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Morte?
Por JOÃO CARLOS SILVA
Jornal Público Domingo, 08 de Fevereiro de 2004
Mas a questão vai muito além de considerações eleitorais: mesmo que Bush permaneça
na Casa Branca, existem condições para manter uma peça central da sua política
externa, a doutrina de guerra preventiva contra inimigos potencialmente perigosos, ou
esta tornou-se uma baixa da própria guerra no Iraque?
A resposta não é unânime, mas uma maioria de comentadores e académicos acredita que
esta foi de facto a primeira e a última das guerras preventivas, atirando num ápice para o
lixo a doutrina enunciada por Bush em Junho de 2002 na Academia Militar de West
Point, em Nova Iorque.
Talvez pior do que isso: a oposição à guerra - que reuniu milhões em todo o mundo e
alimentou inflamados sentimentos anti-Bush - não esmoreceu e conheceu nas últimas
semanas a maior das suas "vinganças" quando o inspector chefe dos Estados Unidos
para encontrar os arsenais proibidos de Saddam, David Kay, se demitiu e vaticinou que
nunca seriam encontradas essas armas. "Fomos todos enganados", disse Kay. A culpa -
sugeriu - foi da espionagem e das suas informações incorrectas.
"Se não pudermos confiar em espionagem rigorosa e credível para o povo americano e
para outros no estrangeiro, certamente que não podemos ter uma política de guerra
preventiva", rematou Kay.
O respeitado senador democrata Bob Graham foi no mesmo sentido: "Se continuarmos
a assentar em acções militares preventivas como parte central da nossa estratégia, é
absolutamente essencial que tenhamos informações rigorosas para justificar que a
ameaça a prevenir é iminente".
Posto na primeira linha de fogo, George Tenet, o director da CIA, veio defender a sua
agência (e também a Administração, que garantiu nunca o ter pressionado para exagerar
a ameaça iraquiana). Mas também usou uma frase que não deixa lugar a ambiguidades:
nunca os seus espiões disseram que o Iraque de Saddam Hussein constituía "uma
ameaça iminente".
Com tudo isto, George W. Bush (como o seu principal aliado na coligação, o primeiro-
ministro Tony Blair) ficou com um quente e grave problema nas mãos: credibilidade. O
que menos desejava quando a hipótese de reeleição em Novembro é mais difícil do que
se adivinhava.
"Crise de credibilidade"
Esta grave "crise de credibilidade" era apontada esta semana (ver PÚBLICO de 4 de
Fevereiro) por Zbigniew Brzezinski, ex-conselheiro de segurança nacional do
Presidente James Carter: "A confiança é um ingrediente essencial do poder, e a sua
perda reflecte-se directamente na segurança nacional da América a longo prazo. Uma
América que seja preponderante mas em relação à qual exista desconfiança é uma
América internacionalmente enfraquecida".