Sunteți pe pagina 1din 48

A Cozinha

De Arnold Wesker

Adaptação de Alex Capelossa

V-2

1999
Esta peça se passa na grande cozinha de um restaurante chamado Tívoli. Todas as grandes
cozinhas nos momentos de serviço mais intenso, viram um verdadeiro hospício. No movimento
frenético se ampliam picuinhas, surgem susceptibilidades, acontecem equívocos insanáveis, o
orgulho explode. O pessoal da cozinha instintivamente odeia o pessoal que serve na sala de
refeições, e todos juntos odeiam o freguês. Esse é o inimigo. Para Shakespeare, o mundo era um
palco: prá mim é uma cozinha. Aqui as pessoas entram sem tempo suficiente para se conhecerem, e
as amizades, inimizades e amores são esquecidos com a mesma rapidez com que nascem.
Num restaurante grande como este, a qualidade da comida é menos importante do que a
rapidez do serviço. Por isso, cada empregado tem uma tarefa bem definida. Enquanto mostramos a
ação de um indivíduo ou grupo, o resto da cozinha continua sua faina frenética, da mesma maneira.
Ninguém pode parar... e porque ninguém pode parar, enquanto a ação central se desenrola,
mostramos um pequeno esquema da cozinha e do que fazem todos, todo o tempo.

As garçonetes passam a manhã trabalhando na sala de refeições, antes de almoçarem. Três


ou quatro delas vão e vem, carregando copos da lavanderia para a sala de refeições, e executando
tarefas que são discriminadas no desenrolar da peça.

Dimitri é um servente que fica abastecendo de pratos as praças, em intervalos dá uma


varrida na cozinha. Cipriota.

Frank é o chefe. Aves. Não chateia e o contrário também é verdade, nada o alegra. A
organização corre por si só, quase automaticamente.

Hellen. Assados. É a cozinheira típica no sentido de que não ajuda nem aceita ajuda de
ninguém. Também não ensina nada.

Hana. Frituras. Alemã, está trabalhando em Londres num sistema de intercâmbio. Fala com
sotaque.

Peter. Peixes cozidos. Trabalhando no Tivoli há três anos, agressivo, excessivamente alegre.
Fala com sotaque alemão.

Kevin, peixes fritos. Recém empregado, Irlandês. Fica completamente tonto com a loucura
do trabalho.

Nicolas, grelhados. De origem cipriota. Quando o trabalho começa tende a entrar em pânico,
fica doido e grita com todo mundo. Está com o olho roxo.

Michel. Minestrones e omeletes. Ele é o que o dialogo manda, boa praça, lembrando que ele
é um cozinheiro e em dado momento os cozinheiros são doidos.

Berta. Bufe frio. Grosseira, amigável, obtusa, judia.

Max. Açougueiro falastrão, pornográfico, e anti-qualquer coisa. Tem um cigarro


continuamente no canto da boca. Bebe o tempo todo, até ficar bêbado.

Rosana e Paula são confeiteiras. Rosana é italiana com leve sotaque. As duas contrapondo-
se à loucura ambiente, são calmas e sem qualquer inclinação ao pânico.

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


2
Marconi é o proprietário do restaurante. A máquina que ele mantém em movimento é a sua
vida inteira e ele suspeita que todo mundo está conspirando para para-la.

Na ação, duas coisas são importantes.

A) Que os personagens tenham o que fazer (mímica) no intervalo das falas, ou enquanto
cochicham com os colegas.
B) Que na hora do serviço começar, os personagens tenham a sua frente uma quantidade bem
variada de bandejas, travessas, potes e molheiras, prontos para serem entregues as garçonetes,
quando elas pedirem.

PERSONAGENS

MAX
BERTA
ROSANA
PAULA
SUZANA
DIMITRI
DIANA
HANA
MONICA
HELLEN
MICHEL
NICOLAS
KEVIN
PETER
FRANK
MARCONI
GLORIA
CLARA
NORA
FABIANA
VIOLETA
ELZA
VAGABUNDO

Esta adaptação foi feita em cima das necessidades do PA 2 B Not. 2 o semestre de 1999.
Tomei a liberdade de mudar o sexo e condensar personagens, para que se adequasse as nossas
circunstâncias.

A COZINHA
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
3
De Arnold Wesker adaptação de Alex
Capelossa

MAX (entrando, acende os fogões, abre uma cerveja e começa a beber)

BERTA (entra e passa por Max) Bom dia! (para, olha e segue ao trabalho)

MAX (arrota)

PAULA (entrando, para Berta) Bom dia, minha querida. Bom dia pra você também, Max.

MAX Bom dia.

BERTA Dia.

ROSANA Max, como é que está o escalope de vitela, hoje?

MAX Quantos?

ROSANA Três. Você pode me dar agora, pra mim meter na marmita antes do pessoal chegar?

MAX (dando a Rosana) Mas não esquece minha torta amanhã, hein?

ROSANA Pode deixar.

PAULA (para Rosana) Tem que fazer Viet-Cong hoje?

ROSANA Tem. Mas você toma conta das tortas e deixa os bolos comigo.

DIANA (mostrando o restaurante à Violeta, uma garçonete nova) Por aqui se vai ao
restaurante.

VIOLETA Eu não estou acostumada a trabalhar em lugar assim. Eu estava no Cloche D’Argent.
(saem)

PAULA Você janta comigo. Eu cozinho qualquer coisa.

ROSANA Ótimo, fazemos uma noitada de solteironas. Usamos as costelas que Max me deu.

PAULA Boa idéia. E teu marido?

ROSANA Tem vezes que eu acho uma sorte não ter marido.

PAULA É mesmo.
ROSANA Me desculpa, Paula, eu tinha esquecido.

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


4
PAULA Não se incomode por minha causa. Ele era um imbecil. Bom dia, Suzana. (ela não
ouve) Bom dia, Suzana.

SUZANA Bom dia, meninas.

PAULA Ah, já tá melhor.

SUZANA Olá, meninada, olá Max.

MAX Bom dia prá você, estrela da manhã.

SUZANA Que o sol brilhe pra você o dia todo meu querido. (se espreguiçando) Ah, como
minha cama estava boa. Ei Rosana, o que é que aconteceu com o Peter e o Nicolas
ontem?

ROSANA Aquele é um imbecil total! Eu nem entendi o que é que estava acontecendo. Como é
que foi Paula?

PAULA Só sei que ele brigou com o Nicolas... o motivo ninguém sabe.

MAX Um imbecil mesmo. Um bosta de alemão, é o que ele é. Sempre brigando. Não tem
ninguém aqui com quem ele já não brigou. Estou mentindo? Não sei porque foram
inventar essa porcaria de intercâmbio de cozinheiros. Há três anos que esse cara tá
aqui, três anos! (sai para pegar outra cerveja)

SUZANA O rapaz está apaixonado pela Monica.

PAULA Vivem brigando na frente de todo o mundo. Gritando um com o outro. Vivem aos
berros! Tem vezes que ela nem olha prá ele. Fica esperando de costas, enquanto ele
prepara os pratos.

SUZANA Coitado do rapaz. Ele não tem pais, você sabe. Mas, o que é que aconteceu ontem?

PAULA O que todo mundo viu, foi que eles de repente começaram a berrar um com o outro.
Mas aí pararam de berrar e partiram apara o físico. Quando Peter ia levando
vantagem, Nicolas puxou uma faca de desossar galinha e foi pra cima dele. Peter fez
a faca voar com um safanão e...

ROSANA ... E aí levantou Nicolas com as duas mãos e ia sentando ele no fogão quente...

PAULA ... Quando o chefe apareceu...

SUZANA Foi, sei, isso eu vi. E ouvi também o Nicolas gritar: “Não acabou não, isso não fica
assim...” Mas continuo sem saber o inicio da briga, por que é que começou?

PAULA Que interessa! Eu sempre dou bom dia ao Peter, mas boa noite, nunca. Com ele a
gente nunca sabe como o dia vai terminar.
MAX Foi por uma besteira... foi por causa de uma escumadeira.

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


5
PAULA Quem é que sabe, por que foi? Vivem brigando aí, e ninguém sabe como é que
começa.

SUZANA Ninguém diria que dentro de duas horas isto daqui vai virar um hospício.

DIMITRI (entrando) Consegui acabar, Paula, olha aí. Está prontinho. (coloca o aparelho na
mesa) Não ficou bonito, isso é que chateia.

PAULA Ah! meu meninão. Isso toca? (olhando em volta) Tem alguém aí?

SUZANA (aproximando-se) O que é isso?

PAULA O Marconi está por aí?

SUZANA Ainda não. De quem é isso?

PAULA Meu. O Dimitri fez pra mim.

ROSANA Você mesmo fez? Sozinho? Você juntou todos esses fios e araminhos, sozinho? O
que é que você está fazendo aqui, então? Por que você perde tempo lavando pratos
num lugar desses? Podia ganhar muito mais trabalhando numa fábrica.

DIMITRI Numa fábrica? E você acha que eu ia ficar feliz trabalhando numa fábrica? Que é que
eu ia fazer lá? Humm? Este araminho aqui só. Numa fábrica o sujeito trabalha tanto
numa peça só, que acaba ele virando uma peça, me entende?

SUZANA É verdade, ele tem toda razão.

DIMITRI Eu falo por que sei. Meu irmão trabalha numa fábrica. Sei muito bem.

SUZANA Escuta, Dimitri, você sabe o que aconteceu com Peter, ontem de noite?

DIMITRI Quase mataram ele. Mas a culpa não foi só do Peter. Estavam todos doidos por uma
briga. Eu não culpo ninguém. Quem quiser que culpe. (liga o rádio, alto – um rock)

SUZANA (puxa Dimitri para dançar, mas ele recusa)

MONICA (entrando no auge da música) O Marconi está no restaurante.

TODOS O que!?!

MONICA Marconi está no salão.

(num movimento descontrolado para por tudo em ordem, voltam ao trabalho)

HELLEN (entrando) Sou só eu, pessoal, não tenham receio. Bom dia para todos.

MAX (apontando para a praça da Hellen) A vitela está aí.

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


6
HELLEN Muito obrigado, muito obrigado.

PAULA O cozinheiro novo já chegou?

HELLEN A mim não procurou.

MONICA (entra com copos)

PAULA Você não tinha dito que o Marconi vinha aí?

MONICA Eu disse que ele estava no restaurante, e continua lá.

ROSANA Monica você sabe o que aconteceu ontem de noite?

MONICA Deixa pra lá, Rosana. Esquece. Nicolas está com um olho preto. Chega.

PAULA Então é garantido, vamos ter uma bela manhã hoje.

ROSANA E Peter nenhum arranhão?

MONICA Teve sorte.

(entram Diana e Suzana)

MONICA Suzana, a Raquel ficou doente de novo, você se importa de tomar conta da minha
praça. O Hary pediu para eu fazer a recepcionista. Diana você ajuda ela um pouco.

DIANA Eu não posso; estou trabalhando com os copos.

MONICA Ah, é mesmo, tinha esquecido. Quem é que sobra então?

SUZANA E a garota nova?

MONICA Ah, é mesmo, formidável! Juntamos as duas coisas , ela ajuda você e você fica de
olho nela. Ao trabalho!

PAULA Boa sorte, com os fregueses meninas!

MICHEL (entrando. Para Berta) Bom dia gorducha! Como vai? (apertando a bunda dela)

BERTA Bem melhor que a tua mãe, que está na vida, meu filho. Um dia desses, quando eu
tiver um tempinho, vou passar essa tua roupa bem passadinha, com você dentro.

MICHEL (para Nicolas que acaba de entrar) Você está com o olho preto.

NICOLAS Não diz! Sabe que eu não tinha visto?

MICHEL Está bem... está bem... puxa, me olhou como se fosse me matar.

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


7
PAULA Deixa disso, Michel. Quem é que ia querer te matar?

MICHEL Ah, quem? Sei lá; tudo maluco! Um dia ainda hei de trabalhar num lugar onde vou
criar obras-primas, um porrilhão de obras. Beef-Strogonoff, Galinha a Kiev, e a
pérola dos pratos da mãe Grécia: Musaka.

NICOLAS Jamé. Nunca vão te encomendar uma Musaka. Batatas fritas sim, se você for capaz
de transformar batata frita numa obra-prima, aí você vai ter freguês. Eles comem
batatas fritas com tudo nessa terra.

MICHEL Olha aqui, ô! Não pensa que vocês gregos tem o monopólio de comer bem. Já houve
tempo em que a Inglaterra sabia comer.

NICOLAS Já houve tempo.

MICHEL Ué, mas houve. Houve um tempo.

HANA(entrando com Kevin) Não sei onde é que você fica. Acho que é peixe frito que eles vão te
dar. (para Paula) Paula, o cuca novo.

PAULA Prazer.

KEVIN Tem muito serviço aqui?

PAULA Você vai ver. Quinhentas refeições por dia.

BERTA (vem com uma bandeja de batatas)

NICOLAS Onde é que você vai com isso?

BERTA É pra fazer sauté.

NICOLAS (pegando a bandeja) Ah, não. Isso é pra mim. Fui eu que preparei ontem. É pra
minha salada, isso!

BERTA (puxando) Que tua salada! Apanha a tua salada na lata de lixo!

NICOLAS Lata de lixo uma porra. A tua é que tá lá. Eu vou comer essa , que eu fiz bonitinha.

BERTA Não quero palavrão comigo, não, ouviu? Porra é o teu país, tá ouvindo?

NICOLAS Meu país é aqui.

BERTA Teu país é o mictório.

NICOLAS O mictório é teu país, e a privada? A privada!

BERTA (saindo) Você me paga, filhinho. Estrangeiro nojento!

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


8
NICOLAS Ela me chama de gringo! Vejam só. (aproximando-se de Paula) Ouviram ela? Hein?
Vaca velha! Você tem aí um pedaço de bolo, Paula? (Paula dá um pedaço de bolo –
para Nicolas) Você é o cozinheiro novo?

KEVIN Sou.

NICOLAS Boa sorte, então! Já sabe onde é tua praça?

KEVIN Não sei a quem perguntar.

NICOLAS Vem cá, te mostro tudo. Pra começar, o cardápio... o chefe escreve aí, toda noite, o
que vai se cozinhar no dia seguinte. Ali é minha praça, bifes e costelas. Este é Max, o
açougueiro. Aqui é onde trabalha Hana; faz a comida do pessoal. Aqui é Hellen, com
os assados. Aqui pegado Frank, o segundo chefe, prepara aves... Aqui bem, você viu
aquela gorda escrota brigando comigo? Ela trabalha nos legumes. Aqui é Michel,
sopas e omeletes. Dudu trabalha aqui, mas hoje está de folga. Essas são Paula e
Rosana, massas e doces. Ali trabalha o Peter, nos peixes e cozidos, ele...

PETER (entrando atrasado) Auf geht’s! Auf geht’s!

HANAAuf geht’s. Pete! Qual foi o problema essa manhã?

PETER Ach, die weiber! As mulheres!

NICOLAS Peter, o cozinheiro novo, fica com ele.

PETER Você sabe onde é que você vai trabalhar?

KEVIN Não tenho a mínima idéia.

PETER De onde é que você veio?

KEVIN Da Irlanda.

PETER Estou perguntando em que restaurante você trabalhava antes.

KEVIN No Parisito, no Soho.

PETER (esfregando o polegar com o indicador) Pagam bem?

KEVIN Por que é que você acha que eu saí?

PETER Olha, aqui a gaita se recebe em dia. Mas você tem que largar o couro, não é mole
não. Você vai ver. Vem cá, me ajuda. Você sabe preparar um “sauce hollandaise”?
Aquela com ovos e...

KEVIN Sei, sei.


PETER Os ovos estão na dispensa fria. Pega essa tigela, e bate, eu vou derreter a margarina
pra você.
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
9
(agora quase todo mundo já está na ativa. As garçonetes começam a aparecer, carregam
copos pra lá e pra cá)

HELLEN Bom dia, chefe.

FRANK Bom dia!

MAX Bom dia.

FRANK Bom dia.

HANA(atrevida) Bom dia chefão.

FRANK (para, olha para Hana de alto a baixo, vai para sua mesa)

HANA(faz um gesto pornográfico)

MAX (para Frank) Não temos costela de carneiro.

FRANK Mas vieram três animais inteiros ontem.

MAX Pois é.

FRANK Pois é o que?

MAX Continuam inteiros. Você me ajuda a limpar as carcassas? Estou sozinho hoje!

FRANK O que é que você tem aí?

MAX Costelas de vitela.

FRANK Então quando pedirem carneiro, você manda vitela. (a Kevin) Cozinheiro novo?

KEVIN (batendo ovos) Novo, chefe.

FRANK Bom, então você toma conta do peixe frito hoje.

PETER (aproxima-se) Muito obrigado, e eu como é que fico? Tenho que fazer sozinho seis
pratos diferentes.

FRANK Dudu está de folga hoje. Alguém tem que fritar o peixe.

PETER Quiuspa! Bosta de casa. Em pleno verão e não tem pessoal. Eu estou com seis pratos
diferentes. Seis pratos, pombas!

FRANK (para Kevin) Você aí, pega o peixe no frigorífico e vem cá comigo.
HANAOntem você quase que entrou bem!

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


10
PETER Infelizmente eu estava com a Monica e agora ela não quer falar comigo.

HANAEla vai falar com você de novo!

PETER Pra mim dá tudo na mesma. ( Peter e Hana começam a cantar em alemão, terminam
numa gargalhada)

NICOLAS (passando) Malucos!

PETER Olha, Nicolas, eu queria te pedir desculpas. Eu lamento muito, o teu olho, sabe...
juro, lamento mesmo...

NICOLAS Não fala comigo!

PETER Eu não estou falando, só estou pedindo desculpas.

NICOLAS Claro que vai ter que pedir desculpas. Mas não vai ser assim nessa moleza não, eu te
garanto. A coisa ainda não acabou.

PAULA Que é que há Nicolas? O rapaz está pedindo desculpa, aceita, que diabo!

NICOLAS Ah, é, aceita que diabo, e fica nisso? Ele me bota o olho nesse estado(apontando)
depois pede desculpa e pronto? (para Peter) Eu te repito, fica tranqüilo: o negócio
não terminou.

PETER Qual é o negócio que não terminou, me explica? Que é que você quer mais? Quer me
arrebentar o olho também? Isso te satisfaz? Tá bem. (mostrando-lhe a cara com
ironia) Vai, tá aqui o olho. Arrebenta ele e ficamos quites, OK? Não se fala mais
nisso.

NICOLAS Não brinca comigo, Peter, tou te avisando: você não sabe com quem tá se metendo!

PAULA Acaba com isso, Peter , não provoca o rapaz.

PETER (volta a seu lugar e canta novamente com Hana e dançam)

MONICA (entra se aproxima de Nicolas, enquanto observam as macaquices deles) Ele faz
muito barulho mas te garanto que não é perigoso.

NICOLAS Tá bem, Monica. Não vale o que come, esse teu namorado.

MONICA Deixa eu ver o olho. Ficou uma beleza. Você devia agradecer.

NICOLAS Olha, Monica, não brinca , sim? Já, já, começa a defender esse macaco alemão.

MONICA Foi um acidente, você sabe que foi. Deixa Peter comigo.

NICOLAS Com você? Você é uma pena de galinha! Voa com o vento que sopra.

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


11
MONICA Eu controlo ele.

NICOLAS Ah, controla! O que ele precisa é levar um bom susto, aí ele aprende. O medo é que
ensina.

MONICA Mas que medo? Peter é um homem que não tem medo de nada!

NICOLAS Homem? Um bebe! Quer ver ele com medo? Quer ver ele chorando assustado? Diz
que está tudo acabado entre você e ele.

FRANK Nicolas; doze galinhas.

NICOLAS Só tem seis.

FRANK Não interessa. Manda vir mais.

HANA(a Rosana que está passando com uma bandeja de doces) Bonjour, Rosana, comment ça va?

ROSANA Ça va, toujours ao boulot, etceterá...

MAX (para Hana, com estupidez) Olha, aqui, ô, você está nesse país agora, ouviu? Será que não
sabe falar a puta desta língua? Cada um fala uma língua diferente!

PETER O que é que há Max? Que foi que te assustou? Bebe mais um gole que isso passa.

MAX Se alguma coisa me assustou não foi você, eu te garanto. Portanto é melhor fechar a
matraca, tá?

PETER Sabe qual é o teu problema, Max? Você já trabalhou demais nesse lugar.

MAX É, é, é Peter, é isso mesmo, você tá certo, tá.

PETER Há quanto tempo você está aqui? Vinte anos? Você precisa mudar de ambiente.
Visitar outras cozinhas!

MAX (evitando confusão) Tá, tá. Continua o teu trabalho.

PETER Não se preocupe com o meu trabalho.

HANAChega, Pete.

PETER Você não agüenta uma mudança, é isso? Caras novas te chateiam, é?

MAX Quer parar, Peter? Chega!

HANAPára com isso, Pete!


FRANK Como é que é, Peter, vamos trabalhar um pouco?

HANA(percebe a chegada do Dr. Marconi) Marconi! (todos voltam ao trabalho)


A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
12
MARCONI (anda lentamente pela cozinha, inspecionando tudo)

KEVIN (para Peter) Isto é todo dia assim? (enxuga o suor da testa) Olha só: eu nunca tinha
suado tanto.

PETER Isso não é nada. Isso é só o começo. Espera e você vai ver. Você está pronto?

KEVIN Mais ou menos. Tenho que cortar o salmão.

PETER Então anda. Já vão servir o nosso almoço.

MARCONI (delicado para Kevin) Você é o cozinheiro novo?

KEVIN (limpando a testa) Sim, senhor.

MARCONI Está quente a beça, hein?

KEVIN Muito mais até, eu acho.

MARCONI Não se incomode, eu pago bem. Trabalha, só quero isso, trabalha bem. (continua o
passeio)

KEVIN (a Peter) Simpático, heim?

PETER Você acha, é um filho da puta! Fala assim porque é verão e não tem gente o bastante
pro serviço; aí ele fica bonzinho. Eu no fundo quero que ele se foda, assim que me
casar, whisssssst, dou no pé.

MONICA (passando) Estúpido!

PETER (a Monica) Vá pro inferno! ( a Kevin) É minha mulher, isso é, vai ser a minha
mulher.

KEVIN Ela parece muito com uma garota que eu tive, com uns peitões enormes e toda
rebolante.

PETER (sem entender) Vamos, vamos almoçar.

MONICA (passando)

PETER Por que você me chama de estúpido; fica o dia inteiro repetindo isso: estúpido,
estúpido!?

MONICA (saindo) Estúpido!

PETER (seguindo-a) Que é que você está querendo? Me deixar furioso? Que é que você
queria que eu fizesse? Que deixasse ele me bater?

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


13
MONICA Já viu o olho dele como está?

PETER Já vi. Já vi. E você viu a faca que ele puxou prá mim?

MONICA Estúpido! (saindo)

PETER (seguindo-a) E quando estiver fazendo a recepcionista no salão não se esqueça que
eu posso ver você pelo espelho.

MONICA Eu dou bola a quem bem entender. (sai)

PETER (resmungando) Vaca! Vagabunda! O restaurante inteiro está te vendo, sua vaca!

( Hana começa a arrumar a mesa para o almoço. Max, Hellen e Frank preparam-se para
comer na mesa de Max. Kevin, Michel, Peter e Hana comem na mesa de Hana.
Nicolas não vai porque recusa-se a sentar com Peter)

MICHEL (gritando) Quem pegou o funil? Nicolas? (acena que não) Peter?

PETER Fui eu que peguei, está sujo ainda. (a Dimitri) Hei, Dimitri, quer lavar isso pro
Michel, por favor?

DIMITRI (faz um gesto pornográfico e sai)

MICHEL (pega o funil e sai para lava-lo)

SUZANA (puxando conversa) Ei, Peter, o que é que aconteceu ontem de noite?

PETER (seco) Não foi nada.

GLORIA Para a mesa meninos, a comida dos cachorros vem ai!

(uma procissão de garçonetes, falando e rindo, pegando os pratos e servindo-se. Hana e


Hellen servem a comida)

SUZANA Que é que tem hoje?

HELLEN Angu de vira-lata, e pernil de rato.

SUZANA Essa couve não é de ontem?

HANAÉ de ontem, sim, que é que tem? Come, come.

VIOLETA Isso aqui, que é?

HANAUma delicia. Couve-flôr com molho branco.


VIOLETA Que é branco eu estou vendo. O fedor é que é estranho.

GLORIA Só tem isso Hana?


A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
14
HANANão está satisfeita, olhe, o chefe tá lá. Fala com ele...

GLORIA Tem batata cozida?

HANACozida não tem, tem crua. (se afasta aborrecido)

(as garçonetes se servem, reclamando e vão se retirando para o restaurante)

HANA(volta gritando) Meu rosto! Meu rosto! Eu queimei meu rosto!

FRANK Que é que foi, Hana?

HANAQuem foi o desgraçado que deixou uma caneca de água fervendo na estufa?

PETER Caiu em cima de você?

HANA(se afastando) Casa de filhos das putas. Nunca trabalhei num bordel assim. (Peter e Hellen
acompanham para prestar socorro)

FRANK (com ironia) Ela vai viver. (dispersando o grupo) Está bem pessoal, acabou. (para o
chefe) Não adianta a gente falar, eles largam tudo. (para Max) O camarada novo, vai
indo bem?

MAX Parece.

MARCONI (se aproxima) Que foi que aconteceu com a moça?

FRANK Não sei, eu não estava lá. Max, que foi que aconteceu?

MAX Alguém deixou uma caneca de água fervendo em cima da estufa, caiu na cara dela.

MARCONI Pois é, ela queimou o rosto. Não foi grave, mas poderia ter sido. (sacode a cabeça e
sai)

FRANK O que é que eu podia fazer, Dr. Marconi? Vivem correndo prá lá e prá cá feito
malucos. Estou sempre recomendando cuidado, mas eles não me ouvem. ( a Max)
Ele se importa muito. A cozinha prá ele é a única coisa que tem importância. Mais
três anos só, Max, três anos e aí eu, ó, pico a mula. Me aposento e acabou! Nunca
mais piso aqui. O lugar é teu meu filho.

MAX Ah, não! Não o papai aqui. Já tomo conta desta joça um dia por semana, estou satisfeito. Ela
que arranje outro tarado.

FRANK Você quer dizer então que eu sou tarado?

MAX Você gosta do teu trabalho?

FRANK Tem alguém que goste?


A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
15
MAX Então? Além de não gostar do trabalho ainda aceita responsabilidades. Não é maluquice?

FRANK Mas se eu não faço isso o meu padrão de vida quem é que mantém, heim, o imbecil?

MAX Então, ó, (faz um gesto pornográfico) Formente-se!

FRANK Idiota! (a Michel) Michel!

MICHEL Chefe!

FRANK A sopa de ontem estava azeda.

MICHEL Azeda?

FRANK Azeda!

MICHEL Mas era da véspera!

FRANK Recebi cartas dos fregueses.

MICHEL (interessado) Ah, é?

FRANK E outra coisa, Michel, não leva frango pra casa.

MICHEL Frango?

FRANK Leva costeletas, leva frios, frango não, tá? Frango faz volume. Quando você tiver a
minha idade, digo, a minha experiência, aí você pode levar pra casa os frangos que
quiser.

MICHEL Ah, tenho que me diplomar primeiro?

FRANK Exato. Primeiro o diploma. Agora pode almoçar.

(Peter, Hellen e Hana Voltam)

KEVIN Você está bem?

PAULA Você ficou uma beleza.

KEVIN Parece uma pele-vermelha.

PETER Chega vamos comer.

(todos tomam lugares para almoçar. Agora há menos atividades na cozinha. A calma
antes da tempestade. Umas garçonetes se movem, outro varre o chão)

SUZANA (põe as mãos no ombro de Michel) Quem é que está no peixe frito hoje?
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
16
MICHEL Você me ama?

SUZANA Acho você irresistível. Quem está no peixe frito?

KEVIN Eu.

SUZANA Ótimo. Quero quatro linguados. (sai)

PETER (impedindo Kevin de se levantar) Tem tempo. Acaba de almoçar primeiro. O freguês
espera.

DIANA O Dr. Marconi quer uma coxa de galinha, com sauté.

FRANK O Dr. Marconi que vá a merda, eu estou comendo.

DIANA (saindo) Eu venho buscar daqui a cinco minutos.

FRANK A gente não pode nem comer direito nesta bosta.

MONICA (entra e para em frente a praça de Peter)

PETER (salta para atende-la) Você me perdoa?

MONICA Você sabe que eu não consigo brigar muito tempo. Fico logo com vontade de rir.

PETER Eu te garanto que eu sou bom rapaz. Monica. Quando é mesmo a tua folga?

MONICA Amanhã.

PETER Então, amanhã eu não te vejo?

MONICA Não.

PETER O que é que você vai fazer?

MONICA De manhã vou fazer compras. De tarde vou ao cabeleireiro e de noite vou dançar no
Astronauta.

PETER Por que é que você vai nesse lugar? Lá só tem prostituta.

MONICA Para com isso, Peter! Você tem sempre que falar nisso em lugar cheio de gente. Eu
não te agüento! (sai)

PETER (puto, gritando) Auf geht’s Irlandês (para Kevin). Acabou agora. Auf geht’s
Irlandês, auf geht’s.

KEVIN Está bem. Está bem.

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


17
FRANK O.K, pessoal, ao trabalho.

(todos voltam as suas praças)

FRANK Vamos Michel, Dimitri, arruma isso.

DIMITRI Sim senhor.

FRANK (fazendo uma ronda. A Kevin) Tudo em ordem?

KEVIN Tudo em ordem, chefe.

FRANK Você tem tudo que precisa aí?

KEVIN Tudo, chefe.

FRANK Está certo, mas mais depressa, rapaz, mais depressa.

PETER Mais depressa, mais depressa, ó Irlandês.

HANAMais de pressa, mais depressa! Olha só o Irlandês, daqui a pouco ele nem sabe mais o que
está acontecendo... (risos, começam a cantar Peter/Hana)

KEVIN Eu tenho pena da mãe de vocês, coitadas.

(as garçonetes começam a entrar gritando as ordens de serviço em cada praça


correspondente. Começam a aumentar o numero a medida que o rush do serviço
cresce)

1a FASE

CLARA * (a Hana) Duas costeletas de vitela.

HANADuas costeletas de vitela.

GLORIA (a Peter) Quatro bacalhau... tem bacalhau hoje?

PETER Está pronto em cinco minutos.

NORA (a Peter) Três garôpas.

PETER Três garôpas.

FABIANA ( a Hana) Quatro costeletas de vitela.


HANAQuatro costeletas de vitela! Hei, espera aí...

FABIANA Não, eu tenho que trabalhar.

HANAOh, deus! Minhas costeletas!


A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
18
DIANA (a Frank) Três coxas de galinha.

FRANK Três coxas de galinha.

SUZANA (a Berta) Duas saladas de galinha.

BERTA Duas saladas de galinha.

FABIANA (a Kevin) Oito linguados pra começar.

KEVIN Oito linguados. Você trabalha, hein?

ELZA (a Nicolas) Cinco lombinhos grelhados.

NICOLAS Cinco lombinhos grelhados.

DIANA (a Berta) Três saladas russas.

SUZANA Eu estou na frente.

DIANA Pedido especial.

BERTA Três saladas russas.

CLARA (a Nicolas) Quatro filés. Ao ponto, três. Um bem passado.

NICOLAS Três ao ponto e um bem passado.

CLARA (a Michel) Quatro minestrones.

MICHEL Quatro minestrones.

GLORIA (a Frank) Dois frangos grelhados com batata sauté.

FRANK Dois frangos grelhados com batata sauté.

FABIANA (a Hana) São minhas, estas costeletas de vitela?

HANASuas, claro, minha querida! Quatro costeletas assim só pra você baby.

FABIANA Não diz.

PETER (cantando) “Não tem amor nenhum igual ao meu...”


KEVIN Hey, Peter, tem mais linguado?

PETER Na geladeira. (continua cantando)

HANAEi, Pete, para com isso!


A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
19
VIOLETA (na praça de Peter) Quatro bacalhau.

PETER (cantando, não houve)

VIOLETA Eu ordenei quatro bacalhau maison.

HANA(para Violeta) Não chateia, morena! (Violeta sai)

MONICA (entrando) Chefe, reclamação. Minestrone.

FRANK Michel a sopa está azeda.

MICHEL (troca a sopa que Monica traz. Joga na panela de novo. Devolve a Monica)

SUZANA (a Hellen) Dois rosbifes.

HELLEN Guenta aí, guenta aí.

SUZANA Já está pronto?

HELLEN Claro que já está pronto.

PETER Pratos, Dimitri!

DIMITRI Correndo, patrão!

GLORIA (a Peter) Meus quatro bacalhau?

DIANA (a Berta) Uma salada.

NORA (a Frank) Duas porções de peru, meu amor.

FRANK Já vai, meu encanto. Eu te adoro.

SUZANA (a Hana) Dois salsichões quentes.

ELZA (a Hellen) Um porco assado.

HELLEN Um porco assado?

DIANA (a Kevin) Dois Linguados. O, diabo, onde é que ele se meteu? (espera)

SUZANA (a Kevin) Badejos fritos.


ELZA (a Peter) Dois bacalhau maison.

PETER Dois bacalhau da casa.

DIANA (a Kevin) Dois linguados. Como é Irlandês, depressa!?


A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
20
KEVIN (voltando) Oh, Jesus, Oh, santa Mãe de Deus, ó Virgem Maria!

NICOLAS Pirô!

DIANA (a Kevin) Dois linguados.

CLARA (a Hana) Minhas costeletas de vitela estão prontas?

HANAQue é que você acha?

SUZANA (a Kevin) Três badejos fritos.

CLARA (a Berta) Uma lagosta, uma salada de presunto cru.

BERTA Uma salada de presunto cru.

FABIANA (a Michel) Três omeletes de presunto e queijo.

MICHEL Três omeletes de presunto e queijo.

VIOLETA (a Nicolas) Três contrafilés bem passados.

NICOLAS Três contrafilés bem passados.

SUZANA (a Paula) Meu pudim de laranja está pronto?

GLORIA (a Berta) Duas saladas de presunto.

BERTA Duas saladas de presunto.

GLORIA Rosana, meu bem, dois cafés.

ROSANA Pois não, querida.

NORA (a Hana) Duas costeletas de vitela.

HANADuas costeletas de vitela. Oh, Deus! Max costeletas de vitela e salsichas.

MAX Está bem, meu encanto... já vai. (apara a bandeja que Hana lhe atira)

2a FASE

NICOLAS (quase histérico) Max, me dá uns filés e costeletas de carneiro, depressa.


MAX (com raiva) Um segundo, porra, eu não posso fazer tudo ao mesmo tempo!

NICOLAS (em pânico) Eu já tenho seis pedidos de filé.

MAX Que é que você quer que eu faça?


A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
21
NICOLAS Todo mundo é igual nessa merda. Ninguém ajuda ninguém. Mal começo e já tem um
fila que não acaba mais na minha frente.

NORA (a Kevin) Um linguado, por favor.

KEVIN Um linguado? Pois não.

VIOLETA (para Frank) Um frango assado.

FRANK Um frango assado.

HANAComo é Max?

SUZANA (a Kevin) Dois salmões grelhados, pode ser?

KEVIN Pode sim. Cinco minutos.

ELZA (a Kevin) Uma truta frita, por favor.

KEVIN (agitado) Já vai, já vai.

CLARA (a Kevin) Dois linguados, por favor.

KEVIN Está bem, está bem.

PETER (gritando enquanto serve) Lá vem elas! Está chegando a hora!

SUZANA (a Berta) Um frango desossado, uma salada de presunto.

FABIANA (a Peter) Um bacalhau.

PETER Um bacalhau.

NORA (a Michel) Um hambúrguer.

MICHEL Um hambúrguer.

VIOLETA (a Peter) Os meus quatro bacalhau estão prontos?

GLORIA (a Hana) Uma costeleta de vitela.

PETER (a Violeta) Quando foi que você pediu?

HANAUma costeleta de vitela.

VIOLETA Há cinco minutos. Eu gritei bem, você estava conversando com Hana, se lembra?

PETER Não lembro nada. Volta daqui a cinco minutos. Quem é mais?
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
22
VIOLETA Você não estava prestando atenção ao serviço, o negócio é esse.

PETER Você não pediu coisa nenhuma, não vem com história.

CLARA (a Michel) Dois minestrones.

PETER Está bem, volta daqui a cinco minutos. Outra!

VIOLETA Falta de responsabilidade.(vai reclamar ao chefe)

GLORIA (a Peter) Um salmão defumado.

PETER Um salmão defumado.

SUZANA (a Hana) Três costeletas de vitela por obséquio.

ELZA (a Nicolas) Dois contrafilés bem passado.

DIANA (a Rosana) Três pudins de laranja.

HANA(a Laura, que está esperando) Que é que há com você... vai ficar aí esperando eu passar as
costeletas?

SUZANA Ué, inda agora eu esperei.

HANAUé, inda agora eu esperei.

SUZANA Ah, vai tomar... desculpa, Chefe. (que está passando)

NORA (a Nicolas) Três filés ao ponto.

FRANK (a Peter) Peter, há dez minutos Violeta ordenou quatro bacalhau maison e ainda não
foi servida.

PETER Essa cara é uma mentirosa. Não ordenou coisa alguma.

FRANK Anda com isso, Peter.

PETER (servindo Violeta) Uma bacalhau, dois bacalhau.

DIANA (a Paula) Dois cafés.

PETER Três bacalhau. Quatro bacalhau.


VIOLETA (saindo com os pratos, esbarra em Dimitri que vai passando. Tudo pro chão)

ELZA (a Paula) Três cafés.

VIOLETA Meu Deus, meu deus, eu não agüento, eu não agüento, não agüento.
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
23
SUZANA Não liga pra isso, meu bem. Isso acontece.

VIOLETA Mas olha só, não posso Suzana. Eu não sei trabalhar desse jeito. Eu não vou me
acostumar nunca a trabalhar assim.

SUZANA (a Michel) Um minestrone.

VIOLETA Eu nunca trabalhei assim na minha vida, nunca, nunca!

(enquanto isso Dimitri limpa o chão)

3a FASE

PETER Velhice, querida, velhice, sabe lá o que é isso? Vai pra casa isso é trabalho pra gente
moça.

HANAPara com isso, Pete, cala a boca!

GLORIA (a Hana) Uma costeleta de vitela.

PETER (a Kevin) Queimou! O bacalhau queimou! Há,há,há! Queimou Irlandês! Que droga!
(corre com a frigideira até o lixo)

HANATrabalhou mal, Pete, trabalhou mal hein Lieber. (ri e aponta para Kevin que está com uma
fila enorme em sua praça) Como é Irlandês, está muito ocupado?

KEVIN (enlouquecido) Vai fazer piada com sua velha.

SUZANA (a Kevin) Meu salmão está pronto?

KEVIN Seu o que?

SUZANA Meu salmão grelhado.

KEVIN Quantos você pediu?

SUZANA Dois.

FABIANA (a Michel) Meus três omeletes.

MICHEL Teus três omeletes.

DIANA (a Kevin) Dois salmões.


ELZA (a Kevin) Três sardinhas.

KEVIN Peter, pelo amor de Deus, quer me dar uma mãozinha aqui?

SUZANA (a Michel) Duas sopas de legumes.


A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
24
PETER (ajudando Kevin) Vamos lá, Irlandês, vamos lá. Outra.

DIANA Dois salmões.

PETER Pronto.

SUZANA (a Hana) Minhas costeletas de vitela.

HANATrês costeletas de vitela.

PETER Quem mais?

ELZA (a Peter) Três sardinhas.

SUZANA (a Hana) Anda com isso.

PETER Que é, agora?

NORA (a Peter) Três linguados.

PETER (a Nora) Ein, zwei, drei.

LAURA (a Peter) Dois linguados.

(enquanto Peter está ajudando Kevin, as três ordens seguintes se juntam na sua praça)

CLARA Um badejo.

GLORIA Um robalo.

FABIANA Dois bacalhau.

CLARA Anda depressa, Peter.

PETER (voltando para sua praça, rindo feito um maluco) Mas olha só! Bom dia, senhoras e
senhoritas. Quem é a primeira? Por favor?

CLARA (a Peter) Eu pedi um badejo.

PETER (serve e grita) Outra! Outra!

GLORIA (a Peter) Uma posta de robalo.


ELZA (a Frank) Três coxinhas de galinha.

FRANK Três coxinhas.

KEVIN (a Peter) Acabaram os meus limões.

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


25
PETER (grosseiro e indiferente) Corta mais, ué. Te vira. Outra?

KEVIN Me empresta tua tábua de carne um instantinho só. (apanha a tábua na bancada de
Peter)

PETER (para de trabalhar, salta sobre Kevin, e arranca-lhe a tábua) Ah, não, não, meu
camarada. No depósito, apanha uma outra no deposito. Está é minha, eu preciso dela.

KEVIN Mas eu te devolvo num segundo.

PETER (apontando) No deposito. (a uma garçonete) Que é que você quer?

KEVIN (se dirigindo ao deposito) Não custava nada bancar o ser humano uns cinco minutos,
custava?

PETER Não tenho tempo, amigo, não tenho tempo. Outra.

FABIANA (a Peter) Dois bacalhau.

ELZA (a Berta) Uma salada de queijo.

VIOLETA (a Berta, choramingando) Uma salada de presunto.

SUZANA (a Nicolas) Meus filés já estão prontos?

VIOLETA (a Paula) Um pudim de laranja e dois cafés.

NICOLAS (a Laura) Um minuto.

DIANA (a Frank) Dois frangos grelhados.

FRANK Dois frangos grelhados.

NORA (a Hellen) Vitela assada com espaguete.

ELZA (a Michel) Um omelete de camarão.

MICHEL Um omelete de camarão.

GLORIA (a Hellen) Dois rosbifes.

HELLEN Dois rosbifes.

CLARA (a Kevin) Um salmão grelhado.

FABIANA (a Kevin) Três linguados.

DIANA (a Nicolas) Duas costeletas de carneiro.

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


26
SUZANA (a Michel) Dois minestrones.

MONICA (a Peter) Quatro bacalhau.

PETER O que é?

MONICA Os quatro bacalhau que Violeta deixou cair no chão.

CLARA (referindo-se a Kevin) Esse aqui nunca está no lugar.

PETER (a Monica) Espera por mim no intervalo.

MONICA Tá, eu espero.

FABIANA (a Kevin) Anda depressa, Irlandês, meus linguados.

VIOLETA (a Michel) Um minestrone.

PETER (a Monica) Vamos dar um passeio?

MONICA Tá. Vamos dar um passeio.

CLARA (a Kevin) Meus salmões, bijuzinho, eu pedi dois salmões, você ouviu, por acaso?

KEVIN (voltando) Que merda, espera um pouco. Não pode esperar um minuto?

CLARA Dois, meu filho, dois.

GLORIA (a Peter) Uma enchova com pirão.

VIOLETA (a Nicolas) Três costeletas de carneiro.

FABIANA (a Kevin) Três linguados. Aqui não se tem tempo nem de respirar, puxa!

KEVIN Que a benção de Deus não caia nesse bordel: isto não é um restaurante, é um
manicômio!

MICHEL Três hamburgers.

NICOLAS Pratos!

DIMITRI Pratos.

KEVIN Meu deus do céu, ficaram todos doidos mesmo, todos doidos varridos. Eu não vou
agüentar.

( neste ponto todas as garçonetes entram num ciclo continuo de ordens, em volta das
praças, enquanto o barulho dos fogões aumenta e a luz vai se apagando em

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


27
resistência até BO. Os gritos de comidas, pratos, etctera, continuam na escuridão
até que o palco esteja limpo e pronto para o intervalo)

( as luzes sobem ao som de um violão, ou do rádio. É o descanso da tarde. O som dos


fogões está baixo. Paula e Rosana trabalham no seu canto. São as únicas que
trabalham no intervalo das refeições. Kevin está esticado, de costas, num banco,
esgotado. Dimitri varre devagar. Peter está sentado em uma mesa esperando
Monica. Hana está num canto com o rádio)

KEVIN Pronto. Estou pronto. Estou frito. Já viram um homem frito? Podem me servir em
fatias no jantar.

PAULA (ordenando uma refeição) Duas porções de Irlandês ensopado, com guarnição.

ROSANA Petit-pois nas orelhas, batatinhas fritas em volta da cabeça.

KEVIN Vocês viram aquilo? Mil e quinhentos fregueses, metade deles comendo peixe. Eu
tinha que começar numa sexta-feira.

ROSANA É todo dia assim, meu amor.

KEVIN (se levantando) Olha pra mim. Estou derretendo. Olha esse avental. (torce) Vê?
(deita de novo) Kevin se você ficar, não dura uma semana, Kevin, tou te avisando.
Quem avisa amigo é, meu chapa, dá o fora logo. Isso aqui não é lugar prum ser
humano, você vai morrer antes do tempo. Não pensa, Kevin, dá o fora.

DIMITRI Ei, Irlandês, o que é que você está resmungando contra esse lugar? É diferente dos
outros? Entra gente, sai gente, muito barulho, muito nervosismo, no fim de contas
pra que? Você sabe? Você faz um amigo, faz uma amizade que vai durar a vida toda
mas quando vai embora pshht! Você esquece! Então que é que adianta ficar aí
resmungando contra essa cozinha?

PETER Você é um garoto danado de inteligente, Dimitri.

DIMITRI E você é um viado imbecil. Já te disse que o teu papo não me interessa ou me esqueci
de dizer?

KEVIN Pelo amor de Deus, não vamos recomeçar a história do Nicolas. Por hoje chega, tá
bem? Agora é hora da festa nada de brigas, por favor. Vocês não ouvem? É a paz, ó!
DIMITRI (a Peter) Você é um viado.

PETER (pega uma caixa de papelão e coloca na cabeça de Dimitri)

DIMITRI (segura a caixa com raiva e vai atirá-la em Peter, ele abaixa a cabeça entre as
mãos. Dimitri desiste.)

PETER Como é Irlandês, você estava dizendo que detesta essa joça? Por que é que você não
vai pra casa descansar um pouco?

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


28
KEVIN Minha casa é um quarto de empregada com uma cama e um retrato da Virgem Maria.
Está lá, não vai embora.

PETER Isso aqui também, este lugar, vai estar sempre aqui. Não vai embora nunca. Já
pensou, Irlandês? Você taqui, a cozinha talí. A cozinha você. Você a cozinha. A
cozinha não quer dizer porra nenhuma pra você e você não quer dizer picas pra
cozinha. Dimitri tem razão, sabe? Não interessa ficar aí resmungando contra esta
cozinha. Você sai e o que é que encontra hein? Escritórios e oficinas! E aí que é que
você faz, Irlandês, me diz? Resmunga?

KEVIN Você queria chegar uma bela manhã e descobrir que ela tinha ido embora?

PETER Uma bela manhã, hein? Imagina só! A gente chega e, cadê? Foisimbora. Essa meleca
toda foisimbora.

KEVIN E ninguém mais tem trabalho.

PETER E eu ia morrer por causa disso?

KEVIN Você não liga a mínima, naturalmente.

HANADu traumst schon wieder.

KEVIN Que é que ela está latindo aí?

PETER Disse que eu estou sonhando.

KEVIN Isso tudo é maluquice.

PETER Você acha que é maluquice?

KEVIN E não é?

PETER Tem os que acham que é maluquice, que é perda de tempo. Mas você sabe lá o que é
um sonho? É quando você larga o que é e vira o que queria ser. Quando um cara
sonha ele cresce, fica maior.

HANADu bist zu alt, Pete!

PETER Eu não sou velho demais não. Nunca, nunca velho. Depois de morto a gente fica
velho demais. Aí sim!

HANAAhs, und du glaubst wir haben hier zeit zum traumen.


PETER Tem sim senhora! Tem sempre tempo pra sonhar. Eu quero sonhar. Todo mundo
devia sonhar, uma vez na vida, eu, tu, ele, nos, vos, eles. Hei, Irlandês, você sonha?
Como é que você sonha, Irlandês? Conta pra nós, vai.

KEVIN Brinca tuas brincadeiras, Peter, me deixa de fora. Já não tenho idade.

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


29
PETER Você sabe quando um homem não é homem? Quando começa a ter vergonha de ser
criança. Você está nessa, Irlandês. Você está com vergonha de bancar o infantil.
Somos todos amigos aqui, por que vergonha de sonhar, aproveita a hora. Tou te
dando a chance.

KEVIN Muito obrigado.

PETER Hei, Paula, Rosana, Dimitri, parem o trabalho um instantinho só. Cheguem aqui.
Nesse momento cada um de nós tem uma chance de sonhar. Ninguém ri do outro, tá?
Respeito. Alguém conta um sonho pra nós, só pra nós. Deus nos deu uma chance
agora, vamos aproveitar, cada um com seu sonho. Quem primeiro? Você primeiro,
Dimitri, tá?

DIMITRI Neste lugar? Com toda essa panelada em volta de mim, eu sonhar? Ah.

PETER Aí é que está. Não é nada disso. Não tem panela, nada. Aquilo é um arco do triunfo.
Faz de conta. Ali não é uma parede de gordura é o céu. O barulho do fogão é o vento,
as lâmpadas são as estrelas, Dimitri.

HANAPete, du verschwendest deine zeit!

PETER E daí? E daí se estou perdendo tempo? É uma coisa que eu tenho muito, posso gastar
a vontade... tempo. Sonha Dimitri, um sonho qualquer, que é que você está
querendo?

DIMITRI Uma...uma... não é muita coisa o que eu sonho, besteira, uma casinha, uma espécie
de...

PAULA Cabana?

DIMITRI Não.

KEVIN Uma oficina?

DIMITRI Isso mesmo. Cheia de aparelhos, ferramentas e eu podendo fazer um porrilhão de


rádios, quem sabe mesmo alguns aparelhos de televisão, e...

PETER Achh, não, seu bobo. Isso é um passatempo, não é o que você sonha realmente. Você
quer mais, muito mais Dimitri...

DIMITRI Eu...eu... não vejo mais nada, Peter. Procuro ver mas acho que é só isso que eu quero,
sabe?

PETER Pobre Dimitri. Hei, Irlandês, sonha você agora.

KEVIN Se você pensa que por ser Irlandês eu vou começar a falar de duendes e bruxas, está
muito enganado.

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


30
PETER Não estou pedindo nada disso. Isso é conto de fadas. Eu quero sonho de verdade,
com gente de carne e osso.

KEVIN Mas eu não sonho com gente.

PETER Com que então?

KEVIN Dormir! Quero dormir, sabe? Quase todo mundo dorme e sonha. Eu, ao contrário,
sonho com dormir.

PETER Que é que há com vocês todos? Hana, você, me diz teus sonhos.

HANADinheiro! Geld, Pete geld! Com dinheiro eu sou boa! Sou generosa! Amo todo mundo!
Dinheiro Pete! Dinheiro! Dinheiro! Dinheiro! (continua cantando)

PETER Rosana?

ROSANA Eu? Homens! Muitos... musculosos... limpos, cheirando a talco.

PETER Rosana, você me surpreende. Paula, você.

PAULA Faz favor, Peter!

PETER Eu te imploro.

PAULA Não!... Olha, Peter... eu vou te dizer uma coisa. Vou ser sincera com você. Você
promete que não se aborrece com a minha sinceridade? Não? ... Então eu vou ser
sincera. Eu não vou com a tua cara. Eu não gosto de você, mas não é só isso. Eu acho
você um porco! Você é grosseiro, invejoso, incompetente no trabalho, vive brigando!
Mas agora, o trabalho parou um pouco e eu estou começando a compreender você.
Quer dizer, continuo a achar você um porco, só que agora o porco já não é tão porco,
pois é! É com isso que eu sonho. Sonho com um amigo. Talvez as pessoas que eu
acho que são porcos não são tão porcos assim. Dimitri tem razão, se o mundo está
cheio de cozinhas, tem que haver porcos, é lógico!

KEVIN Calma, confeiteira, calma. Está tudo calmo agora. Vai devagar.

(após um silêncio)

PETER Eu pedi sonho, você vem com pesadelo?

PAULA Eu sonhei isso! Que culpa tenho eu se é um pesadelo?

KEVIN (a Peter) Agora estamos esperando o teu sonho, garotão.


DIMITRI Olha aqui, estamos na ONU, uma conferencia de cúpula, para entrar num concurso.
Não tem mais guerras, não tem mais brigas, um prêmio de um milhão de dólares pelo
melhor sonho. Vamos lá, Rosana quer muitos homens musculosos, eu quero uma
oficina, Paula um amigo, o Irlandês um bom colchão e Hana o que ela quer mesmo é
o milhão de dólares! Vamos Peter, um sonho grande.
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
31
PETER (olhando em volta)

PAULA Vamos lá, Peter, vamos lá.

PETER Shhhhhh. Shhhhhhiiu! ( fica embaraçado e tímido) Não posso. Não posso.

MONICA (entra) Pronto!

PETER Acabou! Já vou, já vou. Hei, Irlandês, você vai ter que voltar logo pro trabalho. Vai
pra casa mudar de roupa. Auf geht’s, auf geht’s . (sai com Monica)

DIMITRI (gritando) Maluco! Porra louca! Estamos esperando o sonho.

PAULA Eu não sei o que vocês vêem nele?

DIMITRI Eu também não sei o que eu vejo nele. Um porra louca.

KEVIN Se querem saber minha opinião, é um vulcão de merda. Té logo! (levanta-se)

PAULA (voltando ao trabalho) Não tem nem um sonho.

KEVIN Se querem saber minha modesta opinião, tudo isso é besteira. Não vejo nenhum
sentido nessa conversa toda. Também não vejo nenhuma sinceridade nesse cara. Fica
aí falando de sonho de paz, mas quando eu peço a tábua pra cortar uns limões ele me
agride como um assassino. Sonhos, tá bem! (acena e sai)

PAULA (após um tempo de silêncio) É a melhor parte do dia.

ROSANA É bom quando não tem ninguém, só ai eu descanso.

PAULA É também a parte mais comprida do dia, não é?

ROSANA É sim. A parte mais comprida.

(Dimitri começa a cantar uma canção grega, Nicolas entra, começa a cantar, Hana entra
na onda, e pouco a pouco começam a dançar uma dança grega... E no fim da
dança, Dimitri começa a chutar uma caixa de papelão como no futebol, Michel
entrando intercepta a caixa)

MICHEL E agora o grande Michel, ponta esquerda, o genial Michel está de novo com a pelota.
Avança outra vez. Momento dramático na partida. É a última oportunidade de sua
esquadra neste campeonato. Toda a defesa do Arsenal cerca o grande Michel
artilheiro. Ele hesita1 Vai passar, passou! Passou um, driblou outro, engana o
terceiro, vai chutar, chutou é Goooooooooooooollllll. Sim senhores é gol do genial
Michel! Que gol, que menino de ouro! (comemora com os outros)

PAULA É parece que tiveram uma bela tarde. E você Michel aproveitou bem o tempo?

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


32
MICHEL Duca! Uma tarde duca! Parque, um bom banho de sol, um cochilo na grama, as
garotas passando, ahhh! Você é que tem sorte. Fica aqui a tarde inteira. É duro a
gente estar lá no bem bom, e ter que voltar.

PAULA Pensei que você gostasse disso.

MICHEL Eu gosto de trabalhar. Essa volta de tarde é que é fogo. A velha Hellen não se
importa. Pra ela é tudo igual. Entra sai, cozinha, serve, dá tudo no mesmo.

(Peter e Hellen entram, Peter fica sem saber o que fazer. Aos poucos todos vão voltando)

HELLEN (para Peter) Vamos lá, Peter, vamos lá, pega no trabalho que não vai doer nada.
Mete os peitos descarrega tua raiva. Que é que você tem, está doente?

PETER Quem sabe?

HELLEN Onde é que te dói?

PETER Não dói nada. Olha aqui, Hellen...

HELLEN Ainda bem! Tem todos os dentes?

PETER Tenho.

HELLEN Está morando bem, lugar direito?

PETER Estou.

HELLEN Então de que é que você se queixa?

PETER Hellen, você entra aqui de manhã, vai direto ao trabalho, não pergunta nada a
ninguém, não dá satisfação a ninguém. Está pronta para o serviço antes de qualquer
um de nós, nunca se afoba. Me diz aqui, isso é uma boa casa?

HELLEN Depende. O Dr. Marconi não se queixa.

MICHEL (aproximando-se) Peter me dá um cigarro. ( pega e fica ouvindo)

HELLEN Olha Peter, já trabalhei em lugares onde podia cozinhar direito. Mas agora não me
interessa mais. Agora eu trabalho só pelo dinheiro.

MICHEL Perfeito! Me dá um fósforo, Peter?

PETER (a Michel enquanto procura o fósforo) Mas você gosta disso aqui, não gosta?

MICHEL Os fogões eu...

PETER Não tenho fósforos.

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


33
MICHEL Eu gosto do barulho dos fogões. Nicolas tem fogo?

NICOLAS (atira uma caixa de fósforos)

PETER Que idiota! Gosta do barulho dos fogões!

MICHEL (acendendo o cigarro) Pois é, eu gosto.

PETER Melhor pra você, faça bom proveito.

MONICA (aproximando-se da praça de Peter) Você ainda está furioso? Me desculpa eu ter te
largado lá no meio da rua. Sinto muito.

PETER Você sempre sente muito... depois, me larga ali feito um cachorro e sente muito.

MONICA Onde é que você foi?

PETER Não interessa? Por aí. Vai, te manda! Vai pro salão, que tá quase na hora. Me deixa
em paz.

MONICA Olha ai. Vê se pode... depois você não sabe por que é que eu vivo assim baratinada...
isso é maneira? A gente nunca sabe como agir com você! Eu venho pedir desculpas,
digo que sinto muito, tomo cuidado com as palavras e ai... você...você... (sai)

MAX (a Frank) Então por que você casou com ela?

FRANK Porque eu gosto dela, por que?! Por que casei com ela, porque eu gosto dela. E você?
(a Max)

MAX Porque ela me disse que eu era muito grande pra minha idade.

KEVIN (se aproxima do papo)

FRANK (a Kevin) Hei, o que você está pensando que isso daqui é? Um parque de diversões?
Vai cuidar do teu trabalho, vai.

(Suzana e Diana entram distribuindo cardápios)

KEVIN Porra, eu só fico até de noite nesta merda. Vou embora hoje mesmo.

NICOLAS Você se acostuma. Eles pagam bem.

(entra Violeta seguida do chefe)


KEVIN O dinheiro não me interessa. Não é que eu não goste de dinheiro, mas pombas, tudo
tem o seu preço. Eu nunca vi nada parecido depois que sai do exército. E ninguém se
importa, todo mundo acha que é assim mesmo.

VIOLETA (entrando no papo) E as garçonetes, que é que você diz, hein? Nos tratam como
cadelas, todo mundo nos empurra pra lá e pra cá nos pontapés.
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
34
FRANK Calma, Violeta. Você já passou o pior, que foi servir o seu primeiro almoço aqui. É o
pior, eu te garanto. O jantar é mais tranqüilo, ninguém vai te empurrar.

VIOLETA Eu já trabalhei em lugares em que a gente tinha que saber andar como bailarina,
tinha espaço para trabalhar, era civilizado.

KEVIN Colarinho engomado, unhas pintadas, já ouvi falar.

SUZANA (vai saindo, gozando Violeta)

VIOLETA A gente tinha que entrar na fila e ser examinado antes de começar o trabalho. Era
civilizado. Aqui eu estou cheia de manchas roxas!

KEVIN Olha só ela reclama! E eu, que já perdi dez quilos?

NICOLAS (apontando o dedo para Max, furioso) Não, e não, nunca mais! Não quero ouvir uma
palavra, não interessa!

MAX Tá bem, ué, tá bem! Você quer? Tá bem! Estou cheio de carregar você nas costas, atrás de
mim o dia todo. ”Max isso!”, “Max aquilo.”, “Você sabe Max?” “Como é que eu
faço Max?” Max não é teu pai não.

NICOLAS Ainda bem que essa merda não é meu pai. Meu pai era um homem direito, generoso.
Ele criou nove filhos, tudo gente de bem... papai...

MAX Que papai nada! Morreu quando você tinha três anos, deixa ele descansar em paz.

VAGABUNDO (entrando na cozinha)

MAX (gritando para Berta) Berta, o teu marido está te procurando, olha aí. (riso geral)

BERTA Segura ele ai um instante. Enquanto eu vou chamar tua mãe.

VAGABUNDO (a Kevin) Desculpa, sim. Eu queria falar com o chefe. Quem é o chefe?

KEVIN O Napoleão ali. (aponta)

VAGABUNDO Me desculpa, chefe (mostra o joelho) Sou invalido de guerra, geralmente não vivo
pedindo comida, mas hoje, o senhor vai me desculpar, perdi minha caderneta de
pensão e,,,,

FRANK Michel! Pega uma lata e dá um pouco de sopa prá ele.(sai para a dispensa)
VAGABUNDO (a Kevin) Não costumo fazer isso, mas que é que eu vou fazer?

MICHEL (dando-lhe a sopa) Taqui, toma.

VAGABUNDO Você tem um cigarro?

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


35
MICHEL Tenho e estou fumando ele, obrigado.

MAX Anda daí, toma essa sopa logo que nós temos que trabalhar. O recreio já acabou.

PETER (aproxima-se do vagabundo, pega a lata da mão dele e oferece a Max) Você já
tomou isso? Prova!

MAX Ah, que é que há? Não vem com essa não! Tou cagando pra suas atitudes bacanas, eu
trabalho pra ganhar a vida. Imbecil!

PETER (joga a lata de sopa no lixo, vai até a praça de Hana, pega duas costeletas de vitela
e dá ao vagabundo) Toma essas costeletas, agora da o pira, vai, depressa!

FRANK (voltando) Que é que é isso?

PETER Eu dei duas costeletas pra ele.

CHEFE O Dr. Marconi deu ordem?

PETER Não, mas...

FRANK Vai ver fui eu quem deu ordem e me esqueci.

PETER Não, eu...

FRANK De repente você também manda na casa.

PETER Afinal de contas o que é que é um par de costeletas. A gente vai abrir falência por
causa disso?

FRANK O que é que é, é que uma costeleta custa quatro mangos, o que é que é, é que o chefe
aqui sou eu e...

PETER (se afasta)

CHEFE (seguindo-o irritado) E não pensa que porque tem muito trabalho eu não te mando
embora, hei? Três anos não é coisa nenhuma, tá me ouvindo? Brinca comigo que eu
te ponho no olho da rua.

MARCONI (entrando) O que foi?

CHEFE Um vagabundo.Peter deu uma costeleta a ele, vai ficar sem jantar.(volta a sua praça)

MARCONI (balança a cabeça) Sabotagem. (pausa) O que vocês fazem comigo é sabotagem.
Toda a minha vida está aqui e vocês a entregam ao primeiro vagabundo que aparece.

PETER Mas a...

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


36
MARCONI Eu sei, eu sei. Sou eu que estou errado. É natural, sou sempre eu, claro. (sai para o
restaurante)

PETER (faz caretas para Marconi)

HANAToma cuidado, que ele está no seu pé.

PETER Um filha da puta. Uma casa filha da puta.

KEVIN Dizem que a gente se acostuma com tudo.

PETER Mas esta casa parece... parece...

PAULA Diz filhinho, parece o que?

PETER Deus do céu, você sabe que eu não sei? Só sei que se, se... se...

KEVIN Ah, sim, isso nós já sabemos. Se de repente ela sumisse.

PETER Já imaginou? Cada vez eu sonho mais com isso. Chegar aqui um dia e não encontrar
esta merda.

PAULA Sonha nada, Peter! Você não tem nada na cabeça.

PETER Será um sonho?

HANAOnde está o sonho que você prometeu?

PETER Não posso, não posso! (triste) Não posso sonhar numa cozinha! (chuta uma mesa)

HANAE agora age como um animal selvagem!

BERTA (entrando com Monica) Por que você não dá o fora daqui, uma moça como você...

MONICA Uma moça como eu, como?

BERTA Faz a trouxa, Monica. Estou falando de Peter, acaba com isso.

MONICA Assim sem mais nem menos?

BERTA É assim que se acaba.

MONICA Duas vezes eu fiquei grávida dele, sabe? Duas vezes eu tirei a criança. Ele queria o
filho, as duas vezes, ficou muito decepcionado. É a gente tem que acabar com isso.
BERTA Por que é que é tão difícil dar o fora?

MONICA Boa pergunta, tia Berta.

PETER (se aproximando de Monica) Eu estou muito arrependido...


A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
37
MONICA Belo futuro o nosso. Por falta de desculpas a gente não vai morrer. Antes, depois, no
meio. Primeiro foi você, depois eu, agora...

PETER Você viu o mendigo?

MONICA Que mendigo?

PETER Ah, você não ouviu nada?

MONICA Ouviu o que?

PETER (rindo) Tive uma briga por causa de um mendigo que entrou aí. O Dr. Marconi e o
chefe mandaram dar sopa para ele numa lata. Eu joguei a lata fora e dei duas
costeletas ao pobre diabo.

MONICA E o Dr. Marconi te pegou fazendo isso?

PETER (imitando) “Sabotagem, vocês entregam a minha vida ao primeiro vagabundo que
aparece. “

MONICA Oh, Peter.

PETER (carinhoso) Escuta, você sabe onde é que eu fui hoje de tarde? Fui comprar teu
presente de aniversário.

MONICA Você comprou um presente pra mim?

NORA (para Hana) Duas costeletas de vitela. (a Kevin) Dois linguados.

HANAUma costeleta de vitela.

FABIANA (a Michel) Um minestrone.

GLORIA (a Michel) Um minestrone.

(enquanto Peter e Monica continuam conversando afetuosamente, um grito


repentino vem do fundo da cozinha, Nora dobrou-se de dor e desmaiou. Muitos
correm pra ela, Hellen aproxima-se)

HELLEN Tudo bem, agora sem tumultuar levem ela para o restaurante, sem tumulto. (o grupo
se dispersa enquanto Nora é levada para o restaurante)

PAULA Quem era? O que houve?


CLARA É a Nora, ela desmaiou.

KEVIN O que causou isso?

NICOLAS O calor. Sempre afetando alguém.


A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
38
PETER Você acha que nós precisávamos passar por isso? Eu não me importo de ser
responsável. Afinal é meu filho.

MONICA Por favor, não vamos começar tudo de novo.

PETER Então me diz o que é que você quer que eu faça?

MONICA (mudando de assunto) O chefe ficou muito furioso?

PETER (num berro) Monica! (ela sai)

VIOLETA (submissa, a Peter) Você já está servindo Peter? Eu quero três badejos especial.
Pedido da Dra. Marconi.

PETER Já são seis e meia?

VIOLETA Mais ou menos...

PETER O serviço começa as seis e meia...

VIOLETA Mas foi a Dra. Marconi que...

PETER Seis e meia!

DIANA (a Hana) Dois salsichões!

(o serviço está começando. O serviço do jantar não é tão violento quanto o do almoço e
leva muito mais tempo para adquirir plena velocidade. As garçonetes começam a
trabalhar)

SUZANA (a Kevin) Dois linguados.

KEVIN Eu preferia um jaguar. É muito luxuoso. Eu era capaz de morar num jaguar.

NICOLAS Você já viu o novo citroen? Pegaram uma rã, botaram quatro rodas e estão vendendo
como carro. Francês é fogo.

HANAIsso não quer dizer nada. O Volkswagen também tem cara de poucos amigos e é um carrão.

KEVIN Carrão! Pra quem não tem dinheiro!

HANASó a Alemanha é capaz de fazer um carro como o Volkswagen.


KEVIN Então deixa os alemães com ele.

SUZANA (a Max) Já soube o que aconteceu com Nora? Levaram ela pro hospital.

MAX Que é que ela tinha?

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


39
SUZANA Está grávida.

MAX Nem notei.

SUZANA Ela fez de tudo pra ninguém notar. Por isso é que desmaiou.

MAX Aborto?

SUZANA Acho que sim. Mas não foi acidente.

MAX (sacudindo a cabeça) Que estupidez! Que merda!

SUZANA Falar é muito fácil, ela já tem dois filhos. O Marconi está puto lá fora. Ela começou a
se sentir mal no salão. Tiveram que segura-la.

MAX Ela tomou alguma coisa?

SUZANA Andou tomando umas injeções meio violentas. E vou te dizer, aqui tem pelo menos
mais duas garotas na mesma situação dela. Tomaram a mesma porcaria.

VIOLETA (a Hana) Duas costeletas de vitela.

SUZANA Sabe quem é uma das duas? (aponta Peter com uma inclinação de cabeça)

MAX Monica?

SUZANA (afirmando com a cabeça) Não vai dizer a ninguém que eu te contei, hein? (continua
seu percurso)

GLORIA (a Hana) Dois hambúrgueres.

MAX Eu sabia que isso ia acontecer.

SUZANA Dois salmões (a Peter, que está sentado de costas para sua praça) Acorda Peter,
vamos trabalhar. Manda dois salmões. (Peter levanta lentamente para servi-la)

MAX Isso não adianta. Só tem uma maneira, é tirar por onde entrou... uma injeção (gesto
negativo)

NICOLAS Que é que é, Max, agora você entende disso? (zombando) Um doutor!

MAX Entendo disso, sim senhor. Aprendi no exército. Lá a gente não tem o que fazer e fica
estudando essas coisas.
CLARA (a Hana) Um badejo.

DIANA ( a Peter) Três bacalhau.

PETER Ainda não está pronto.

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


40
DIANA Anda, Peter, deixa disso, três bacalhau.

PETER Ainda não tem, volta daqui a cinco minutos.

(todos os cozinheiros cantam “hi, hi, hi, lohi lá “ para Peter)

CLARA (a Hana) Quatro costelas de vitela.

GLORIA (a Peter) Três badejos champinhon.

VIOLETA (a Peter) Dois salmões. (como já há uma fila ela procura se servir sozinha)

PETER (a Violeta) Quer esperar que eu sirvo? Eu sirvo. Você pede, eu sirvo!

VIOLETA Você estava ocupado.

PETER Não interessa. Aqui é meu lugar, o teu é lá. (indica o outro lado da mesa)

VIOLETA Espera aí, que merda você pensa que é, hein? Vai mandar na tua mãe, tá ouvindo?

PETER Você não precisa se preocupar com a merda que eu sou, eu sou o cozinheiro daqui, tá
certo? Você é a garçonete, combinado? Lá no salão você pode até fazer cocô em
cima dos fregueses que não me interessa.

VIOLETA (pegando outro prato) Não pensa que eu vou receber ordens de você, seu... eu....

PETER (berrando e tirando o prato das mãos dela) Larga isso! Deixa isso aí! Eu te sirvo!
Eu! Eu sou o rei aqui. Eu moro deste lado e aqui ninguém entra! Foda-se!

VIOLETA (muito calma) Boche de merda. Nojento, alemão filho da puta! (larga sua bandeja
na mesa e vai saindo)

PETER De que é que você me chamou? O que é que eu sou? Repete. (berrando) Repete!

VIOLETA (para petrificada)

( todos olham. Peter pega o cutelo, todos recuam, ele olha para Violeta, mas ela não é o
inimigo, então com um grito “auf geht’s ele ataca alguma coisa com golpes
violentos. Os fogões se apagam. Um instante de total silêncio. Tentam dominar
Peter, mas ele se solta e foge para o restaurante, alguns o seguem)

MICHEL Puta merda, ele arrebentou o tubo de gás! Dimitri fecha o registro!

FRANK Segura ele! Agarra ele!

( ouve-se barulho de louças e vidros caindo no chão, gritos algumas garçonetes entram
assustadas, vindo do salão)

KEVIN Virgem Maria, mãe de Deus, ele ficou maluco. O cara tá maluco!
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
41
DIMITRI O porra louca! Eu sempre disse que ele era maluco. Quebrou a louça que estava
empilhada no balcão.

MICHEL Maluco, seu!

KEVIN Eu sabia que ia acontecer uma coisa assim. Era fatal.

( o grupo na porta abre passagem para Hana e Hellen que trazem Peter. As mãos de Peter
estão vermelhas de sangue. Manchas de sangue também na cara. Parece
terrivelmente cansado. Michel arranja um banco)

BERTA (a Michel) Telefona para o pronto socorro.

SUZANA Monica já telefonou.

MONICA (abre caminho, está soluçando. Traz uma caixa de medicamentos e um pano. Hellen
tira o pano da mão dela. Tenta passar um liquido nas mãos de Peter. Ele a empurra.
Vai embora correndo. Hellen enrola a mão de Peter no pano)

PETER Tá doendo, porra, tá doendo.

HELLEN Fica quieto!

FRANK (curvando para Peter) Imbecil! (pausa) Imbecil! E agora? Parou a cozinha inteira!
Ninguém mais trabalha. Viado!

PETER (a Hellen) Afinal ele resolveu tomar uma atitude.

FRANK (furioso) O que é que você quer dizer com isso? Quer dizer que eu não tenho
autoridade?

HELLEN (delicadamente tirando, Frank) Deixa ele, chefe, deixa ele agora.

CHEFE Responde aí, o calhorda, o que é que você quer dizer: “afinal ele resolveu tomar uma
atitude?” É você quem vai me ensinar a tomar atitude, é? Eu trabalho quarenta anos e
de repente chega um merda qualquer e vai me ensinar o que é que eu devo fazer, é
isso? Quem é você?

(todos se afastam para que o Marconi passe)

MARCONI (terrível e calmo) Você parou a minha vida inteira. (pausa) Deus te deu permissão
para fazer isso? Você pediu a Deus pra fazer isso? Você entende; só se foi Deus
porque ninguém, ninguém... tem esse direito. Entendeu? Ninguém!

HELLEN Está bem. Vai com calma, Dr. Marconi. O rapaz já sabe que tem que ir embora!
Deixa ele em paz.

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


42
MARCONI (para Frank) Por que é que todo mundo quer me sabotar, Frank? Eu dou trabalho, eu
pago bem, não pago? Deixo todo mundo comer à vontade, ou não deixo? Eu não sei
mais o que fazer pelos que trabalham comigo. O sujeito trabalha, come, eu pago a
ele. A vida não é isso? Então onde é que está o meu erro, deve haver um erro, Frank.
Eu vivo num mundo direito, não vivo? (a Peter) E você vem com um golpe e para o
meu mundo, um moleque! Parou o meu mundo! Alguma explicação tem de ter. ( ao
pessoal) Há alguma coisa que eu não saiba?

PETER (vai saindo)

MARCONI Imbecil de merda! O que é que você quer mais? Me diz? (Peter para olha para
Marconi e sai) O que é que você quer mais! (olhando para o pessoal e gritando) O
que é que vocês querem mais? O que é que vocês querem mais? O que é que vocês
querem mais?

FIM

ciacenica@sti.com.br

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


43
P A 2 – B / Noite

Espetáculo: A Cozinha

Autor: Arnold Wesker (inglês)

Professor: Alex Capelossa

Pretensão de teatro: Teatro 2

OBS: Este é um espetáculo onde os atores/alunos ficam a maior


parte do tempo em cena (o espetáculo retrata uma cozinha de
um restaurante que serve 1.500 refeições por período), e para
isso precisamos de uma boca de cena grande. A largura nos
interessa bastante, então seria ideal o Teatro 2. (a princípio
estamos ensaiando pensando no Teatro 2, se for possível seria
o melhor para o exercício cênico)

A COZINHA

A ESCOLHA DO TEXTO

A montagem tem por objetivo aprimorar o aprendizado dos atores/alunos,


através do desenvolvimento de um projeto teatral em todas as suas diversas
fases.
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
44
O grupo sentia a necessidade de montar um espetáculo que proporcionasse o
uso de uma linguagem mais contemporânea, bem como a construção e
apresentação de personagens estivessem mais próximos do real universo dos
atores.
Deparávamos com outra necessidade, o número de personagens deveria ser
elevado. Principalmente por tratar-se de um exercício dramático onde todos,
supostamente, devessem ter um desempenho equilibrado. Foi o que nos levou a
escolher, A COZINHA de Arnold Wesker.

UMA BREVE SINOPSE

A Cozinha, de Arnold Wesker, é uma peça que nos apresenta um único dia na
vida de profissionais que vivem nas cozinhas dos grandes restaurantes. Um dia
realmente cheio de acidentes e incidentes. Diante de nossos olhos desfilam amores
clandestinos, uma briga a faca, um banho de água fervente, abortos, piadas, humor
negro, fofocas e finalmente, um escândalo. Tudo sob pretexto bastante claro: mostrar
o que acontece na vida de pessoas presas a atividades monótonas, extremamente
práticas, pouco estimulantes e nada criativas. Pessoas que, em decorrência disso,
tornam-se frustradas e completamente limitadas. É uma metáfora do mundo, com
seus desníveis sociais e conflitos de diversas origens.

A PROPOSTA – CORAGEM PARA OUSAR

Inicialmente a coragem de ousar um espetáculo de grande magnitude. Acreditamos


que um grupo jovem pode e deve defrontar-se com grandes textos. Correr grandes
riscos, por que não?! O trabalho de ator que a peça propõe, passa por eixos de
confronto de dupla natureza, Ator-personagem e Personagem-platéia. Ator que tem a
capacidade de mutar, mudar sua estrutura gestual à procura da caracterização precisa
de um cozinheiro. Relação entre os personagens através de diálogos e intenções que
nos revelam comportamentos e hábitos largamente adquiridos. Para os atores foi
apresentado um desafio, criar estes personagens a partir da sintonia entre a mímica
(descascar legumes, fritar, varrer, etc), a ação física e verbal como forma de expressar
o universo interior de cada personagem. Fazemos um convite ao público para juntos
espiar o interior desta grande cozinha. Queremos abrir as portas e janelas para deixar
que o olhar do espectador se movimente livre e solto nessa agitação toda, nessa
confusão toda.

O AUTOR

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


45
Arnold Wesker nasceu no East End, periferia de Londres, em 1932, numa família da
classe operária judia. Trabalhou durante alguns anos nos mais variados serviços.
Posteriormente fez um curso de cinema. Sua primeira peça, “Sopa de frango com
cevada”, é de 1958 e junto com, “Raízes”-1959, e “Estou falando sobre Jerusalém”-
1960, confirmam a famosa Wesker Trilogy. A trilogia sobre as famílias judias pobres
à procura de melhores condições de vida. Em 1961 escreveu o texto definitivo de “A
Cozinha” que iniciara em 1959 e no ano seguinte, “Batatas fritas a vontade”, entre
outras peças posteriormente escritas. Quase todas suas peças foram representadas no
Royal Court Theatre de Londres. Foi um dos primeiros a criar um centro de cultura
alternativa, o Centre 42, primeira tentativa, na Inglaterra, de descentralização do
teatro de das artes em geral, realizada com apoio de entidades sindicais. Ele faz parte
do movimento dos “Jovens Irados”, que foi o início de uma nova dramartugia inglesa.
Um movimento variado, dissonante e aberto onde escritores acadêmicos como Robert
Bolt e Peter Shaffer, paradoxais como Harold Pinter, irônicos como John Arden e o
próprio Osborne, coexistiam ao lado de um socialista apaixonado, astuto e ingênuo ao
mesmo tempo, chamado Arnold Wesker.

O GRUPO

O grupo surge de alunos do Teatro Escola Macunaíma somados a convidados.


Montar a Cozinha para nós, antes de tudo é muito mais que um exercício dramático
ao fim de um período letivo. A Cozinha é uma lição diante do trabalho em si e diante
da carreira escolhida. Percebemos a dificuldade de se fazer teatro num país onde ele é
elitizado. Para nós atores do Grupo, trata-se da escolha definitiva de não mais brincar
de teatro. A opção de continuarmos em frente, chegarmos até aqui mais completos. É
o teatro como opção / profissão.

ROTEIRO DE LUZ

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


46
ENTRADA -Max entra, põe uniforme, espirra, acende os fogões, toma um gole entra
Berta ( COMEÇA COM OS CONTRAS E VAI ENTRANDO COM O
GERAL. QUANDO ELA ENTRAR O GERAL JÁ ESTÁ PRONTO
NÃO NECESSARIAMENTE 100%.

PAPOS ALTERNADOS

RUSH Depois do almoço dos cozinheiros entram as garçonetes:

1a FASE: DUAS COSTELETAS DE VITELA (Barbara)

2a FASE: DESENTENDIMENTO ENTRE MAX E NICOLAS


NICOLAS (quase histérico) Max, me dá uns filés e costeletas de carneiro, depressa.

MAX (com raiva) Um segundo, porra, eu não posso fazer tudo ao mesmo tempo!

NICOLAS (em pânico) Eu já tenho seis pedidos de filé.

MAX Que é que você quer que eu faça?

NICOLAS Todo mundo é igual nessa merda. Ninguém ajuda ninguém. Mal começo e já tem um
fila que não acaba mais na minha frente.

3a FASE:
DEPOIS QUE CAI A BANDEJA DA VIOLETA
(TROMBADA)
ACABA NA LOUCURA SÓ COM OS CONTRAS E A NEGRA SE
POSSÍVEL DEIXAR NO FINAL SÓ A NEGRA
COMEÇA O INTERVALO . (o clima é bem calmo / silêncio)

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


47
A LUZ COMEÇA A APRESENTAR:

1A O FOGÃO
2A O KEVIN
3A AS MENINAS NO FUNDO (PRATICÁVEL)
4A VAI ENTRANDO COM O GERAL QUE O VARREDOR VAI
FALAR

É HORA DE SONHAR / PODE SER UMA LUZ MAIS SUAVE

VOLTA DO ALMOÇO

DEPOIS DA DANÇA
O FUTEBOL
E AÍ A COZINHA JÁ ESTÁ NO SEU RITMO DE NOVO

PAPOS ALTERNADOS

FINAL

A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa


48

S-ar putea să vă placă și