa e dormiam frequentemen-
te em Vila Real de S. António). A sua fotografia mostra essa pose patriarcal (Fig. 35).
A sua esposa tinha também um papel importante na direcção da família, como se po-
de mostrar pelos seguintes casos:
Quando soube que o filho mais novo era pai de uma criança, mas não queria assumir
a paternidade (apenas a reconheceu depois de adulto, quando veio da tropa), foi bus-
car o neto e a mãe deste, que passaram a viver na sua casa, apesar da oposição daque-
le. Também após o falecimento do genro, quando um dos netos esteve em risco de ser
educado na Casa Pia, opôs-se terminantemente e a família em conjunto assegurou a
sua educação em Mértola. Era também ela a única pessoa que dispunha do dinheiro
como entendia: não pedia ao marido, exigia.
Todos os filhos viveram sempre em Mértola. O mais velho, junto ao rio, em zona de
leito de cheia, outro em Além-Rio, o mais novo em casa dos pais perto do cais mais
recente, a filha em casa próxima à dos pais (uma pensão que já fechou).
O filho mais velho casou-se com uma esposa de uma das linhagens mais antigas na
actividade piscatória: Encarnação. O mais novo teve filhos de vária mulheres (casou-
se oficialmente com a última quando os filhos já eram maiores), todas de famílias li-
gadas ao rio (Castro Marim, Mértola, Alcoutim) e uma que fazia parte do grupo do-
méstico: “uma criada”.
Os netos ainda aprenderam algumas actividades relacionadas com o rio, nomeada-
mente os rapazes aprenderam a conduzir barcos e a pescar. Todos, homens e mulhe-
res, sabiam (sabem) fazer redes. Ao contrário de outras jovens da vila que não tinham
ligação com a pesca ou transporte pelo rio, as netas aprenderam todas a nadar e “ba-
nhavam-se no rio”, o que nas décadas de 30, 40 ou 50 seria escandaloso para a maio-
ria das mulheres da sociedade alentejana. Compare-se com outras mulheres de Mér-
tola, de famílias de agricultores ou comerciantes, que apenas tomavam banho de mar
no Verão em Monte Gordo, apenas uma ou duas horas após o nascer do sol e total-
mente vestidas.
91 A COMUNIDADE RIBEIRINHA
Esta família era ao mesmo tempo uma unidade de produção e consumo. Como refe-
re Mendras “se se suprimir o património, normalmente se dissolverá a família indivi-
sa, pois cada um deve ganhar a vida de alguma maneira e não haverá mais razão para
13
Mendras, Princípios de Sociolo- todos ficarem juntos unicamente para consumir.”13. Trata-se também de uma solida-
gia, uma iniciação à Análise Socio- riedade mecânica no sentido durkheimiano, uma sociedade de semelhantes14. O Bar-
lógica, Zahar Editores, Rio de Ja- co Branco (O Alentejo III) foi vendido para os Açores e o Rabino embora aguentasse
neiro,1975, pág,174 mais uns anos foi deixado em Guerreiros do Rio onde se afundou. O meu avô man-
14
Cf. Henri Mendras, Princípios de dou pô-lo longe das vistas, disse uma das netas.
Sociologia, p. 143 Nenhum dos netos seguiu qualquer profissão relacionada com o rio, o que se explica
pela decadência destas actividades após a 2ª guerra mundial, nomeadamente com a
abertura da estrada. Acompanhando o movimento migratório foram-se quase todos
embora e espelham um pouco o que as estatísticas confirmam: uma foi para Angola
(regressando mais tarde, para a zona da Grande Lisboa), outro para o Canadá (filhos
da filha), também para a Grande Lisboa (3 filhos do filho mais velho) e um do 2º fi-
lho), Évora, e a maioria dos filhos do filho mais novo foram para o Algarve (Fuzeta e
Olhão). Destes, houve apenas um regresso. Ficaram apenas alguns dos mais novos ou
solteiros:filho da filha que continuou com a pensão, a neta mais nova que casou com
um filho, neto, bisneto... de pescadores do Pomarão e uma irmã solteira.
Tudo indica que os irmãos mais novos são os que mais tempo ficam ligados à casa dos
pais e a quem é atribuída menos responsabilidade. Os solteiros permanecem também
(e durante mais tempo) na casa paterna (e materna).
Apesar da maioria se ter ido embora, continuou a relação e a solidariedade familiar.
A casa de uma das netas (filha do filho mais velho) em Lisboa, era o lugar de acolhi-
mento dos familiares e, através deles, de outros amigos, frequentemente tratados por
primos. Nessa casa (com cozinha, quarto e casa de banho apenas) chegavam a dormir
temporariamente mais de uma dezena de pessoas: um tinha que tratar do passapor-
te, outro partia para a guerra colonial, outro andava à procura de emprego, um por-
que estava doente, outro ainda porque estava a estudar. Em Mértola, a casa da neta
solteira servia para o reencontro familiar, nomeadamente na festa do Senhor Jesus
dos Passos.
A solidariedade entre os familiares continua ainda através da entreajuda e do aconse-
lhamento em diversas situações, o que noutras famílias poderia ser considerado uma
intromissão na vida privada.
A autoridade familiar de ego não se perdeu totalmente. Foi em parte herdada pela
primeira filha casada, do filho mais velho. Continua a aconselhar as irmãs e a prote-
ger os filhos destas e a acolher alguns em casa durante os estudos.
GRÁFICO 32
Família Simões
Homem
Mulher
A COMUNIDADE RIBEIRINHA 92
93 A RELIGIÃO DOS MARÍTIMOS
A RELIGIÃO DOS MARÍTIMOS 94
VI
A RELIGIÃO DOS MARÍTIMOS
95 A RELIGIÃO DOS MARÍTIMOS
UM CONFLITO MULTISSECULAR
O próprio documento confirma que ainda existem aqui judeus e mouros que arren-
davam os dízimos devidos à Ordem.
Ainda em 1758 o prior de Mértola nas memórias paroquiais queixa-se do facto de ha-
ver “homens infectos” e judeus que são irmãos da Caza da Misericórdia e que para
sua admiração e perante a sua impotência diante de tal facto chegam a levar a ima-
gem do Santo Cristo na procissão de Quinta Feira Santa ou a assumir cargos dentro
da mesma instituição.
para este culto. Por outro lado é um dos santos que assinala o fim da Primavera e o
início do Verão, e é um santo casamenteiro14. 14
Este santo tem ainda outras co-
Os limites da área navegável do rio estão marcados religiosamente e relacionam-se notações em Portugal e no Bra-
com as dificuldades sofridas pela população ribeirinha. Se tivermos em conta que an- sil. É oficial do exército portu-
tes da fundação de Vila Real de S. António, a vila e porto do Guadiana que se situava guês no antigo regimento de
mais próximo do mar do lado de Portugal era Castro Marim, encontraremos também Lagos. É também oficial do exér-
outra “coincidência”. A Senhora mais venerada em Castro Marim, ainda nos dias de cito brasileiro e, relacionado com
hoje é a Senhora dos Mártires, com romaria anual bastante concorrida. Antigamente esse facto, é venerado no Can-
também lá acorria muita gente de Mértola. Do lado espanhol em Ayamonte é a Se- domblé na Bahia como Ogum,
nhora das Angústias. deus da guerra. Diz-se que um
Para quem chegava a Mértola pelo rio, sobretudo à noite, uma das primeira luzes que navio português foi atacado por
avistaria era o cruzeiro do Senhor dos Aflitos, quase em frente à Igreja Matriz (anti- luteranos que atiraram a imagem
ga Mesquita) constantemente iluminado por candeias e velas oferecidas para paga- já mutilada do santo ao mar, a
mento de promessas, atitude que persiste até à actualidade, embora mal tolerada por qual apareceu na Bahia. Os tri-
um dos membros da Igreja Católica15. Para os pescadores é a divindade a que recor- pulantes foram acometidos pe-
rem quando se vêem em aflições. E isto porque “está ao sol, à chuva e ao vento como la peste e os que restaram fo-
eu”, como um pescador. ram massacrados no Brasil (vide,
Após este pode vir a Senhora de Fátima e a Senhora da Boa Viagem. Um dos pesca- Pierre Fatumbi Verger, Orixás,
dores tem mesmo um barco com este nome dado que quando ia a caminho de Vila S. Salvador, Corrupio, 1999, 5ª
Real para o registar foi apanhado por uma trovoada. ed. O elemento comum é sem-
O barco também é sacralizado: à proa resguardada num saco de plástico um pesca- pre a água.
dor leva um papel com uma oração que já a sua tia rezava, e isto apesar dele próprio Para melhor compreender o cul-
não saber ler. to e a simbologia dos santos re-
corremos também a José Leite,
6.2.2. SENHOR DOS PASSOS Santos de cada Dia, Braga, Edi-
torial A. O., 1987, 3 vols. e Jor-
Praticam-se também rituais religiosos públicos. O mais importante para os pescado- ge Campos Tavares, Dicionário
res de Mértola é (aliás como para toda a população) o dia e as procissões relaciona- de Santos, Porto, Lello e Irmãos,
das com o Senhor dos Passos. 1990
A procissão dos Passos é celebrada no Domingo de Ramos. Na liturgia da Igreja Ca- 15
O único sacerdote que existe em
tólica no domingo de Ramos celebra-se a entrada de Jesus em Jerusalém montado Mértola, está bastante doente e
numa burrinha e seguido de uma multidão em festa. Ora a procissão dos Passos cele- quase todas as tarefas relaciona-
bra a morte de Jesus. Por isso, o dia dos Passos em Mértola, se por um lado ritualiza das com o culto católico têm sido
a morte do Deus é também considerado um dia de festa e funciona como o dia de re- desempenhadas por uma freira,
encontro entre os membros das famílias que se encontram dispersos.16 que é acusada frequentemente
No sábado anterior ao Domingo de Ramos, faz-se uma procissão nocturna chamada de assumir posições autoritárias
de “ O Senhor Roubado”. Justifica-se este nome pois a imagem do Senhor dos Passos e, por isso, contestada mesmo
é levada num andor mas escondida dos olhos do público. Segue um percurso que par- pelos que não praticam qualquer
te de uma capela próximo da matriz em direcção à Igreja da Misericórdia. Este cami- culto religioso, mas que assumem
nho ao longo da Vila Velha é feito em silêncio, raramente quebrado. essas práticas como sendo parte
Na procissão do Passos, à tarde, os pescadores têm um lugar especial de que não da sua cultura, ou seja respeitan-
prescindem. São eles que levam o “guião” que tem cerca de 5 metros de altura e 2,5 do as práticas religiosas de mem-
de largura e onde está inscrita a dourado a sigla latina S.P.Q.R.17 (Fig. 48), à frente da bros da comunidade, normal-
procissão. Tem uma vara comprida na vertical e outra na horizontal onde o tecido fi- mente “coisas de mulheres”.
ca seguro. Da vara horizontal saem do lado esquerdo duas cordas (guias) e da direita 16
Repare-se que do concelho de
outras duas com vários metros de comprimento. Apesar da religiosidade, isso não os Mértola tem saído muita gente,
impede de fazer interpretações irónicas sobre a sigla: Sopa para os Pobres, Queijo pa- sobretudo desde os anos 60, em
ra os Ricos. Outra senhora diz que significa Senhor dos Passos Querido Redentor. Mes- que a par do êxodo rural regista-
mo durante a procissão e dado que vão alguns metros à frente dos restantes fiéis, ape- do em todo o país e particular-
sar de ser uma promessa antiga, isso não os impede de irem divertidos. mente no Alentejo, juntou-se o
Antes da procissão estes pescadores vestem-se na casa de um deles com as melhores encerramento da Mina de S. Do-
roupas e levam uma opa roxa que depois envergam na Igreja da Misericórdia, insti- mingos. É significativo que o ac-
tuição que tradicionalmente organizava esta actividade religiosa (Fig. 49). tual grupo coral da Mina de S.
Um deles segura a vara principal e os outros pegam nas guias. É um trabalho, que em Domingos esteja situado na pe-
certas circunstâncias, quando há vento, se torna difícil de coordenar. Dir-se-á que é riferia de Lisboa (Margem Sul)
um trabalho próprio daqueles que estão habituados a lidar com os ventos, isto é os para onde migraram muitos ha-
pescadores. O lugar que ocupam é respeitado escrupulosamente e só é substituído bitantes do concelho. Outros fo-
por morte ou impossibilidade física e, neste caso, por um parente próximo, também ram para a Alemanha, França,
pescador. Canadá ou E. U. A.
17
Senatus Populusque Romanus, O
Senado e o Povo Romano.
99 A RELIGIÃO DOS MARÍTIMOS
Acrescente-se que o filho de João Luciano também participa no grupo que leva o
guião.
Na procissão sobressai também a figura da Verónica, uma adolescente que transporta
o véu onde Cristo se terá enxugado do suor e em que terão ficado impressas as mar-
cas do seu rosto. Antes do andor vão também várias crianças que levam nas mãos os
objectos dos martírios do Senhor. Atrás um sacerdote seguindo-se o andor do Senhor
dos Passos, cheio de flores e segurado por quatro homens. A maioria das pessoas se-
gue em filas, constituídas sobretudo por mulheres. Atrás do andor já se vai de uma
forma mais compacta e sobretudo homens. No final segue a banda. Um ou outro cão
vai também acompanhando as cerimónias.
18
Que actualmente só é utiliza- A procissão, depois de sair da Misericórdia18 passa pela praça e segue pela rua princi-
da como local de culto nestes dias, pal da vila antiga ou seja aquela que ladeia o rio, e segue até ao arrabalde19
funcionando o resto do ano como No Largo, já no arrabalde dá-se o encontro com outra procissão que vem da matriz
museu. com a Nossa Senhora das Dores. É o encontro entre mãe e filho, o momento em que
19
Ainda hoje as pessoas mais ve- os participantes mais se emocionam. Juntam-se as duas procissões, num ambiente
lhas chamam vila à zona amuralha- agora já mais alegre sobem até ao Largo de Nossa Senhora do Carmo, descem a Rua
da e arrabalde ao que fica de fora Larga e seguidamente vão até à matriz. Morre o filho e triunfa a mãe.
desta, apesar de hoje em dia vive- O percurso da “festa” marca também o espaço. Durante a procissão há Passos onde
rem mais pessoas aqui. se pára e se reza cantando. A Nossa Senhora está na igreja mais alta, com mais pres-
20
Ilda Simões S. Alho tígio e mais antiga (matriz, antiga mesquita), próxima do castelo e é daí que parte. O
Senhor dos Passos sai de uma capela mais abaixo da matriz e segue, na véspera, para
a igreja da Misericórdia, que é a igreja mais próxima do rio e que está na esquina da
porta da vila mais próxima deste.
O Senhor dos Passos sobe pela principal rua na margem do rio em direcção ao arra-
balde. O encontro com a mãe faz-se no largo que era a antiga porta mais importante
da vila, a entrada nesta e o ponto de confluência com o arrabalde. Depois a procissão
segue em direcção ao antigo Rossio do Carmo (Fig. 51), onde se situa uma igreja e
uma necrópole paleocristã, e entra novamente na antiga vila e acaba na matriz.
Como em todo o país, festejava-se o solstício de Verão. Actualmente a festa mais im-
portante desta época é o S. João. O mês de Junho era mesmo o mês de S. João.
A iniciativa popular já se perdeu em grande parte e é a Câmara Municipal que orga-
niza a festa que inclui sempre espectáculos com artistas nacionais, normalmente re-
alizados no cais.
Por outro lado, alguns não se reconhecem na Igreja Católica e procuram outros cultos
também cristãos, como é o caso da Igreja Evangélica e Igreja Metodista que possuem
espaços próprios (Fig. 47 e 45). São expressões ainda minoritárias e que passam quase
despercebidas. A Igreja Evangélica usa um edifício que antes era um espaço comer-
cial, em frente à antiga igreja de S. António. O templo da igreja Metodista situa-se em
Além-Rio, e é uma barraca situada quase em cima da antiga estrada romana, sem ca-
sas por perto. O “edifício” pela sua construção e pela sua localização indicia alguma
exclusão social. É frequentado essencialmente por cidadãos de etnia cigana.
A procissão dos Passos nunca foi interrompida. Não é apenas por ser tradição que
ela se faz. As pessoas participam porque funciona como um ritual de reencontro e
coesão entre os membros da(s) comunidades(s). “Quando conseguimos descobrir a
função de um costume particular, por exemplo, o papel que ele desempenha no fun-
cionamento do sistema a que pertence, alcançamos um entendimento ou explica-
ção dele que é diferente e independente de toda a explicação histórica da sua for-
mação”21. Após o 25 de Abril de 1974 o pároco manifestou algum receio em fazer a 21
A. R. Radcliff-Brown e Daryll
procissão. Uma delegação de membros do Partido Comunista convenceu-o e foram Forde, Sistemas Políticos Africa-
os próprios a organizar o evento. Resta dizer que alguns deles eram filhos de marí- nos de Parentesco e Casamento,
timos ou mesmo pescadores22. Esta atitude, apesar do anti-clericalismo latente e do Lisboa, Fundação Calouste Gul-
ateísmo assumido por alguns, não os impede de participar nesta “festa”. benkian, 1982, 2ª ed, p.14
Houve, no entanto, épocas de alguma conflitualidade, principalmente durante a 1ª 22
Um caso semelhante na mesma
República. O Futuro de Mértola, semanário Republicano Democrático (leia-se alinha- época deu-se em Arraiolos, des-
do pelo partido dirigido por Afonso Costa), também anti-clerical, critica a atitude do ta vez com o M.D.P., o que local-
administrador do Concelho, também republicano, que provocou em 1915 os partici- mente significava o mesmo que
pantes da procissão: o Partido Comunista. Os seus
membros não participaram for-
“Não nos enganámos quando no último número do malmente na Procissão dos Pas-
nosso jornal previmos que o Sr. Pedro Alexandre Pal- sos, mas exigiram que o pároco a
ma, administrador do nosso concelho, não seria perdo- organizasse.
ado o seu gesto de atravessar varias vezes a procissão 23
O Futuro de Mértola, n.º 112, 8 de
dos Passos, na tarde de Ramos, de chapéu na cabeça, Abril de 1915, pág. 1
não tendo em consideração mais que o seu modo de
pensar.
(...) o seu gesto de atravessar várias vezes a procissão
dos Passos, de chapéu na cabeça, foi tomado como um
detestável exemplo, que mais veio indisciplinar as clas-
ses que não morrem pelos actos religiosos.
Há quem diga que para o Sr. Pedro Palma fazer o que,
fez atravessar varias vezes a procissão de Passos, de
chapéu na cabeça, melhor fôra não ter consentido que
ela se fizesse.”23
Esta atitude republicana revela-se também na forma como se dão explicações ao povo
sobre as consequências da Lei da Separação do Estado e da Igreja (1911).
Mais explicações
Continuamos a ter conhecimento de que, em diversas
freguezias deste concelho, deixaram de tocar as mati-
nas, meio dia, avé-marias e almas, dizendo que o Sr.
Administrador do concelho lhe havia proibido tocar os
sinos. Mais uma vez explicamos a todos, que os toques
religiosos não foram proibidos, mas sim regulamenta-
dos, em harmonia com o disposto no artigo 59º da Lei
da Separação; e que os toques civis estão autorisados.
101 A RELIGIÃO DOS MARÍTIMOS
Dentro dos santos objecto de culto popular encontra-se um que viveu perto de Mér-
tola, embora hoje quase não haja devoção nem prática religiosa relacionada com ele.
Chamava-se S. Barão. Mas refere Leite de Vasconcelos a propósito do uso da barba
e em particular dos eremitas:
São Barão não é reconhecido pela Igreja Católica como santo. Parece tratar-se de um
culto local. O seu nome Barão ou Varão significa homem (do latim vir, viris) o que ex-
plicaria a sua intervenção na fecundação dos casados.
Já anteriormente Diogo Paiva de Andrade, em 1616, se tinha referido a este santo, que
teria morrido em 700, e sobre o qual conta a mesma história, reafirmando: “Tem-se em
toda aquela província por advogado dos casados para terem paz, e haverem filhos”31.
É interessante notar que os cultos públicos mais importantes se realizavam na sexta-
feira de Ramos, em que se festejava um santo que ajudava a salvar a saúde e até te-
ria poderes fecundadores, e no Domingo de Ramos em que se cultua também a mor-
te de Cristo. E o facto de ser numa sexta-feira poderá ter alguma relação com o facto
dos muçulmanos considerarem este como o dia santo, e neste caso seria a memória
desse dia? Há também outro paralelismo interessante que é o facto de ter existido no
século XII um asceta muçulmano em Mértola, Muça ibne Imerane Almertuli que ad-
quiriu a reputação de santo.32
Todas estas ermidas se vêem umas das outras pois estão em sítios altos, algumas de-
las relacionadas com afloramentos rochosos [S. Barão e Ara Caeli (Fig. 43)]. Se algu-
mas delas já estão abandonadas, como é o caso de S. Barão ou S. Veríssimo, outras
continuam ainda com culto e há casos até que esse culto quase foi abandonado (Se-
nhora das Neves, em Mértola, em colina isolada e próxima da confluência entre a ri-
beira de Oeiras e o Guadiana) ou adquiriu até um novo fulgor (Ara Caeli). A capela
de S. Veríssimo ou S. Brissos fica no mesmo local da Senhora do Amparo (Fig. 41).
O culto deste santo seria mais antigo, “de tradição pré-islâmica. O pé de altar do sé-
culo VII reforça esta hipótese33.”
103 A RELIGIÃO DOS MARÍTIMOS
O conjunto destas ermidas estende-se por uma área vasta, desde Serpa (Senhora
de Guadalupe até perto de Castro Verde (S. Pedro das Cabeças), no sentido Leste-
Oeste. Essa área ocupa grande parte do chamado Campo Branco, onde, sobretudo
nos anos trinta se desenvolveu (aliás como em todo o Alentejo) a campanha do Tri-
go, com resultados desastrosos após os primeiros anos, dado que é uma área de so-
los delgados e que historicamente serviu essencialmente para a exploração de gado
ovino. Tudo parece indicar que terá existido aqui uma comunidade territorial, uma
aliança entre povos simbolizados pelas respectivas divindades. Ainda hoje a festa da
Senhora de Ara Caelis é considerada a festa dos agricultores dos concelhos de Mér-
tola e Castro Verde e é organizada por uma comissão eleita pelos próprios que tam-
bém oferecem algumas cabeças de gado para o almoço nos terrenos da capela. O caso
de S. Pedro das Cabeças está até ligado a um mito da fundação da História Nacio-
nal, o da batalha de Ourique entre D. Afonso Henriques e três reis mouros, e ainda
hoje o exército português aí faz cerimónias comemorativas, tendo até sido construí-
do um monumento militar evocativo. A Senhora de Guadalupe que se situa no outro
extremo ainda hoje é objecto de um culto intenso em Serpa. A Senhora de Guadalu-
pe está relacionada com um mito em que um pastor descobre a imagem da Senhora
que tinha sido escondida na serra de Guadalupe em Espanha) aquando da invasão
dos mouros. Mas contrariamente à imagem da Senhora em Espanha e nas Américas
e também em Portugal, a Senhora em Serpa é branca e não negra ou morena, mas
também pequena como convém à Senhora de eleição.
Algumas destas capelas têm, no núcleo essencial, a forma de uma Cuba, isto é uma
planta quadrada, forma cúbica encimada por uma cúpula redonda, uma semiesfera que
poderá simbolizar o céu (casos da Senhora de Guadalupe, Senhora das Neves e S. Pe-
dro das Cabeças). Poderiam ter sido em tempos ribats, semelhantes a outras que existem
no sul de Portugal e sobretudo no Magrebe, mas em geral de culto ainda mais antigo.
A lenda dos sete irmãos foi-nos confirmada oralmente. O Agiológio Lusitano refere
também para a zona de Mértola outra irmandade, onde se incluem alguns destes san-
tos, que seriam S. Brissos, S. Barão e Santa Bárbara34.
34
citado por Luís Fernando Del- Repare-se que S. Bárbara é padroeira dos mineiros, sendo natural o seu culto numa
gado Alves, “Subsídios para a His- área em que há vestígios de mineração desde antes dos romanos, dando origem a to-
tória do Concelho de Mértola”, in pónimos como a aldeia de S. Bárbara dos Padrões e a um renascimento do seu culto
Arquivo de Beja, vol. V, série III, na Mina de S. Domingos, no século XIX, substituindo o orago S. Domingos, relacio-
Agosto 1997, pp. 107 a 134 nado com uma lagoa que tinha águas santas, sulfurosas com poderes curativos (para
35
M. Espírito Santo relaciona o doenças de pele)35 36.
culto de S. Domingos com o deus
Thammuze ou Dommuzi.
36
Há várias águas santas no con- 6.3. PRÁTICAS RELIGIOSAS – O QUE NOS DIZEM OS
celho de Mértola. As mais conhe-
cidas são as termas de Água Santa ETNOTEXTOS
da Morena na ribeira do Vascão e
a Água Santa na ribeira de Oeiras,
com uma exploração rudimentar. “O discurso da literatura oral é um discurso ‘fixado’ ou
37
Jean-Claude Bouvier (dir. de), ‘semi- fixado’, no qual a improvisação não pode ser se-
Tradition Orale et Identité Cultu- não parcial. Quer se queira quer não, e qualquer que
relle, Problèmes et Méthodes, Paris, seja a importância das variantes duma versão a outra
C.N.R.S., 1980, pág. 24 (...), a canção ou a poesia rimada dão ao intérprete cria-
dor um quadro bastante rigoroso. As palavras podem
ser substituídas, versos inteiros modificados, a ordem
dos elementos alterada, e certamente a obra adquirirá
um significado totalmente diferente, mas ela continua-
rá uma canção ou uma poesia popular de tradição oral
bem tipificada”37
Estes etnotextos poderão ter-se fixado, embora com algumas alterações já há cente-
nas de anos como é o caso do romanceiro estudado ultimamente por Pére Ferré e
que segundo este estudioso podem remontar ao século XIV e que se difundiram por
toda a Península Ibérica e por outras regiões do globo onde existem comunidades de
origem ibérica (portuguesas, castelhanas, galegas, andaluzas, catalãs etc.) América
Latina incluída, e comunidades de judeus sefarditas (Marrocos, Turquia etc.) que por
vezes as mantêm em versões mais antigas.
A RELIGIÃO DOS MARÍTIMOS 104
Quando uma pessoa tem cobranto uma das formas de o tirar é com a seguinte oração:
Maria Virgem
Virgem Maria
Santa Isabel Baptista
Santa Catarina, esposa de Cristo
Conforme estas palavras são dadas
Assim venha a tirar do corpo desta pessoa
Este cobranto este acobrantado
Esta dor de costados
Para as ondas do mar seja deitado
Onde não ouça galo nem galinha cantar
Nem Deus Menino chorar
E em louvor de Deus e da Virgem Maria
Um pai nosso e uma Ave Maria
O cobranto é visto como um mal que vem de fora e que por isso deve ser expulso tam-
bém com palavras sagradas. Por intercepção das santas e em primeiro lugar da Vir-
gem Maria, a seguir de Santa Isabel, mãe de S. João Baptista (o que baptizou Cristo
e que seria um seu antecessor) e por fim Santa Catarina aqui considerada como espo-
sa de Cristo e portanto nora de Nossa Senhora. São duas mães e uma esposa mais no-
105 A RELIGIÃO DOS MARÍTIMOS
va que curam do cobranto. Este vai ser atirado para o mundo de ninguém, onde não
existe nem macho nem fêmea, nem sequer um Menino (Deus) a chorar, um lugar on-
de não há vida. A palavra e o gesto libertam e expulsam o mal das profundezas.
Quando alguém está embruxado também a culpa é de algum ente exterior. Pode ser
uma alma perdida. Essas almas que vagueiam num mundo que não é nem o Céu nem
o Inferno da Igreja Católica.
Quando se sai de casa também se pede protecção e esconjuram-se os males (os maus)
São Francisco poderá ser outro protector, quando se vai pela rua em direcção à Igre-
ja. Na igreja, junto à pia onde está a água benta também se reza:
O receio de um mundo onde não haja sons de animais homens ou mulheres leva a
que se recorra à estrela:
Anjo da Guarda
Meu zeloso companhia
Nos guarde esta noite
E amanhã todo o dia
À noite, às escuras podem sentir-se medos e por isso solicita-se a presença divina. O
leito é um mundo limitado por quatro cantos. Invoca-se Nossa Senhora protectora
maternal.
Há até alguma ambiguidade quando se invoca o Senhor martirizado que se vai deitar
com a mulher (solteira?). Repare-se ainda nesta oração em que o Senhor é apelidado
de Santana, numa referência à mãe de Maria e por conseguinte avó de Jesus.
Senhor Santana
Aos pés da minha cama
Senhor crucificado
Comigo deitado
41
cansado Senhor escalfado41
E abençoado
(...)
Aos pés da minha cama
Senhor preso à coluna
Senhor crucificado
Comigo deitado
(...)
Outras orações evocam ainda a cruz, os anjos da corte celestial e São Blé (diminutivo
de Manuel) que se torna acólito.
Entrego-me a Jesus
E à Santíssima Cruz
E ao Santíssimo Sacramento
E às relíquias
Que tem dentro
Já os galos cantam
Já os anjinhos se levantam
Já o Senhor subiu à cruz
Para sempre
Amém Jesus
Outra considerada antiga em que se pede a um Deus Menino que recebeu as chaves
de S. Pedro e de sua mãe:
A religião pode até ser satirizada, num tom burlesco, por homens, que assim provo-
cam um pequeno escândalo entre as mulheres, o que não inibe umas boas risadas da
parte destas. Por exemplo:
Eu te benzo Mateus
Com três peidos meus
Três de S. Francisco
As palhas alhas
Caganitas das gralhas
E os bafos de algum cu
Fica descansado
Que deste mal
Não morres tu
109 CONCLUSÃO
CONCLUSÃO 110
CONCLUSÃO
Mértola foi sempre marcada pelo Guadiana, um rio que atravessa centenas de quiló-
metros na Península Ibérica e que aqui tem uma feição especial: depois de passar gar-
gantas estreitas torna-se mais largo e fundo e as suas águas doces misturam-se com as
salgadas e alteram-se com o ritmo das marés, a mais de meia centena de quilómetros
do mar. É um rio de características mediterrâneas, com uma forte estiagem e um In-
verno com torrentes caudalosas, enxurradas que ainda surpreendem o Homem que
teima em “civilizá-lo”.
Essas características específicas do Baixo Guadiana permitiram a navegabilidade e
a entrada de espécies que foram desde sempre um recurso fundamental para os que
aqui vivem e que os distingue das populações vizinhas, embora se integrem na cultu-
ra do Sul do país, do Alentejo.
O rio traçou a História: permitiu a circulação de pessoas, ideias, comportamentos e
mercadorias. Revelou-se sobretudo uma porta de entrada que ligou milenarmente o
Sul de Portugal às civilizações mediterrâneas: longos caminhos por terra e sobretudo
pelo mar, desde o Oriente, Norte de África e Sul da Europa. Sedimentaram-se cultu-
ras, frequentemente em conflito, e que nos deixaram vestígios materiais pré-romanos
(ainda pouco estudados), romanos, islâmicos, estes sobretudo nas suas versões nor-
te-africana/andaluza.
As riquezas da região, o minério, o trigo, o carvão, a pastorícia forneciam a “moeda
de troca” para os bens em falta, desde alimentos até bens sumptuários, quase sempre
com déficit para a região. No caso das minas, exploradas desde a Antiguidade, os lu-
cros auferidos teriam seguido o caminho de Roma, para a Época Contemporânea a
espoliação dos recursos pelo capitalismo inglês, guiou-se pelo lucro máximo e quan-
do este diminuiu, levou-se tudo o que podia e deixou-se em troca os escombros, a po-
luição e os desempregados, ressalvando ainda os direitos sobre a terra.
Houve épocas de dinamismo económico e de atracção de populações, de nacionais
e estrangeiros. A segunda metade do século XIX foi um período de expansão que se
atenua após a Grande Guerra e que, apesar de alguns períodos de recrudescimen-
to, decai definitivamente após a segunda guerra mundial. Os anos 50 e sobretudo os
anos 60 são décadas de autêntico êxodo, acompanhando a tendência do país rural e
da região, mas aqui de uma forma intensa. Essa tendência ainda não parou, o con-
celho vai-se desertificando em termos populacionais e torna-se cada vez mais enve-
lhecido.
Mértola insere-se numa região rural, com uma economia especializada, produção de
cereais (hoje menos), quase em monocultura, e derivados da pastorícia. Mas, como
porto fluvial e quase marítimo, como sede de um concelho onde não há mais centros
urbanos, com os recursos do rio, criou-se aqui uma população que vive tradicional-
mente do comércio e serviços e da pesca. As dificuldades nas comunicações terres-
tres, semelhantes às do resto do país, onde quase não se construíam estradas desde o
tempo dos romanos, com os inerentes obstáculos naturais, a serra algarvia e os vaus
principalmente, a banditagem produzida por um exército permanente de excluídos
socialmente, tornavam o rio como a via mais rápida, mais barata e mais segura. Lito-
ral e interior trocavam entre si, o que significa, em termos concretos, o Algarve (uma
ligação especial a Vila Real de S. António) e Lisboa a partir daqui, mas também a
Andaluzia, e, por outro, a zona de Beja e a margem esquerda do Guadiana (Serpa,
Moura, Barrancos...).
Este meio essencial vai perdendo importância paulatinamente. Primeiro o comboio,
que em parte também revitaliza o tráfego no rio e aproxima de Beja, e as estradas e
as pontes que morosamente se vão construindo. Foi uma das últimas carreiras fluviais
do país que foi definhando após a segunda guerra mundial. A construção de estrada
para o Algarve, finalmente posta em serviço em 1949, marca a mudança.
O rio nem sempre foi uma barreira para com o estado vizinho. Se antes da constru-
ção dos estados ibéricos ele era um elo de comunicação com que é hoje a Andaluzia,
e essa relação terá continuado até à Restauração, os países viram-se de costas um pa-
ra outro, tornando-se Portugal num país de “ilhéus”1. O rio torna-se fronteira, forte-
1
António José Saraiva, A Cultura em Portugal, Lisboa, Bertrand, 1983, I vol., pág. 86
111 CONCLUSÃO
mente guardada, situação que se agrava com as ditaduras ibéricas do século XX, ape-
sar do Pacto Ibérico.
Mas “eppur se muove”, os habitantes de cá e de lá contactam entre si, fazem contra-
bando, sobretudo de objectos utilitários, animais e alimentos, pequenos negócios em
que se arriscava a vida. Também há alguns que vão para lá trabalhar, outros vêm pa-
ra cá, há casamentos, há demonstrações de solidariedade perante a miséria e a pre-
potência dos estados; outros evadem-se à procura de uma vida melhor ou na recusa
de combater uma guerra colonial que se arrasta sem solução, ou “simplesmente” na
luta pela democracia.
O rio permitiu a existência de pescadores até aos nossos dias. Homens e mulheres
profundamente conhecedores das correntes, dos ventos e marés, das profundidades e
das margens a quem deram nomes, guardaram uma memória colectiva que se trans-
mitia oralmente, pois raros sabiam ler e escrever. Memória essa que se vai fragmen-
tando pelo abandono do modo de vida, mas que se revivifica quanto inquirida ou con-
frontada, mesmo depois de anos passados noutro local e noutra profissão.
Esta comunidade não era totalmente sedentária. O rio era aproveitado desde a foz
até ao Pulo do Lobo, essa sim uma barreira para as espécies e para os barcos. O mo-
vimento das águas, marés e torrentes, a época do ano, a hora do dia, levava a que se
pescasse num ou outro lado do rio. O pescador movia-se conforme o sável ou a lam-
preia e levava o barco, as artes e a família. As artes e as embarcações são também o
resultado da adaptação à actividade, diferentes conforme o peixe ou o lugar: o “con-
to” para o sável, o tresmalho para o muge, a rede “coelheira” para as eirozinhas (prá-
tica proibida e condenada por alguns profissionais) e até formas passivas de pesca, co-
mo o caneiro, aproveitando os açudes. O pescador usa o rio como o camponês usa a
terra e só não o respeita (e com mágoa) quando primeiro está a sua sobrevivência.
Aprende-se esse conhecimento desde tenra idade, com os pais, os irmãos e todos os
membros da comunidade, aprende-se a trabalhar imitando, construindo brinquedos
que têm como modelo o que os adultos fazem, coisas que não se compram nas lojas
nem se ensinam nas escola. Esta era um mundo à parte da profissão, de onde se fugia
facilmente para aprender o que era preciso e dava gosto (e o estado contemporizava,
quiçá para manter a estrutura social). A inovação é algo de estranho, mas adaptam-
-se as técnicas a situações concretas. As tecnologias penetram neste mundo artesanal:
hoje compra-se um motor, amanhã um barco de fibra ou de ferro.
Os nomes das pessoas revelam também uma cultura. É a primeira coisa que têm além
do leite materno, é uma transmissão de um património e uma identificação, uma as-
sociação com a família; no nome e no apelido recordam-se os ascendentes e sobre-
tudo a paternidade, embora a influência feminina também se revele. Poderá até não
haver apelido, mas há um nome que provém do pai ou do avô e que se transmite ao
longo de várias gerações. O uso de sobrenomes também evolui: à medida que o Esta-
do penetra na vida dos cidadãos e os laços de parentesco se tornam menos importan-
tes aumenta o número de apelidos do indivíduo. Ao contrário das sociedades do Nor-
te da Europa, onde o normal é o indivíduo ter um nome próprio ou dois e um apelido
paterno, aqui recorre-se à filiação paterna e materna recorrendo a um modelo de ori-
gem aristocrática, mas que revela a ligação também à família materna.
As alcunhas funcionam quase sempre como a melhor identificação do indivíduo nu-
ma sociedade de interconhecimento, onde a vida privada é do conhecimento geral.
Apelidam-se as pessoas por um facto concreto, geralmente um incidente na infância
ou por alguma atitude menos consentânea com os comportamentos admitidos social-
mente. A marca pode até passar de pais para filhos e ser esquecida a sua origem, mas
o indivíduo sujeita-se a aceitá-la.
Os laços de parentesco eram fundamentais nesta comunidade. Funções que são hoje
em dia, melhor ou pior asseguradas pelo Estado, competiam à família. A família nu-
clear seria o normal, mas com ligações estreitas com outros parentes. Uma das con-
sequências é a tendência para a endogamia, que se manifesta pelo facto de cada indi-
víduo ser parente de quase todos, no reconhecimento de que a maioria são “primos”
e na solidariedade no dia a dia, mais visível durante as cheias. Relaciona-se a família
nuclear com o número de pessoas necessárias para a equipagem de um barco, duas
CONCLUSÃO 112
ANEXOS
COMUNICADO À POPULAÇÃO
Considerando que tal interdição tem, por algumas formas, sido apontada como da
responsabilidade da Câmara Municipal, vimos prestar os esclarecimentos necessários
à reposição da verdade, bem como informar sobre o actual estado do processo que
impede a comercialização do peixe e logo, a actividade dos respectivos profissionais:
1. A Câmara Municipal, desde a década de 80, e face aos problemas - de todos co-
nhecidos -, da qualidade da água do rio Guadiana e aos eventuais reflexos na qua-
lidade do peixe, começou, à conta do orçamento municipal e em articulação com o
Centro de Saúde de Mértola, por assegurar a realização de análises ao pescado;
“Face aos dados dos resultados obtidos, nas últimas análises efectuadas no peixe prove-
niente do rio Guadiana-Mértola e aos esclarecimentos do Departamento de Zoologia e
Antropologia da Faculdade de Ciências do Porto e da Direcção Geral de Saúde e discus-
são havida na reunião, foi parecer consensual das várias Entidades presentes que a me-
dida cautelar atempadamente tomada seja levantada.” (sic)
5. Passados mais de vinte dias sobre a conclusão técnica extraída naquela reunião, a
entidade competente - Direcção-Geral de Veterinária - não tomou quaisquer me-
didas sobre o levantamento da interdição que determinou por Edital de 4 de Mar-
ço deste ano;
7. Mas, não cabendo à Câmara tomar decisões sobre a questão, é seu dever institucio-
nal prosseguir tudo quanto respeite aos interesses da população do concelho;
115 ANEXOS
ANEXO 3: ROTEIROS
1
in João Baptista da Silva Lopes,
Corografia ou Memória Económi-
ca, Estatística e Topográfica do rei-
no do Algarve, Faro, Algarve em
Foco, 1988
117 ANEXOS
ANEXOS 118
Motor “Guadiana”
Motor “Guadiana”
E POR ANO.
1893 1895
Corte Pinto 0 0 0 0 0 0 0
Espírito Santo 0 0 0 0 0 0 1
Mértola 5 22 22 21 21 22 22
Santana 0 1 1 1 1 1 2
TOTAL 5 23 23 22 22 23 25
1900 1905
Corte Pinto 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Espírito Santo 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
Mértola 22 25 26 27 27 30 30 30 31 31
Santana 2 2 2 2 4 4 6 6 6 6
TOTAL 25 28 29 30 32 35 37 37 38 38
1910 1915
Corte Pinto 0 1 1 1 1 1 1 1 1 1
Espírito Santo 1 2 1 1 1 1 2 3 3 2
Mértola 32 32 33 37 41 41 49 51 46 55
Santana 6 10 11 12 12 12 16 20 20 24
TOTAL 39 45 46 51 55 55 68 75 70 82
1920 1925
Corte Pinto 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3
Espírito Santo 3 5 5 6 7 8 7 7 8 6
Mértola 63 64 73 69 70 69 66 64 65 63
Santana 23 30 28 28 25 27 27 26 22 26
TOTAL 91 101 108 105 104 107 103 100 98 98
1930 1935
Corte Pinto 5 5 3 3 3 3 3 3 3 3
Espírito Santo 7 16 16 7 7 6 5 5 5 6
Mértola 63 61 53 48 48 48 48 48 46 44
Santana 37 38 37 30 29 29 30 29 28 30
TOTAL 112 120 109 88 87 86 86 85 82 83
1940 1945
Corte Pinto 3 3 3 3 3 2 2 2 2 2
Espírito Santo 5 5 5 5 6 5 5 5 5 3
Mértola 40 37 33 36 31 28 24 22 17 15
Santana 26 25 23 25 27 26 29 31 29 23
TOTAL 74 70 64 69 67 61 60 60 53 43
1950 1955
Corte Pinto 1 1 1 1 1 1 0 0 0 0
Espírito Santo 2 2 2 3 3 3 3 2 2 0
Mértola 12 12 11 11 10 9 6 6 6 3
Santana 18 15 15 15 16 15 12 12 9 9
TOTAL 33 30 29 30 30 28 21 20 17 12
1960 1965 1970 1973
Corte Pinto 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Espírito Santo 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 1 1
Mértola 3 5 6 6 6 6 6 23 20 20 21 22 21 21
Santana 8 10 9 8 7 6 6 7 7 6 5 4 2 5
TOTAL 11 15 15 14 14 12 12 30 27 26 26 27 24 27
ANEXOS 120
ANEXO 8:
Conceição 22
Dores 6
Mártires 4
Assunção 1
Candeias 1
Guia 1
Ocupação 1
Purificação 1
Remédios 1
38
ANEXO 9:
DO SÉC. XX1
1
Fonte: Capitania de Vila Real de S.
António
ANEXOS 122
123 ANEXOS
ANEXO 10:
FONTES E BIBLIOGRAFIA
FONTES CONSULTADAS
BIBLIOGRAFIA
• GARCIA, João Carlos - A navegação no Baixo Guadiana durante o ciclo do minério (1857-1917) [Texto policopiado]. Porto: [s.n.], 1996. 2 v..
Tese dout. Geografia Humana, Univ. Porto, 1996
• GIRÃO, A. de Amorim - Geografia de Portugal. Porto: Portucalense, 1941.
• GODINHO, Vitorino Magalhães - Estrutura da antiga sociedade portuguesa. 3ª ed. Lisboa: Arcádia, 1977.
• GUITA, RUI - Engenhos hidráulicos tradicionais. Mértola: Parque Natural do Vale do Guadiana, D.L. 1999.
• HALBWACHS, Maurice - La Mémoire Collective. Paris : P.U.F., 1968.
• LEÃO, Duarte Nunes de - Descrição do Reino de Portugal. Lisboa: por Iorge Rodriguez, 1610.
• LEITE, JOSÉ, S.J., ed. lit. - Santos de cada dia. 2ª ed.. Braga: A.O., imp. 1987.
• LÉVI-STRAUSS, Claude - Tristes trópicos. Lisboa: Ediçoes 70, imp. 1979.
• LOPES, João Baptista da Silva - Corografia ou memória económica, estatística e topográfica do reino do Algarve. Faro: Algarve em Foco, 1988.
2 vols.
• MACIAS, Santiago - Mértola islâmica: estudo histórico-arqueológico do Bairro da Alcáçova: (séculos XII-XIII). Mértola: Campo Arqueológi-
co, 1996.
• MARQUES, A. H. de Oliveira, ed. lit. - História da 1ª República Portuguesa: as estruturas de base. Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1978.
• MARQUES, Maria da Graça (coord.de) - O Algarve: da Antiguidade aos nossos dias. Lisboa: Colibri, 1999.
• MARX, KARL - Contribuição para a crítica da economia política. 4ª ed. Lisboa: Estampa, 1975.
• MATTOSO, José - História de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 1994. 6 vols.
• MEDEIROS, Carlos Alberto - Geografia de Portugal: ambiente natural e ocupacao humana: uma introdução. 2ª ed. rev. e actualizada. Lisboa:
Estampa, 1991.
• MENDRAS, Henri - Princípios de Sociologia: uma iniciação à análise sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975.
• MENDRAS, Henri - Sociedades Camponesas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
• MOREIRINHAS, Maria Luísa Farela Neves Cerqueira - Solidariedade e sobrevivência na ria de Aveiro [Texto policopiado]: os pescadores do Chin-
chorro da Torreira. Lisboa: [s.n.], 1994. 383, [51] f.. Tese mestr. Lit. e Cultura Portuguesas (Culturas Regionais Portuguesas), Univ. Nova de
Lisboa, 1994
• MOUTINHO, Mário Canova - A arquitectura popular portuguesa. Lisboa: Estampa, 1979.
• MURALHA, Pedro - Álbum Alentejano: Distrito de Beja. Lisboa: Imprensa Beleza, 1931.
• NAZARÉ, João Ranita - Prolégomènes a L’Ethnosociologie de La Musique. Paris : Fondation Calouste Gulbenkian, 1984
• PERISTIANY, J. G. - Honra e vergonha: valores das sociedades mediterrânicas. 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988.
• POIRIER, Jean; CLAPIER-VALLADON, S.; RAYBAUT, Paul - Histórias de vida: teoria e prática. Oeiras: Celta Editora, 1995
• PROENCA, Raúl - Guia de Portugal. Lisboa: Fund. Calouste Gulbenkian, imp. 1982-. vol II
• RIBEIRO, Orlando - Introduções geográficas à História de Portugal: estudo crítico. Lisboa: Impr. Nac. - Casa da Moeda, 1977.
• RIBEIRO, Orlando - Mediterrâneo: ambiente e tradição. 2ª ed. Lisboa: Fund. Calouste Gulbenkian, 1987.
• SÁNCHEZ, José Jurado - Caminos y Pueblos de Andalucia (S. XVIII). Sevilla: 1989.
• SANTOS, Armindo dos - Heranças: estrutura agrária e sistema de parentesco numa aldeia da Beira-Baixa. Lisboa: D. Quixote, 1992.
• SANTOS, Maria Luísa – Ayamonte: Geografía e Historia. Ayamonte, 1990.
• SANTOS, Rui - O “socorro aos lavradores” de Mértola em 1792: empréstimos e esmolas de trigo em Mértola, 1792: ensaio de exploração estrutu-
ral. Mértola: Câmara Municipal, 1987.
• SARAIVA, António José - A Cultura em Portugal. Lisboa: Bertrand, 1983, 2º vol.
• SENA, Jorge de - O reino da estupidez. 3ª ed. Lisboa: Ed. 70, imp. 1984.
• SILBERT, Albert - Le Portugal Méditerranée à la fin de l’ancien régime: XVIIIe.,-début du XIXe.: contribution à l’histoire agraire comparée. 2ª ed.
Lisboa: Inst. Nac. de Investigaçao Científica, 1978. 3 vols.
• TAVARES, Jorge Campos - Dicionário de santos: hagiológico, iconográfico de atributos, de artes e profissões, de padroados, de compositores, de
música religiosa. Porto: Lello & Irmão, imp. 1990.
• TORRES, Cláudio et al. - Museu de Mértola I: Núcleo do Castelo. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola, 1991
• VASCONCELOS, Carolina Michaëlis de - Lições de filologia portuguesa: segundo as prelecções feitas aos cursos de 1911-12 e de 1912-13; seguidas das
lições práticas de português arcaico. Lisboa: Rev. de Portugal, imp. 1946.
• VASCONCELOS, J. Leite de - Signum Salomonis, A Figa, A Barba em Portugal. Lisboa: D. Quixote, 1996.
• VEIGA, Sebastiäo Filipe Martins Estácio da - Memórias das antiguidades de Mértola. Ed. facsimilada da de 1980. Lisboa: imp. Nac.-Casa da mo-
eda; Mértola, imp. 1983.
• WEBER, Max - A ética protestante e o espírito do capitalismo. 4ª ed. Lisboa: Presença, 1996.
• WEINHOLTZ, Bívar - Rio Guadiana, Elementos para o estudo da evolução da sua embocadura. Lisboa: Direcção Geral de Portos, 1964.
ÍNDICES 126
ÍNDICES
GRÁFICOS E DIAGRAMAS
MAPAS
IMAGENS
FOTO 1
IMAGENS 130
FOTOS 2 e 3
131 IMAGENS
FOTOS 4 e 5
IMAGENS 132
FOTOS 6 e 7
133 IMAGENS
FOTOS 8 e 9
IMAGENS 134
FOTO 10
135 IMAGENS
FOTO 11
IMAGENS 136
FOTO 12
137 IMAGENS
FOTOS 13 e 14
IMAGENS 138
FOTOS 15 e 16
139 IMAGENS
FOTOS 17 E 18
IMAGENS 140
FOTOS 19 e 20
FOTO 21 (à direita)
141 IMAGENS
IMAGENS 142
FOTOS 22 e 23
143 IMAGENS
FOTO 24
IMAGENS 144
FOTOS 25 e 26
145 IMAGENS
FOTOS 27 e 28
IMAGENS 146
FOTO 29
147 IMAGENS
FOTOS 30 e 31
IMAGENS 148
FOTO 32
149 IMAGENS
FOTOS 33 e 34
IMAGENS 150
151 IMAGENS
FOTO 35 (à esquerda)
FOTO 36
IMAGENS 152
FOTOS 37 e 38
153 IMAGENS
FOTOS 39 e 40
IMAGENS 154
FOTOS 41 e 42
FOTOS 43 e 44 (à direita)
155 IMAGENS
IMAGENS 156
FOTOS 45 e 46
157 IMAGENS
FOTO 47
IMAGENS 158
159 IMAGENS
FOTO 48 (à esquerda)
FOTOS 49 e 50
IMAGENS 160
FOTO 51