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De Arnold Wesker
V-2
1999
Esta peça se passa na grande cozinha de um restaurante chamado Tívoli. Todas as grandes
cozinhas nos momentos de serviço mais intenso, viram um verdadeiro hospício. No movimento
frenético se ampliam picuinhas, surgem susceptibilidades, acontecem equívocos insanáveis, o
orgulho explode. O pessoal da cozinha instintivamente odeia o pessoal que serve na sala de
refeições, e todos juntos odeiam o freguês. Esse é o inimigo. Para Shakespeare, o mundo era um
palco: prá mim é uma cozinha. Aqui as pessoas entram sem tempo suficiente para se conhecerem, e
as amizades, inimizades e amores são esquecidos com a mesma rapidez com que nascem.
Num restaurante grande como este, a qualidade da comida é menos importante do que a
rapidez do serviço. Por isso, cada empregado tem uma tarefa bem definida. Enquanto mostramos a
ação de um indivíduo ou grupo, o resto da cozinha continua sua faina frenética, da mesma maneira.
Ninguém pode parar... e porque ninguém pode parar, enquanto a ação central se desenrola,
mostramos um pequeno esquema da cozinha e do que fazem todos, todo o tempo.
Frank é o chefe. Aves. Não chateia e o contrário também é verdade, nada o alegra. A
organização corre por si só, quase automaticamente.
Hellen. Assados. É a cozinheira típica no sentido de que não ajuda nem aceita ajuda de
ninguém. Também não ensina nada.
Hana. Frituras. Alemã, está trabalhando em Londres num sistema de intercâmbio. Fala com
sotaque.
Peter. Peixes cozidos. Trabalhando no Tivoli há três anos, agressivo, excessivamente alegre.
Fala com sotaque alemão.
Kevin, peixes fritos. Recém empregado, Irlandês. Fica completamente tonto com a loucura
do trabalho.
Nicolas, grelhados. De origem cipriota. Quando o trabalho começa tende a entrar em pânico,
fica doido e grita com todo mundo. Está com o olho roxo.
Michel. Minestrones e omeletes. Ele é o que o dialogo manda, boa praça, lembrando que ele
é um cozinheiro e em dado momento os cozinheiros são doidos.
Rosana e Paula são confeiteiras. Rosana é italiana com leve sotaque. As duas contrapondo-
se à loucura ambiente, são calmas e sem qualquer inclinação ao pânico.
A) Que os personagens tenham o que fazer (mímica) no intervalo das falas, ou enquanto
cochicham com os colegas.
B) Que na hora do serviço começar, os personagens tenham a sua frente uma quantidade bem
variada de bandejas, travessas, potes e molheiras, prontos para serem entregues as garçonetes,
quando elas pedirem.
PERSONAGENS
MAX
BERTA
ROSANA
PAULA
SUZANA
DIMITRI
DIANA
HANA
MONICA
HELLEN
MICHEL
NICOLAS
KEVIN
PETER
FRANK
MARCONI
GLORIA
CLARA
NORA
FABIANA
VIOLETA
ELZA
VAGABUNDO
Esta adaptação foi feita em cima das necessidades do PA 2 B Not. 2 o semestre de 1999.
Tomei a liberdade de mudar o sexo e condensar personagens, para que se adequasse as nossas
circunstâncias.
A COZINHA
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
3
De Arnold Wesker adaptação de Alex
Capelossa
BERTA (entra e passa por Max) Bom dia! (para, olha e segue ao trabalho)
MAX (arrota)
PAULA (entrando, para Berta) Bom dia, minha querida. Bom dia pra você também, Max.
BERTA Dia.
MAX Quantos?
ROSANA Três. Você pode me dar agora, pra mim meter na marmita antes do pessoal chegar?
MAX (dando a Rosana) Mas não esquece minha torta amanhã, hein?
ROSANA Tem. Mas você toma conta das tortas e deixa os bolos comigo.
DIANA (mostrando o restaurante à Violeta, uma garçonete nova) Por aqui se vai ao
restaurante.
VIOLETA Eu não estou acostumada a trabalhar em lugar assim. Eu estava no Cloche D’Argent.
(saem)
ROSANA Ótimo, fazemos uma noitada de solteironas. Usamos as costelas que Max me deu.
ROSANA Tem vezes que eu acho uma sorte não ter marido.
PAULA É mesmo.
ROSANA Me desculpa, Paula, eu tinha esquecido.
SUZANA Que o sol brilhe pra você o dia todo meu querido. (se espreguiçando) Ah, como
minha cama estava boa. Ei Rosana, o que é que aconteceu com o Peter e o Nicolas
ontem?
ROSANA Aquele é um imbecil total! Eu nem entendi o que é que estava acontecendo. Como é
que foi Paula?
PAULA Só sei que ele brigou com o Nicolas... o motivo ninguém sabe.
MAX Um imbecil mesmo. Um bosta de alemão, é o que ele é. Sempre brigando. Não tem
ninguém aqui com quem ele já não brigou. Estou mentindo? Não sei porque foram
inventar essa porcaria de intercâmbio de cozinheiros. Há três anos que esse cara tá
aqui, três anos! (sai para pegar outra cerveja)
PAULA Vivem brigando na frente de todo o mundo. Gritando um com o outro. Vivem aos
berros! Tem vezes que ela nem olha prá ele. Fica esperando de costas, enquanto ele
prepara os pratos.
SUZANA Coitado do rapaz. Ele não tem pais, você sabe. Mas, o que é que aconteceu ontem?
PAULA O que todo mundo viu, foi que eles de repente começaram a berrar um com o outro.
Mas aí pararam de berrar e partiram apara o físico. Quando Peter ia levando
vantagem, Nicolas puxou uma faca de desossar galinha e foi pra cima dele. Peter fez
a faca voar com um safanão e...
ROSANA ... E aí levantou Nicolas com as duas mãos e ia sentando ele no fogão quente...
SUZANA Foi, sei, isso eu vi. E ouvi também o Nicolas gritar: “Não acabou não, isso não fica
assim...” Mas continuo sem saber o inicio da briga, por que é que começou?
PAULA Que interessa! Eu sempre dou bom dia ao Peter, mas boa noite, nunca. Com ele a
gente nunca sabe como o dia vai terminar.
MAX Foi por uma besteira... foi por causa de uma escumadeira.
SUZANA Ninguém diria que dentro de duas horas isto daqui vai virar um hospício.
DIMITRI (entrando) Consegui acabar, Paula, olha aí. Está prontinho. (coloca o aparelho na
mesa) Não ficou bonito, isso é que chateia.
PAULA Ah! meu meninão. Isso toca? (olhando em volta) Tem alguém aí?
ROSANA Você mesmo fez? Sozinho? Você juntou todos esses fios e araminhos, sozinho? O
que é que você está fazendo aqui, então? Por que você perde tempo lavando pratos
num lugar desses? Podia ganhar muito mais trabalhando numa fábrica.
DIMITRI Numa fábrica? E você acha que eu ia ficar feliz trabalhando numa fábrica? Que é que
eu ia fazer lá? Humm? Este araminho aqui só. Numa fábrica o sujeito trabalha tanto
numa peça só, que acaba ele virando uma peça, me entende?
DIMITRI Eu falo por que sei. Meu irmão trabalha numa fábrica. Sei muito bem.
SUZANA Escuta, Dimitri, você sabe o que aconteceu com Peter, ontem de noite?
DIMITRI Quase mataram ele. Mas a culpa não foi só do Peter. Estavam todos doidos por uma
briga. Eu não culpo ninguém. Quem quiser que culpe. (liga o rádio, alto – um rock)
TODOS O que!?!
HELLEN (entrando) Sou só eu, pessoal, não tenham receio. Bom dia para todos.
MONICA Deixa pra lá, Rosana. Esquece. Nicolas está com um olho preto. Chega.
MONICA Suzana, a Raquel ficou doente de novo, você se importa de tomar conta da minha
praça. O Hary pediu para eu fazer a recepcionista. Diana você ajuda ela um pouco.
MONICA Ah, é mesmo, formidável! Juntamos as duas coisas , ela ajuda você e você fica de
olho nela. Ao trabalho!
MICHEL (entrando. Para Berta) Bom dia gorducha! Como vai? (apertando a bunda dela)
BERTA Bem melhor que a tua mãe, que está na vida, meu filho. Um dia desses, quando eu
tiver um tempinho, vou passar essa tua roupa bem passadinha, com você dentro.
MICHEL (para Nicolas que acaba de entrar) Você está com o olho preto.
MICHEL Está bem... está bem... puxa, me olhou como se fosse me matar.
MICHEL Ah, quem? Sei lá; tudo maluco! Um dia ainda hei de trabalhar num lugar onde vou
criar obras-primas, um porrilhão de obras. Beef-Strogonoff, Galinha a Kiev, e a
pérola dos pratos da mãe Grécia: Musaka.
NICOLAS Jamé. Nunca vão te encomendar uma Musaka. Batatas fritas sim, se você for capaz
de transformar batata frita numa obra-prima, aí você vai ter freguês. Eles comem
batatas fritas com tudo nessa terra.
MICHEL Olha aqui, ô! Não pensa que vocês gregos tem o monopólio de comer bem. Já houve
tempo em que a Inglaterra sabia comer.
HANA(entrando com Kevin) Não sei onde é que você fica. Acho que é peixe frito que eles vão te
dar. (para Paula) Paula, o cuca novo.
PAULA Prazer.
NICOLAS (pegando a bandeja) Ah, não. Isso é pra mim. Fui eu que preparei ontem. É pra
minha salada, isso!
BERTA (puxando) Que tua salada! Apanha a tua salada na lata de lixo!
NICOLAS Lata de lixo uma porra. A tua é que tá lá. Eu vou comer essa , que eu fiz bonitinha.
BERTA Não quero palavrão comigo, não, ouviu? Porra é o teu país, tá ouvindo?
KEVIN Sou.
NICOLAS Vem cá, te mostro tudo. Pra começar, o cardápio... o chefe escreve aí, toda noite, o
que vai se cozinhar no dia seguinte. Ali é minha praça, bifes e costelas. Este é Max, o
açougueiro. Aqui é onde trabalha Hana; faz a comida do pessoal. Aqui é Hellen, com
os assados. Aqui pegado Frank, o segundo chefe, prepara aves... Aqui bem, você viu
aquela gorda escrota brigando comigo? Ela trabalha nos legumes. Aqui é Michel,
sopas e omeletes. Dudu trabalha aqui, mas hoje está de folga. Essas são Paula e
Rosana, massas e doces. Ali trabalha o Peter, nos peixes e cozidos, ele...
KEVIN Da Irlanda.
PETER Olha, aqui a gaita se recebe em dia. Mas você tem que largar o couro, não é mole
não. Você vai ver. Vem cá, me ajuda. Você sabe preparar um “sauce hollandaise”?
Aquela com ovos e...
FRANK (para, olha para Hana de alto a baixo, vai para sua mesa)
MAX Pois é.
MAX Continuam inteiros. Você me ajuda a limpar as carcassas? Estou sozinho hoje!
FRANK Então quando pedirem carneiro, você manda vitela. (a Kevin) Cozinheiro novo?
PETER (aproxima-se) Muito obrigado, e eu como é que fico? Tenho que fazer sozinho seis
pratos diferentes.
FRANK Dudu está de folga hoje. Alguém tem que fritar o peixe.
PETER Quiuspa! Bosta de casa. Em pleno verão e não tem pessoal. Eu estou com seis pratos
diferentes. Seis pratos, pombas!
FRANK (para Kevin) Você aí, pega o peixe no frigorífico e vem cá comigo.
HANAOntem você quase que entrou bem!
PETER Pra mim dá tudo na mesma. ( Peter e Hana começam a cantar em alemão, terminam
numa gargalhada)
PETER Olha, Nicolas, eu queria te pedir desculpas. Eu lamento muito, o teu olho, sabe...
juro, lamento mesmo...
NICOLAS Claro que vai ter que pedir desculpas. Mas não vai ser assim nessa moleza não, eu te
garanto. A coisa ainda não acabou.
PAULA Que é que há Nicolas? O rapaz está pedindo desculpa, aceita, que diabo!
NICOLAS Ah, é, aceita que diabo, e fica nisso? Ele me bota o olho nesse estado(apontando)
depois pede desculpa e pronto? (para Peter) Eu te repito, fica tranqüilo: o negócio
não terminou.
PETER Qual é o negócio que não terminou, me explica? Que é que você quer mais? Quer me
arrebentar o olho também? Isso te satisfaz? Tá bem. (mostrando-lhe a cara com
ironia) Vai, tá aqui o olho. Arrebenta ele e ficamos quites, OK? Não se fala mais
nisso.
NICOLAS Não brinca comigo, Peter, tou te avisando: você não sabe com quem tá se metendo!
MONICA (entra se aproxima de Nicolas, enquanto observam as macaquices deles) Ele faz
muito barulho mas te garanto que não é perigoso.
NICOLAS Tá bem, Monica. Não vale o que come, esse teu namorado.
MONICA Deixa eu ver o olho. Ficou uma beleza. Você devia agradecer.
NICOLAS Olha, Monica, não brinca , sim? Já, já, começa a defender esse macaco alemão.
MONICA Foi um acidente, você sabe que foi. Deixa Peter comigo.
NICOLAS Com você? Você é uma pena de galinha! Voa com o vento que sopra.
NICOLAS Ah, controla! O que ele precisa é levar um bom susto, aí ele aprende. O medo é que
ensina.
MONICA Mas que medo? Peter é um homem que não tem medo de nada!
NICOLAS Homem? Um bebe! Quer ver ele com medo? Quer ver ele chorando assustado? Diz
que está tudo acabado entre você e ele.
HANA(a Rosana que está passando com uma bandeja de doces) Bonjour, Rosana, comment ça va?
MAX (para Hana, com estupidez) Olha, aqui, ô, você está nesse país agora, ouviu? Será que não
sabe falar a puta desta língua? Cada um fala uma língua diferente!
PETER O que é que há Max? Que foi que te assustou? Bebe mais um gole que isso passa.
MAX Se alguma coisa me assustou não foi você, eu te garanto. Portanto é melhor fechar a
matraca, tá?
PETER Sabe qual é o teu problema, Max? Você já trabalhou demais nesse lugar.
PETER Há quanto tempo você está aqui? Vinte anos? Você precisa mudar de ambiente.
Visitar outras cozinhas!
HANAChega, Pete.
PETER Você não agüenta uma mudança, é isso? Caras novas te chateiam, é?
KEVIN (para Peter) Isto é todo dia assim? (enxuga o suor da testa) Olha só: eu nunca tinha
suado tanto.
PETER Isso não é nada. Isso é só o começo. Espera e você vai ver. Você está pronto?
MARCONI Não se incomode, eu pago bem. Trabalha, só quero isso, trabalha bem. (continua o
passeio)
PETER Você acha, é um filho da puta! Fala assim porque é verão e não tem gente o bastante
pro serviço; aí ele fica bonzinho. Eu no fundo quero que ele se foda, assim que me
casar, whisssssst, dou no pé.
PETER (a Monica) Vá pro inferno! ( a Kevin) É minha mulher, isso é, vai ser a minha
mulher.
KEVIN Ela parece muito com uma garota que eu tive, com uns peitões enormes e toda
rebolante.
MONICA (passando)
PETER Por que você me chama de estúpido; fica o dia inteiro repetindo isso: estúpido,
estúpido!?
PETER (seguindo-a) Que é que você está querendo? Me deixar furioso? Que é que você
queria que eu fizesse? Que deixasse ele me bater?
PETER Já vi. Já vi. E você viu a faca que ele puxou prá mim?
PETER (seguindo-a) E quando estiver fazendo a recepcionista no salão não se esqueça que
eu posso ver você pelo espelho.
PETER (resmungando) Vaca! Vagabunda! O restaurante inteiro está te vendo, sua vaca!
( Hana começa a arrumar a mesa para o almoço. Max, Hellen e Frank preparam-se para
comer na mesa de Max. Kevin, Michel, Peter e Hana comem na mesa de Hana.
Nicolas não vai porque recusa-se a sentar com Peter)
MICHEL (gritando) Quem pegou o funil? Nicolas? (acena que não) Peter?
PETER Fui eu que peguei, está sujo ainda. (a Dimitri) Hei, Dimitri, quer lavar isso pro
Michel, por favor?
SUZANA (puxando conversa) Ei, Peter, o que é que aconteceu ontem de noite?
HANAQuem foi o desgraçado que deixou uma caneca de água fervendo na estufa?
HANA(se afastando) Casa de filhos das putas. Nunca trabalhei num bordel assim. (Peter e Hellen
acompanham para prestar socorro)
FRANK (com ironia) Ela vai viver. (dispersando o grupo) Está bem pessoal, acabou. (para o
chefe) Não adianta a gente falar, eles largam tudo. (para Max) O camarada novo, vai
indo bem?
MAX Parece.
FRANK Não sei, eu não estava lá. Max, que foi que aconteceu?
MAX Alguém deixou uma caneca de água fervendo em cima da estufa, caiu na cara dela.
MARCONI Pois é, ela queimou o rosto. Não foi grave, mas poderia ter sido. (sacode a cabeça e
sai)
FRANK O que é que eu podia fazer, Dr. Marconi? Vivem correndo prá lá e prá cá feito
malucos. Estou sempre recomendando cuidado, mas eles não me ouvem. ( a Max)
Ele se importa muito. A cozinha prá ele é a única coisa que tem importância. Mais
três anos só, Max, três anos e aí eu, ó, pico a mula. Me aposento e acabou! Nunca
mais piso aqui. O lugar é teu meu filho.
MAX Ah, não! Não o papai aqui. Já tomo conta desta joça um dia por semana, estou satisfeito. Ela
que arranje outro tarado.
FRANK Mas se eu não faço isso o meu padrão de vida quem é que mantém, heim, o imbecil?
MICHEL Chefe!
MICHEL Azeda?
FRANK Azeda!
MICHEL Frango?
FRANK Leva costeletas, leva frios, frango não, tá? Frango faz volume. Quando você tiver a
minha idade, digo, a minha experiência, aí você pode levar pra casa os frangos que
quiser.
(todos tomam lugares para almoçar. Agora há menos atividades na cozinha. A calma
antes da tempestade. Umas garçonetes se movem, outro varre o chão)
SUZANA (põe as mãos no ombro de Michel) Quem é que está no peixe frito hoje?
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
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MICHEL Você me ama?
KEVIN Eu.
PETER (impedindo Kevin de se levantar) Tem tempo. Acaba de almoçar primeiro. O freguês
espera.
MONICA Você sabe que eu não consigo brigar muito tempo. Fico logo com vontade de rir.
PETER Eu te garanto que eu sou bom rapaz. Monica. Quando é mesmo a tua folga?
MONICA Amanhã.
MONICA Não.
MONICA De manhã vou fazer compras. De tarde vou ao cabeleireiro e de noite vou dançar no
Astronauta.
PETER Por que é que você vai nesse lugar? Lá só tem prostituta.
MONICA Para com isso, Peter! Você tem sempre que falar nisso em lugar cheio de gente. Eu
não te agüento! (sai)
PETER (puto, gritando) Auf geht’s Irlandês (para Kevin). Acabou agora. Auf geht’s
Irlandês, auf geht’s.
HANAMais de pressa, mais depressa! Olha só o Irlandês, daqui a pouco ele nem sabe mais o que
está acontecendo... (risos, começam a cantar Peter/Hana)
1a FASE
HANASuas, claro, minha querida! Quatro costeletas assim só pra você baby.
MICHEL (troca a sopa que Monica traz. Joga na panela de novo. Devolve a Monica)
DIANA (a Kevin) Dois Linguados. O, diabo, onde é que ele se meteu? (espera)
NICOLAS Pirô!
MAX Está bem, meu encanto... já vai. (apara a bandeja que Hana lhe atira)
2a FASE
HANAComo é Max?
PETER Um bacalhau.
MICHEL Um hambúrguer.
VIOLETA Há cinco minutos. Eu gritei bem, você estava conversando com Hana, se lembra?
PETER Não lembro nada. Volta daqui a cinco minutos. Quem é mais?
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
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VIOLETA Você não estava prestando atenção ao serviço, o negócio é esse.
PETER Você não pediu coisa nenhuma, não vem com história.
HANA(a Laura, que está esperando) Que é que há com você... vai ficar aí esperando eu passar as
costeletas?
FRANK (a Peter) Peter, há dez minutos Violeta ordenou quatro bacalhau maison e ainda não
foi servida.
VIOLETA Meu Deus, meu deus, eu não agüento, eu não agüento, não agüento.
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
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SUZANA Não liga pra isso, meu bem. Isso acontece.
VIOLETA Mas olha só, não posso Suzana. Eu não sei trabalhar desse jeito. Eu não vou me
acostumar nunca a trabalhar assim.
3a FASE
PETER Velhice, querida, velhice, sabe lá o que é isso? Vai pra casa isso é trabalho pra gente
moça.
PETER (a Kevin) Queimou! O bacalhau queimou! Há,há,há! Queimou Irlandês! Que droga!
(corre com a frigideira até o lixo)
HANATrabalhou mal, Pete, trabalhou mal hein Lieber. (ri e aponta para Kevin que está com uma
fila enorme em sua praça) Como é Irlandês, está muito ocupado?
SUZANA Dois.
KEVIN Peter, pelo amor de Deus, quer me dar uma mãozinha aqui?
PETER Pronto.
(enquanto Peter está ajudando Kevin, as três ordens seguintes se juntam na sua praça)
CLARA Um badejo.
GLORIA Um robalo.
PETER (voltando para sua praça, rindo feito um maluco) Mas olha só! Bom dia, senhoras e
senhoritas. Quem é a primeira? Por favor?
KEVIN Me empresta tua tábua de carne um instantinho só. (apanha a tábua na bancada de
Peter)
PETER (para de trabalhar, salta sobre Kevin, e arranca-lhe a tábua) Ah, não, não, meu
camarada. No depósito, apanha uma outra no deposito. Está é minha, eu preciso dela.
KEVIN (se dirigindo ao deposito) Não custava nada bancar o ser humano uns cinco minutos,
custava?
PETER O que é?
CLARA (a Kevin) Meus salmões, bijuzinho, eu pedi dois salmões, você ouviu, por acaso?
KEVIN (voltando) Que merda, espera um pouco. Não pode esperar um minuto?
FABIANA (a Kevin) Três linguados. Aqui não se tem tempo nem de respirar, puxa!
KEVIN Que a benção de Deus não caia nesse bordel: isto não é um restaurante, é um
manicômio!
NICOLAS Pratos!
DIMITRI Pratos.
KEVIN Meu deus do céu, ficaram todos doidos mesmo, todos doidos varridos. Eu não vou
agüentar.
( neste ponto todas as garçonetes entram num ciclo continuo de ordens, em volta das
praças, enquanto o barulho dos fogões aumenta e a luz vai se apagando em
KEVIN Pronto. Estou pronto. Estou frito. Já viram um homem frito? Podem me servir em
fatias no jantar.
PAULA (ordenando uma refeição) Duas porções de Irlandês ensopado, com guarnição.
KEVIN Vocês viram aquilo? Mil e quinhentos fregueses, metade deles comendo peixe. Eu
tinha que começar numa sexta-feira.
KEVIN (se levantando) Olha pra mim. Estou derretendo. Olha esse avental. (torce) Vê?
(deita de novo) Kevin se você ficar, não dura uma semana, Kevin, tou te avisando.
Quem avisa amigo é, meu chapa, dá o fora logo. Isso aqui não é lugar prum ser
humano, você vai morrer antes do tempo. Não pensa, Kevin, dá o fora.
DIMITRI Ei, Irlandês, o que é que você está resmungando contra esse lugar? É diferente dos
outros? Entra gente, sai gente, muito barulho, muito nervosismo, no fim de contas
pra que? Você sabe? Você faz um amigo, faz uma amizade que vai durar a vida toda
mas quando vai embora pshht! Você esquece! Então que é que adianta ficar aí
resmungando contra essa cozinha?
DIMITRI E você é um viado imbecil. Já te disse que o teu papo não me interessa ou me esqueci
de dizer?
KEVIN Pelo amor de Deus, não vamos recomeçar a história do Nicolas. Por hoje chega, tá
bem? Agora é hora da festa nada de brigas, por favor. Vocês não ouvem? É a paz, ó!
DIMITRI (a Peter) Você é um viado.
DIMITRI (segura a caixa com raiva e vai atirá-la em Peter, ele abaixa a cabeça entre as
mãos. Dimitri desiste.)
PETER Como é Irlandês, você estava dizendo que detesta essa joça? Por que é que você não
vai pra casa descansar um pouco?
PETER Isso aqui também, este lugar, vai estar sempre aqui. Não vai embora nunca. Já
pensou, Irlandês? Você taqui, a cozinha talí. A cozinha você. Você a cozinha. A
cozinha não quer dizer porra nenhuma pra você e você não quer dizer picas pra
cozinha. Dimitri tem razão, sabe? Não interessa ficar aí resmungando contra esta
cozinha. Você sai e o que é que encontra hein? Escritórios e oficinas! E aí que é que
você faz, Irlandês, me diz? Resmunga?
KEVIN Você queria chegar uma bela manhã e descobrir que ela tinha ido embora?
PETER Uma bela manhã, hein? Imagina só! A gente chega e, cadê? Foisimbora. Essa meleca
toda foisimbora.
KEVIN E não é?
PETER Tem os que acham que é maluquice, que é perda de tempo. Mas você sabe lá o que é
um sonho? É quando você larga o que é e vira o que queria ser. Quando um cara
sonha ele cresce, fica maior.
PETER Eu não sou velho demais não. Nunca, nunca velho. Depois de morto a gente fica
velho demais. Aí sim!
KEVIN Brinca tuas brincadeiras, Peter, me deixa de fora. Já não tenho idade.
PETER Hei, Paula, Rosana, Dimitri, parem o trabalho um instantinho só. Cheguem aqui.
Nesse momento cada um de nós tem uma chance de sonhar. Ninguém ri do outro, tá?
Respeito. Alguém conta um sonho pra nós, só pra nós. Deus nos deu uma chance
agora, vamos aproveitar, cada um com seu sonho. Quem primeiro? Você primeiro,
Dimitri, tá?
DIMITRI Neste lugar? Com toda essa panelada em volta de mim, eu sonhar? Ah.
PETER Aí é que está. Não é nada disso. Não tem panela, nada. Aquilo é um arco do triunfo.
Faz de conta. Ali não é uma parede de gordura é o céu. O barulho do fogão é o vento,
as lâmpadas são as estrelas, Dimitri.
PETER E daí? E daí se estou perdendo tempo? É uma coisa que eu tenho muito, posso gastar
a vontade... tempo. Sonha Dimitri, um sonho qualquer, que é que você está
querendo?
DIMITRI Uma...uma... não é muita coisa o que eu sonho, besteira, uma casinha, uma espécie
de...
PAULA Cabana?
DIMITRI Não.
PETER Achh, não, seu bobo. Isso é um passatempo, não é o que você sonha realmente. Você
quer mais, muito mais Dimitri...
DIMITRI Eu...eu... não vejo mais nada, Peter. Procuro ver mas acho que é só isso que eu quero,
sabe?
KEVIN Se você pensa que por ser Irlandês eu vou começar a falar de duendes e bruxas, está
muito enganado.
KEVIN Dormir! Quero dormir, sabe? Quase todo mundo dorme e sonha. Eu, ao contrário,
sonho com dormir.
PETER Que é que há com vocês todos? Hana, você, me diz teus sonhos.
HANADinheiro! Geld, Pete geld! Com dinheiro eu sou boa! Sou generosa! Amo todo mundo!
Dinheiro Pete! Dinheiro! Dinheiro! Dinheiro! (continua cantando)
PETER Rosana?
PETER Eu te imploro.
PAULA Não!... Olha, Peter... eu vou te dizer uma coisa. Vou ser sincera com você. Você
promete que não se aborrece com a minha sinceridade? Não? ... Então eu vou ser
sincera. Eu não vou com a tua cara. Eu não gosto de você, mas não é só isso. Eu acho
você um porco! Você é grosseiro, invejoso, incompetente no trabalho, vive brigando!
Mas agora, o trabalho parou um pouco e eu estou começando a compreender você.
Quer dizer, continuo a achar você um porco, só que agora o porco já não é tão porco,
pois é! É com isso que eu sonho. Sonho com um amigo. Talvez as pessoas que eu
acho que são porcos não são tão porcos assim. Dimitri tem razão, se o mundo está
cheio de cozinhas, tem que haver porcos, é lógico!
KEVIN Calma, confeiteira, calma. Está tudo calmo agora. Vai devagar.
(após um silêncio)
PETER Shhhhhh. Shhhhhhiiu! ( fica embaraçado e tímido) Não posso. Não posso.
PETER Acabou! Já vou, já vou. Hei, Irlandês, você vai ter que voltar logo pro trabalho. Vai
pra casa mudar de roupa. Auf geht’s, auf geht’s . (sai com Monica)
KEVIN Se querem saber minha modesta opinião, tudo isso é besteira. Não vejo nenhum
sentido nessa conversa toda. Também não vejo nenhuma sinceridade nesse cara. Fica
aí falando de sonho de paz, mas quando eu peço a tábua pra cortar uns limões ele me
agride como um assassino. Sonhos, tá bem! (acena e sai)
(Dimitri começa a cantar uma canção grega, Nicolas entra, começa a cantar, Hana entra
na onda, e pouco a pouco começam a dançar uma dança grega... E no fim da
dança, Dimitri começa a chutar uma caixa de papelão como no futebol, Michel
entrando intercepta a caixa)
MICHEL E agora o grande Michel, ponta esquerda, o genial Michel está de novo com a pelota.
Avança outra vez. Momento dramático na partida. É a última oportunidade de sua
esquadra neste campeonato. Toda a defesa do Arsenal cerca o grande Michel
artilheiro. Ele hesita1 Vai passar, passou! Passou um, driblou outro, engana o
terceiro, vai chutar, chutou é Goooooooooooooollllll. Sim senhores é gol do genial
Michel! Que gol, que menino de ouro! (comemora com os outros)
PAULA É parece que tiveram uma bela tarde. E você Michel aproveitou bem o tempo?
MICHEL Eu gosto de trabalhar. Essa volta de tarde é que é fogo. A velha Hellen não se
importa. Pra ela é tudo igual. Entra sai, cozinha, serve, dá tudo no mesmo.
(Peter e Hellen entram, Peter fica sem saber o que fazer. Aos poucos todos vão voltando)
HELLEN (para Peter) Vamos lá, Peter, vamos lá, pega no trabalho que não vai doer nada.
Mete os peitos descarrega tua raiva. Que é que você tem, está doente?
PETER Tenho.
PETER Estou.
PETER Hellen, você entra aqui de manhã, vai direto ao trabalho, não pergunta nada a
ninguém, não dá satisfação a ninguém. Está pronta para o serviço antes de qualquer
um de nós, nunca se afoba. Me diz aqui, isso é uma boa casa?
HELLEN Olha Peter, já trabalhei em lugares onde podia cozinhar direito. Mas agora não me
interessa mais. Agora eu trabalho só pelo dinheiro.
PETER (a Michel enquanto procura o fósforo) Mas você gosta disso aqui, não gosta?
MONICA (aproximando-se da praça de Peter) Você ainda está furioso? Me desculpa eu ter te
largado lá no meio da rua. Sinto muito.
PETER Você sempre sente muito... depois, me larga ali feito um cachorro e sente muito.
PETER Não interessa? Por aí. Vai, te manda! Vai pro salão, que tá quase na hora. Me deixa
em paz.
MONICA Olha ai. Vê se pode... depois você não sabe por que é que eu vivo assim baratinada...
isso é maneira? A gente nunca sabe como agir com você! Eu venho pedir desculpas,
digo que sinto muito, tomo cuidado com as palavras e ai... você...você... (sai)
FRANK Porque eu gosto dela, por que?! Por que casei com ela, porque eu gosto dela. E você?
(a Max)
MAX Porque ela me disse que eu era muito grande pra minha idade.
FRANK (a Kevin) Hei, o que você está pensando que isso daqui é? Um parque de diversões?
Vai cuidar do teu trabalho, vai.
KEVIN Porra, eu só fico até de noite nesta merda. Vou embora hoje mesmo.
VIOLETA (entrando no papo) E as garçonetes, que é que você diz, hein? Nos tratam como
cadelas, todo mundo nos empurra pra lá e pra cá nos pontapés.
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
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FRANK Calma, Violeta. Você já passou o pior, que foi servir o seu primeiro almoço aqui. É o
pior, eu te garanto. O jantar é mais tranqüilo, ninguém vai te empurrar.
VIOLETA Eu já trabalhei em lugares em que a gente tinha que saber andar como bailarina,
tinha espaço para trabalhar, era civilizado.
VIOLETA A gente tinha que entrar na fila e ser examinado antes de começar o trabalho. Era
civilizado. Aqui eu estou cheia de manchas roxas!
NICOLAS (apontando o dedo para Max, furioso) Não, e não, nunca mais! Não quero ouvir uma
palavra, não interessa!
MAX Tá bem, ué, tá bem! Você quer? Tá bem! Estou cheio de carregar você nas costas, atrás de
mim o dia todo. ”Max isso!”, “Max aquilo.”, “Você sabe Max?” “Como é que eu
faço Max?” Max não é teu pai não.
NICOLAS Ainda bem que essa merda não é meu pai. Meu pai era um homem direito, generoso.
Ele criou nove filhos, tudo gente de bem... papai...
MAX Que papai nada! Morreu quando você tinha três anos, deixa ele descansar em paz.
MAX (gritando para Berta) Berta, o teu marido está te procurando, olha aí. (riso geral)
VAGABUNDO (a Kevin) Desculpa, sim. Eu queria falar com o chefe. Quem é o chefe?
VAGABUNDO Me desculpa, chefe (mostra o joelho) Sou invalido de guerra, geralmente não vivo
pedindo comida, mas hoje, o senhor vai me desculpar, perdi minha caderneta de
pensão e,,,,
FRANK Michel! Pega uma lata e dá um pouco de sopa prá ele.(sai para a dispensa)
VAGABUNDO (a Kevin) Não costumo fazer isso, mas que é que eu vou fazer?
MAX Anda daí, toma essa sopa logo que nós temos que trabalhar. O recreio já acabou.
PETER (aproxima-se do vagabundo, pega a lata da mão dele e oferece a Max) Você já
tomou isso? Prova!
MAX Ah, que é que há? Não vem com essa não! Tou cagando pra suas atitudes bacanas, eu
trabalho pra ganhar a vida. Imbecil!
PETER (joga a lata de sopa no lixo, vai até a praça de Hana, pega duas costeletas de vitela
e dá ao vagabundo) Toma essas costeletas, agora da o pira, vai, depressa!
PETER Afinal de contas o que é que é um par de costeletas. A gente vai abrir falência por
causa disso?
FRANK O que é que é, é que uma costeleta custa quatro mangos, o que é que é, é que o chefe
aqui sou eu e...
CHEFE (seguindo-o irritado) E não pensa que porque tem muito trabalho eu não te mando
embora, hei? Três anos não é coisa nenhuma, tá me ouvindo? Brinca comigo que eu
te ponho no olho da rua.
CHEFE Um vagabundo.Peter deu uma costeleta a ele, vai ficar sem jantar.(volta a sua praça)
MARCONI (balança a cabeça) Sabotagem. (pausa) O que vocês fazem comigo é sabotagem.
Toda a minha vida está aqui e vocês a entregam ao primeiro vagabundo que aparece.
PETER Deus do céu, você sabe que eu não sei? Só sei que se, se... se...
PETER Já imaginou? Cada vez eu sonho mais com isso. Chegar aqui um dia e não encontrar
esta merda.
PETER Não posso, não posso! (triste) Não posso sonhar numa cozinha! (chuta uma mesa)
BERTA (entrando com Monica) Por que você não dá o fora daqui, uma moça como você...
BERTA Faz a trouxa, Monica. Estou falando de Peter, acaba com isso.
MONICA Duas vezes eu fiquei grávida dele, sabe? Duas vezes eu tirei a criança. Ele queria o
filho, as duas vezes, ficou muito decepcionado. É a gente tem que acabar com isso.
BERTA Por que é que é tão difícil dar o fora?
PETER (rindo) Tive uma briga por causa de um mendigo que entrou aí. O Dr. Marconi e o
chefe mandaram dar sopa para ele numa lata. Eu joguei a lata fora e dei duas
costeletas ao pobre diabo.
PETER (imitando) “Sabotagem, vocês entregam a minha vida ao primeiro vagabundo que
aparece. “
PETER (carinhoso) Escuta, você sabe onde é que eu fui hoje de tarde? Fui comprar teu
presente de aniversário.
HELLEN Tudo bem, agora sem tumultuar levem ela para o restaurante, sem tumulto. (o grupo
se dispersa enquanto Nora é levada para o restaurante)
VIOLETA (submissa, a Peter) Você já está servindo Peter? Eu quero três badejos especial.
Pedido da Dra. Marconi.
(o serviço está começando. O serviço do jantar não é tão violento quanto o do almoço e
leva muito mais tempo para adquirir plena velocidade. As garçonetes começam a
trabalhar)
KEVIN Eu preferia um jaguar. É muito luxuoso. Eu era capaz de morar num jaguar.
NICOLAS Você já viu o novo citroen? Pegaram uma rã, botaram quatro rodas e estão vendendo
como carro. Francês é fogo.
HANAIsso não quer dizer nada. O Volkswagen também tem cara de poucos amigos e é um carrão.
SUZANA (a Max) Já soube o que aconteceu com Nora? Levaram ela pro hospital.
SUZANA Ela fez de tudo pra ninguém notar. Por isso é que desmaiou.
MAX Aborto?
SUZANA Falar é muito fácil, ela já tem dois filhos. O Marconi está puto lá fora. Ela começou a
se sentir mal no salão. Tiveram que segura-la.
SUZANA Andou tomando umas injeções meio violentas. E vou te dizer, aqui tem pelo menos
mais duas garotas na mesma situação dela. Tomaram a mesma porcaria.
SUZANA Sabe quem é uma das duas? (aponta Peter com uma inclinação de cabeça)
MAX Monica?
SUZANA (afirmando com a cabeça) Não vai dizer a ninguém que eu te contei, hein? (continua
seu percurso)
SUZANA Dois salmões (a Peter, que está sentado de costas para sua praça) Acorda Peter,
vamos trabalhar. Manda dois salmões. (Peter levanta lentamente para servi-la)
MAX Isso não adianta. Só tem uma maneira, é tirar por onde entrou... uma injeção (gesto
negativo)
NICOLAS Que é que é, Max, agora você entende disso? (zombando) Um doutor!
MAX Entendo disso, sim senhor. Aprendi no exército. Lá a gente não tem o que fazer e fica
estudando essas coisas.
CLARA (a Hana) Um badejo.
VIOLETA (a Peter) Dois salmões. (como já há uma fila ela procura se servir sozinha)
PETER (a Violeta) Quer esperar que eu sirvo? Eu sirvo. Você pede, eu sirvo!
PETER Não interessa. Aqui é meu lugar, o teu é lá. (indica o outro lado da mesa)
VIOLETA Espera aí, que merda você pensa que é, hein? Vai mandar na tua mãe, tá ouvindo?
PETER Você não precisa se preocupar com a merda que eu sou, eu sou o cozinheiro daqui, tá
certo? Você é a garçonete, combinado? Lá no salão você pode até fazer cocô em
cima dos fregueses que não me interessa.
VIOLETA (pegando outro prato) Não pensa que eu vou receber ordens de você, seu... eu....
PETER (berrando e tirando o prato das mãos dela) Larga isso! Deixa isso aí! Eu te sirvo!
Eu! Eu sou o rei aqui. Eu moro deste lado e aqui ninguém entra! Foda-se!
VIOLETA (muito calma) Boche de merda. Nojento, alemão filho da puta! (larga sua bandeja
na mesa e vai saindo)
PETER De que é que você me chamou? O que é que eu sou? Repete. (berrando) Repete!
( todos olham. Peter pega o cutelo, todos recuam, ele olha para Violeta, mas ela não é o
inimigo, então com um grito “auf geht’s ele ataca alguma coisa com golpes
violentos. Os fogões se apagam. Um instante de total silêncio. Tentam dominar
Peter, mas ele se solta e foge para o restaurante, alguns o seguem)
MICHEL Puta merda, ele arrebentou o tubo de gás! Dimitri fecha o registro!
( ouve-se barulho de louças e vidros caindo no chão, gritos algumas garçonetes entram
assustadas, vindo do salão)
KEVIN Virgem Maria, mãe de Deus, ele ficou maluco. O cara tá maluco!
A COZINHA – de Arnold Wesker / adapt. Alex Capelossa
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DIMITRI O porra louca! Eu sempre disse que ele era maluco. Quebrou a louça que estava
empilhada no balcão.
( o grupo na porta abre passagem para Hana e Hellen que trazem Peter. As mãos de Peter
estão vermelhas de sangue. Manchas de sangue também na cara. Parece
terrivelmente cansado. Michel arranja um banco)
MONICA (abre caminho, está soluçando. Traz uma caixa de medicamentos e um pano. Hellen
tira o pano da mão dela. Tenta passar um liquido nas mãos de Peter. Ele a empurra.
Vai embora correndo. Hellen enrola a mão de Peter no pano)
FRANK (curvando para Peter) Imbecil! (pausa) Imbecil! E agora? Parou a cozinha inteira!
Ninguém mais trabalha. Viado!
FRANK (furioso) O que é que você quer dizer com isso? Quer dizer que eu não tenho
autoridade?
HELLEN (delicadamente tirando, Frank) Deixa ele, chefe, deixa ele agora.
CHEFE Responde aí, o calhorda, o que é que você quer dizer: “afinal ele resolveu tomar uma
atitude?” É você quem vai me ensinar a tomar atitude, é? Eu trabalho quarenta anos e
de repente chega um merda qualquer e vai me ensinar o que é que eu devo fazer, é
isso? Quem é você?
MARCONI (terrível e calmo) Você parou a minha vida inteira. (pausa) Deus te deu permissão
para fazer isso? Você pediu a Deus pra fazer isso? Você entende; só se foi Deus
porque ninguém, ninguém... tem esse direito. Entendeu? Ninguém!
HELLEN Está bem. Vai com calma, Dr. Marconi. O rapaz já sabe que tem que ir embora!
Deixa ele em paz.
MARCONI Imbecil de merda! O que é que você quer mais? Me diz? (Peter para olha para
Marconi e sai) O que é que você quer mais! (olhando para o pessoal e gritando) O
que é que vocês querem mais? O que é que vocês querem mais? O que é que vocês
querem mais?
FIM
ciacenica@sti.com.br
Espetáculo: A Cozinha
A COZINHA
A ESCOLHA DO TEXTO
A Cozinha, de Arnold Wesker, é uma peça que nos apresenta um único dia na
vida de profissionais que vivem nas cozinhas dos grandes restaurantes. Um dia
realmente cheio de acidentes e incidentes. Diante de nossos olhos desfilam amores
clandestinos, uma briga a faca, um banho de água fervente, abortos, piadas, humor
negro, fofocas e finalmente, um escândalo. Tudo sob pretexto bastante claro: mostrar
o que acontece na vida de pessoas presas a atividades monótonas, extremamente
práticas, pouco estimulantes e nada criativas. Pessoas que, em decorrência disso,
tornam-se frustradas e completamente limitadas. É uma metáfora do mundo, com
seus desníveis sociais e conflitos de diversas origens.
O AUTOR
O GRUPO
ROTEIRO DE LUZ
PAPOS ALTERNADOS
MAX (com raiva) Um segundo, porra, eu não posso fazer tudo ao mesmo tempo!
NICOLAS Todo mundo é igual nessa merda. Ninguém ajuda ninguém. Mal começo e já tem um
fila que não acaba mais na minha frente.
3a FASE:
DEPOIS QUE CAI A BANDEJA DA VIOLETA
(TROMBADA)
ACABA NA LOUCURA SÓ COM OS CONTRAS E A NEGRA SE
POSSÍVEL DEIXAR NO FINAL SÓ A NEGRA
COMEÇA O INTERVALO . (o clima é bem calmo / silêncio)
1A O FOGÃO
2A O KEVIN
3A AS MENINAS NO FUNDO (PRATICÁVEL)
4A VAI ENTRANDO COM O GERAL QUE O VARREDOR VAI
FALAR
VOLTA DO ALMOÇO
DEPOIS DA DANÇA
O FUTEBOL
E AÍ A COZINHA JÁ ESTÁ NO SEU RITMO DE NOVO
PAPOS ALTERNADOS
FINAL